Olá.
Hoje,
resistindo bravamente à tentação de comentar os últimos acontecimentos da
política, sob o risco de me dar muito mal (já que, pelo jeito, o número de
haters, silenciosos ou não, parece maior que o de fãs), resolvi continuar tratando
da coleção Literatura Brasileira em Quadrinhos, da editora Escala Educacional.
Eis um porto seguro em um mar de discussões sobre o futuro do país – ou não.
Hoje,
partiremos para a segunda série da coleção – os romances maiores. E, hoje,
começaremos com a adaptação de O CORTIÇO, de Aluísio Azevedo, por Ronaldo
Antonelli e Francisco Vilachã.
A
EXTENSÃO DA COLEÇÃO...
Vamos
relembrar: a Escala Educacional, divisão do Grupo Escala especializada em
material destinado à escolas, como livros didáticos e revistas de conteúdo
pedagógico, lançou, por volta de 2004, a coleção Literatura Brasileira em Quadrinhos, a primeira iniciativa de
quadrinhos da editora. O Grupo Escala tem larga experiência no campo dos
quadrinhos, e, no início do século XXI, lançou, em parceria com outras
editoras, revistas de HQ variadas, a maior parte elaborada por artistas
brasileiros.
A
série Literatura Brasileira em
Quadrinhos, pouco depois, foi acompanhada pelas séries Literatura Mundial em Quadrinhos, História do Brasil em Quadrinhos,
História Mundial em Quadrinhos e Filosofia
em Quadrinhos.
Bem.
A série Literatura Brasileira em
Quadrinhos começou com adaptações de contos de Lima Barreto e Machado de
Assis, elaboradas por Jô Fevereiro e Francisco Vilachã, com colaborações de
Sebastião Seabra e Ciça Sperl. Foram oito volumes, que chegaram a ser lançados
nas bancas de revistas.
Bem.
A iniciativa aparentemente fez sucesso, principalmente graças às novas
determinações do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do Ministério da
Educação, que, a partir de 2006, passou a incluir histórias em quadrinhos entre
os livros de literatura a ser distribuídos nas escolas. Essas determinações
possibilitaram que outras editoras começassem a lançar suas próprias adaptações
para quadrinhos de obras célebres da literatura – área em que o Brasil tem sido
há tempos uma verdadeira indústria, desde que a EBAL, nos anos 1940, lançou a Edição Maravilhosa.
Bem.
A coleção Literatura Brasileira em
Quadrinhos foi ampliada a partir de 2007. Passou a incluir textos maiores,
ou seja, romances completos. Se com a adaptação de contos curtos foi fácil, imagine-se
agora romances: desta vez, não há mais espaço para as adaptações literais,
palavra por palavra. O desafio agora é a adaptação de uma centena e meia de
páginas escritas para a linguagem gráfica, em cerca de 64 páginas.
Várias
editoras correram atrás desse desafio. Algumas adaptações foram realizadas com
sucesso, outros não, mas todas estão no mercado, o que é importante. E
distribuídas para escolas de todo o Brasil, o que já garante algum mercado e
possibilita o contato dos estudantes do Ensino Fundamental não apenas com os
clássicos literários brasileiros, mas também com a linguagem gráfica das HQ, e
também com autores veteranos em um mercado incerto como o brasileiro.
Como
disse, então, vamos começar com um romance: O CORTIÇO.
ANTONELLI
Well.
Já apresentei anteriormente a vocês o artista do presente álbum, Francisco
Vilachã. É hora de apresentar seu parceiro de muitas lutas, o roteirista,
jornalista e romancista Ronaldo Antonelli.
Não
foi muito fácil encontrar, na internet, alguma referência sobre a vida de
Antonelli, autor já falecido. Mas conseguimos encontrar um perfil da vida dele,
escrita por ele mesmo, que peguei “emprestado” do blog Escritablog, especializado
em literatura:
“Paulistano, nascido em 17 de março de 1952, recebi meu batismo civil no
movimento estudantil secundarista de 68 e, mais tarde, no de 77, como
universitário. Cursei três anos de filosofia na USP mas, como já exercia uma
atividade profissional jornalística, no Instituto de Pesquisas Econômicas da
própria universidade, bandeei-me para o curso de jornalismo da Cásper Líbero.
Continuei, porém, trabalhando na USP, onde militava na política estudantil, ao
mesmo tempo em que fui eleito presidente do Diretório Acadêmico Cásper Líbero,
que em minha gestão se transformou em Centro
Acadêmico Vladimir Herzog.
Minha prisão na invasão policial da PUC, em 77, com enquadramento na Lei de Segurança Nacional, valeu-me a perda do emprego no IPE e a não-aceitação de minha matrícula pela direção da Cásper Líbero no ano seguinte, o da conclusão de curso. Por sorte, arrumei emprego como revisor do DCI, nos últimos meses da lei que permitia contratar jornalistas provisionados, e segui prestando serviços de free-lancer para editoras como Símbolo e Alfa Ômega, como fazia desde 73, o que me ajudou a sobreviver em minha nova condição de casado e pai de uma filha, nascida em 78, até que a Anistia me permitiu concluir a faculdade, no ano de 1981. Nessa ocasião fiz tradução de obras de Che Guevara e Régis Debray para Edições Populares e iniciei uma atividade como roteirista de histórias em quadrinhos para revistas da Grafipar e da Vecchi.
Assim que me formei, fui aprovado num teste público da Folha de S. Paulo e contratado como redator da “Ilustrada”, onde, entre outras funções, fui incumbido da área de livros do caderno, de que me ocupei por mais de três anos. Paralelamente me tornei editor de uma revista técnico-científica, Alimentação & Nutrição, e outras desse segmento, ao longo dos anos 80 e 90 e, junto com o desenhista Vilachã, editei a revista Inter Quadrinhos, a primeira a publicar quadrinistas exclusivamente nacionais. No ano de 1987 fui contratado pelo Círculo do Livro para uma das funções mais gratificantes que já desempenhei, como chefe de revisão e preparação de livros, à frente de um setor encarregado de acompanhar a publicação de quinze títulos mensais. Desde essa época e até hoje tenho feito traduções e prestado serviços editoriais e jornalísticos para sobreviver, junto a empresas como Abril, Ática, Atual, Saraiva e outras.
Minha prisão na invasão policial da PUC, em 77, com enquadramento na Lei de Segurança Nacional, valeu-me a perda do emprego no IPE e a não-aceitação de minha matrícula pela direção da Cásper Líbero no ano seguinte, o da conclusão de curso. Por sorte, arrumei emprego como revisor do DCI, nos últimos meses da lei que permitia contratar jornalistas provisionados, e segui prestando serviços de free-lancer para editoras como Símbolo e Alfa Ômega, como fazia desde 73, o que me ajudou a sobreviver em minha nova condição de casado e pai de uma filha, nascida em 78, até que a Anistia me permitiu concluir a faculdade, no ano de 1981. Nessa ocasião fiz tradução de obras de Che Guevara e Régis Debray para Edições Populares e iniciei uma atividade como roteirista de histórias em quadrinhos para revistas da Grafipar e da Vecchi.
Assim que me formei, fui aprovado num teste público da Folha de S. Paulo e contratado como redator da “Ilustrada”, onde, entre outras funções, fui incumbido da área de livros do caderno, de que me ocupei por mais de três anos. Paralelamente me tornei editor de uma revista técnico-científica, Alimentação & Nutrição, e outras desse segmento, ao longo dos anos 80 e 90 e, junto com o desenhista Vilachã, editei a revista Inter Quadrinhos, a primeira a publicar quadrinistas exclusivamente nacionais. No ano de 1987 fui contratado pelo Círculo do Livro para uma das funções mais gratificantes que já desempenhei, como chefe de revisão e preparação de livros, à frente de um setor encarregado de acompanhar a publicação de quinze títulos mensais. Desde essa época e até hoje tenho feito traduções e prestado serviços editoriais e jornalísticos para sobreviver, junto a empresas como Abril, Ática, Atual, Saraiva e outras.
Passei a produzir romances e contos numa fase de vacas magras, em meados
dos anos 90, e, no final dessa década, a submeter meus originais a apreciação
das editoras. Desde então colhi reações que vão da mais completa indiferença à
recusa acompanhada de elogios consoladores, passando por encorajamentos
iniciais sem continuidade – nunca tendo, contudo, concretizado uma proposta de
publicação. Atualmente sigo escrevendo, pela satisfação intrínseca que a
atividade me proporciona, colhendo impressões aqui e ali, entre amigos e
conhecidos e, cada vez mais esporadicamente, enviando um original aos editores,
até hoje insensíveis a meu produto.
Ronaldo Antonelli”
Bem. Antonelli faleceu em 18 de novembro de
2012. Deixou romances, como O Crepúsculo
das Letras e Os Dias do Condor, e
também adaptações de obras da literatura mundial para o português. Foi o co-fundador da revista Inter Quadrinhos, que, se não foi mesmo
a primeira a publicar exclusivamente artistas brasileiros, foi a primeira a
publicar histórias adultas de quadrinhistas
brasileiros, antes mesmo da Chiclete com
Banana. Histórias com sexo semi-explícito, violência e humor. A data exata
de lançamento foi 1984, e Antonelli e Vilachã editaram só a primeira série, de
cinco números; a segunda série da Inter
Quadrinhos ficou a cargo de Marcelo Verde.
Bem. Foi na Escala Educacional que Antonelli
refez a parceria com Francisco Vilachã. Ele escreveu, a partir de 2007, as
adaptações dos romances O Cortiço, de
Aluísio Azevedo; Triste Fim de Policarpo
Quaresma, de Lima Barreto; A Polêmica
e Outras Histórias, de Artur Azevedo; Inocência,
de Visconde de Taunay; e Primórdios
da Literatura Brasileira, adaptação de textos de Pero Vaz de Caminha, José
de Anchieta e Fernão Cardim; todos com desenhos de Vilachã. E, para a série Literatura Mundial em Quadrinhos, Antonelli
também roteirizou o volume Contos de
Tchekov, também desenhado por Vilachã.
Ah, mas tem mais: Antonelli, para a série Literatura Brasileira, ainda fez, em
2010, o roteiro da adaptação de O Ateneu,
de Raul Pompeia, com arte de Bira Dantas.
O CORTIÇO
Bem. Já que conseguimos, com o que temos,
traçar o perfil de Ronaldo Antonelli, vamos agora falar de O CORTIÇO, o livro
em questão.
O CORTIÇO foi publicado pela primeira vez em
1890, escrito por Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo (1857 – 1913), natural
de São Luís, Maranhão.
Poucos sabem, mas Azevedo também era
desenhista: no período em que estudou na Imperial Academia de Belas-Artes do
Rio de Janeiro, de 1876 a 1878, ele fez, como forma de sobrevivência, caricaturas
para alguns periódicos do período, como O
Fígaro, O Mequetrefe, O Zig-Zag e A
Semana Ilustrada – e, logo, foi um grande nome do humor gráfico brasileiro
do século XIX, equiparando-se a gente como Ângelo Agostini e Rafael Bordalo
Pinheiro.
Mas Aluísio Azevedo se consagra, mesmo, com
seus romances. Azevedo foi o maior nome do movimento literário do Naturalismo,
uma corrente literária que, junto com o Realismo (cujo representante maior foi
Machado de Assis), foi um contraponto ao Romantismo. Em realidade, há quem diga
que o Naturalismo é uma ramificação do Realismo, mas, de certo modo, mais
radical.
Quem não fugiu das aulas de Literatura na escola, sabe: o Realismo/Naturalismo, ao contrário do
Romantismo, não idealiza os cenários e personagens: os retrata como realmente
são, a partir da realidade observada pelo autor. Enquanto o Realismo foca seus
personagens e situações nas classes médias e nas elites, o Naturalismo foca
principalmente nos grupos humanos marginalizados, como os trabalhadores pobres
e os miseráveis das grandes cidades. Ah: os escritores Naturalistas,
influenciados pelas teorias circulantes do evolucionismo de Charles Darwin,
prefere retratar o homem como animal, no sentido de ser biológico, parte da
natureza, e como tal guiado pelos instintos, tendendo à violência e aos desejos
carnais, seguindo a lei do mais forte.
Well. Aluísio Azevedo inaugura o Naturalismo
brasileiro com seu segundo romance, O
Mulato, publicado em 1881, tempos depois que o autor voltou a residir em
São Luís. Polêmico entre a sociedade maranhense, O Mulato, no entanto, foi um best-seller
em sua época, no restante do país, e foi determinante para a mudança do
autor para o Rio de Janeiro, ainda em 1881. Os outros romances de Azevedo foram
publicados inicialmente em forma de folhetim. A Condessa Vésper (1882), Casa
de Pensão (1884) e O CORTIÇO são títulos bem conhecidos, junto com O Mulato. E cada um desses livros pode
ser facilmente encontrados em bibliotecas e livrarias, em edições de diversas
editoras, das populares às mais sofisticadas – visto que já entraram em domínio
público há décadas.
O CORTIÇO é considerado o maior exemplo do
Naturalismo brasileiro. Azevedo demonstrou, aqui, grande habilidade no retrato
de agrupamentos humanos, e os personagens centrais demonstram as teses
darwinianas propostas pelo autor.
A bem da verdade, o grande personagem
principal de O CORTIÇO é o próprio cortiço, onde a trama se passa – um
ajuntamento de casinhas simples onde vivem diversas famílias trabalhadoras.
Nele, circulam vários personagens, cada um com uma história de vida específica.
Dentre as tantas histórias de personagens moradores do cortiço, é possível
pinçar algumas mais importantes.
A primeira grande história é a do
proprietário do cortiço, o ambicioso português João Romão. Ele construiu o
cortiço a partir de dinheiro ganho com trabalho, com economias deixadas pelo
ex-patrão e com o dinheiro que lhe foi dado pela amante, a escrava Bertoleza. A
escrava estava juntando vinte mil réis para comprar a alforria, mas João Romão
a engana, lhe dando uma carta de alforria falsa, e fica com o dinheiro, que é
usado para comprar o terreno do cortiço e parte da pedreira onde os homens
trabalhavam.
Os moradores do cortiço fazem compras na
venda de João Romão, que muitas vezes dá calote e rouba no peso, mas sabe
cobrar dívidas. O cortiço é construído próximo à mansão de Miranda, comerciante
português, casado com Dona Estela, e pai de Zulmira. Miranda, que se casou com
Estela por causa do dote, tem problemas no casamento – dorme em quarto
separado, mas, de vez em quando, vai para o quarto da esposa possuí-la, para
depois voltar para sua cama arrependido. E Miranda tem ainda muita inveja de
João Romão, por causa de seu sucesso como empreendedor. Por sua vez, João Romão
tem inveja da prosperidade material de Miranda, cuja mansão está bem à vista do
cortiço, e almeja enriquecer também, ainda que às custas da exploração de seus
inquilinos.
Miranda ainda mora com Henrique, um
protegido, e com Botelho, um ex-criado parasita, também português e com ojeriza
aos brasileiros, os quais culpa por sua falência.
Alguns dos mais importantes inquilinos do
cortiço, cada um com uma complicada história pessoal, são: Marciana, maníaca
por limpeza, mãe de Florinda; a viúva Dona Isabel, mãe de Pombinha, a flor do
cortiço; Paula, a Bruxa, uma cabocla benzedeira, feia e louca; Leandra, a
“Machona”, portuguesa feroz; Leocádia, mulher do ferreiro Bruno, e portuguesa
com fama de leviana; o policial Alexandre, marido da brasileira Augusta
“Carne-Mole”; Albino, praticamente um homossexual, que vai lavar as roupas
junto com as mulheres e, por isso, é visto como uma pelas próprias; o português
Jerônimo e sua esposa Piedade; e a mulata Rita Baiana.
Bem. Praticamente acontece de tudo com esses
personagens. As histórias mais importantes são as de Leocádia, de Marciana, de
Pombinha e de Jerônimo e Rita Baiana.
Leocádia, um dia, é seduzida por Henrique, o
protegido de Miranda; flagrada pelo marido, os dois acabam tendo uma briga
escandalosa.
Marciana chega a agredir Florinda depois que
ela engravida de um funcionário de João Romão, que não reconhece a criança. Na
confusão criada, a mulata acaba expulsa do cortiço.
Mais dramática é a história de Pombinha.
Prometida em casamento para o comerciante João da Costa, no entanto, Dona
Isabel só permitia o matrimônio depois que a filha menstruasse, algo que
demorou bastante, e foi possível depois que Pombinha foi seduzida pela cortesã
Léonie. Mas, depois de casada, Pombinha trai o marido e, vira cortesã também,
companheira de Léonie.
Mas a mais importante história é a de
Jerônimo. Inicialmente, o homem era um português sério e trabalhador, que
inclusive conquistara o respeito de todo cortiço pela sua integridade. Mas tudo
muda em um domingo, quando o português vê Rita Baiana, mulata sensual,
dançando. A partir daí, disposto a conquistar a mulata, Jerônimo passa a beber
cachaça, gastar mais do que devia e destratar a esposa. Rita, por sua vez,
demonstra interesse no português. O problema é que Rita Baiana era amante do
capoeirista Firmo, morador do cortiço Cabeça-de-Gato, localizado próximo ao
cortiço de João Romão. Na primeira disputa entre Jerônimo e Firmo, o
capoeirista fere com gravidade o português com uma navalha. Mas, depois, em uma
emboscada, Jerônimo mata Firmo, e conquista de vez Rita. Os dois deixam o
cortiço, Jerônimo acaba se tornando um malandro – e Piedade fica na rua da
amargura, ainda mais depois que perde uma briga para Rita.
Concomitante a esses acontecimentos, acontece
a rivalidade entre o cortiço Cabeça-de-Gato e o cortiço de João Romão, cujos
moradores acabam chamados de “carapicus”, por causa do tipo de peixe que
consumiam. O conflito se agrava com a notícia da morte de Firmo, que provoca um
enfrentamento direto entre capapicus e cabeças-de-gato, culminando com um
incêndio, e a destruição do cortiço, numa fogueira provocada pela bruxa Paula.
O incêndio foi determinante para que João Romão construa um novo cortiço, mais
aristocrático e condizente com sua nova posição social. E, com tudo isso, o
comerciante resolve fazer as pazes e novos negócios com Miranda, e, com o
casamento com Zulmira, conquistar status social.
A última barreira para a prosperidade de João
Romão é Bertoleza, mas não foi difícil superá-la. Ameaçada de ser levada de
novo ao cativeiro, Bertoleza, que, depois de tudo o que fez pelo amante acaba
atraiçoada, se mata – e justo quando João resolve presenteá-la com uma carta de
alforria autêntica.
E, assim, em O CORTIÇO, prevalece a visão
darwinista do autor: as leis da natureza, o homem deixando-se vencer pelos
instintos da autodefesa e do sexo, a prevalência da lei do mais forte, o
preconceito e a crueldade da sociedade que não aceita certos comportamentos.
Embora referentes ao final do século XIX, esses temas valem para os dias de
hoje. Se fosse adaptado para os dias atuais, O CORTIÇO certamente não perderia
em nada sua força documental, já que ainda temos cortiços, prostitutas, crimes
passionais, exploração econômica, preocupação com o status social...
O CORTIÇO já foi adaptado para o cinema, em
1978, pelo diretor Francisco Ramalho Jr. E já foi adaptado mais de uma vez para
quadrinhos! A adaptação de Antonelli e Vilachã é de 2007; em 2009, saiu a da
Ática, com roteiro de Ivan Jaf e arte de Rodrigo Rosa.
O CORTIÇO EM QUADRINHOS...
A adaptação de Antonelli e Vilachã,
infelizmente, não é das melhores disponíveis no mercado. E a culpa maior é de
Vilachã.
Antonelli se esmerou para fazer uma boa
adaptação, tentando transpor todas as histórias paralelas do romance para HQ, e
procurando dar espaço para todos os personagens. Até dá para entender tudo o
que acontece. Mas Antonelli nem ao menos mexeu com a linguagem original do
livro – a linguagem permanece rebuscada e erudita, mesmo com personagens
“populares” falando, e passa assim uma sensação de monotonia. Podia ter investido um pouquinho de humor e talvez de irreverência na sua adaptação, mas não: o foco ficou todo na parte trágica.
Mas o problema mesmo é a arte. Vilachã tentou
fazer os desenhos levemente diferentes das adaptações anteriores da coleção,
com linhas finas, quadros pequenos, desenhos dentro dos limites dos requadros.
Tentou variar um pouco os tipos humanos, afastando-os da “forma” básica de
“cara de cavalo” observada em Uns Braços,
O Enfermeiro ou em A Nova Califórnia.
Claro, ainda mais porque mais da metade dos personagens de O CORTIÇO são mulheres.
Até as passagens metafóricas, como a sedução de Pombinha (a parte mais
“erótica” da HQ) e a consumação da paixão de Jerônimo e Rita, teve sua tradução
para a linguagem gráfica.
O grande problema é que, primeiro: Vilachã
optou por fazer cores suaves e, em várias sequências, personagens
monocromáticos, pintados com uma só cor, com variação apenas nos efeitos de
volume, mesmo com as variações de acordo com o horário do dia; só em alguns
momentos Vilachã varia as cores dos personagens, diferenciando a pele das
roupas. Segundo: por consequência da colorização, é difícil diferenciar alguns
personagens, e, na verdade, alguns personagens são muito parecidos entre si –
por exemplo, é difícil diferenciar Leocádia de Piedade, ou Florinda de Rita
Baiana, ou João Romão de algum dos coadjuvantes das cenas da venda, se estes
forem colocados lado a lado. Terceiro, não houve grande preocupação com as
sequências de ação e com as expressões faciais dos personagens – com pequenas
variações, todos os personagens parecem fazer a mesma cara de entediado, com
sorrisos amarelos. Parece que Vilachã ou fez seu trabalho às pressas, ou estava
chateado com esse serviço, por isso não quis se esmerar para entregar uma boa
adaptação.
Por isso, esta adaptação de O CORTIÇO soa
desagradável ao leitor. De toda a coleção, é o volume menos atraente. Que falta faz as cores chapadas e as linhas grossas dos
outros álbuns... Que falta fez um pouco de bom humor para tornar uma história tão tyrágica mais leve... Não começamos muito bem, não é mesmo?
O volume de 64 páginas – sem contar capa – é
completo com: biografia de Aluísio Azevedo, e atividades para os estudantes do
Ensino Fundamental – dentro da proposta da coleção.
PARA ENCERRAR...
...aqui vão mais duas páginas de O Açougueiro, minha HQ folhetinesca e –
agora fui reparar – naturalista. É, nesta semana, só deu para fazer duas
páginas. E é o que posso dizer agora.
Em breve, voltamos a falar mais a respeito da
coleção Literatura Brasileira em Quadrinhos.
Até mais!
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