Olá.
Na
tentativa de me afastar um pouco da crise política que o país atravessa, no
momento em que escrevo, resenho aqui mais um título da série Literatura
Brasileira em Quadrinhos, da editora Escala Educacional. A maioria de meus 17
leitores já deve estar (e espero que esteja mesmo) de saco cheio de ouvir falar
de Lula, Dilma, Sérgio Moro, petrolão, sítio em Atibaia, tríplex... eu não
pretendo alimentar essa fogueira. Vou me dedicar ao enriquecimento da cultura
geral de meus leitores, vou fazer algo mais útil a este país que reclamar do
governo!
Bão,
chega de ladainhas. O título de hoje é mais “cabeça”. O favorito de nove entre
dez críticos literários brasileiros. E transposto para os quadrinhos por um dos
mais renomados anatomistas brasileiros.
Hoje,
então, falamos de MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS, de Machado de Assis,
transposto para as HQ por Maria Sonia Barbosa e Sebastião Seabra.
PARA INÍCIO DE CONVERSA...
MEMÓRIAS
PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS, publicado pela primeira vez em 1881, é um dos romances
mais famosos de Machado de Assis (1839 – 1908). Só não digo que é o mais
famoso, porque disputa o título de obra-prima do “Bruxo do Cosme Velho” com Dom Casmurro (1899).
De
todo modo, MEMÓRIAS PÓSTUMAS é um dos livros mais celebrados do mulato, e
exemplo maior de sua genialidade. A forma e o conteúdo, o uso da ironia e da
metalinguagem, e a quebra dos clichês da literatura de seu tempo, já fazem
daquele, que muitos consideram o romance mais “difícil” de Machado de Assis, a
obra mais celebrada do autor. Embora não tenha sido um grande sucesso logo de
saída, o tempo ajudou o romance a se firmar nos anais da literatura nacional.
Well.
Existem três transposições do romance para as HQ disponíveis no mercado
brasileiro. A primeira é de 2004, a da Escala Educacional, por Maria Sonia
Barbosa e Sebastião Seabra – capa acima. A segunda é de 2010, pela série Grandes Clássicos em Graphic Novel, da
editora Desiderata, de Wellington Srbek (roteiro) e João Batista Melado (arte);
e a mais recente, de 2014, saiu pela editora Ática, série Clássicos Brasileiros em HQ, por Luiz Antônio Aguiar e César Lobo.
SEABRA
Antes
de falarmos do romance machadiano, vamos falar a respeito do artista da
presente HQ, Sebastião Seabra. A esposa do artista, Maria Sonia Barbosa,
trabalhou na adaptação do livro, enquanto Seabra ficou responsável pelo roteiro
e pela arte.
Bem.
Sebastião Rodrigues Seabra nasceu em Araraquara, estado de São Paulo, em 1958.
Na infância, ele desenha desde cedo, e no início foi influenciado pelo rock e
pela TV; mas, ainda jovem, conhece os gibis, apresentados a ele pelo irmão.
Inicialmente, HQs da Disney, depois Fantasma, Lone Ranger (Zorro), Sgt. Rock e
Heróis da Marvel Comics.
Ele
muda-se, com a família, para São Paulo, em 1969. Em 1972, decidido a melhorar
seu desenho, compra um exemplar do guia Desenho
e Anatomia, do americano Victor Perard, e praticamente se especializa em
desenho anatômico humano, principalmente feminino.
Como
muitos artistas iniciantes da época, ele frequentava o Clube do Gibi, de
Ademário de Mattos, a primeira loja especializada em quadrinhos do Brasil. Ali,
ele conhece seu primeiro grande parceiro, Franco de Rosa. O futuro editor de HQ
escreveu as duas primeiras séries desenhadas por Seabra: Chucrutz e Capitão Caatinga, ambos
no jornal sensacionalista Notícias
Populares de São Paulo, que, à parte das notícias tão polêmicas quanto
malucas, mantinha uma página de HQs produzidas só por artistas brasileiros –
dando seu incentivo, portanto, à história das HQ brasileiras. Capitão Caatinga foi uma série longeva,
sendo publicada de 1974 a 1978.
Em
1979, Seabra desenha HQs do Zorro – Capa
e Espada, para a editora EBAL. Para a mesma editora, também desenhou HQs
estreladas por super-heróis japoneses, na série Super X.
No
início dos anos 80, Seabra, após ministrar uma palestra no SENAC, conhece
Ataíde Braz e Roberto Kussumoto. Ambos foram alunos do desenhista Silvestre
Mendonça, que os recomendou, junto com Seabra, para a editora Grafipar de
Curitiba, PR. Seabra publica suas primeiras HQ eróticas na revista Personal, da Grafipar, sob o pseudônimo
de Sebastião Zéfiro (uma homenagem ao célebre Carlos Zéfiro, desenhista dos
famosos “catecismos” dos anos 1950 e 1960?). Na linha do erotismo, colaborou
com revistas de diversos gêneros, como terror e policial, mas sempre com ligação
com o sexo.
Em
1983, ele se casa, e volta para Araraquara, onde edita uma página semanal sobre
cultura pop para jornais locais. Ele também começa, nesse ano, a trabalhar para
o mercado publicitário, bem como colaborar para quase todas as editoras de São
Paulo – entre elas, a Noblet (Hot Girls e
Contos Excitantes), a Press (Mundo do Terror, selo Maciota) e a
D-Arte (Mestres do Terror e Calafrio). Seabra também cria o herói Super Honda para a revista Clube Honda – as cores das HQ do herói
eram de Jô Fevereiro.
Em
1986, Seabra ganha o Prêmio Ângelo Agostini de Melhor Desenhista.
Em
1990, Seabra cria, para a Editora Phenix de Tony Fernandes, o super-herói Vingador Mascarado. Também em 1990, ele
começa a publicar álbuns na Europa, através da agência belga Commu. Foram
quatro, até onde pudemos apurar: Rose, a
Mulher Gato, A Volta da Mulher Gato, John Árkesis – Não Nego Fogo e A Porta Dourada, todos envolvendo
erotismo. Esses álbuns foram editados no Brasil pela editora Nova Sampa, por
volta de 1997.
Em
1999, Seabra começa a lecionar aulas de desenho em Araraquara, e lança, pela
Editora Escala, as primeiras revistas de uma série sobre aulas de desenho e
anatomia: Como Desenhar Mulheres e A Figura Masculina. Junta-se assim a
outros artistas, como Arthur Garcia, Alexandre Jubran e Eduardo Schlosser, que
também produzem materiais de ensino de desenho artístico e de HQ, publicados
por diversas editoras e disponibilizado nas bancas de revistas.
Seus
outros trabalhos para HQs, no início do século XXI, aparecem de forma
esporádica. Entre outros, citamos o álbum Na
Trilha do Prazer de Sebastião Zéfiro (2003), da editora Opera Graphica, coletânea de HQs eróticas publicadas
por diversas editoras, como Grafipar e Xanadu.
Foi
a partir de 2004 que ele começou a colaborar para a editora Escala Educacional
e a série Literatura Brasileira em
Quadrinhos. Ele colaborou com a arte-final dos álbuns O Homem que Sabia Javanês, de Lima Barreto, e do capítulo Notas Biográficas do Novo Deputado, do
álbum Brás, Bexiga e Barra Funda, de
Antônio de Alcântara Machado, ambos com roteiro e desenhos de Jô Fevereiro,
antigo parceiro do Super Honda; e
adaptou, junto com a esposa Maria Sônia Barbosa, MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS
CUBAS, de Machado de Assis, e A Moreninha,
de Joaquim Manoel de Macedo.
Seabra
também participou da adaptação de Noite
na Taverna, de Álvares de Azevedo, publicado pela editora Ática em 2011,
dentro da série Clássicos Brasileiros em
HQ. Ele desenha um dos capítulos (o álbum tem roteiro de Reinaldo Seriacopi
e, além de Seabra, contou com a arte de Arthur Garcia, Franco de Rosa, Rodolfo
Zalla, Rubens Cordeiro e Walmir Amaral – cada um desenhando um capítulo).
(Fonte:
site Guia dos Quadrinhos).
BRÁS CUBAS...
Bem,
agora vamos falar do livro de Machado de Assis.
MEMÓRIAS
PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS foi publicado, inicialmente, em formato de folhetim, em
1881 – e só depois compilado em volume único. E, como se não bastasse,
colocando em termos de hoje, ainda, por assim dizer, gerou um romance spin-off. Já falo mais a respeito.
MEMÓRIAS
PÓSTUMAS tem por maior destaque, em sua forma e conteúdo, o uso extensivo da
metalinguagem e da ironia, ao colocar como narrador-personagem um defunto! O
personagem principal, Brás Cubas, já está morto quando resolve relatar ao
leitor suas memórias. Tanto que o livro começa com a célebre dedicatória: “Ao verme que
primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver, dedico como saudosa lembrança
estas memórias póstumas”.
A
metalinguagem já começa aí. Olha, já cheguei a pensar, brincando, na hipótese
de que MEMÓRIAS PÓSTUMAS é o primeiro romance psicografado brasileiro. Afinal,
só seria possível a um morto escrever um livro mediante as mãos, no plano
material, de um médium, certo? Mas talvez não. Afinal, os livros psicografados,
ou espíritas, geralmente trazem lições de vida e aprendizado dos espíritos no
além-túmulo. Brás Cubas, ao contrário, não parece arrependido de nenhum dos
erros que cometeu em vida – e não são poucos. Ele nem está disposto a deixar ao
leitor alguma mensagem edificante, ou ao menos palavras de consolo e lições de
moral. Ele até mesmo ironiza a vida que poderia ter sido, e não foi.
Cinicamente, MEMÓRIAS PÓSTUMAS pode ser visto como uma sátira aos livros
espíritas, ao olhos modernos. O espiritismo começou a se popularizar no Brasil
ainda na segunda metade do século XIX, mas é pouco provável que já circulassem
romances espíritas no Brasil na época em que Machado de Assis escreveu MEMÓRIAS
PÓSTUMAS. Logo, o recurso do autor-cadáver é apenas algo que diferencia o
romance machadiano de todos os outros de sua época. Mas, no momento em que foi
lançado, MEMÓRIAS PÓSTUMAS não foi um best-seller,
ao contrário de O Mulato, de
Aluísio Azevedo, lançado no mesmo ano – e que foi muito mais polêmico.
Bem,
de todo modo, MEMÓRIAS PÓSTUMAS foi o ponto alto da escola literária do
Realismo, que se opunha ao Romantismo literário. O Realismo, que conviveu com o
Naturalismo de Aluísio Azevedo, estava limitado à prosa escrita; na poesia, a
expressão era o Simbolismo – de acordo com a definição dos estudiosos da
literatura nacional. O Realismo, para quem não sabe, ou fugiu da escola, era
uma escola literária fundamentada na representação da realidade como é
observada pelo escritor, sem idealizações; nas tramas de teor pessimista, que
geralmente não terminam bem para o personagem principal; na análise psicológica
aprofundada do ser humano; no retrato de uma realidade hostil, baseada na mal disfarçada
“lei da selva”, onde o mais forte (geralmente, o mais rico, o homem da elite)
se impõe sobre o mais fraco (o pobre, ou o homem da classe média que entra no
“jogo dos ratos” e acaba perdendo).
Bem.
MEMÓRIAS PÓSTUMAS reúne várias dessas características, e mais algumas. O
personagem principal se define como um perdedor, alguém que buscou alcançar a
celebridade, a fortuna e o amor, e não conseguiu. Ou por conta dos próprios
erros, ou por conta das barreiras impostas por outros. Ele morreu pobre – não
de dinheiro, mas de realizações em vida.
Ele
começa narrando suas memórias através da causa de sua morte, ocorrida em agosto
de 1869: pneumonia, causada por uma corrente de ar vinda da janela de seu
escritório. Mas ele nos diz: não foi tanto a pneumonia, mas uma ideia fixa. Ele
estava trabalhando em seu último projeto para alcançar a celebridade, um
emplasto anti-hipocondria, ou seja, uma espécie de remédio para curar todas as
doenças, incluindo as imaginárias. Mesmo tratado com sua invenção, Brás Cubas
acabou morrendo. E, antes do último suspiro, acaba tendo um delírio, envolvendo
uma cavalgada em um hipopótamo e uma conferência com uma cruel mãe-natureza
personificada em Pandora, a primeira mulher da mitologia grega.
Só
aí o nosso “herói” parte para relatar sua vida, desde o nascimento, em 20 de
outubro de 1805. Ele teve uma infância feliz, em família bem-aquinhoada, embora
fosse muito travesso e mal-educado. Na escola ele não foi bom aluno e gostava
de gazear, mas ali conhece seu maior amigo, Quincas Borba, que tem grande
importância no decorrer da trama.
Na
juventude, mais ou menos fim da adolescência, Brás Cubas conhece sua primeira
paixão, a prostituta espanhola Marcela. Brás Cubas corteja-a bastante e cogita
tirar Marcela daquela vida, mas ela nem ao menos corresponde à sua afeição –
ama o moço “durante quinze meses e onze contos de réis, nada menos”. A fim de fazer
Brás Cubas esquecer a prostituta, o pai do moço o manda estudar em Coimbra,
Portugal – e ela ainda trai o projeto de Brás Cubas de levá-la junto. Os dois
se reencontram anos depois: Marcela está viúva, empobrecida e perdera a beleza,
tendo de cuidar de um armazém falido; ele, envolvido com outros amores e
assuntos.
Os
estudos de Brás Cubas na Europa acabam interrompidos por conta do adoecimento
da mãe, que obriga o mancebo a voltar ao Brasil. O pai, pouco depois, cogita
conseguir para o filho uma colocação na política, como deputado. E, de quebra,
um casamento, com Virgília, filha do Conselheiro Dutra – que poderia influir na
carreira política de Brás Cubas.
Após
a morte do pai, há um desentendimento entre Brás Cubas e a irmã, Sabina, pela
partilha dos bens, determinando um afastamento temporário entre eles.
Bem,
o casamento não sai, nem a carreira política dá certo, mas Brás Cubas e
Virgília acabam tendo uma relação oscilante em todo o livro. Mesmo tendo
iniciado um breve romance com Eugênia, uma moça pobre e que, apesar de bonita,
é manca de uma perna, Brás Cubas se torna mais íntimo de Virgília, que se torna
sua amante. Virgília acaba se casando com Lobo Neves, principal adversário de
Brás Cubas na política, mas continua amante de Brás Cubas, com quem se encontra
às escondidas, em uma casa, sob intermediação da velha D. Plácida. Virgília
chega até mesmo a engravidar de Brás Cubas, mas acaba abortando. E, por um
triz, o adultério não é descoberto por Lobo Neves. Que, aliás, é promovido para
representar uma província distante no governo – isso, e o aborto, foram
determinantes para a separação de Brás Cubas e Virgília. Mas os dois voltam a
se encontrar várias vezes, por ocasião da morte de Lobo Neves e... quando Brás
Cubas já está no leito de morte.
Ainda
há de se citar o breve noivado entre Brás Cubas e Eulália Damasceno, a
Nhá-Loló, arranjado por Sabina. Nhá-Loló, no entanto, morre de febre amarela
antes do casamento.
Quicas
Borba é outro personagem importante do livro – ele meio que se torna um guia
espiritual de Brás Cubas. Quando os dois se reencontram, anos depois da escola,
Quincas Borba é um mendigo. Brás Cubas lhe dá uma boa esmola, mas, ainda assim,
o amigo consegue lhe roubar o relógio quando dá-lhes um abraço. Vem um novo
reencontro, tempos depois: Quincas já está bem de vida, sabe-se lá como, e até
mesmo devolve o relógio de Brás Cubas. Quando o ex-mendigo é visitado pelo
“herói”, Quincas Borba expõe uma nova filosofia de vida, o humanitismo, uma
sátira à “lei do mais forte” da natureza. Brás Cubas chega a se converter à
nova filosofia, mas depois a renega. Ainda assim, Quincas Borba é acolhido por
Brás Cubas no momento em que morre, louco.
Aliás,
Quincas Borba e sua filosofia do humanitismo, também conhecida como filosofia
do “ao vencedor, as batatas”, voltam em outro romance de Machado de Assis,
chamado justamente Quincas Borba (1891),
que podemos dizer que é um romance spin-off
(gerado a partir) de MEMÓRIAS PÓSTUMAS. Quincas
Borba, o romance, é centrado na figura do ingênuo Rubião, que recebe do
filósofo: sua fortuna, que o protagonista acaba perdendo ao longo da trama; a
incumbência de cuidar de seu cachorro, que também se chama Quincas Borba (!);
e, claro, os preceitos do humanitismo. Como é que nenhuma editora se interessou
ainda em adaptar Quincas Borba para
os quadrinhos?!
Bão.
Voltando a MEMÓRIAS PÓSTUMAS. De todo modo, Brás Cubas fracassou em tudo: em
seguir carreira política, no amor, na tentativa de fazer o emplasto. E parece
conformado com isso, depois que morreu, encarando seus fracassos com um acento
irônico. Ou, como ele diz: “Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui
ministro, não fui califa, não conheci o casamento. (...) Ao chegar a este outro
lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa
deste capítulo de negativas: - Não tive filhos, não transmiti a criatura alguma
o legado de nossa miséria.”
E,
com isso, tanto Brás Cubas quanto Quincas Borba subvertem o modelo do homem de
sucesso, observado na maioria dos romances, do self-made man. Nenhum deles teve sucesso ou deixaram um legado
duradouro – morreram como a maioria dos homens morre. Afinal, quantos de nós
buscamos a prosperidade pelas vias honestas e sem se converter a alguma
religião... e não tivemos sucesso em nossos empreendimentos? E o mesmo cabe aos
outros personagens do romance: nenhum deles ficou, no final do romance, em uma
situação melhor que a de Brás Cubas, nem mesmo Virgília. Isso é Realismo, isso
é humanitismo. Isso é o básico para se entender o romance.
O
livro pode ser encontrado em edições de várias editoras. Afinal, já caiu em
domínio público, ou seja, pode ser adaptado sem necessidade de pagamento de
direitos autorais.
Além
das adaptações para HQ, MEMÓRIAS PÓSTUMAS também teve uma paródia literária – Memórias Desmortas de Brás Cubas, de
Pedro Vieira, que imagina que o emplasto teria transformado o personagem em um
zumbi – e adaptações para cinema. A primeira, meio que indireta (tendo o
romance como base para uma história própria), foi feita em 1967 por Fernando
Cony Campos, intitulado Viagem ao Fim do
Mundo; a segunda, já uma adaptação direta do romance, foi dirigida por
Júlio Bressane em 1985; e a terceira, mais fiel ao romance, foi dirigida por
André Klotzel em 2001.
MEMÓRIAS GRÁFICAS DE BRÁS CUBAS...
É
isso aí: agora, sim, falemos da adaptação para HQ. E, de saída, vamos dizer: a
adaptação da Escala Educacional divide opiniões.
É
fato que, para que a história do defunto-autor fosse melhor transposta para os
quadrinhos – e em 40, das 48 páginas totais do álbum, sem contar capa – Maria
Sonia Barbosa e Sebastião Seabra tiveram de cortar trechos do livro, mas
basicamente os mais filosóficos, aqueles que foram apenas “gasto de saliva” por
parte do narrador. Se detiveram apenas no principal da trama, nos principais
lances. Ainda se pode encontrar reflexões filosóficas do narrador, mas elas
estão limitadas ao espaço da HQ.
Mas Barbosa
e Seabra também se atrapalharam: acabaram cortando trechos de apresentação de
alguns personagens, meio que fazendo-os entrar de supetão na trama, e às vezes
fica confuso ao leitor saber quem é quem. Parece que o romance se detém
primordialmente na relação entre Brás Cubas e Virgília – ela é a personagem
que, depois de Brás Cubas, mais aparece na trama. A relação entre Brás Cubas e
Marcela ficou bastante breve, como se ela não tivesse importância alguma. A
relação com Quincas Borba, no entanto, foi bem tratada.
Na
parte dos desenhos, Sebastião Seabra reafirma sua posição como um dos maiores
mestres de desenho anatômico do Brasil. Seu traço é bastante realista, mas em
um estilo mais quadrado, de linhas mais retas. Difere assim do arredondado e do
caricatural dos outros artistas da coleção, como Jô Fevereiro, Francisco
Vilachã e Bira Dantas.
Teria
Seabra sido influenciado pela adaptação cinematográfica de André Klotzel, já
que seu Brás Cubas até mesmo ficou a cara da caracterização do ator Reginaldo
Farias no citado filme? Talvez. Porque usou dos mesmos recursos
metalinguísticos exigidos pelo texto de Machado de Assis: Brás Cubas, como um
fantasma – portanto, colorido em tons monocromáticos – contando sua história ao
leitor, como se estivesse conversando com ele. E, reforçando a ironia
machadiana, o fantasma aparece sempre sorridente, como se as tragédias de sua
vida não passassem de piadas de salão. A adaptação segue a mesma sequência do
romance, indo da morte de Brás Cubas, passando por seu delírio nas costas do
hipopótamo, para seu nascimento, sua infância, juventude, idade adulta e
velhice, e sempre repassando os principais episódios de vida do defunto-autor.
As frases mais conhecidas do romance se fazem presentes.
Na
parte da diagramação, desta vez a editora se diferenciou. Os textos tem letras
muito reduzidas, em comparação às outras adaptações. É ruim para quem tem
problemas de vista, mas ao menos cabe muito mais texto. Uma exigência da arte,
visto que, para caber toda a trama em 40 páginas, em vários momentos Seabra fez
desenhos bastante reduzidos, espremendo cenas em quadros diminutos, e às vezes
os desenhos ultrapassarem o limite dos quadros. Seabra também abusa dos closes
e dos ângulos insólitos, e também insere um erotismo discreto – há cenas de
nudez insinuada, não desenhada em detalhes. E, como exigido na cartilha, com
uma pesquisa de elementos da época explicitada pelo romance, como vestimentas e
cenários.
Os
autores sequer mexeram na linguagem do romance original. Mas, ao menos,
pensaram um pouco no leitor, mas só um pouco: foram inclusas notas de rodapé
com o significado de algumas palavras e termos difíceis.
Porém,
ainda assim, a adaptação é meio confusa, principalmente aos leitores do Ensino
Fundamental. O próprio romance é meio confuso e difícil para os jovens
leitores, mas a adaptação para HQ seria mais compreensível se Barbosa e Seabra
tivessem respeitado as regras de apresentação de personagens das HQ: eles não
podem ser apresentados de supetão, e, de preferência, devem ser desenhados de
corpo inteiro em sua primeira aparição.
O
álbum inclui biografia de Machado de Assis e – afinal! – breve perfil do autor
da adaptação, Seabra. E só. Não colocaram sequer as atividades para os alunos!
Well.
Se na biblioteca de sua escola, ou na da cidade, o volume não estiver
disponível, veja através do site da Escala Educacional – www.escalaeducacional.com.br/.
E,
por isso mesmo, acaba ficando.
PARA
ENCERRAR...
...mais
alguns trechos de minha HQ folhetinesca, O
Açougueiro. Agora que resolvi carregar no sexo e no sangue, ao longo de uma
trama que vai sendo construída aos poucos, sem saber onde vai parar – como a
mais mequetrefe das HQ se super-heróis, ou do mais ridículo dos mangás
japoneses – ela vai atraindo mais audiência. Porém, os desenhos, desta vez,
admitidamente, estão deixando a desejar. Vamos, podem dizer que a arte ficou
ruim. Vamos, podem dizer que me atrapalhei todo ao tentar desenhar paisagens
noturnas, sombras... Vamos, podem criticar.
Na
próxima postagem, o último livro da coleção Literatura Brasileira em Quadrinhos
que tenho em casa. Qual será?
Até
mais!
2 comentários:
Você DETONOU na página 38! Tudo aí está perfeito. Sério, essa é a melhor HQ que eu tenho lido atualmente. Estou ansioso pela próxima resenha e pelas próximas páginas!
Você DETONOU na página 38! Tudo aí está perfeito. Sério, essa é a melhor HQ que eu tenho lido atualmente. Estou ansioso pela próxima resenha e pelas próximas páginas!
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