Olá.
Esta
semana, aqui no Rio Grande do Sul, as aulas estão começando nas redes estaduais
e municipais. Devido à folia da Copa do Mundo, as crianças e adolescentes estão
indo à escola, iniciando o ano escolar mais cedo que o habitual.
E, aproveitando
a ocasião, hoje vou falar de livro. Escolhi desta vez um título antigo, meio
desatualizado, mas que ainda serve.
Do
meu armário, tirei hoje a poeira de GREVE NA ESCOLA, de Ivana Versiani.
GREVE NA ESCOLA foi publicado em 1986, pela coleção Canto Jovem, da editora FTD (pela mesma coleção, foi publicado o livro Em Busca de Mim, de Isabel Vieira).
Consta
que este é o primeiro livro infanto-juvenil publicado por Ivana Versiani, autora
mineira e especialista em literatura brasileira, formada em letras pela UFMG
(Universidade Federal de Minas Gerais). A obra de Versiani ainda inclui livros
como A Revolta das Bruxinhas, Araponga,
Meu Amor, Romance da Princesa Enamorada, Ainda uma Vez, Adeus – A Romântica
Vida de Gonçalves Dias e A Menina do
Cabelo Azul. GREVE NA ESCOLA tem ilustrações de Fernando Luiz. Eis, por
enquanto, as informações mais básicas.
A
história das amigas Zelinha e Zulma, cheia de episódios marcantes e
desenvolvendo-se à maneira de uma novela ou série de TV, trata das
transformações da pré-adolescência, da descoberta do mundo, das injustiças, do
certo e do errado, enfim, em um curto espaço de tempo, as duas personagens se
transformam bastante. E, conforme o título entrega, a ação se passa durante uma
greve ocorrida na escola. Ou melhor, duas greves.
Bão,
vamos do início. Zelinha, a primeira personagem principal, é negra, filha de
uma empregada doméstica que mora em um barraco nos fundos da mansão de um
médico, tem por principais “hobbies” balançar escondida na rede da varanda da
patroa da mãe, de manhã cedinho, e espionar escondida as atividades dos
moradores de uma favelinha que fica nos fundos da casa, e estuda em escola
pública. Ela não chega a ser a aluna mais popular da escola, mas tem muitas
amizades dentro dela. E sua maior frustração é ser a última da chamada.
Mas
essa frustração acaba quando chega, repentinamente, uma aluna nova: Zulma, uma
garota vinda do interior. Filha de uma mulher separada que veio trabalhar na
cidade, Zulma tem muita saudade da sua terra, e encontra dificuldades para se
adaptar. Mas ela acaba, rapidamente, se tornando amiga de Zelinha, depois que a
negrinha vem consolá-la após ser incomodada por meninos.
Zelinha
e Zulma se tornam amigas inseparáveis apesar de terem vidas diferentes:
enquanto Zulma tem seu próprio quarto, Zelinha dorme no mesmo quarto que a mãe.
Zelinha é mais acostumada à vida na cidade, é obediente e segue as regras. Já
Zulma, saudosa da vida no interior, chega a propor que ela e Zelinha matem um
dia de aula para nadarem em uma cachoeira distante da cidade. Nesse episódio, a
negrinha começa a questionar os conceitos de certo e errado da vida, inclusive
porque a “excursão” dá certo, ambas se divertem a valer e nada de ruim acontece
a elas.
Outro
episódio marcante da vida das meninas é a visita à favelinha. Começa quando uma
moça é assaltada à frente de uma padaria, e fica sentida pela perda da bolsa,
contendo uma carta da irmã e um anel, lembrança do namorado de outra cidade.
Por acaso, Zelinha descobre que a bolsa vai parar na favelinha, e nas mãos de
uma velha com fama de feiticeira. Zelinha e Zulma vão juntas à favelinha, e,
antes de falar com a feiticeira a respeito da bolsa, presenciam-na fazer o
parto de uma mulher da favela, um momento de pura magia. Depois disso,
conseguem falar com a feiticeira, Dona Joviana, a quem propõem trazer a moça.
No dia seguinte, conseguem trazer a moça à casa de Joviana, e ela fica feliz em
recuperar a bolsa com tudo dentro – e, de quebra, Zelinha e Zulma descobrem que
a feiticeira, na verdade, é uma mulher simpática e de bom coração. A sensação
de boa ação cumprida é benéfica às meninas.
Só
aí é que começam o episódio das greves. A primeira greve é de alunos. Tudo
começa com um campeonato de vôlei feminino entre as salas: a turma de Zélia e
Zulma, do turno da tarde, tem por principal trunfo para vencer a turma do turno
da manhã a colega Sílvia. Porém, durante uma aula de educação física, Sílvia e
mais uma colega são flagradas fumando escondido. As duas acabam castigadas: a
diretora da escola, a autoritária D. Ester, causa revolta na turma ao anunciar
a suspensão das meninas da Educação Física e do campeonato. Por conta da
possibilidade de perder o campeonato, surge, de repente, uma idéia, lançada por
Zelinha: fazer greve da Educação Física até o retorno das meninas ao time.
A
ideia é boicotar as aulas de Educação Física, o que indispõe a turma com D.
Araci, a professora. As meninas chegam a conversar com a orientadora escolar, a
simpática D. Alcina. Mas saem da escola cada vez mais decididas a manter a
greve.
No
entanto, uma nova notícia vai mudar os rumos dessa “greve”: uma greve de
verdade, dos professores, por melhores salários. Começa com um boato nos
noticiários, que vai crescendo até se confirmar que as aulas serão
interrompidas – e, por extensão, o campeonato de vôlei também. É nesse círculo
que começa a se sobressair um importante personagem do livro, Maurinho, um
menino com talento para descobrir e irradiar notícias, meio enxerido, mas um
bom amigo, que vai se tornando fundamental à trama. Filho de um dos principais
líderes grevistas, Maurinho começa a se aproximar de Zelinha e Zulma assim que
sabe da greve das meninas do vôlei.
Mas
a greve dos professores não é a única coisa que acontece para virar o mundo das
meninas: Zulma acaba descobrindo, meio de repente, que a mãe, a simpática D.
Heloísa, está namorando um barbudo. Contrariada com a descoberta repentina,
Zulma chega a propor que Zelinha e ela peçam a D. Joviana que faça um feitiço
para separar os dois. Mas a velha acaba, ao invés disso, prevendo que o tal
barbudo vai ajuda-las. Essa molecagem indispõe temporariamente Zelinha com a
mãe, Das Dores, que tinha algum preconceito com o pessoal da favelinha – por
isso não autorizava a filha nem a olhar o lugar. Esse episódio ainda é
revelador sobre diferenças sociais latentes na sociedade brasileira.
Quanto
ao barbudo, D. Joviana não estava errada: Marco, um jornalista extremamente
simpático, acaba se tornando um importante aliado das meninas. Além de colocar
Zelinha e Zulma a par do funcionamento da greve dos professores, ao saber da
greve delas, se dispõe a ajudar: além de arranjar um campinho para que as
meninas possam jogar a final do campeonato, convence, junto com Zulma, D.
Heloísa a tirar um tempinho de manhã cedo para treinar o time da filha. E,
assim que conhece Maurinho, que por acaso consegue descobrir o novo local de
treinamento das meninas, ele e Marco acabam se tornando amigos.
Enquanto
isso, a greve dos professores vai crescendo – e tem em D. Ester a principal
opositora, dentro da escola. O clímax da greve ocorre quando D. Ester ordena
que um empregado da escola arranque os cartazes que os professores afixaram na
frente da escola, o que causou tumulto. O clímax maior da greve ocorre no
momento em que vários professores são presos, entre eles o pai de Maurinho.
Essa notícia causa revolta nos outros personagens, e Marco, diante do desejo
das meninas de colaborar com a greve, dá uma ideia: que o jogo final do
campeonato seja aberto ao público. O barbudo até consegue arranjar um juiz
famoso para apitar o jogo!
Numa
reunião das meninas do time da manhã, que Zelinha, Zulma e as meninas assistem
escondidas, é decidido que as meninas suspensas podem participar também. E
Maurinho dá mais uma contribuição ao campeonato: ele e mais alguns colegas
invadem a escola para roubar o troféu do campeonato da sala de D. Ester.
O
jogo final do campeonato é marcado pela emoção – Versiani não resiste em narrar
a partida lance por lance. A tensão começa por causa do atraso de Zelinha: a
menina, ao ir à favelinha pedir que D. Joviana dê uma ajuda ao seu time,
descobre que o bebê cujo parto ela e Zulma assistiram está gravemente doente –
e ela chama o patrão de sua mãe para acudi-lo. Com toda essa confusão, Zelinha
perde a hora, e o time da tarde perde o primeiro set.
Com
a chegada de Zelinha, o time da tarde consegue virar o jogo, e a partida fica
cada vez mais emocionante, fazendo com que o juiz tenha de tomar uma decisão
inédita para resolver a situação.
E...
como terminará toda essa confusão? Só procurando esta pequena obra-prima para
saber! Facilmente encontrável nas bibliotecas públicas, de escolas e sebos.
O
livro discute questões que são atuais, como as relações democráticas (em muitos
episódios, as crianças resolvem as questões por reunião e votação, alinhando o
livro às discussões políticas do final dos anos 80, época da progressiva e
gradual redemocratização do Brasil), a pluralidade racial da sociedade
(mostrando que as raças podem, sim, conviver harmoniosamente), as injustiças
sociais e as questões da educação brasileira, como a valorização do magistério.
Mas há elementos que não são mais atuais, como as regras do vôlei – as regras
da pontuação direta do vôlei entraram em vigor na segunda metade dos anos 90,
substituindo o complicado sistema de vantagens dos times.
Um
belo e lírico retrato da infância nos anos 80, época que as crianças de hoje
não conhecem. A época pré-internet, celulares ou redes sociais. E, por conta
disso, o livro não ganhou novas edições, nem teve seu texto atualizado. Bem que
merecia uma atualização ou novas edições, principalmente, com novas
ilustrações. As ilustrações de Fernando Luiz são “modernas”, com os personagens
esguios e estilizados, lembrando as figuras retratadas pelo pintor italiano Amadeo Modigliani ou as do pintor brasileiro
Lasar Segall – e com as figuras com dois pés direitos! A linguagem de GREVE NA
ESCOLA é de fácil compreensão, e agradável aos jovens leitores. Livro
infanto-juvenil como não se escreve mais hoje em dia. Vale a leitura. Procurem
o livro e vocês não vão se arrepender.
Aliás,
eu mesmo me identifico com o livro. Eu que, nos meus tempos de estudante, tive
de presenciar umas duas ou três greves de professores, tanto na escola como na
universidade. Algo que ainda não mudou.
Para
encerrar, para comemorar a volta às aulas, quem dá a mensagem, este ano, é o
Teixeirão! Não apenas os pais, mas todos os adultos deveriam dar atenção à
educação das crianças, mesmo as que não são suas filhas. Só assim ela começa a
melhorar.
A
versão para colorir desta imagem vocês encontram também em http://orientarpedagogos.blogspot.com.br/
(blog Educar é Viver). As férias acabaram!
E
que este ano seja melhor para a educação brasileira que o ano passado!
Até
mais!
Nenhum comentário:
Postar um comentário