Olá.
Hoje,
pago uma dívida. Devia uma resenha de um livro de um amigo meu, e hoje estou
pagando.
Há
algumas postagens atrás, eu recomendei aos leitores deste blog o blog do
cartunista, ilustrador e poeta Jeferson Adriano, criador do personagem Alvino.
Hoje, vou falar de seu mais recente livro. Mas antes é bom que eu o apresente
melhor.
Jeferson
Adriano Fernandes é natural de Ipatinga, MG, onde nasceu, em 1978. Ele começou
sua carreira nos fanzines, que edita desde 1996 – aliás, ele criou um selo
próprio para suas criações em HQ, o Anta Comics, derivado do fanzine de mesmo
nome. Desde 1999, ele colabora, como cartunista, no jornal Classivale, de Ipatinga. Além desse, ele também já publicou, e
publica, trabalhos em outros jornais, como o Aldrava Cultural, de Mariana, MG, o Diário de Caratinga (MG), O
Boêmio, de Matão, SP, e O Capital,
de Aracaju, SE.
Em
2004, ele ganhou o prêmio Divisão Brasileira de Artes Independentes de
Roteirista Independente, em Aracaju, SE, e no mesmo ano filia-se ao Clube dos
Escritores de Ipatinga. Ele também é afiliado à ABIPRO (Associação Brasileira
dos Ilustradores Profissionais). Colabora, desde 2008, com fanzines
estrangeiros (como da Itália e da Alemanha), e desenvolve trabalhos como
designer gráfico e arte-finalista.
Em
2014, ele publica, de forma independente, uma coletânea de tiras, Fragmentos de uma Vida.
Seus
fanzines mais conhecidos são o Anta
Comics, o Alvino e Conversas do Final do Expediente, nomes
de suas mais conhecidas tiras cômicas.
Mas
ele também é bem conhecido nos meios alternativos pela sua participação nas
publicações da editora Júpiter II, quando ainda se chamava SM Editora: ele
participou da coletânea humorística Patacoada
e publicou um número do gibi do Alvino,
seu personagem mais conhecido. Ambos os gibis saíram por volta de 2006.
Atualmente, seus trabalhos mais recentes podem ser vistos no seu blog pessoal: http://mundoalvino.blogspot.com.br/.
Well.
O personagem Alvino tem basicamente duas fases. Na fase inicial, Jef Adriano
(como o artista também é conhecido) o fazia com uma aparência similar aos
personagens junkies do cartunista Angeli: de óculos escuros, barba por fazer e
cabelo desgrenhado, como pode ser visto na capa acima (imagem colhida da
internet). Suas desventuras envolviam namoros frustrados, uma vida boêmia e mal
resolvida e a procura pela mãe desaparecida. Na fase atual, que pode ser vista
no blog do artista, Alvino só mantém a cabeleira; o personagem ganhou um
aspecto mais jovial e menos junkie (como na ilustração abaixo, também extraída da internet). Mas Jef Adriano não abriu mão de uma
característica de suas tiras: a poesia.
De
fato, o grande forte do trabalho de Jef Adriano não é tanto o humor, mas a
poesia, a introspecção, o pensamento aleatório, à maneira da atual fase do
cartunista Laerte. Seus desenhos são, antes de tudo, poemas gráficos e
traduções de seu pensamento, suas ideias sobre o amor, a vida, a solidão, a
vida moderna. Praticamente coisas para o leitor pensar. Jef Adriano pode ser
considerado um moderno representante da poesia marginal, uma tendência da
poesia brasileira entre os anos 60 a 80, de poetas que lançavam suas obras de
forma independente, declamando nas ruas e bares e vendendo poemas impressos em
mimeógrafos e xerox.
Por
isso, o trabalho de Jef Adriano não é para leitores iniciantes; é para leitores
iniciados, e realmente acostumados a poesia, à cultura underground, daquela que
não se encontra em qualquer prateleira de livraria. Aquela poesia elaborada e
declamada nos bares, em tom calmo e/ou furioso. O mundo dos becos, dos bares,
da noite mal iluminada com lâmpadas de neon, por onde pessoas como Alvino
circulam, sem lenço e documento, procurando por companhia, por alguém que lhe
entenda, formulando, em sua mente, poemas, pensamentos, tirando poesia até dos
prédios cinzentos, de paredes sujas e cada vez mais cinzentas por conta da
poluição dos grandes centros urbanos... Tendência que atualmente se perde com o
avanço tecnológico, as pessoas passando mais tempo em suas casas, de olho mais
no smartphone do que no mundo ao redor. Às vezes, Jef Adriano propõe a fuga da
cidade para um ambiente mais bucólico, no campo, com mais grama, árvores,
flores, natureza. Descansar o olhar das paisagens artificiais, nas paisagens
naturais, onde paixões fluem melhor.
O
tema mais corrente dos poemas gráficos de Jef Adriano é o amor, a necessidade
de externar os sentimentos pelo outro, mesmo que não venha a ser correspondido
– por isso é constante a presença de corações em seus desenhos, a maioria, com
tocos de artérias e veias, como que tirados de dentro do peito. Praticamente,
tudo é metáfora da vida, das paixões mal resolvidas, dos sentimentos que hoje
estão se perdendo.
Muito
do que expus acima pode ser visto nesta publicação: o livro FRAGMENTOS DE UMA
VIDA.
Publicado
de forma independente em 2014 (apenas com o selo da Anta Comics), FRAGMENTOS DE
UMA VIDA reúne tiras publicadas entre 2012 e 2014. Em suas 60 páginas (contando
capa), em formatinho (13,2 x 15,5 em média) e em preto e branco, estão reunidos
desenhos que refletem todo o pensamento do autor: existencialismos, reflexões,
causos sem nexo, paixão pela vida equilibrada à decepção pela mesma. Não existe
um enredo. Praticamente, não existe uma história, ao mesmo tempo que existe: se
existe, cabe ao leitor tentar adivinhar como é e do que se trata essa história.
O guia é apenas os textos do autor. E com a presença de Alvino, ainda com sua
aparência antiga, junkie. Ele não faz muita coisa, na verdade, além de vagar
pelas ruas, olhar para o vazio, pensando. Ele existe porque, segundo Descartes,
ele pensa.
Na
realidade, FRAGMENTOS DE UMA VIDA é menos um livro de tiras de HQ, e mais um
livro de poesias ilustrado. Poemas sem rima, mensagens escritas no calor do
momento.
Nos
desenhos, Jef Adriano faz diversos experimentalismos, desde uma arte mais
difusa, de clareamento suave, linhas transparentes e difusas, até o uso de
fotografias, onde desenhos são inseridos. Além dos corações, é constante a
presença de garotas, casais (juntinhos ou separados), prédios, árvores... Tudo
do que se pode extrair poesia. Algumas tiras, por alguma falta de cuidado, são
repetidas, páginas depois de uma primeira ter sido apresentada.
Para
quem não é acostumado ao mundo da poesia marginal, ou à poesia em geral,
FRAGMENTOS DE UMA VIDA pode não agradar: pode ficar a impressão de que o autor
esteja querendo dizer sempre a mesma coisa, só que com palavras diferentes. Ou
pode não entender, simplesmente. Os iniciados podem se identificar com algumas
situações apresentadas pelo cartunista e poeta. Mas podem se ressentir pela
falta de humor, o que se espera, no mínimo, de um cartunista underground. Por
isso eu disse: a obra de Jef Adriano não é para iniciantes, é para iniciados.
É
difícil explicar, na verdade. Eu mesmo tenho dificuldade para resenhar, da
forma mais adequada, este livro – e sem que o artista, na eventualidade de ler
esta resenha, se sinta ofendido. Só lendo mesmo.
Para
adquirir seu exemplar, escrevam para Jeferson Adriano: mundoalvino@ig.com.br.
Saibam mais também no blog do autor.
E
creio que seja isso.
Para
encerrar, ilustração minha. Há tempos não pratico a ilustração por ilustrar,
sem maiores propósitos além da satisfação do ego. Então, meio que tomando por
base as ilustrações de Jef Adriano, fiz uma ilustração especial em P&B.
Meio que, pretensamente, um poema gráfico, retirado do cinzento das cidades.
Para a maioria das pessoas, altas concentrações de prédios nas cidades ferem o
olhar: para outras pessoas, criam um bom tema para uma ilustração, para uma
reflexão. Para uma rara oportunidade de visualizar um contato humano, ou uma
rara possibilidade de acontecer um diante da agitação das grandes cidades...
Enfim, apenas... uma ilustração. Um raro momento.
Em
breve tem outras coisas para dizer.
Até
mais!
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