Olá.
Hoje,
continuarei falando sobre a obra-prima do cartunista Laerte Coutinho, os
PIRATAS DO TIETÊ.
Vocês
devem recordar: os PIRATAS DO TIETÊ nasceram em 1986, na revista Chiclete Com Banana # 4. Acabaram caindo
no gosto dos leitores, e apareceram em outras publicações da Circo Editorial.
Em 1990, num tempo arriscado para o mercado editorial brasileiro, Laerte
resolveu lançar o gibi próprio dos PIRATAS, que durou 14 números. Em 1991, as
tiras começaram a ser publicadas. E, em 2003, os PIRATAS ganharam sua própria
peça de teatro.
Já
apresentei a vocês os personagens, anárquicos, violentos, a escória da
sociedade, a podridão favorita dos fãs de quadrinhos brasileiros. Hoje, vou
falar da revista.
PIRATAS DO TIETÊ, O GIBI
Como
eu falei, o gibi dos PIRATAS DO TIETÊ chegou às bancas brasileiras em 1990.
Maio de 1990, para ser mais exato. E durou até 1992, num total de 14 números.
A
trajetória editorial dos PIRATAS em forma de gibi foi peculiar. O gibi tinha
formato americano, mas era publicado na horizontal, como um livro de tirinhas.
Desde já, as histórias longas dos PIRATAS dividiam espaço com histórias avulsas
de Laerte, assim como tirinhas da série O
Condomínio, sempre no seu estilo – retratando o cotidiano de forma
fantástica, surreal, com uma arte fortemente detalhada, mezzo caricatural,
mezzo realista, fazendo o uso de referências fotográficas, onomatopeias
exóticas e com finais surpreendentes.
Como
a exposição na horizontal, apesar de aprovada pelos leitores, criava problemas
na exposição nas bancas, a partir do número 3 começou a sair com a capa na
vertical, mas o conteúdo interno continuava na horizontal. E Laerte ainda teve
de ouvir reclamações da Nestlé, já que a capa do número 3 mostrava a moça do
logotipo do Leite Condensado Moça com um seio de fora, gancho na mão e olhar
malicioso – pirateada, em suma. Mas, segundo o próprio, “não passou disso”. Até
o número 6, o gibi saía mensalmente.
A
partir do número 7, o gibi dos PIRATAS ganhou formato magazine, como a revista Veja, o conteúdo interno passou a sair
na vertical, e a periodicidade passou a ser bimestral. Em alguns números, foram
republicadas as histórias que saíram nas revistas Circo e Chiclete Com Banana.
E foi assim até o número 14, quando a publicação acabou encerrada.
No
auge, as tiragens dos gibis eram de 30 mil exemplares, com vendas de 15 mil; no
total, as vendas do gibi chegaram a 250 mil exemplares. Hoje, o gibi é muito
procurado pelos colecionadores, assim como muitos outros gibis da Circo
Editorial.
O
conteúdo do gibi é até mais pesado com relação às tiras, com cenas mais
“fortes” de violência, nudez masculina e feminina, escatologia e sexo. Mas
revelando uma sofisticação em termos de roteiros. Nas histórias longas dos
PIRATAS, há questões pontuais norteando os roteiros, como os planos econômicos
do governo Collor e a Copa do Mundo de 1990. Tornando, desse modo, PIRATAS DO
TIETÊ o retrato de uma época onde o Brasil era mais infeliz, e produzir
quadrinhos era difícil, já que o futuro era incerto. Também há muitas
referências à História do Brasil, sugerindo que os Piratas chegaram aqui junto
com Cabral, e viveram até os dias atuais. Mais ainda, referências aos
quadrinhos, como Batman e Fantasma. Laerte até arriscou em fazer uma HQ em
continuação – uma série em três partes publicadas em três números do gibi. E
também foi nos gibis que o principal inimigo dos Piratas, o caçador Silver Joe,
faz sua estreia, sendo depois incorporado às tiras, junto com a filha Graziela.
E tudo pontuado pelo nonsense e pelo humor anárquico.
PIRATAS DO TIETÊ, A COLEÇÃO DE LIVROS
Bão,
os gibis já se esgotaram. Mas, em 2009, as editoras Devir e Jacarandá, que
juntas lançaram várias coletâneas com personagens de Laerte, como Gatinhos, Suriá, Hugo e Overman, lançaram a coletânea PIRATAS O
TIETÊ – A SAGA COMPLETA. Três volumes com 114 páginas cada, capa dura, e
trazendo todas as histórias longas dos PIRATAS publicadas nos gibis da Circo
Editorial. Tudo organizado pelo editor original de Laerte, Toninho Mendes.
As
histórias, no entanto, não foram colocadas na ordem cronológica de publicação.
Parece que se deu preferência à temática para encaixar cada história nos
volumes. As histórias são ajustadas de acordo como foram publicadas em cada
número: as das edições horizontais são colocadas na forma horizontal, exigindo
que o leitor vire o livro para ler; as das edições verticais, na vertical, como
é normal.
Além
do conteúdo histórico, há mais: quase todas as histórias são comentadas,
brevemente, pelo próprio Laerte. Na introdução de cada história, fotos de
Laerte retratando os pontos da cidade de São Paulo onde se passam as histórias,
junto com amostras de tiras dos personagens. Nas páginas de guarda (as páginas
coladas nas capas duras), um storyboard de Laerte para um filme de animação dos
PIRATAS ainda inédito, a ser dirigido por Otto Guerra (de Wood & Stock – Sexo, Orégano e Rock n’ Roll, que adaptou os
personagens do colega Angeli para animação). E completam os livros muitas
ilustrações dos PIRATAS.
Bem.
O que contém cada volume? Todas as histórias, claro, com texto e arte de
Laerte.
LIVRO 1
O
livro começa com um perfil de Laerte escrito por Marcelo Alencar, cheio de
fotos de diversas fases da vida do homenageado. Para daí começarem as
histórias:
- Piratas do Tietê – A História que Deu Origem
à Série (Chiclete com Banana # 4,
1986) – A história de apresentação dos personagens, e a primeira colaboração de
Laerte na Chiclete com Banana. Nela,
somos apresentados aos personagens, que se divertem arrasando com tudo o que
encontram na frente: um escritório, um posto de gasolina, as ruas, num caminhão
roubado, e uma orca amestrada do Playcenter.
- Origens dos Piratas do Tietê (Piratas do Tietê # 1, 1990) – Na
história de estreia do gibi próprio, a história dos Piratas, contada por um
professor para uma classe cheia de piratas, confundindo-se com a do Brasil.
Desse modo, o Capitão e seus homens são vistos chegando ao Brasil junto com
Cabral, interagindo com os bandeirantes (e mostrando que os “heróis fundadores”
de São Paulo não era diferentes dos Piratas), no momento da Independência
Brasileira, influenciando na renúncia do presidente Jânio Quadros em 1961, até
os dias atuais, quando as autoridades resolveram se mexer para combate-los –
mas não adiantou. O avesso da história “oficial” do Brasil.
- Shangri-lá (PDT # 14, 1992) – Numa
história, feita por Laerte como vingança pelo “uso indevido” de seus
personagens numa campanha publicitária, os PIRATAS mostram seu lado
antiecológico. Ao encontrarem o Tietê despoluído, eles tratam de “repoluí-lo”
novamente. Se depender dos Piratas, o Tietê permanecerá poluído, para desgosto
dos politicamente corretos.
- O Jacaré do Tietê (PDT # 6, 1990) –
Apesar de (aparentemente) mortalmente poluído, já foram documentadas aparições
de jacarés vivos no Rio Tietê. Aproveitando-se disso, Laerte produziu esta HQ
marcada pelo macunaimismo e pelo nonsense, ao contar o relacionamento entre o
jacaré do Tietê e os piratas, com uma mistura de lendas indígenas, modernidade
e sexo. Vocês já sabem: pirata quando morre vira jacaré.
- Os Bandeirantes do Pinheiros (PDT # 12,
1992) – Laerte resolve recontar, contrariando a versão oficial da História, a
trajetória dos Bandeirantes no território de São Paulo. E mostram que os
bandeirantes, ao contrário da versão “romântica” da História, não eram
diferentes dos Piratas: movidos pela sede de ouro, pela violência ao próximo e
pela ganância. E, chegando à atualidade, os Piratas vem cobrar dos modernos
bandeirantes a sua parte...
- Tesouros do Japão (PDT # 5, 1990) – Com
referências à cultura pop japonesa e às gravuras do japonês Hokusai, o “pai do
mangá”, Laerte, com assistência de Fernando Rodrigues, contam uma das derrotas
sofridas pelos Piratas. Ao atraírem os membros da embaixada japonesa para uma
armadilha no navio, os Piratas precisam enfrentar um robô gigante. Pior de
tudo: com o próprio navio transformado em mecha! De uma época em que as
principais referências que o brasileiro tinha da cultura pop japonesa eram
exclusivamente as séries tokusatsu,
tipo Jaspion e Changeman.
- Dia de Pesca (Revista Circo # 1, 1986) – É a segunda HQ
publicada dos Piratas. O tédio do navio quebrado quando um dos homens faz uma
pescaria numa das pontes do Tietê – mas, em vez de peixes, ele pesca pessoas,
posteriormente torturadas pelos Piratas: um economista, um publicitário e uma
sexóloga.
LIVRO 2
Neste
volume, o forte são as “participações especiais” de personagens conhecidos.
- A Terceira Margem (Chiclete com Banana # 21, 1989) – Uma das mais marcantes histórias
dos Piratas, por um motivo maluco: a participação “especial” do Batman! O Homem-morcego, cansado de ser
explorado comercialmente por ocasião de seus 50 anos, resolve se juntar aos
Piratas para barbarizar a alta sociedade paulista. Muitos garotinhos se
encrencaram com suas mães (este que vos escreve, inclusive), na época, quando
resolveram revelar aos amiguinhos o “segredo do morcego”, como o próprio Batman
revela nessa história...
- Vozes da Selva (PDT #s 2, 3 e 4, 1990) –
Numa ambição maior de Laerte, ele produziu esta saga em três partes, com a
participação do Fantasma de Lee Falk
– o eterno caçador de piratas dos quadrinhos. Nela, os Piratas, em uma boate,
acabam seduzindo Diana Palmer, esposa do Fantasma, a dançar uma dança alegre
com eles. O pigmeu Guran, que vigiava a mulher de longe, convoca o Fantasma
para dar um fim na anarquia. O Capitão acaba recebendo um tiro na cabeça e
aparentemente morre – e, no além, enfrenta o primeiro Fantasma da linhagem. As
coisas se complicam quando Diana Palmer vai para o além também – e a série de
acontecimentos faz com que o Fantasma seja apagado da existência... cortesia
dos Piratas!
- Piratas do Tietê, O Filme – Eis aqui o
brinde especial do volume 2: o texto integral da peça encenada em 2003, pelo
grupo teatral La Mínima, no Teatro Popular do Sesi. Entre abril e agosto de
2003, a peça foi vista por mais de 20 mil espectadores. Ainda tem fotos dos
autores e texto introdutório. No texto, escrito por Laerte e Paulo Rogério
Borges, numa trama que reproduz bastante as características das HQ, os Piratas,
buscando aumentar seus tesouros e reformar o navio, resolvem produzir um filme,
para concorrer ao prêmio “Minhocão de Ouro”. Entretanto, tudo não passa de um
plano do caçador de piratas Silver Joe, a mando da governadora, para destruir
os piratas. E ele conta com a ajuda de Rozy, a filha bastarda do Capitão – e
ainda tem uma revelação surpreendente com relação ao passado do Capitão. Tudo
foge do controle quando o puxa-saco de um figurão, baseado em boatos, resolve
criar um prêmio “Minhocão de Ouro” de verdade! Apesar dos erros factuais com
relação às HQ (segundo a peça, Rozy havia sido adotada por Silver Joe, enquanto
que na HQ essa informação não existe), a peça é divertida, e não seria nada mau
se fosse montada novamente – ou adaptada para o cinema.
- Revelação (PDT # 7, 1990) – Explorando o
fundo do rio Tietê, os Piratas encontram uma imagem de Nossa Senhora Aparecida,
e a “Padroeira do Brasil” faz uma revelação a eles. Essa revelação deixa a
cidade em polvorosa. Mas, quando os piratas (com o Capitão vestido de freira)
conseguem um espaço na TV para fazer a tal revelação, eles fazem o que
querem... menos a revelação! A parte do “coral dos piratas” é a mais divertida
da história.
- O Poeta (revista Circo # 5, 1987) – Nesta aventura surreal, os Piratas sofrem sua
segunda maior derrota – e para um poeta! Mas não qualquer poeta: ninguém menos
que o português Fernando Pessoa, que recita seus próprios poemas por toda a
história. E os piratas, sempre tentando matá-lo, mas ele sempre dá um jeito de
voltar. Marcante pela movimentação de desenho animado e pelos cenários
construídos com muitas referências fotográficas.
- Zelador – Uma HQ bem curtinha de Laerte
(só uma página), com o principal personagem da série de tiras O Condomínio
mexendo no escritório do artista.
LIVRO 3
Aqui,
as histórias são mais curtas e menos sofisticadas, e nem todas tem comentário
de Laerte. De brinde, um enorme pôster de Laerte. Histórias:
- Balada do Lobisomem (Circo # 2, 1987) –
Num clima de terror puro, a criatura sobrenatural causa destruição na cidade, e
uma força-tarefa da polícia sai à caça. É nessa HQ que o caçador Silver Joe faz
sua primeira aparição. E o pirata só aparece no final, surpreendente e bem ao
espírito – de porco – da série.
- Honra (Não comentada) – História curta.
O Capitão resolvendo rapidamente um conflito entre os seus homens.
- Piratas game (não comentada) – com uma
estrutura anticonvencional (quadrinhos mínimos, sem divisão), e com a
participação especial de personagens célebres dos videogames, a historinha de
duas páginas reflete a febre da época: o fliperama. Um pirata tenta jogar fliperama
em paz, mas tudo se volta contra ele... E com texto de copyright no fim!
- O Obscuro Objeto do Desejo (PDT #6,
1990) – Com argumento de Miriam Lust, a HQ reflete o cilma de estarrecimento
nacional com o governo Collor e a paixão da Ministra Zélia Cardoso de Mello. Na
trama, o Capitão, apaixonado, só fica suspirando no navio. Seus homens o levam
num “rolê” cheio de barbaridades para ver se ele se anima... e a revelação de
quem é a paixão secreta do Capitão... é surpreendente.
- Horda! (Não Comentada) – Três páginas. Será
que existe algo pior que os Piratas para arrasar com o nosso mundo
pequeno-burguês?
- Motim (PDT # 8, 1991) – Numa trama
emocionante, o Capitão enfrenta um pirata dissidente, líder de um motim da
tripulação, em um duelo cheio de surpresas. E com uma referência oculta às Tartarugas Ninja!
- Piratas do Tietê do B – Motim! – Como a
história anterior, Motim, foi
publicada já na segunda fase do gibi dos PIRATAS, portanto na vertical, esta
história, uma espécie de “protesto” dos próprios piratas por causa da mudança
no layout da revista, sai na horizontal, com desenhos mais precários e impresso
em marrom. Uma segunda versão de Motim,
mas com a derrota do Capitão – mas não sua morte. Uma esquisitice gráfica muito
divertida.
- Silver Joe, Caçador de Piratas (PDT # 9,
1991) – Segunda aventura com a presença de Silver Joe, o caçador de piratas – e
desta vez em companhia da filha Graziela, seminua. Na trama, Silver Joe é
assaltado pelos Piratas em sua própria casa, e precisa atender às exigências
deles para que o conteúdo de sua geladeira seja poupado. E essas exigências vão
envolver Graziela, que, ao contrário do pai, gosta de piratas...
- Inauguração (Não comentada) – Com duas
páginas. Os Piratas indo cobrar um político por um servicinho...
- Quanto Vale Uma Saudade (Não Comentada)
– Quatro páginas. Os amigos de um homem acabam sumindo, deixando-o triste. Não
por vontade deles, mas por ter dedo dos Piratas no negócio...
- Sindicato (Não Comentada) – Cinco
Páginas. Os Piratas recebem a visita do presidente do Sindirata – Sindicato dos
Piratas, Corsário, Bucaneiros e Flibusteiros em Geral da Região Metropolitana –
que vem inspecionar o navio. Quando tudo parece dar errado, eis que os Piratas
sabem dar a reviravolta...
- Storyboard – Na íntegra, o storyboard
para a animação, elaborado por Laerte para Otto Guerra, que enfeita as guardas
dos três volumes dos livros.
- Destino de Sereia (PDT #10, 1991) – Na
HQ que fecha a coleção, os Piratas encontram uma sereia devoradora de homens no
Tietê. O Capitão tem uma ideia: criar um motel. Enquanto os homens são comidos
pela Sereia, os piratas “comem” as mulheres que vem ao Motel. Até que um grupo
de cientistas chega para acabar com a festa e tirar de lá a sereia já obesa.
Mas os Piratas não vão deixar barato... e ainda mostram serem ingratos.
Já
que não é fácil encontrar os gibis originais dos PIRATAS DO TIETÊ, com todas as
histórias adicionais, esta coleção quebra o galho recuperando parte importante
da história das HQ nacionais. Cada livro sai, em média, por R$ 49,00. Ainda é
possível encontrar os três volumes nas livrarias. Imperdível!
Para
encerrar outra megapostagem, eis aqui a sequência final da terceira temporada
dos meus personagens praianos, os Bitifrendis. A tira número 300 já saiu no
blog próprio deles – e está saindo aqui também. Em breve, começa a quarta
temporada de tiras dos meus personagens praianos!
Enquanto
isso, confiram o que vai sair nos próximos dias no blog deles: http://bitifrendisblog.blogspot.com.br/.
É
isso aí, pessoal. Deu por agora.
Até
mais!
Um comentário:
ótima matéria.
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