Hoje, volto a falar de quadrinhos da editora Júpiter II.
A editora, do teimoso / insistente / polêmico José Salles, atualmente é a única editora brasileira empenhada em trazer às novas gerações de leitores a obra do mestre Gedeone Malagola, o criador do herói Raio Negro.
Depois da série de republicações e de dar vida a aventuras inéditas do herói do anel de luz negra, e de uma edição especial com aventuras inéditas da Patrulha do Espaço, a Júpiter II traz de volta outro personagem dos tempos da Editora Júpiter original, que o próprio Malagola e mais alguns colegas fundaram no início dos anos 50, mas que teve seu fim decretado antes do fim da referida década.
Hoje, então, vamos falar das AVENTURAS DE MILTON RIBEIRO, AVENTURAS NO SERTÃO ou AVENTURAS NO CANGAÇO.
Como se sabe, Malagola criara, para a Júpiter original, diversos personagens dos mais diversos gêneros. Quando a moda do momento nos quadrinhos era o gênero faroeste – mas o faroeste estadunidense – Malagola resolveu seguir um conselho de um amigo e criar um faroeste à brasileira, elegendo, desde muito cedo, o cangaceiro como o “caubói” brasileiro.
Em 1953, seria produzido, pelos lendários Estúdios Vera Cruz, o filme O Cangaceiro, de Lima Barreto, que se tornaria um clássico do cinema nacional, sendo premiado também no Festival de Cannes, na França. O filme, estrelado pelo ator Milton Ribeiro, gira em torno do triângulo amoroso entre dois cangaceiros e uma professora, num retrato do violento período do cangaço no Nordeste brasileiro, no início do século XX. O cartaz acima é só para dar uma ideia a vocês.
Desde a época que celebrizaria Virgulino Ferreira de Souza, o Lampião, a figura do cangaceiro não seria apenas a do jagunço vestido de couro, com o tradicional chapéu de abas levantadas na cabeça, cartucheiras em volta do peito e a espingarda carregada nos ombros como a canga para atrelar os bois à carroça. Seria, antes de tudo, uma imagem controversa: simples assassinos foras-da-lei ou bandidos sociais, cuja motivação para os crimes seria a situação social do Nordeste dominado pelos coronéis? Ainda há polêmica a esse respeito, mas o fato é que os cangaceiros cometeram atrocidades durante suas jornadas pelo sertão em sua luta contra os “macacos”, os agentes do governo.
Mas voltando ao ator Mílton Ribeiro (sabiam que aqui em Vacaria, RS, temos um radialista com esse nome?). Ele era vizinho de Malagola nessa época (ambos residiam em Jundiaí, próximo à capital do estado de São Paulo), e já pensava em solicitar os serviços do desenhista para verter O Cangaceiro, o filme, para os quadrinhos. Na época, Malagola ainda era um desenhista iniciante, de 30 e poucos anos, mas já era artista ativo da editora Júpiter de Auro Teixeira.Bem, as negociações para verter o filme para os quadrinhos nunca avançaram, mas Ribeiro não desistiu. Sugeriu então a Malagola criar de uma vez por todas o herói cangaceiro, emprestando o próprio nome ao personagem. Deu carta branca a Malagola, e nunca interferiu nos roteiros ou nas histórias, exigindo apenas que o mesmo atuasse do lado “do bem”, ao contrário de seu personagem no filme. E, na revista Aventuras no Sertão, da Editora Júpiter, apareceria Mílton Ribeiro, o cangaceiro.
Diferente de seu personagem no filme, o sádico e violento capitão Galdino, o Mílton Ribeiro dos quadrinhos era um defensor da lei e da justiça no sertão, um típico mocinho de faroeste à brasileira. Os paramentos e a aparência de Mílton Ribeiro são as de um típico cangaceiro, mas suas ações são as de um herói errante, ao melhor estilo Cisco Kid ou Lone Ranger, combatendo bandidos inescrupulosos, de assaltantes assassinos a fazendeiros gananciosos e seus capangas, por onde passa. Ele não é, entretanto, exatamente rápido no gatilho ou coisa que o valha, mas é bom de briga, corpo-a-corpo ou com armas, embora também apanhe bastante antes de virar o jogo – e ele não fala a linguagem típica nordestina. Em verdade, Malagola faz os seus cangaceiros falarem corretamente, como convinha aos preceitos educacionais da época, e, ao invés de jumentos, o que seria mais comum, os faz andar a cavalo. Aliás, o único parceiro de aventuras de Mílton Ribeiro, nas primeiras aventuras, é o cavalo Pixurim, um típico cavalo de caubói, fiel e inteligente, capaz até de saltar precipícios. Mais tarde, Mílton Ribeiro ganha a adesão da garota Filhota e de um delegado, fisicamente parecido com o próprio Malagola (tal como o vilão Capitão Op-Art, dos quadrinhos do Raio Negro).
Mìton Ribeiro vive suas aventuras entre o final do século XIX e início do século XX, época de ouro do cangaço. E canta a “Mulher Rendeira”, tradicional cançoneta nordestina, antes que ela fosse composta por Lampião!
De fato, o nordeste de Mílton Ribeiro parecia mais o velho oeste dos Estados Unidos, com bandidos e mocinhos bem definidos, cujas motivações dependiam mais do caráter do que da situação social que favorecia a bandidagem, mesmo o “bandido” ser na verdade gente honesta, matando e roubando sem querer roubar – isso, ou morrer de fome, ou ser explorado pelas elites da região. Muito antes de Glauber Rocha nos trazer o seu Deus e o Diabo na Terra do Sol, o nordeste como realmente era, mas tratado feito uma tragédia grega (aliás, já assisti esse filme e detestei). Mesmo com esse nordeste “falsificado”, Mílton Ribeiro fez sucesso. Ele foi publicado também na revista Vida Juvenil, de Mauro Hora Júnior, onde o sucesso do personagem durou quase uma década.
Bem. Malagola morreu em 2008, mas suas páginas de quadrinhos não estão perdidas para sempre. A família de Malagola, com o auxílio da Júpiter II de José Salles, está trazendo de volta os personagens criados pelo autor. Em junho de 2012, a Júpiter II publicou a revista AVENTURAS NO CANGAÇO, trazendo algumas aventuras clássicas de Mílton Ribeiro, o cangaceiro.
As duas aventuras apresentadas na edição acima foram retiradas da revista Vida Juvenil, nos. 157 e 165, ambas de 1957. A arte das aventuras é muito melhor que a fase rústica que já vimos nas aventuras da Patrulha do Espaço ou do Jony Ciclone, nas revistas do Raio Negro. Os roteiros, entretanto, são marcados pela visão de mundo e da história de Malagola, típicas da época do populismo (1945 – 1964).
Na primeira aventura, com roteiro de Glauco Piovani, Cavalcanti, um inimigo de Mílton Ribeiro, semelhante fisicamente ao herói, aparentemente acaba com ele no começo da aventura, e depois assume a aparência de Mílton, para poder circular livremente nas vilas e obter informações sobre a próxima passagem dos policiais para poder cometer crimes. Mas não contava que Ribeiro sobreviveria e teria a mesma idéia, mas para acabar com o bando de Cavalcanti e pegar o bandido... Uma aventura muito criativa.
A segunda aventura é mais polêmica. Malagola revisita o conflito de Canudos (1895 – 1897), o grande conflito entre os homens liderados pelo beato Antônio Conselheiro e o exército. Malagola estava sendo guiado, nessa aventura, pela visão histórica da época, que tratava os homens de Canudos, os sertanejos que “antes de tudo eram fortes” nas palavras de Euclides da Cunha, como bandidos, e Conselheiro como vilão. De fato, hoje aceitamos que o povoado de Canudos, na verdade, era uma resposta, com religiosidade e espírito guerreiro, à situação de miséria e opressão do Nordeste brasileiro. Mas, até recentemente, Canudos era tratado pela história como um reduto de bandidos, liderados por um louco que se considerava santo, e que era contrário à República. È essa visão tradicional que prevalece – o Conselheiro de Malagola parece mais um mafioso do sertão, por assim dizer, um homem que se considerou santo e se insurgiu contra o governo depois de uma injustiça cometida contra si (ele não deixa de ser um produto da violência política e social da época). É nesse contexto que entram as ações do herói Mílton Ribeiro, que é feito prisioneiro pelos jagunços de Antônio Conselheiro, e, depois que consegue escapar, a muito custo, vai auxiliar as forças do governo contra “o reduto de bêbados, fanáticos religiosos, e abrigo dos piores fugitivos da justiça”. A aventura inclui ainda saltos a cavalo de precipícios dentro de rios, tiroteios e perseguições. Uma aventura que, apesar da visão preconceituosa de um movimento social, é divertida e bem escrita e desenhada.
Como extras, apenas uma foto de Malagola e o Mílton Ribeiro ator juntos, e o texto introdutório de José Salles. A capa é de Edu Manzano.
Cangaço a moda antiga, a R$ 3,00 reais. Outras obras em quadrinhos sobre o cangaço apareceram posteriormente, como o Raimundo, o Cangaceiro, de José Lanzelotti, o álbum Lampião... Era o Cavalo do Tempo Atrás da Besta da Vida, de Klévisson, e o Bando de Dois de Danilo Beyruth, mas esses são mais caros, sabe, apesar de melhores. AVENTURAS NO CANGAÇO é o retrato de uma época que já se foi, nos quadrinhos e na história do Brasil. Vale dar uma olhada para tirar suas conclusões, pessoal. Já soube inclusive de gente que usou o gibi em escolas!
Para adquirir, escrevam para: smeditora@yahoo.com.br. Conheçam outras publicações da Júpiter II em http://jupiter2hq.blogspot.com.br/.
É isso aí.
Para encerrar, minha interpretação pessoal, em forma de ilustração, de Mílton Ribeiro, o canganceiro. Um cara como esse a gente não encontra por aí – ainda mais no Nordeste.
Em breve, mais Júpiter II aqui no blog! Aguardem!
Até mais!
2 comentários:
achei no facebook:RECADO DE JOSÉ SALLES A RAFAEL GRASEL:
https://www.facebook.com/Jupiter2Editora/posts/335721886582195
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