Dando segmento a falar das minhas últimas aquisições de gibis da Editora Júpiter II, do polêmico José Salles, hoje volto a falar do saudoso Gedeone Malagola.
Atualmente, a Júpiter II é a única editora brasileira empenhada em trazer para as novas gerações a republicação das centenas de páginas de quadrinhos produzidas pelo criador do Raio Negro e do Homem Lua. E também de dar vida aos roteiros inéditos que ele deixou antes de seu falecimento em 2008.
Hoje, a revista da qual falarei pertence ao segundo grupo – a dos roteiros inéditos.
Em janeiro de 2012, a Júpiter II trouxe a público um gibi exclusivo com a PATRULHA DO ESPAÇO.
OS HERÓIS
Antes de falar do novo gibi, é bom falar um pouco deste grupo de heróis.
Quem acompanha os gibis da Júpiter II, particularmente os do Raio Negro, já deve ter algum conhecimento da Editora Júpiter,que o próprio Malagola e um grupo de amigos, os quais se inclui Diamantino da Silva, Luiz Sanches, Auro Teixeira (financiador do projeto) e Victor Chiode (dono da gráfica que imprimia as revistas) fundou no início dos anos 50 do século XX. A editora durou pouco tempo, mas antes do final de 1953 já havia lançado mais de vinte gibis, quase todos desenhados por Malagola.
Dentre os gibis lançados pela Editora Júpiter, de todos os gêneros que faziam sucesso na época, estão: Capitão Wings, Congo King, Aventuras do Sertão, Piratas dos Sete Mares, Aventuras do Far-West, Professor Pinguim, Reis do Espaço, Capitão Astral... Não foi por acaso a escolha de homenagear a editora Júpiter original, cujas datas de criação e “morte” não são muito certas – Malagola não soube dar datas precisas – que norteou a decisão de José Salles de mudar o nome da sua editora, de SM editora para Júpiter II.
Bão. A Patrulha do Espaço é, atualmente, a série mais lembrada da editora Júpiter original. Do gênero ficção científica, as aventuras dos principais integrantes da Patrulha – Capitão Astral, Capitão Júpiter, Eletra e Steve Kirby – eram distribuídas pelas publicações Capitão Astral, Suplemento de Aventuras e Reis do Espaço, criadas por volta de 1953. Quando Malagola publicou, só a título de curiosidade, uma aventura do Capitão Astral na revista Raio Negro no. 5, da Júpiter II, nunca imaginou que despertaria o interesse dos leitores e entusiastas brasileiros. Não podia imaginar que essa obra seria relembrada, estudada, se tornaria objeto de culto. Antes de morrer, Malagola foi estimulado a escrever novas aventuras da Patrulha.
O leitor pode ver aventuras originais da Patrulha do Espaço, num traço muito rústico, de iniciante, nos gibis do Raio Negro – os números 5, 7 e 15. No número 14, o leitor pode conferir uma aventura com outro personagem da editora, Jony Ciclone.
Bem. A Patrulha do Espaço, como o nome já diz, é uma espécie de polícia intergaláctica, com sede na Terra, mais precisamente no Brasil, que atua em um futuro ainda distante. Quando os quadrinhos de ficção científica, tipo Buck Rogers, Flash Gordon e Brick Bradford, circulavam no nosso país, e diante das notícias das etapas da corrida espacial entre EUA e URSS, os brasileiros já sentiam vontade de fazer parte desse filão – e olha que, nos anos 50, o Brasil ainda era um país muito atrasado em pesquisa científica, visto que quase metade da população ainda era analfabeta.
Sendo membros de uma polícia intergaláctica, o Capitão Astral e o Capitão Júpiter, seus membros mais proeminentes, são heróis “burocráticos”, soldados defensores da lei e da ordem, inquestionáveis e durões. Não possuem traços de irreverência, nem questionam a ordem vigente, nem são “especialistas” em mais alguma coisa, como a mecânica, além de basearem suas ações na investigação e na execução. Estão ali, sob o comando do Comandante Marko, apenas para garantir a paz e a ordem na Terra e nas colônias terráqueas em outros planetas. O que diferencia um e outro é mais os uniformes – Capitão Júpiter, o “Rei do Espaço”, usa capa e um capacete com um penacho por cima do traje colante (é o que tem, portanto, mais jeitão de super-herói); Astral só tem para protocolar um topete tipo Superman. Já a loira Eletra, que acompanha nas aventuras ora Astral, ora Júpiter, parece formar um triângulo amoroso que nunca ficou explícito. Mas ela não difere dos outros heróis. Ela age tanto como uma mulher de ação quanto como uma mocinha indefesa, pronta para ser salva pelos heróis. Da Patrulha, ainda faz parte uns tais de Steve Kirby e Radite, que os novos leitores ainda não tiveram oportunidade de conhecer.
Cada herói da Patrulha já ganhou histórias próprias – Astral, Júpiter, Eletra, Kirby – todas publicadas na Editora Júpiter original, onde interagem com alienígenas humanóides, enfrentam bandidos humanos e monstros gigantes e chegam a qualquer lugar com foguetes capazes de “enganar” os conceitos científicos aceitáveis, usando de armas laser, congelantes e outros recursos além da inteligência . Os conceitos da Patrulha do Espaço precederam os de heróis que apareceram em seguida, como a Tropa dos Lanternas Verdes da DC Comics, a Legião dos Super-Heróis, também da DC, o Astronauta de Maurício de Souza, o Space Ghost e o Galaxy Trio da Hanna-Barbera e até a Polícia Galáctica, do anime japonês Tenchi Muyo, só para ficar nos mais conhecidos. Infelizmente, como vivíamos numa era de subdesenvolvimento quadrinhístico, aqui e lá fora, o Brasil perdeu a corrida pela primazia desses conceitos – perdeu a chance de se tornar o pioneiro. Ou talvez não tenhamos sido os primeiros a conceber uma Polícia Galáctica na literatura ou nos quadrinhos, em verdade; mas a Patrulha do Espaço já revela que os quadrinhistas brasileiros tinham, sim, ambições elevadas. Muito antes de Roberto Sales, o herói Raio Negro, se tornar o nosso primeiro astronauta brasileiro na ficção; muito antes de Marcos Pontes se tornar o nosso primeiro astronauta na vida real.
O NOVO GIBI
Enquanto as aventuras originais da Patrulha do Espaço saem nos gibis do Raio Negro, as aventuras inéditas foram lançadas em gibi próprio, pela própria Júpiter II.
O gibi acima saiu em janeiro de 2012. O artista escalado para dar forma às três aventuras roteirizadas por Malagola foi Emir Ribeiro, criador da Velta. Por isso, o gibi de 32 páginas tem capa cartonada, no lugar do papel couchê típico da Júpiter II – Emir Ribeiro sempre lança seus gibis em capa cartonada e acabamento de luxo.
Como de praxe, Emir Ribeiro aplica nas novas histórias seu estilo cheio de claro-escuro, com muitas sombras, muito dinamismo na composição das páginas, um pendor para a economia de cenas e de quadros e um toque de erotismo. Ao menos, desta vez ele procurou caprichar na arte, evitar os erros que ele cometeu em histórias recentes da Velta.
Para a presente edição, até mesmo as naves dos heróis foram reestudadas. A nave do Capitão Júpiter, por exemplo, ganhou a forma que lembra a de uma abelha; a do Capitão Astral parece um dos ônibus espaciais da NASA. Ambas substituem as naves ogivais (em forma de míssil) comuns das aventuras da Editora Júpiter original.
Bão. As três aventuras são: Os Fugitivos, onde Capitão Júpiter e Eletra perseguem, em um planetóide hostil, dois fugitivos de um planeta-prisão, os cruéis Rasgo e Biu, que raptaram uma nave-cargueira; em JS-36, o Andróide, a melhor história da edição, temos aqui um enredo que lembra os conceitos do filme Blade Runner. Um andróide (robô humanóide) condenado por crimes, que se encontra exilado em um planeta-prisão, recebe o direito de ter uma companhia feminina até o cumprimento de sua pena – essa companhia feminina é a bela ginóide (robô humanóide feminina) Maráxia. JS-36 e Maráxia se apaixonam, e desejam continuar vivendo, e para isso precisam passar pelo Capitão Astral, encarregado de dar cabo do robô; e, finalmente, em O Duque de Kent, Astral acompanha um advogado, o Doutor Charles, a uma colônia chinesa em outro planeta, para encontrar o herdeiro de uma família de aristocratas – antes que o ardiloso primo do herdeiro chegue a ele.
Evidente que, com o envelhecimento, Malagola tenha perdido um pouco o jeito para escrever roteiros, tal como fazia nos anos 50 a 70. Nos roteiros do presente gibi, fica claro que os membros da Patrulha do Espaço não estão para brincadeiras, são heróis “burocráticos”, como soldados do exército da Ditadura Militar. Isso fica claro na segunda história, onde Astral parece não ter piedade dos andróides que lutam por sua sobrevivência. Mas o pior é a terceira história: a tal colônia chinesa não é caracterizada como tal – parece mais uma colônia norte-americana. E Astral não se incomoda em alvejar o vilão da história com um tiro para salvar o herdeiro procurado. E cadê o topete dele, Ribeiro?! E esta edição não tem monstros espaciais, nem aventuras de suspense, daquelas onde as ações de heróis e inimigos podem colocar planetas inteiros em risco: só aventuras em planetas inóspitos, quase só rochas, com inimigos humanóides e sem maiores ambições além da sobrevivência ou dos bens materiais.
Malagola era um roteirista de quadrinhos à antiga: seus roteiros tinham compromisso mais com a diversão do que com a verdade científica ou as inquietações psicológicas comuns aos heróis de hoje. E dessa opinião compartilham Emir Ribeiro, José Salles, Rod Gonzalez e outros artistas da Júpiter II.
Os roteiros também tem referências à editora que publicou estas aventuras. Será o nome do andróide JS-36 uma referência ao editor José Salles? A nova nave do Capitão Júpiter se chama, evidentemente, Júpiter 2; e uma das naves pousa num espaçoporto chamado Malagola.
Como extras da edição, temos uma matéria de Rod Gonzalez (criador do herói Blenq) sobre a editora Júpiter original e a Patrulha do Espaço; e esboços de Laudo Ferreira Jr., que quase desenhou a terceira aventura, num traço de desenho animado. A capa foi montada com imagens internas do gibi, por Emir Ribeiro.
Para pedir o gibi, que antes de tudo é o retrato de um futuro no passado, de uma era que já se foi, escrevam para smeditora@yahoo.com.br. Custa R$ 4,00. Que outros gibis de ficção científica você pode encontrar por esse preço?
Conheçam outras publicações da Júpiter II no blog http://jupiter2hq.blogspot.com.br/.
Esperamos que, nas próximas edições do Raio Negro, saia mais aventuras da Patrulha do Espaço. Adoraríamos conhecer Steve Kirby e Radite, e ver mais aventuras com Astral e Júpiter, apesar do porte excessivamente soldadesco deles.
Como ilustrações minhas, desenhei os três “grandes” da Patrulha do Espaço, Astral, Eletra e Júpiter. O desenho de cima já havia sido publicado antes; já este aqui de baixo é uma livre criação de uma cena de ação. A criatura foi livre criação minha – não tinha uma idéia inicial de como seria o monstro antes de desenhar, fui me deixando guiar pela mente. É pobre, muito pobre, quem não é capaz de tirar mundos da ponta do lápis!
Em breve, mais Malagola e mais Júpiter II aqui no blog!
Até mais!
4 comentários:
na verdade, o conceito dos Lanternas Verdes vem da série literária Lensman de E.E. Doc Smith,surgida nos anos 30, alguns dos romances foram publicadas na Colecção Argonauta de Portugal, pela Livros do Brasil, que chegaram a ser distribuídos aqui, lançaram no Brasil uma versão editada como filme com o título Poder Cristal, tem como achar online, na revista Planet Comics da Fiction House (um spin-off da revista pulp Planet Stories da mesma editora) já aparecia o conceito na série The Space Rangers, as edições se encontram online nos sites Digital Comic Musem e Comic Book Plus, Gedeone Malagola se inspirou nessas HQs, José Salles escreveu:"um gibi com Capitão Astral, personagem de História em Quadrinhos criado por ele no início dos anos 50 do século passado. Na verdade, este e outros personagens eram publicados nesse gibi que oficialmente se chamava Júpiter, tal qual o nome da editora que o lançava nas bancas, fundada pelo próprio Gedeone junto aos colegas Auro Teixeira e Victor Chiodi. Por isso não é coincidência a capa desta revista que agora comento, ser idêntica ao Sky Pirates, de Murphy Anderson. Mas enfim, de qualquer forma, o que faltou em cuidado estético, sobrou em criatividade. Eram autores que, jovens de 30 anos na época, haviam lido durante toda a vida o que de melhor foi produzido na História dos Quadrinhos: Brick Bradford, Flash Gordon, Tarzan, Mandrake, Fantasma, Superman, Terry & Os Piratas, Jim das Selvas, Príncipe Valente, Buck Rogers, Tim Tyler, Buzz Sawyer, Dick Tracy, entre tantos clássicos. E toda essa influência resplandece em cada quadro de todas as páginas de Capitão Astral, ou Júpiter, numa intensidade fascinante, um mix frenético criado por alguns dos mais brilhantes neurônios tupiniquins." http://www.bigorna.net/index.php?secao=gibizoide&id=1208118064
o autor na verdade se confundiu, o nome do herói é Star Pirate, trata-se de uma splash page publicada em Planet Comics #50, Setembro de 1947 e reproduzida como capa do fanzine Near Mint, a ideia de se inspirar na ficção pulp para os heróis do que foi Planet Comics #50, Setembro de 1947
a ideia se inspirar na ficção pulp para os heróis do que foi chamada Era de Prata, foi do editor Julius Schwartz, ex-agente literário de escritores pulp, o Gardner Fox começou escrevendo quadrinhos e também publicou em revistas pulp, tanto introduziu vários conceitos na Era de Prata.
Doc Smith é apontado como um dos pais do gênero space opera.
os escritores pulp Edmond Hamilton e Otto Binder também fizeram roteiros para a DC, a esposa do Hamilton forneceu o esboço para o roteiro do filme Império Contra-Ataca, mas veio a falecer em 1978.
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