Olá.
Hoje,
depois de tratar de alguns assuntos que quebraram a sequência pretendida para
este blog pecador, volto a tratar sobre alguns títulos da série Literatura
Brasileira em Quadrinhos, da editora Escala Educacional. Para hoje escolhi um
título muito conhecido por fugir dos padrões de sua época, adaptado para
quadrinhos por um dos maiores nomes da cena atual das HQ brasileiras. E, no
entanto, coloco meu pescoço a prêmio, nesses tempos de Operação Lava-Jato e
protestos contra o governo, porque o homem em questão é um dos maiores
apoiadores, no humor gráfico, do ex-presidente Lula e do Governo Dilma – e,
entre boa parte dos brasileiros, após os protestos do dia 13 de março, entende-se
nesse momento, segundo os noticiários e discussões nas redes sociais, que apoiar
essas pessoas é uma traição ao país.
Tentando
se afastar das atualidades contraditórias, hoje falaremos de: MEMÓRIAS DE UM
SARGENTO DE MILÍCIAS, de Manuel Antônio de Almeida, adaptado para HQ por Índigo
e Bira Dantas. Hoje vou me divertir escrevendo...
PARA COMEÇO DE CONVERSA...
MEMÓRIAS
DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS, o livro, foi publicado pela primeira vez em 1852,
em forma de folhetim; e em livro, em 1854 e 1855, em dois volumes. O autor,
Manuel Antônio de Almeida (1831 – 1861) o escreveu e publicou sob o pseudônimo
de “Um Brasileiro”, e seu verdadeiro nome só apareceu a partir da terceira
edição. E foi o único romance publicado em vida pelo autor, que, além dessa
obra, deixou apenas uma peça de teatro, Dois
Amores (1861). Bem, para começar é isso; voltamos a esse tópico mais tarde.
Tenho
conhecimento de uma adaptação desse livro, para HQ, antes do século XXI, pela
série Edição Maravilhosa, da EBAL – é
a de no. 148, 1ª série, lançada em 1957, mas não sei informar quem foi o
responsável pelos desenhos, nem o website Guia dos Quadrinhos ajuda. Já no
século XXI, foram lançados, mais ou menos na mesma época, três adaptações do
livro para HQ: a de Índigo e Bira Dantas, pela Escala Educacional, de 2006; a
de Laílson de Holanda Cavalcanti, pela Companhia Editora Nacional, de 2008; e a
de Ivan Jaf e Rodrigo Rosa, pela Editora Ática, de 2010.
COMECEMOS PELA ROTEIRISTA...
Para
começar a falar da presente adaptação do romance de “Um Brasileiro”, temos de
falar da roteirista, Índigo.
A
escritora Ana Cristina Ayer de Oliveira, mais conhecida como Índigo, nasceu em
Campinas, São Paulo, em 1971. Ela estudou na tradicional Escola Dom Barreto, de
Campinas, e é formada em jornalismo pela Universidade de Minnesota, nos Estados
Unidos.
Consagrada
como escritora de livros infanto-juvenis, ela começou a publicar seus contos na
internet em 1998, e em 2001, deixa a agência de publicidade onde trabalhava
para se dedicar à literatura. Foi ainda em 2001 que Índigo publica seu primeiro
livro, Saga Animal, pela editora
Hedra. O caminho para o profissionalismo começou quando Índigo teve a ideia de
distribuir cartazes pela cidade de São Paulo, se oferecendo para trabalhar como
escritora; e deu certo! Ela começou a receber propostas de trabalho
consistentes, como escrever vinhetas para a MTV, roteiros para animações e
contos para o suplemento Folhinha, do jornal Folha de São Paulo.
Dentre
os mais de 20 livros que publicou, destacamos: Saga Animal (2001); Festa da
Mexerica (2003, ed. Hedra); Caixinha
de Madeira (2003, ed. Altana); O
Segredo do Vô Juvêncio (2006, ed. Escala Educacional); Cobras em Compota (2006, ed. do MEC, vencedor do prêmio Literatura
para Todos); Um Dálmata Descontrolado (2007,
Hedra, continuação de Saga Animal); Moscas Metálicas (2008, ed. Escala
Educacional) e Vendem-se Unicórnios (2009,
ed. Ática).
Ela
também possui incursões no mundo dos quadrinhos. MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE
MILÍCIAS, o qual escreveu o roteiro, foi seu único álbum até onde sabemos. Ela
também criou a personagem Poline Pilsen, que apareceu nas tiras da série Striptiras de Laerte Coutinho.
PASSEMOS PARA O DESENHISTA...
Agora,
sim, começo a arriscar meu pescoço, falando do artista, Bira Dantas. Ou talvez
não. Embora suas posições políticas despertem sentimentos contraditórios, não
dá para negar: Bira Dantas deu uma importante contribuição à história dos
quadrinhos brasileiros. É um lutador incansável à causa do quadrinho nacional,
tão calejado pela concorrência desleal com os comics e os mangás. Mas Bira,
frise-se, não é um desses artistas ativistas ultranacionalistas, que ofendem ao
quadrinho estrangeiro em resposta às ofensas feitas pelos “haters” ao quadrinho
nacional. Pelo contrário, há notícias de boas relações desse autor com
quadrinhistas estrangeiros.
Well.
Ubiratan Libânio Dantas de Araújo nasceu em Campinas, SP (portanto, conterrâneo
de Índigo), em 1963, e lá reside até hoje. Ele começou sua carreira em 1979,
como estagiário dos estúdios de Maurício de Sousa e Ely Barbosa. Nesse último,
foi assistente do veterano artista Eduardo Vetillo, e passou a desenhar
histórias para o histórico gibi do grupo Os
Trapalhões – a segunda fase, publicada pela editora Bloch. As informações
extraídas da internet não informam se ele também trabalhou nos outros gibis
produzidos pelo Estúdio de Ely Barbosa – Turma
do Cacá, Turma da Fofura, O Gordo & Cia. e Patrícia e Cia. Sua fase no
gibi dos Trapalhões foi de 1980 a
1982, ano em que foi contratado como chargista pelo Sindicato dos Químicos de
São Paulo. Enquanto isso, colaborou para a produtora de desenhos animados
Briquet Filmes, ajudando a produzir os famosos comerciais animados do
refrescante bucal Cepacol, estrelados pelo personagem Bond Boca.
A
sua realização, entretanto, foi nos quadrinhos sindicalistas, onde se impôs com
seu traço limpo, fortemente caricatural e facilmente reconhecível. A maioria de
suas colaborações foi publicada no jornal Sindiluta,
do Sindicato dos Químicos de São Paulo. Algumas de suas colaborações foram
reunidas em um álbum, Você é um
Subversivo, publicado em 1985.
Desde
1985, ele é filiado, e membro ativo, da Associação dos Quadrinhistas e
Caricaturistas do Estado de São Paulo (AQC-SP). Ele publicou charges nos
jornais Retrato do Brasil (1985), Folha da Tarde de São Paulo (1986) e Diário do Povo, de Campinas (1991 a 1995).
Ele
também já colaborou com diversas revistas brasileiras. Tralha, Porrada Special (ambas pela editora Vidente), Mil Perigos, Front (editora Via
Lettera), Bundas, Megazine, Em Ação,
Pasquim21... Só para citar algumas, das mais “descompromissadas”, porque
ele também ilustrou publicações empresariais das empresas IBM, Rockwell
Fumagalli, 3M, Lix, Caterpillar do Brasil, Eaton, Anglo Idiomas (onde ilustrou
apostilas)...
Bira
Dantas também acumula prêmios desde 1986! Eis uma relação parcial de
premiações, retiradas de seu blog oficial, o Charges do Bira (http://chargesbira.blogspot.com.br/):
1986 - primeiro prêmio em caricatura IV Salão sobre Desenho de Humor de
Belo Horizonte (MG);
1992 - menção honrosa IV Mostra de Humor de Araras (SP);
1998 - prêmio Júri Popular – Internet no Salão Nacional de Humor
sobre fiscalização dos Gastos Públicos (UNACON Brasília);
2000 - duas menções honrosas em caricatura no Salão de Ribeirão Preto
(SP);
2002 - diploma de mérito "Zumbi dos Palmares" concedido pela
Câmara dos Vereadores de Campinas/SP pela produção de um gibi sobre a vida de
Zumbi;
2003 - 19o Prêmio Ângelo Agostini, como melhor cartunista do Brasil, e primeiro
lugar em Caricatura no Salão de Humor da Turquia/Chipre (International “Ramiz
Gökçe” Cartoon Festival);
2004 - prêmio Ângelo Agostini de melhor cartunista e menção honrosa em
Cartum no Salão de Volta Redonda. (...);
2007 - prêmio HQmix pela revista coletiva de Quadrinhos Front
(Via Lettera);
2008 - prêmio HQmix pelo coletivo de Quadrinhos Quarto Mundo;
2009 - menção honrosa na Competição de Cartuns Redman (China), primeiro lugar em Quadrinhos Curtos na Serbya Cartoon Fest, primeiro lugar em Tiras no Salão de Humor de Paraguaçu Paulista, publicação de HQ na revista Ziniol (Polônia), prêmio HQ MIX com a quadrinização de D. Quixote;
2008 - prêmio HQmix pelo coletivo de Quadrinhos Quarto Mundo;
2009 - menção honrosa na Competição de Cartuns Redman (China), primeiro lugar em Quadrinhos Curtos na Serbya Cartoon Fest, primeiro lugar em Tiras no Salão de Humor de Paraguaçu Paulista, publicação de HQ na revista Ziniol (Polônia), prêmio HQ MIX com a quadrinização de D. Quixote;
2011 – participação no Festival de Quadrinhos de Angoulême, na França.
Bueno.
Sua lista de realizações não para por aí – sequer seu currículo.
Ele
ainda é professor de desenho, charge, cartum e caricatura na Pandora Escola de
Arte, em Campinas. É contratado pelas empresas Sinergia e Sindipetro.
Participou
de três livros cooperativos da Editora Virgo: Brasil 500 Anos, Tiras de Letras e Fome de Ver Estrelas.
Foi
um dos primeiros chargistas a aproveitar as benesses da divulgação do trabalho
na internet, a partir do século XXI, remetendo charges através de e-mail e nas
redes sociais a um grupo de assinantes, que depois repassam-nas a outros
contatos. Aliás, ele colabora para os sites Charges
Online, Humor Brasil, CCQ Humor e Casa dos Bonecos. E é presença constante
no blog Quadrinhos Inquietos (http://quadrinhosinquietos.blogspot.com.br/).
Em
2005, Bira participa da sétima edição do World Comics Conference, realizado na
Coreia do Sul.
Em
2006, ele desenha a adaptação de Memórias
de um Sargento de Milícias, para a Editora Escala Educacional, sob o já
citado roteiro de Índigo. Para a coleção Literatura
Brasileira em Quadrinhos, ele ainda desenha a adaptação de O Ateneu, publicada em 2010, com roteiro
de Ronaldo Antonelli. Já para a série Literatura
Mundial em Quadrinhos, também da Escala, Bira escreve e desenha, em 2009, a
adaptação de Dom Quixote, de Miguel
de Cervantes, vencedora do prêmio HQ MIX.
Em
2007, teve uma HQ, escrita por Gonçalo Jr. e Cláudia Carezzato, publicada na
Coreia do Sul, participa do álbum Vale
Tudo, de Márcio Baraldi (desenhando duas HQ do álbum a quatro mãos com o
criador de Roko-Loko e Adrina-Lina),
e do livro Prática Escrita – História em
Quadrinhos, da editora Terracota.
A
partir de 2010, Bira Dantas começa a produzir, para o jornal Correio Popular, de Campinas, as tiras
do anti-herói Tatu-Man. A série
chegou a contar com a colaboração da filha de Dantas, Thais, no escaneamento e
na colorização.
Em
janeiro de 2011, ele foi escolhido para recepcionar uma comitiva de artistas
sul-coreanos ao Brasil, com o objetivo de estreitar relações entre artistas
brasileiros e sul-coreanos e divulgar mais amplamente os quadrinhos daquele país
(manhwas). No mesmo ano, ele é convidado a participar do 8º Cartucho – Encontro
de Cartunistas Gaúchos, de Santa Maria, RS. Tanto que produz até uma sequência
de tiras em que o Tatu-Man encontra diversos personagens gaúchos, como o Xirú Lautério, de Byrata, e o Cruzaltino, de Herique Madeira e Greice
Pozzatto. E também desde 2011, Bira Dantas é membro do Núcleo de Quadrinhistas
de Santa Maria – Quadrinhos S. A. (portanto, é meu colega!), e participa da
revista Quadrante X, desde o # 11.
Em
2013, Bira assina duas estátuas da Mônica para o evento Mônica Parade, uma das
homenagens ao personagem de Maurício de Sousa
Em
2014, ele produz, escreve e dirige, ao lado de Artie Oliveira, o documentário Desvendando Ângelo Agostini, em
comemoração aos 30 anos da AQC-SP.
Seu
trabalho mais recente em gibi foi no mais recente número do gibi do Benjamin
Peppe (o # 3), pela Universo Editora Independente, lançado em janeiro de 2016.
Ufa!
Como veem, Bira Dantas não é de ficar parado. Uma verdadeira máquina de
desenhar. E incorporou, em seu desenho, as convicções pessoais e políticas
adquiridas com a atividade sindicalista – o que o faz, atualmente, apoiador do
Governo Dilma e do ex-presidente Lula. É só dar uma olhada em sua página
pessoal no Facebook.
Fontes:
www.wikipedia.com, www.bigorna.net, http://chargesbira.blogspot.com.br/ e http://byrata.blogspot.com.br/.
E AGORA, FALEMOS DE LITERATURA...
Voltemos,
então, a MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS, o único romance publicado em vida
por Manuel Antônio de Almeida.
Com
formação em Medicina, Manuel Antônio de Almeida ocupa seu tempo como jornalista
e, posteriormente, administrador da Tipografia Nacional, a partir de 1858. Ele
teria como aprendiz o jovem Machado de Assis, que seria responsável pela
terceira edição, póstuma, de MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS – e,
consequentemente, pelo crédito do autor, que lançou as duas edições anteriores
sob o pseudônimo de “Um Brasileiro”.
MEMÓRIAS
foi publicado em forma de folhetim (em capítulos seriados) no suplemento A Pacotilha, do jornal Gazeta Mercantil do Rio de Janeiro, a
partir de 1852. Em livro, a obra sai em 1854, em dois volumes.
Apesar
de a obra de Manuel Antônio de Almeida ter sido assim, pequena, foi importante
para a Literatura Brasileira. Isso porque MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS é
considerado o primeiro romance urbano e de costumes do Brasil, e marco na
transição da tendência literária do Romantismo para a do Realismo.
Isso
porque “Um Brasileiro” resolveu:
1)
retratar os costumes da sociedade de seu tempo sem idealizações nem fantasias,
o que era comum desde os romances de Joaquim Manoel de Macedo, autor de A Moreninha;
2) focar
sua narrativa nas classes pobres, médias e remediadas do Império Brasileiro, ao
invés das elites e das camadas básicas (escravos);
3) colocar
como cenário da narrativa as ruas, festejos populares, saraus e piqueniques,
afastando-se dos cenários “da corte”, típicos das elites;
4) colocar
como personagem principal um anti-herói, um malandro que sempre se metia em
encrencas, que foge do modelo do herói romântico, e sequer amorosamente fiel à
mocinha do livro – pelo menos, até o final da narrativa;
5)
fazer a tal mocinha fugir do modelo da heroína romântica, idealizada;
6)
fazer seus personagens falarem em uma linguagem mais próxima ao falar da
população em geral – pelo menos, na de sua época, apesar de a prosa do livro
ter certo rebuscamento, comum na literatura de gosto cortesão (lembremos que,
no século XIX, praticamente apenas as elites e classes médias, que
correspondiam a cerca de 5% da população da época, eram letrados e, portanto,
podiam se dar ao luxo de ler livros, jornais e folhetins);
7)
colocar na narrativa personagens pouco propensos a sentimentos nobres, de
caráter ambíguo, nem bons, nem maus, cujas ações são determinadas pela
necessidade de sobrevivência ao seu meio, e,
8) por
consequência, fazer um retrato crítico da sociedade, onde impera a corrupção
nas instituições públicas, a justiça que nunca alcança os poderosos, a entrega
aos impulsos da carne (mesmo entre as figuras que deveriam “dar o exemplo”,
como os padres e oficiais da lei), o “jeitinho brasileiro” caracterizado pela
troca de favores e pelo desejo de se dar bem a todo custo;
9) fazer
uma narrativa com tendência à comicidade, ao humor, ao menos como era concebido
à época – pelos padrões de hoje, o humor de Manuel Antônio de Almeida ficou
“datado”, não faz rir ao leitor moderno, embora as situações cômicas remetam
bastante à comédia pastelão.
Manuel
Antônio de Almeida fugiu do modelo em voga do Romantismo, portanto. Abriu uma
nova tendência literária, que substituía a idealização romântica, o
nacionalismo, a fuga para épocas anteriores à Independência brasileira e o
culto ao índio como herói nacional (indigenismo), pelo retrato das classes
urbanas, pelo pessimismo, pela realidade mais próxima à vida real dos leitores,
onde muitas vezes observa-se a presença da intriga. Traduzindo: MEMÓRIAS DE UM
SARGENTO DE MILÍCIAS, como já dito, marca a transição do Romantismo para o
Realismo / Naturalismo.
Well.
Apesar do nome, MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS é narrado em terceira
pessoa, com uma narrativa tortuosa, com vários cortes e flashbacks, não se
detendo sempre no mesmo personagem. O romance se passa “no tempo do Rei”, ou
seja, na época em que a Família Real Portuguesa veio ao Brasil – iniciada em
1808. O personagem principal do romance é o malandro Leonardo, um sujeito
encrenqueiro, malandro, mulherengo e pouco propenso a se emendar na vida.
Leonardo foi, de certa forma, o precursor do Macunaíma de Mário de Andrade, que
posteriormente se tornaria o modelo de malandro literário. A vida de Leonardo é
contada desde sua infância até a vida adulta, quando, depois de muitas
atribulações, consegue ser promovido a Sargento de Milícias do Exército
Imperial.
Leonardo
é filho de “uma pisadela e um beliscão”, ou melhor, de um meirinho (oficial de
justiça de baixo escalão), Leonardo Pataca, e de uma saloia (camponesa), Maria
da Hortaliça. Ambos portugueses que vieram ao Brasil na época em que o Rei D.
João VI veio para o Brasil, então colônia de Portugal. É que, à guisa de
paquera, Leonardo pisara no pé de Maria, que retribuiu beliscando as costas da
mão do futuro marido. Os dois se apaixonam e resolvem viver juntos. E dessa
união nasce Leonardinho. Como padrinhos de batismo, foram escolhidos uma
parteira e um barbeiro – dois representantes das classes remediadas do século
XIX, nem ricas, nem pobres. O pequeno Leonardo já demonstrava ser travesso,
desde bebê.
Um
dia, Leonardo Pataca, meio arrependido do casamento e desconfiado de que a
mulher o traía com um sargento da guarda, briga feio com Maria – e ainda dá um
pontapé nos “glúteos” do filho, então com sete anos, quando este rasga seus
livros de autos durante a discussão dos pais. O pior não acontece porque o
compadre barbeiro intervém na briga. Mas o casamento não se sustentava mais:
Maria da Hortaliça abandona Leonardo Pataca e volta para Portugal com outro
homem, e o meirinho abandona o filho, que fica aos cuidados do barbeiro. Este
preocupa-se demais com a educação do afilhado, e sonha com uma carreira
promissora para o menino – que, no entanto, não está nem aí, não se interessa
pelos estudos e nem por aprender um ofício, só quer saber de aprontar
travessuras, sendo por isso mal falado na vizinhança. Apesar de demonstrar
certo interesse em ser padre.
Um
dia, Leonardinho foge de casa para acompanhar uma procissão, e vai parar em um
acampamento de ciganos. No dia seguinte, é encontrado pelo padrinho, que, pouco
depois, e ao se convencer que a fuga fora motivada pelo desejo do menino em
seguir carreira religiosa, recomenda-o para trabalhar de sacristão na igreja
local. Porém, a carreira religiosa de Leonardinho é breve: acaba pregando uma
peça no padre, fazendo-o chegar tarde a uma missa, e ainda o expõe ao ridículo
fazendo vir à tona um caso mantido com uma cigana. Isso determina que
Leonardinho seja expulso da igreja.
Enquanto
isso, Leonardo Pataca Pai também se mete em apuros. Pela paixão a uma cigana –
a mesma envolvida com o padre – ele chega a se consultar com um pai de santo, e
acaba preso pelo Major Vidigal, autoridade máxima da região. Solto por intermédio
da comadre parteira, Leonardo dá um jeito de se vingar do rival, fazendo-o ser
preso em uma batida policial comandada pelo mesmo Vidigal. Pouco depois,
Leonardo Pai acaba amasiando-se novamente – e, por um breve período, o já
crescido Leonardo Filho volta a morar com ele e a amante, uma relação
conturbada.
Ah:
o Major Vidigal é um importante antagonista do romance, pois ele passa boa
parte do livro perseguindo Leonardinho, prendendo-o, tentando fazê-lo tomar
juízo na vida, incorporando-o ao exército. E o nosso herói resiste bravamente –
que outra coisa se espera do filho de uma pisadela e de um beliscão? Vidigal
não se conforma de ser passado para trás pelo rapaz, tanto em suas fugas quanto
quando o rapaz é finalmente incorporado ao exército.
Leonardinho,
já crescido, continua na malandragem. Seu primeiro grande interesse amoroso é
Luisinha, a sobrinha de Dona Maria, uma senhora de posses, amiga da parteira. A
moça, no entanto, não é necessariamente bonita: tímida e desengonçada, Luisinha
não consegue sequer travar contato visual com as pessoas. De início, Leonardo
não tinha interesse na moça, tinha era vontade de rir de sua cara toda vez que
ela aparecia na sala. Ela só se revela mais alegre durante um festejo do Divino
Espírito Santo, vendo entusiasmada os fogos de artifício, em companhia de
Leonardo, e isso muda a visão do “herói” sobre ela. O “herói” chega a se
declarar para ela, mas o namoro não vai para frente. Ainda mais porque, por
conta de uma série de intrigas, Luisinha acaba se casando com outro homem, o
maldoso José Manuel. E Leonardo prossegue em sua vida livre.
Foi
depois da morte do barbeiro que Leonardo Filho, por intermédio da comadre
parteira, que sempre o defende, vai morar com o pai. Depois de um
desentendimento com a amante de Leonardo Pai, Leonardo Filho foge de casa e
acaba se refugiando, por recomendação de amigos de malandragem, na casa de duas
irmãs viúvas. Leonardinho se envolve com a mulata Vidinha, filha de uma das
viúvas, cantora e com o tique de pontuar suas frases com “qual”, mas uma série
de intrigas perpetradas pelos primos da mulata põe esse relacionamento em maus
lençóis.
Segue-se
ainda uma série de encrencas até o desfecho do romance. Leonardinho, entre as
fugas do Major Vidigal e as intercessões da comadre parteira, acaba se
empregando, por recomendação, em uma ucharia (depósito real de víveres), mas é
despedido depois de um desentendimento envolvendo um “toma-largura” (empregado
da ucharia), sua amante e um prato de sopa. Vidinha chega a sair em defesa de
Leonardinho, e acaba se envolvendo com o “toma-largura”.
Depois,
Leonardo, pego pelo próprio Vidigal quando resolve acompanhar Vidinha à
ucharia, á força, é incorporado ao exército, mas lá também acaba aprontando,
pregando uma incrível peça no Major durante uma batida policial, e acaba preso.
Leonardinho acaba se tornando Sargento de Milícias graças a uma intermediação:
a amante de Vidigal, Maria Regalada, convence o Major a promover o rapaz de
patente. Tudo parte do plano entre a parteira e Dona Maria para unir novamente
Leonardinho e Luisinha, que não tivera um casamento feliz, e, felizmente,
ficara viúva.
Como
se vê, é aventura sob medida para uma história em quadrinhos. E para outras
mídias. Quer dizer, não existe uma adaptação para cinema de MEMÓRIAS, mas
existiu um especial de fim-de-ano para televisão. Foi produzido pela Rede
Globo, em 1995, com direção de Mauro Mendonça Filho, com Murilo Benício no
papel de Leonardo Filho.
MEMÓRIAS,
o livro, como já caiu em domínio público, está disponível em edições de
diversas editoras, variando o projeto gráfico, a capa, se a edição é
enriquecida com notas... E é bem fácil encontrá-lo em livrarias e bibliotecas!
E AGORA, DAS MEMÓRIAS EM QUADRINHOS...
Bão.
A adaptação da Escala Educacional tem 64 páginas, sem contar capa. E é um dos
melhores títulos da coleção, mérito maior do próprio Bira Dantas.
Para
dar cabo dessa adaptação, Índigo precisou cortar os trechos descritivos,
detendo-se apenas no essencial da trama – muitas vezes, ela nem se dá ao
trabalho de apresentar textualmente alguns dos personagens, como se as imagens
já fossem suficientes. Porém, a roteirista não se preocupou em dar uma
“mexidinha” na linguagem, preferiu manter os termos e as construções
linguísticas de Manuel Antônio de Almeida tal como na obra original, com o
rebuscamento típico do século XIX. Mas isso também reclamou deixar a adaptação
meio confusa, labiríntica. Nem um glossário para ajudar? Vamos pensar: o leitor
de hoje, ainda mais do ensino fundamental, não vai entender, por certo, o que é
uma “saloia”, uma “ucharia”, um “toma-largura”, sem que se precise ter um
dicionário ao lado enquanto lê. Tivesse tido Índigo essa preocupação, a
adaptação ficaria melhor ainda.
MEMÓRIAS
em quadrinhos acaba se sustentando, mesmo, pela arte de Bira Dantas. O
desenhista, mesmo com a grande preocupação em reconstruir fielmente a época do
romance, retratando roupas, cenários e festejos com base em pesquisa
historiográfica, faz uso de um traço fortemente caricatural, bidimensional, distorcido,
com a clara influência dos tempos em que trabalhou nos estúdios de Ely Barbosa.
O traço é cheio de movimento, com incontáveis hachuras, linhas, símbolos cinéticos,
como se, na verdade, essa adaptação fosse um storyboard para um desenho animado
– caso alguém queira produzir uma versão animada do romance de “Um Brasileiro”,
o estilo já está escolhido. Embora às vezes Bira acabe se perdendo nas
proporções anatômicas dos personagens, o traço caricatural capta, de certa
forma, toda a irreverência exigida pelo romance – mais ou menos o que “Um
Brasileiro” pretendia. E é notável que a história foi pintada à mão, quase
totalmente. Quer dizer, hoje em dia é difícil dizer se uma obra é pintada à mão
ou por computador, hoje em dia existem programas de edição de imagens capazes
de simular arte manual, basta ter a habilidade manual certa com a mesa
digitalizadora (antigamente conhecida como tablet), a prancheta de desenho moderna.
Um
grande mérito desta adaptação é o trabalho com os personagens, com destaque à
transformação de Luisinha ao longo da trama. De menina tímida para uma mulher linda
e sorridente, a tradução gráfica foi bem-sucedida. Já com Leonardo Filho foi
diferente: ele praticamente tem a mesma cara na infância e na idade adulta, com
uma “mexidinha” nos traços faciais, mais acentuada nas páginas finais. Os
outros personagens, bem, são os mesmos, em aparência, do início ao fim do
livro. Leonardo Pataca, o barbeiro, a parteira, Dona Maria, Major Vidigal,
Vidinha... Mas o essencial é que a construção facial dos personagens acaba
condizendo com sua personalidade. É só olhar, por exemplo, o personagem José
Manuel, ou o “toma-largura”, ou mesmo a parteira.
Bueno.
MEMÓRIAS, a HQ, é complementada com biografia de Manuel Antônio de Almeida e
atividades para os alunos do Ensino Fundamental. Esses extras não levam mais
que duas páginas.
PARA ENCERRAR...
...vamos
de O Açougueiro, minha HQ
folhetinesca. Agora sim, creio que consegui levar a história a um clímax com
ação e violência, como o argumento exige. Argumento, aliás, que o pessoal que
leu os capítulos anteriores já deve ter, ao menos deduzido. E olha que me
esforcei em explicar, nas postagens anteriores, do que se trata!
Na
próxima postagem, um novo título da série Literatura Brasileira em Quadrinhos –
isto é, se nada acontecer. Se não entrar uma outra ideia no caminho, ou se os
cães das militâncias políticas, seja de que lado estiver (contra ou a favor do
PT) resolverem cair em cima de mim. Será que há um radicalista entre meus 17
leitores, capaz de delatar potenciais atividades subversivas, as quais eu
esteja envolvido sem saber?
Seja
o que o Grande Desenhista do Universo quiser, de agora em diante.
Até
mais!
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