Olá.
Hoje,
vou tratar de livro. Vamos tratar um pouco de História neste blog, que faz
algum tempo que não trato – assim, faço valer o “professor de História” de
minha autodescrição no perfil deste blog.
Em
tempos de intrigas políticas, o livro de hoje trata justamente de intrigas
políticas... antigas. Do século XIX. Sobre uma personagem que ainda está na
porta dos fundos da História do Brasil.
O
livro escolhido hoje se chama MEMÓRIAS SECRETAS DE D. CARLOTA JOAQUINA. E foi
escrito ainda no século XIX! Já chego lá...
O PERCURSO DE UMA CHANTAGEM
Para
começar, MEMÓRIAS SECRETAS... é um dos livros mais raros do Brasil. Embora
trate de uma época amplamente estudada por historiadores, foi pouco editada no
Brasil.
MEMÓRIAS
SECRETAS DE LA PRINCESA DEL BRASIL, ACTUAL REINA VIUDA DE PORTUGAL, LA SEÑORA
DOÑA CARLOTA JOAQUINA DE BORBON, ESCRITAS POR SU ANTIGUO SECRETARIO JOSÉ
PRESAS, nome completo da obra, foi publicado em Bordeaux, na França, em 1830.
Seu autor, o catalão José Presas, era secretário particular da futura rainha
Carlota Joaquina – sim, a que veio ao Brasil, junto com o marido, o
príncipe-regente D. João, futuro rei D. João VI; a que mordeu sua orelha na
noite de núpcias; a que passou quase toda a vida conspirando contra o marido; a
que chamava o Brasil de “quinto dos infernos”; a que, quando foi embora, bateu
a poeira dos sapatos na amurada do navio para não levar poeira do nosso país; a
que foi retratada em um filme famoso. Presas escreveu o livro, como uma forma
de vingança, por um acordo não cumprido junto à referida personagem. Não foi
como um serviço à História, mas como uma defesa de interesses próprios – o
serviço à História foi sem querer. E essa vingança foi inútil, ainda por cima.
Já volto a esta parte.
A
primeira edição é de 1830. Depois, houve uma edição publicada em Montevidéu, no
Uruguai, em 1858. E permaneceu, depois, inédita até 1940, quando foi lançada
uma edição brasileira, traduzida por Raymundo Magalhães Júnior, então membro da
Academia Brasileira de Letras. Essa tradução foi reeditada pela Ediouro em 1966
– e esta edição é a que está sendo usada como base para a presente postagem. Esta edição já é rara e difícil de encontrar em sebos, bibliotecas ou mesmo livrarias. Eu tive sorte.
E,
outra vez, desde então, a obra permaneceu esquecida no Brasil, até 2008,
quando, por ocasião do bicentenário da chegada da Família Real Portuguesa ao
Brasil, a editora Phoebus lançou uma nova edição, revista e ampliada, com um
novo título (Memórias Secretas da
Princesa do Brasil: As Quatro Coroas de Carlota Joaquina), um novo prefácio
de Laura de Melo e Souza, apoiada pela Comissão para as Comemorações da chegada
de D. João e da Família Real ao Rio de Janeiro, instituída pela prefeitura
daquela cidade. A capa vocês podem ver adiante.
E,
em 2010, foi lançada uma nova edição, pela editora do Senado Federal, de
Brasília. A capa também pode ser vista adiante.
O AUTOR DA CHANTAGEM
José
Presas é considerado um dos personagens mais pitorescos da História do Brasil
pré-independente. Suas datas de nascimento e morte, bem como de boa parte de
sua vida, permanecem um mistério. Para esclarecer melhor sua história, e as
motivações para escrever as MEMÓRIAS SECRETAS, passo a palavra para o
jornalista Laurentino Gomes, que dedicou alguns parágrafos a respeito de José
Presas em seu livro 1808:
“(...) Um dos personagens
mais pitorescos da época de D. João, Presas ficou conhecido como o autor de um
caso explícito de chantagem literária. Sua origem era misteriosa. Teria nascido
na região da Catalunha, na Espanha. Ainda menino, mudou-se para a Argentina,
onde viveu aos cuidados de um tio e formou-se em Direito. Em 1806, quando a
Inglaterra invadiu Buenos Aires, numa represália à aliança da Espanha com
Napoleão, Presas imediatamente aderiu ao ‘partido inglês’, achando que a
vitória britânica era inevitável. Calculou mal. Os ingleses foram derrotados e
expulsos da região do Prata. Procurado como traidor, Presas fugiu para o Rio de
Janeiro, onde se colocou aos serviços de Carlota Joaquina, como seu secretário
particular, por indicação [de] (...) Sidney Smith [almirante, comandante da esquadra britânica no
Rio de Janeiro e aliado de Carlota Joaquina], que o havia conhecido em Buenos Aires. Mais do que secretário,
tornou-se homem de confiança, confidente, conspirador e, suspeita-se, talvez
amante da Princesa.
Com a volta da família
real para Portugal, Presas obteve um emprego na corte da Espanha, graças à
influência de Carlota Joaquina. Caiu em desgraça ao escrever panfletos contra o
absolutismo monárquico. Ameaçado de prisão, fugiu para a França, onde escreveu
um livro chamado Memórias Secretas de D. Carlota
Joaquina, repleto de intrigas, fofocas e
insinuações. Era uma represália pelo não pagamento de uma pensão vitalícia que
a rainha lhe teria prometido. Nele, Presas dá a entender que teria em mãos
correspondência da própria Carlota Joaquina – que ele chama de ‘confissões’ –,
na qual haveria informações comprometedoras sobre sua vida e seu comportamento.
Dá a entender que poderia usá-las, caso não recebesse o dinheiro prometido.
‘Medite bem sobre as fatais consequências que lhe poderia ter acarretado, pondo
em mãos do próprio príncipe (D. João) a confissão geral que, involuntariamente,
e por esquecimento, me entregou’, escreve, dirigindo-se à Carlota Joaquina. No
final, vai direto ao ponto: ‘Uma pequena resposta, acompanhada de uma letra de
câmbio de modesta quantia, teria sido suficiente para que eu me calasse’.
Presas gastou papel, tinta
e dinheiro em vão. Carlota Joaquina morreu no começo de 1830, quando o livro
ainda estava sendo impresso em Bordeaux, na França. Não chegou a ler as
confidências do seu ingrato e traiçoeiro secretário. Ainda que tivesse lido, dificilmente
a chantagem produziria efeito. Na época em que Presas o escreveu, Carlota já
era uma rainha viúva, vivendo no ostracismo em Portugal e mergulhada em
dívidas.” (GOMES, Laurentino, in: 1808: Como uma rainha louca, um príncipe
medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de
Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007, p. 184 –
186).
Pois
é. O livro, no fim, não serviu aos
propósitos de seu autor. Mas, ainda assim, segundo o prefácio da edição de
2008, “(...) apesar (...) de ter sido escrito por um ressentido de mau caráter
(...), foi lido e usado por quase todos os historiadores que se debruçaram
sobre o período”, servindo em especial de fonte principal para a
caracterização, usualmente pejorativa, da rainha Carlota Joaquina (fonte:
verbete sobre José Presas na Wikipedia). Teria Carla Camurati, quando produziu
o filme Carlota Joaquina – Princesa do Brasil (1995), usado o livro de Presas como fonte para o roteiro? Ah: se
não estou enganado, José Presas é retratado no referido filme.
Interessante
será também trazer ao leitor mais paciente mais algumas informações sobre José
Presas. Então, passo a palavra a Raymundo Magalhães Júnior, em seu prefácio à
edição de 1966 das MEMÓRIAS SECRETAS:
“Quem era esse singular personagem,
que surgiu inesperadamente no Rio de Janeiro e se ligou, de tal forma, à
história do período regencial no Brasil? São
poucos os vestígios que deixou José Presas de si mesmo nos arquivos e
bibliotecas. Os dicionários biográficos nada dizem sobre a sua existência, seu
nascimento, sua origem, suas obras, sua morte. Omissão completa e inexplicável.
Pouco conseguimos apurar sobre esse misterioso espanhol, hábil intrigante,
arguto observador dos acontecimentos políticos, homem de muito engenho e habilidade,
capaz de encher de sonhos vãos a cabeça da infanta D. Carlota, servi-la,
enquanto possível, como secretário e homem de confiança e, em seguida, ainda
obter, por sua real mercê, uma boa sinecura na Espanha, além da promessa de uma
gorda pensão... O não pagamento dessa pensão foi a origem deste curioso livro,
cheio de encarecimento dos serviços prestados e de ameaças de escândalo, caso
não fosse o autor pago dos atrasados de dezessete anos de completo olvido...
Do pouco que se sabe a seu respeito,
consta o seu lugar de origem, a Catalunha. Meninote, ainda, José Presas fora
para Buenos Aires, onde se educou sob os cuidados de seu tio e protetor, D.
Francisco Salvio Marull, que o internou, por sua conta, no Real Colégio de São
Carlos. Terminado o curso de humanidades, Presas cursou a Universidade de
Charcas, onde obteve o título de licenciado em leis. Estabeleceu-se, então, por
conta própria, em Buenos Aires, com banca de advogado, fazendo-se chamar, de
então por diante, Dr. Presas. Quando a Inglaterra, tomando represálias contra a
atitude política da Espanha em face de Napoleão, fez invadir Buenos Aires,
Presas se declarou pelo partido inglês, convencido de que a dominação britânica
era um fato consumado. Ao verificar-se a reconquista de Buenos Aires, com Don
Santiago Liniers à frente, Presas foi preso como traidor, conseguindo, no
entanto, fugir para o Rio de Janeiro. Nas ‘Memórias Secretas (...)’ o ardiloso
catalão omite, por completo, esses interessantes detalhes...
A maneira pela qual chegou ao Rio e
se colocou ao serviço da princesa, ele próprio no-la relata nesse trabalho. J.
M. Rubio, na sua obra ‘La Infanta Carlota Joaquina y la politica de España en
America’, dá-nos algumas notas sobre as atividades de Presas: ‘Sua atuação como
secretário de Dona Carlota mereceu sempre lisonjas por parte desta, que
apreciava e reconhecia nele as qualidades necessárias para o desempenho de sua
difícil missão. Merecia absoluta confiança da princesa. Pode-se dizer que foi
ele quem conduziu sob os ombros o pesado encargo de todas as negociações afim
de realizar os propósitos da infanta, mantendo ativa correspondência, com os
partidários de sua senhora e com os vice-reis e demais autoridades coloniais. O
marquês de Casa Irujo lhe imputa o fato de haver protegido no Rio de Janeiro os
perseguidos pelo vice-rei de Buenos Aires. Isso, se realmente prejudicava os
interesses da Espanha, favorecia os da princesa, porto que muitos destes
perseguidos eram partidários seus. Por sua mediação, foram enviados importantes
auxílios para Montevidéu, sendo, para isso, burladas as intrigas de Lord
Strangford. Apesar das censuras dos historiadores argentinos à conduta de
Presas, devemos reconhecer nele grande habilidade para a intriga e excelente
perspicácia para observar as questões políticas. Esses dons representam o
motivo que influiu para que o embaixador inglês obtivesse, em 1812, a separação
de Presas da princesa, seguindo ele para a Espanha no desempenho de missão
especial’.
Sua vida, anos mais tarde, na
Espanha, teve lances de certa sensação. Resolveu o ex-secretário de Dona
Carlota Joaquina fazer-se publicista, contribuir com a sua opinião para o
esclarecimento das questões políticas e entrou logo a guerrear o absolutismo.
Seu primeiro livro, impresso na casa Carlos Lawalle Sobrinho, em Bordeaux,
circulou em 1817 e despertou grande celeuma, sendo proibido por decisão das
autoridades policiais.
Aludindo a esse panfleto, cujo autor
mereceria, no seu entender, pena de açoites, senão mesmo de fuzilamento, disse
o alcaide de Madrid, D. Julian Cid y Miranda:
- Si Presas cai em meu poder, em
menos de três dias eu o terei mandado à Plaza de la Cebada...
Era o lugar em que os inimigos da
realeza pagavam pela sua audácia. Presas teve, porém, a prudência de fugir para
a França...
Esse livro não era outro senão a
‘Pintura de los males que há causado a la España el gobierno absoluto de los
ultimos reinados y de la necessidad del restabelecimiento de las antiguas
cortes por estamentos, ó de uma Carta Constitucional dada por el rey Fernando’.
Além desse livro e destas “Memórias
Secretas (...)’, escreveu Presas um ‘Juicio imparcial sobre las principales
causas de la revolución em la America Española, y acerca de las poderosas
razones que tiene la Metropoli para reconocer su absoluta independencia’, um
‘Proyecto sobre el nuevo método de convocar la santiguas cortes de España,
conforme a las leyes fundamentales de la monarquia, y arreglado a las luces y
circunstancias del dia’; um panfleto político, ‘Filosofia del trono y del
altar, del império y del sacerdocio’, a que se seguiu outro: ‘El triunfo de la
verdad’; e, por fim, uma ‘Cronología de los sucessos más memorables ocurridos
en todo el âmbito de la monarquia española, desde el año 1759 hasta 1836’, este
editado na Imprenta de M. Calero, em Madrid, em 1836, ao passo que todos os
demais foram impressos em Bordeaux.
Imprimiu também, em 1815, antes de
qualquer outro livro, uma ‘Representación que eleva al Rey Nuestro Señor D.
Frenando VII’, por motivo ‘das perseguições que sofreu em Granada, onde foi
contador provincial, por parte de vários empregados, por ser ligado à família
reinante e, especialmente, à princesa do Brasil, de quem fora secretário’.
Em ‘El triunfo de la verdad’,
publicou o ex-secretário de Dona Carlota as cartas de Fernando VII a Napoleão
Bonaparte, escritas em Valençay e nas quais o fraco soberano espanhol, num
deplorável excesso de bajulação e covardia felicitava o poderoso imperador dos
franceses, usurpador de sua coroa e dos seus domínios, pelas brilhantes
vitórias militares alcançadas... Esse livro se caracteriza, sobretudo, pela
polêmica com o abade de San Juan de la Peña, defensor do absolutismo e de
Fernando VII.
Qual o intuito de José Presas
escrevendo as ‘Memórias Secretas (...)’?
Na verdade, o aventureiro catalão só
teve em mira cobrar-se dos seus serviços como secretário particular e
fomentador da intriga do Prata. Escreveu esta obra com o intuito premeditado de
fazer revelações indiscretas e dar a entender à então rainha viúva de Portugal
que poderia ir mais longe ainda, relatando por miúdos fatos a que faz alusões
veladas e remotas. Em suma: tentava uma chantagem em
grande estilo contra a antiga senhora e ama, cujas veleidades políticas
animara, a fim de melhor fazer valer os seus serviços e justificar a permanência
a seu lado.
Época pitoresca era essa, em que os
reis e rainhas colocavam acima do seu poder pessoal o seu confessor, temerosos
de uma omissão, punível pela justiça divina, a ponto de escreverem suas
‘confissões completas’ que, imprudentemente, deixavam ao alcance dos seus
áulicos, capazes de comerciar com esses segredos, exigindo dinheiro em troca de
silêncio!
A parte final do livro de Presas, a
conclusão, o arremate dessa obra que seria um simples pano de amostra, uma
indicação do muito que ele sabia e do quanto seria perigoso deixar a rainha de
atende-lo, insinua com tanta arte e habilidade quanto era possível em tão
escuso negócio a premeditada chantagem (...).
Finório como era, se naquela época já estivessem em uso as cópias fotostáticas,
Presas teria, sem dúvida, muito inocentemente, tirado ‘fac-simile’ das
confissões de Dona Carlota, como por certo havia tirado cópia manuscritas dos
trechos mais comprometedores...
Adiante, (...) alega Presas, para
justificar o desprimor de sua atitude, que ‘devia LANÇAR MÃO DE QUALQUER
RECURSO para que, pelo menos, se conheça a justiça que me assiste’...
Queixando-se da ingratidão da
princesa, alegando sempre estar na posse de outros segredos, ainda mais
importantes, Presas indicava o meio pelo qual Dona Carlota facilmente
conjugaria o perigo de tais revelações, inconvenientes numa época em que seu
filho dileto, D. Miguel, se encontrava como rei absoluto no trono de Portugal,
usurpado a D. Maria da Gloria (...).
Presas não foi, todavia, afortunado
nesse lance. Bem sabia ele que, na época, Dona Carlota estava endividadíssima,
uma vez que empenhara quase todos os seus haveres nos manejos destinados a
manter D. Miguel no trono – de que viria ele a ser arrancado pelo próprio
irmão, o ex-imperador do Brasil, que passaria à História de Portugal sob o nome
de D. Pedro IV. Em todo caso, ameaçada de um escândalo ainda maior, a rainha viúva
devia fazer todos os esforços possíveis para responder com ‘uma letra de
câmbio’, na medida dos desejos de Presas. O ex-secretário da infanta viu,
porém, sair-lhe o triunfo às avessas. Precisamente na época em que imprimia o
livro em Bordeaux – início de 1830, – a rainha viúva entregava a alma ao
Criador, sem ter tido o dissabor de ler as desairosas referências de Presas a
seu respeito.
Morria depois de ter-se confessado
beatamente ao religioso beneditino Frei João de São Boaventura – (‘hay siempre
um frayle!’ – teria dito Presas) – que a limpou de todas as culpas e ainda lhe
fez um necrológio altamente encomiástico... Morria ainda em dívida para com o
ex-secretário e deixava nomeado o filho querido. D. Miguel, seu herdeiro
universal, incluindo entre os bens que ao então rei pertenceriam a Quinta do
Ramalhão, de tão célebre memória...
Presas deve ter lastimado o tempo, o
papel e os gastos da impressão, em vão sacrificados em obra tão improdutiva...
O aventureiro espanhol nem por um
instante pensou em ‘servir à História’, como alardeavam quase todos os
memorialistas de outrora. Teve em mira apenas a defesa dos seus interesses e o
desafogo de sua bolsa de exilado político. Por certo, Maria Graham não pensou
também que seu ‘Jornal de viagem ao Brasil’ as notas e os desenhos com que is
enchendo o seu caderno de viajante curiosa e atilada, viriam a ter a
importância que hoje teem, para levantamento do panorama da corte brasileira e
da sociedade do Rio de Janeiro, dos usos e costumes da cidade no tempo de D. Pedro
I. Essas notas, no entanto, tal como as de Presas sobre os acontecimentos de
1809 a 1812, formam hoje uma fonte cujo exame é indispensável aos que estudam a
vida brasileira no princípio do século [XIX].” (JÚNIOR, R.
Magalhães, in: Memórias Secretas de D.
Carlota Joaquina. Rio de Janeiro: Ediouro, 1966, p. 15 – 21)
A CHANTAGEM PROPRIAMENTE DITA
MEMÓRIAS
SECRETAS DE D. CARLOTA JOAQUINA, a rigor, não é um livro interessante ao
público em geral – em verdade, é bastante, digamos assim, burocrático. O foco
de Presas é divulgar os passos dados por Carlota Joaquina, a partir de 1808,
para se tornar rainha da Espanha ou dos domínios espanhóis na América, uma vez
que seu irmão, o rei Fernando VII, fora obrigado por Napoleão Bonaparte a abdicar
do trono espanhol e estava aprisionado pelos franceses. Essas tentativas não
contavam com o apoio do então príncipe regente D. João, marido de Carlota
Joaquina, que então andava separado da esposa. Logo, Carlota Joaquina começou a
conspirar junto a vários atores políticos, como por exemplo o citado Sir Sidney
Smith.
O
livro é contado, em primeira pessoa, pelo próprio Presas, em 25 capítulos –
tirando, assim, o sentido do título (se o “memórias” fosse seguido ao pé da
letra, talvez Presas teria feito Carlota Joaquina narrar os próprios percalços
em primeira pessoa – teria sido um recurso literário interessante...). Vai
desde a chegada de Presas ao Rio de Janeiro, quando Sidney Smith apresentou-o a
Carlota Joaquina, até o exílio do mesmo para a Europa, onde vive, segundo diz,
em dificuldades econômicas devido ao não cumprimento do acordo de recebimento
da tal pensão vitalícia.
Não
esperem encontrar, quem for ler, alguma evidência da muito referida coleção de
amantes que Carlota Joaquina teria (citada no filme e que hoje é contestada
pelos historiadores). Há algumas insinuações, como por exemplo, a descrição de
Presas de uma reunião da princesa com Sidney Smith em uma casa de campo no
subúrbio do Rio de Janeiro – sem revelar, no entanto, a natureza do tal encontro
– e o ato de Carlota Joaquina ter presenteado o almirante com uma espada
cravejada de brilhantes. O relato de Presas não traz, na verdade, quase nada da
vida pessoal de Carlota Joaquina na Europa, antes de vir ao Brasil – só depois,
ou melhor, algumas pistas, visto que, após o retorno de Presas à Espanha, os
dois nunca mais se viram pessoalmente, só se comunicaram, esporadicamente,
através de cartas. Presas se fixa basicamente no momento em que trabalhava para
Carlota Joaquina, até quando ele, já demitido, vai para a França. Praticamente
História feita “nos gabinetes”.
Há
um capítulo onde Presas descreve a índole do filho de Carlota Joaquina, D.
Miguel, então menino. Futuramente, D. Miguel entraria em conflito com o irmão,
D. Pedro – o que proclamou a independência do Brasil – ao usurpar o trono de
Portugal. O nosso D. Pedro I, para resolver essa questão, abdica ao trono
brasileiro, em 1831, e volta para Portugal, como os estudantes de História
sabem. Essa descrição da índole do príncipe destina-se a dar uma ideia do D.
Miguel que posteriormente se envolve nessa intriga palaciana.
Basicamente,
é tudo intriga política. Por isso, em vários momentos, a leitura é maçante e
pouco interessante. Presas escreve preferencialmente a membros do governo e da
corte real da época, mais instruídos e acostumados a ver esse tipo de coisa,
não a um leitor em geral, a quem, certamente, intrigas palacianas interessam
menos que a necessidade de sobreviver a tempos difíceis e pré-tecnológicos
(sim, falo do povo em geral da época, trabalhadores, camponeses, classes
“médias”, mulheres, crianças, índios, negros libertos e escravos...), e cujo
único interesse em política, a seu alcance, é esperar e ver o que o Poder
Público fará pelos desvalidos, se fizer mesmo algo por eles. Pena que foi tarde
demais para que os leitores a quem Presas interessava dessem uma olhada nas
acusações do ex-secretário. São utilizadas muitas abreviaturas para se referir
a Vossa Alteza (V.A.), Sua Alteza Real (S.A.R.), Sua Majestade Benigna (S.M.B.)
e outros pronomes de tratamento.
E,
claro, nem ao menos temos como saber a veracidade das afirmações e das
transcrições das cartas de Presas. O livro, segundo alguns historiadores, deve
ser analisado com prudente reserva. Ainda assim, os historiadores reconhecem –
R. Magalhães Jr., inclusive – como um retrato não apenas da índole de Carlota
Joaquina como da política, de um modo geral, do período joanino.
A
edição de 1966, publicada em edição de bolso, tem 272 páginas. Ilustrado com
algumas figuras e retratos de personalidades da época. Mas é cheia de erros
ortográficos, alguns por conta das regras ortográficas da época, outros por
conta de deslizes na revisão do texto. E inclui, ainda, alguns anexos: cartas
pessoais inéditas de D. Carlota, extraídas do Arquivo Nacional, com a grafia da
época (basicamente, só cartas pessoais dirigidas a D. João), outras de D.
Carlota, em espanhol, dirigidas aos pais e familiares da Espanha; e um
manifesto de D. Carlota candidatando-se ao trono da América Espanhola.
Pela
mesma série da Ediouro – que ainda se chamava, na época, Edições de Ouro –
saíram também alguns livros interessantes, como as autobiografias de Francisco
Gomes da Silva, o Chalaça – o amigo e alcoviteiro do imperador D. Pedro I – e
do Visconde de Mauá, o Empresário do Império.
É
mais interessante aos historiadores – isto é, aos que conseguirem resistir ao
efeito soporífero do texto. Boa sorte a quem se arriscar a aprender um pouco
mais sobre o período joanino.
PARA ENCERRAR...
...
não queria encerrar o mês sem deixar aos leitores mais algumas páginas da minha
HQ folhetinesca, O Açougueiro. Já me
distanciei do tema que sustentava esta história, do ponto de vista da pesquisa
– os crimes da Rua do Arvoredo, ocorridos em Porto Alegre entre 1863 e 1864 – mas
tenho de dar prosseguimento a ela, que já angaria alguns fãs... Não posso
decepcionar meu público.
Em
breve, mais páginas desta história, até onde puder produzir e publicar.
Até
mais!
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