Olá.
Hoje, venho falar de livro. O livro mais vendido de todos os tempos, em novo formato.
Como estamos em tempo santo – no momento em que escrevo, ainda é Domingo de Páscoa, importante celebração para cristãos e judeus (para os judeus, a lembrança da fuga dos israelitas do Egito; para os cristãos, a morte e ressurreição de Jesus Cristo) – o tema é propício.
Hoje, então, vou falar de BÍBLIA EM AÇÃO.
É fato conhecido: a Bíblia, a compilação dos livros que contém a doutrina básica das religiões católica e judaica, é o livro mais vendido de todos os tempos. O primeiro livro impresso no Ocidente – foi com a Bíblia que Gutenberg fez suas experiências que levaram à crescente popularização da cultura escrita. Um livro cheio de significados, interpretados de acordo com a conveniência do momento, e com a presença de espírito de seu leitor e comentarista potencial. Para quem crê, é a Palavra de Deus; para quem não crê, é literatura, poesia, fantasia. Para os historiadores, é a fonte principal para conhecer a vida dos povos que viveram na antiga Palestina antes e depois da passagem de Jesus Cristo por ali.
Não há muito o que se falar, na verdade, sobre a Bíblia, afinal, sendo o livro mais vendido de todos os tempos, qualquer comentário adicional, qualquer coisa que se fale sobre ela, todo mundo que segue o cristianismo sabe, portanto é inútil.
Mas a BÍBLIA EM AÇÃO tem a seu favor a nova forma de abordar o tema divino: é em quadrinhos. E desenhada por um brasileiro.
Bem, desde que os quadrinhos ganharam sua forma definitiva no início do século XX, interpretar as narrativas bíblicas em forma de narrativa seqüencial se tornou bastante comum. De uma forma de dar dinamismo às antigas pinturas murais e vitrais das catedrais, que também contam histórias da Bíblia em forma de narrativa sequencial, os quadrinhos bíblicos são, antes de tudo, uma forma de despertar no público juvenil o interesse pelas aventuras vividas por Abraão, Moisés, Rei Davi, Rei Salomão, Isaías, Jonas, Jesus Cristo e outras figuras que Deus teria usado como instrumentos para propagar sua doutrina e substituir, gradativamente, os antigos panteões pagãos no coração dos homens por uma doutrina baseada no bem ao próximo e na adoração a uma divindade superior e onipotente – pode tudo, vê tudo, age sobre tudo.
Desculpem, acho que estou me excedendo um pouco.
Como eu ia dizendo, narrativas bíblicas em forma de quadrinhos são muito comuns, desde o início do século XX. Só para dar alguns exemplos de quem já traduziu a Bíblia para os quadrinhos, temos: a Série Sagrada, da saudosa editora EBAL, que trazia, além de narrativas bíblicas, biografias de santos; a Bíblia Ilustrada pelo haitiano André Le Blanc, publicada nos EUA nos anos 50; o muito lembrado livro A Mais Bela História – a Bíblia em Quadrinhos, lançada no Brasil pela editora Paulinas nos anos 70, de Attilio Monge e João Ziella, com desenhos de Gianni de Luca; a Vida de Jesus Cristo ilustrada pelo ítalo-brasileiro Eugênio Colonnese; e até o “papa” do underground mundial, Robert Crumb, produziu sua versão em quadrinhos do primeiro livro bíblico, o Gênesis. Há algum tempo, até mesmo José Salles, da editora Júpiter II, tem lançado, com algum sucesso, a sua série Histórias Sagradas, uma tentativa de revitalizar a Série Sagrada da EBAL.
E, por hora, vou só me referir às adaptações bíblicas em quadrinhos. Se for falar também das adaptações para cinema, vou ficar me estendendo além do necessário.
Bem. A BÍBLIA EM AÇÃO tem uma proposta inovadora. Para adaptar para os quadrinhos as grandes histórias da Bíblia, foi chamado um desenhista de quadrinhos de super-heróis, para dar, assim, um clima de histórias de super-herói às narrativas bíblicas.
De certa forma, os grandes personagens bíblicos podem ser, sim, para os padrões de hoje, super-heróis. O Deus judaico-cristão teria conferido a eles poderes para operar grandes milagres, viver grandes aventuras, espalhar sua mensagem, combater vilões cruéis – geralmente adoradores insanos de deuses pagãos ou reis que escravizam ou oprimem o povo, e ainda tentam impor seus deuses ao povo. Os heróis bíblicos também serviram como base para os super-heróis que tanto conhecemos, sabiam?
Bem. A BÍBLIA EM AÇÃO foi lançada em 2010, nos Estados Unidos, e se tornou best-seller por lá, vendendo mais de 350 mil exemplares. No Brasil, a obra, de 752 páginas (!), sem contar capa, foi lançada em setembro de 2012, pela Geográfica Editora de Santo André, e já está em sua 3ª edição.
Partiu do editor da editora norte-americana David C. Cook, Doug Mauss, fazer essa adaptação, que foi ilustrada por um artista nascido no Brasil: Sérgio Cariello.
Cariello fez parte de uma das muitas levas de artistas brasileiros que foram trabalhar no exterior, desenhando histórias em quadrinhos para as gigantes Marvel e DC Comics. Estudante da Joe Kubert School of Cartoon and Graphic Art, e do Instituto Bíblico Palavra da Vida, Cariello, atualmente residente na Flórida, usou por base uma famosa Bíblia Infantil Ilustrada, que ele cresceu lendo, e, que, coincidentemente, foi a base para que Doug Mauss iniciasse esse trabalho. Para conhecer um pouco do trabalho de Cariello, visitem seus sites: www.sergiocariello.com/ (site pessoal, em inglês), e http://sergiocareiello.blogspot.com/ (blog).
Bão. A BÍBLIA EM AÇÃO apresenta 200 histórias bíblicas, em ordem cronológica de acontecimentos, em ritmo acelerado e arte super-dinâmica. As páginas, em sua maior parte, são pretas, mas algumas são sangradas, com o quadro inteiro ocupando toda a página. Os roteiros valorizam o clímax dramático das histórias, deixando o leitor com vontade de virar as páginas para saber o que vem a seguir, como vai terminar a história. Os personagens são histórica e anatomicamente bem-construídos (ganhando até mesmo massa muscular, e visual mais condizente com a época e o local), e mostrados mais em sua humanidade que em sua possível santidade (esqueçam os “chifrinhos” de luz na cabeça de Moisés, por exemplo), dando à narrativa um clima de quadrinhos de super-heróis, com dramáticos jogos de cores, luz e sombra, quadrinização dinâmica, sem violência explícita, nem os supostos trechos de sexo que alguns dizem que a Bíblia contém. Alguns trechos, que no texto original soam muito enigmáticos, são vertidos numa linguagem mais simples, própria para que os jovens compreendam.
A BÍBLIA EM AÇÃO nos apresenta um mundo onde, aparentemente, a fé podia, literalmente, remover montanhas. Para os céticos, pura mitologia, impossível ter ocorrido na vida real. Para os crentes, verdadeiros milagres. Narrativas bem conhecidas e pouco conhecidas (de quem não tem costume de ler a Bíblia) ganham forma seqüencial. Mas a cronologia, em princípio, não parece perfeita. Alguns lapsos de tempo e de personagens tornam a narrativa um tanto confusa em alguns momentos. Detenham-se apenas nas histórias dos principais personagens.
Temos, então, como principais narrativas bíblicas, cobrindo quase todos os livros da Bíblia, do Antigo e do Novo Testamentos, e só para citar alguns: a criação do mundo, a história de Adão e Eva, de Caim e Abel (uma das histórias que eu mal consigo entender: por que Deus olhou mal para o sacrifício de Caim, fato que fez com que este matasse o próprio irmão?); a história de Noé, o construtor da arca; de Jó, que perdeu tudo o que tinha – menos a fé em Deus – por causa de uma aposta do diabo; de Abraão, o pai de um povo inteiro, que quase sacrificou o próprio filho; da destruição da cidade de Sodoma, por uma chuva de enxofre, porque seus cidadãos se tornaram maus (ou será porque os homens passaram a fazer sexo anal uns com os outros?); a história de Jacó, que foi capaz de trocar uma panela de cozido pela benção paterna com seu irmão Esaú; do filho de Jacó, José, que fez carreira no Egito depois de ser vendido como escravo pelos irmãos; Moisés, que tirou seu povo do Egito, conduziu-os por 40 anos pelo deserto e recebeu de Deus as leis que regem a conduta de judeus e cristãos; Josué, o líder da primeira tentativa de reconquistar uma terra anteriormente abandonada; Sansão, o homem mais forte da Palestina, que perdeu sua força quando, traído pela amante, teve seu cabelo cortado; Rute, a obstinada viúva que faz de tudo pela sogra; Samuel, o juiz que nomeou dois reis para governar os judeus; Davi, o pastor que derrotou o gigante Golias, e que se tornou um grande rei, depois de sofrer nas mãos de seu antecessor, Saul (mas que foi capaz, depois, de levar seu amigo à morte para poder casar com a viúva); Absalão, o filho de Davi, que chegou a desafiar o próprio pai para ficar com o trono; Salomão, o sábio e muito rico rei judeu; os embates entre o profeta Isaías contra a perversa rainha Jezabel; Eliseu, o profeta milagreiro, mais conhecido por ter mandado dois ursos devorarem um bando de garotos que o chamaram de careca; Jonas, o profeta engolido por um peixe; o período em que os judeus acabaram sendo exilados para a Babilônia, onde se encaixam a história de Ester, a rainha que foi capaz de desafiar uma lei para salvar seu povo, e de Daniel, o profeta que foi jogado aos leões; e mais fatos, até o nascimento do profeta João Batista e de Jesus Cristo, cobrindo toda sua vida, seus milagres, seus ensinamentos, seus embates de palavras com os fariseus, até sua dramática morte na cruz e sua ressurreição; as aventuras posteriores de seus apóstolos, incluindo Pedro, o ex-pescador e o primeiro Papa, e as pregações de Paulo de Tarso, o ex-perseguidor de cristãos que se tornou o maior profeta do cristianismo. Entre uma narrativa e outra, trechos dos salmos de Davi, das cartas dos profetas, das epístolas dos apóstolos, dos provérbios de Salomão...
Mas ficaram alguns trechos de fora. Por exemplo, de quando Abraão serviu ao rei Melquisedec, a história de Judite, que é lembrada por ter decepado a cabeça de um general inimigo, e a história dos Macabeus.
Uma história interessante de seu lida e analisada por todos os adeptos de todas as religiões – se descontarem os trechos de ensinamentos religiosos, os trechos mais moralistas e a confusão de fatos históricos. Talvez seja o público evangélico que mais se interessará. Se religião não é bem a sua praia, aproveite dos desenhos superdetalhados, de heróis que um dia existiram ou podem ter existido, nem eu posso afirmar com certeza, apesar de eu também ser historiador. Mas, sendo um livro grosso, não é leitura para ser feita em um só dia. Mas vale a pena.
Disponível em duas versões, com capa dura e capa cartonada. Preço médio de R$ 55,00 nas melhores livrarias.
Para encerrar, dois cartuns. Depois de ler as narrativas da BÍBLIA EM AÇÃO, andei meio perturbado com a idéia de Deus estar agindo em nossas vidas e punindo nossos pecados, querendo ou não. Quer dizer, o Deus que transparece na Bíblia é mais o punitivo que o acolhedor. Perto dele, qualquer outro deus, de qualquer outro povo, pode ser uma completa mentira inventada pelos homens.
Me senti tentado a retratar passagens bíblicas com meu traço. Mas tomei outro caminho: retratar algumas passagens da Bíblia pelo ponto de vista de gente que estava de fora dos acontecimentos, de gente que “chegou agora”, que não tinha nada a ver com o que estava acontecendo. Daí o título: “A História da Salvação... Vista de Baixo”.
Os trechos escolhidos? A Crucificação de Jesus Cristo e o trecho em que, enquanto Moisés recebia as Tábuas da Lei, os que esperavam por ele começaram a adorar um bezerro de ouro. Antes de destruir o bezerro, Moisés quebrou as Tábuas da Lei – mas recebeu tábuas novas mais tarde, guardadas na famosa Arca da Aliança – a arca que Indiana Jones procurou em seu primeiro filme.
A bem da verdade, não me sinto inclinado a acreditar que Jesus Cristo tenha salvado o mundo com sua morte. Para os olhos da História, pode ter sido apenas a morte de um líder qualquer, uma morte como outra qualquer. É difícil pensar que a morte de Jesus foi para salvar o mundo do pecado. Na verdade, é difícil pensar nisso em termos globais. Valia a vida de um povo, de um reino? Valia a preservação de um planeta, de um mundo que, metaforicamente falando, estava para ser destruído naquela sexta-feira? Bem, decidam vocês, que sabem dessas coisas melhor do que eu.
É isso aí. Fiquem com as bênçãos do Deus em que vocês acreditam – ou não.
Até mais!
Nenhum comentário:
Postar um comentário