Olá.
No
momento em que escrevo, é dia 22 de março. No dia anterior, tivemos efeméride
no setor dos quadrinhos independentes brasileiros: o Núcleo de Quadrinhistas de
Santa Maria – RS, Quadrinhos S. A., completou 15 anos de existência.
Hoje,
o Quadrinhos S.A. não existe fisicamente: seu escritório e ponto de reuniões
foi desativado, e vários integrantes estão dispersos, vivendo em outras cidades,
produzindo material no seu ritmo e no seu modo. Mas o grupo, enquanto grupo,
continua promovendo suas atividades à distância.
Eu,
Rafael Grasel, sou um dos membros que atualmente se encontram longe de Santa
Maria – RS. Continuo atuando como desenhista, embora atualmente não tenha
publicado trabalhos em veículos de imprensa. Minha atuação continua restrita à
internet, através de meus quatro blogs (Estúdio Rafelipe, Blog da Letícia, Blog
dos Bitifrendis e Blog do Teixeirão) e uma ou outra publicação independente,
inclusos aí os gibis do Benjamin Peppe. Porém, continuo produzindo – e dando
sinais de vida, de produção.
Bem.
O Quadrinhos S.A. foi fundado em 21 de março de 2002. Eu entrei em 2003, mais
de um ano depois, não me lembro agora em que mês eu procurei o pessoal e me
associei. Na ocasião, o grupo se reunia em uma sala emprestada da Casa de
Cultura de Santa Maria, local que antes era referência em promoção de eventos
culturais. O presidente da associação ainda era Jorge Ubiratã da Silva Lopes, o
Byrata, o criador do Xirú Lautério.
Do grupo, já participavam: além do Byrata, Marcel Jacques, Al Mário (Mário Luís
Trevisan), Bício (Fabrício Réquia Parzianello), Alex Cruz, Milton Soares,
Antônio Mello, Carlos Gomide, Kiko Paim, Frank (Franklin Carvalho Neto) e
Gabriel Cóser. Esses, os membros que mais compareciam às reuniões semanais. O
grupo ainda contava, como membros, com Máucio, Elias, Jéssica e Jerônimo Strehl.
Byrata, Antônio Mello e Milton Soares eram, então, os membros mais “famosos”:
Byrata já tinha uma longa atuação como escritor, quadrinhista e cartunista, já
havia editado, ao lado de Máucio, Elias e Orlando Fonseca, a revista Garganta do Diabo; Antônio Mello já
escrevera roteiros para diversos personagens brasileiros publicados em revistas
independentes, como a Brigada das Selvas de
Aelias; e Milton publicava as tiras do personagem Trava no jornal Diário de
Santa Maria. Os outros membros ainda eram ou iniciantes, ou simplesmente
entusiastas da Nona Arte.
O
grupo já havia lançado o número 0 de sua publicação principal, a Quadrante X, sua principal vitrine dos
associados. Foi em maio de 2003. Pouco depois, entrei. E a tempo de participar
da Quadrante X no. 1, em novembro do
mesmo ano. Na época, eu, natural de Vacaria, RS, iniciava o curso de História
na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E foi na Quadrante X que dei vida ao personagem Teixeirão.
O
fim das tardes de sexta-feira, na Casa de Cultura, eram religiosos para mim:
estava sempre presente às reuniões, mesmo com o pequeno comparecimento de
membros em alguns dias – às vezes, só o Marcel aparecia na sala, às vezes só o
Alex, etc. Presenciei a mudança da sala – na mesma Casa de Cultura, ganhamos
uma nova sala de reuniões, menos espaçosa que a outra, mas nossa, afinal; onde
pudemos instalar a nossa gibiteca, crescente a cada instante. Assim como os
outros membros, deixei desenhos meus nas paredes dessa sala, à guisa de enfeite.
Presenciei
colegas desenhando, e páginas de quadrinhos nascendo pelas mãos de diversos
membros. Presenciei Marcel Jacques desenhando suas histórias; presenciei Alex
Cruz dando vida ao Capoeira Negro, o
principal herói da Quadrante X. Ouvi
muitas histórias dos veteranos Antônio Mello e Kiko Paim sobre o quadrinho
brasileiro no século XX – eles viveram boa parte dessa história, principalmente
Seu Antônio, roteirista de HQs veterano e que mantinha contato com gente
“graúda” no meio. Recebi muitos conselhos dos mais velhos, principalmente do
Byrata, do Máucio, do Jacques – e os apliquei ao meu trabalho, daí em diante.
Evoluí
em meu traço de infância, incorporei novas ideias ao meu próprio trabalho,
passei a me interessar mais pela história das HQ, por desenhistas clássicos, e
pelo quadrinho brasileiro em geral. Mas também fui muito editado, muitas vezes
sem que me comunicassem – textos e desenhos meus eram alterados, desfigurando
as ideias iniciais, e tive de me submeter às regras de ter de desenhar as
páginas sem o texto, e ver depois textos e balões feitos no computador. Mas
tudo bem.
Folheei
e li quase tudo o que foi depositado na gibiteca. Praticamente um rato de
gibiteca. Participei de exposições temáticas, de eventos de quadrinhos e de
noites de autógrafos, promovidos pelo Quadrinhos S.A.. Presenciei o pessoal
lançando obras próprias: Marcel Jacques lançando um livro solo do Mestre Zen Noção; Bício dando vida aos The Formosos e aos Bobonecos; e Alex Cruz lançando dois números solo do gibi do Capoeira Negro. Presenciei os momentos
de crise (o momento mais tenso foi a produção da Quadrante X # 6, entre setembro e outubro de 2005) e de prestígio. Ajudei
a vender Quadrante X. Presenciei a
mudança pela qual a revista passou: depois do número 6, a Quadrante X passaria a ser lançada anualmente, na Feira do Livro de
Santa Maria, onde dava mais saída.
Também
publiquei charges e tiras na página que o Quadrinhos S.A. passou a manter no
caderno Teen do jornal A Razão, de Santa Maria, às
quintas-feiras, a partir de 2006. Foi ali que minha personagem Letícia estreou na forma impressa. Ali,
Jacques também deu seguimento ao seu personagem Lenis. Também publiquei charges e ilustrações editoriais no jornal Conta Corrente, do Sindicato dos
Bancários de Santa Maria, entre 2006 e 2007, assim como os outros membros.
Presenciei,
com o pessoal do Quadrinhos S.A., o nascimento do evento Cartucho – Encontro de Cartunistas Gaúchos. Tomei muito café com o
pessoal. Também consegui alguns trabalhos remunerados relacionados a desenho e
cartunismo. Firmei uma parceria com uma turma que promovia campanhas de
prevenção da AIDS e DSTs. Tive trabalhos impressos em folderes educativos. Tive
fãs. Promovi até minha própria oficina de quadrinhos, com a anuência do
Quadrinhos S.A. – em paralelo às oficinas que os outros membros promoviam.
Recebíamos
visitas de gente realmente interessada em nosso trabalho, entre repórteres e
simples entusiastas, e seus familiares. As reuniões eram sempre marcadas com
gritos, insultos, piadas, discussões sobre cultura pop.
Recepcionei
e ajudei a recrutar novos membros, efetivos e honorários. Quando ainda estava
em Santa Maria, o Quadrinhos S.A. recebeu as adesões, entre outros, de
Guilherme “Guiga” Hollweg e Marcel Ibaldo – daí por diante, as coisas não
seriam mais as mesmas. Ibaldo, que eu convidei pessoalmente, foi o principal
artífice, ao lado do Jacques, da mudança pela qual a Quadrante X passaria. O
décimo número da Quadrante X, lançado
em maio de 2009, marca uma transição,
do amadorismo entusiasta dos primeiros tempos para o profissionalismo de quem
quer impressionar o mercado brasileiro. Foi na Quadrante X # 10 que estreei mais um grupo de personagens, os Super-Anões. Porém, três aventuras
depois, eles estão há um tempo sem dar as caras – eles tiveram um fim trágico
na Quadrante X # 12, de maio de 2012
– seu mundo acabou, enquanto o nosso prossegue. Daí em diante, a Quadrante X, a partir do número 13, só
traria histórias fechadas, autocentradas e sem os personagens consagrados.
No
entanto, em 2008, tive de voltar para Vacaria. Só deu tempo de comparecer ao
lançamento da Quadrante X # 9, em
maio de 2008 (o último número onde o Teixeirão saiu impresso), daí por diante,
as colaborações deveriam ser todas à distância. E a impressão que ficou é que,
após minha saída, as coisas começaram a melhorar para o Quadrinhos S.A.: o
pessoal estava se divertindo em mais exposições, eventos (como os notórios
cineclubes, dedicados fundamentalmente à exibição de adaptações de HQ para
cinema) e lançamentos de material, e eu não estava presente. Não estava mais lá
para recepcionar os novos membros, efetivos e honorários do Quadrinhos S.A.,
como Felipe Bernardi, Henrique Madeira, Greice Pozzatto, Fernan Pires,
Alexandre Menezes, Márcio Baraldi e Bira Dantas. Mas eu conseguia comparecer,
uma vez por ano, para os lançamentos de novos números do Quadrinhos S.A.,
sempre na Feira do Livro de Santa Maria.
Foi
com consternação que fui presenciando, à distancia, o lento desmonte da parte
física do Quadrinhos S.A.: dispersão dos principais membros, que agora só se
reúnem pessoalmente de vez em quando; descaso das autoridades, tempestades e
alagamentos que trouxe graves danos à sala na Casa de Cultura – aliás, na Casa
de Cultura como um todo. A gibiteca teve de sair da sala danificada. No final,
o Quadrinhos S.A. agora só existe virtualmente. Reunindo-se e trocando ideias
pelas redes sociais, e agora, em sua mais nova empreitada, um canal do YouTube.
Mesmo assim, nunca deixamos de editar e lançar Quadrante X: o último número, o 16, foi lançado em dezembro de 2016
na Comic Con Experience (CCXP) em São Paulo. O primeiro, desde o número 1, em
que não colaborei com HQ.
Agora...
o que o futuro reserva para o Quadrinhos S.A.? O que seus membros estarão fazendo
nos próximos 15 anos? Ainda estarão atuando com desenhos? Crescerão e passarão
a se dedicar às atividades “caretas” para garantir o sustento que,
infelizmente, o quadrinhismo ainda não pode trazer? Manterão a produção de HQs
e cartuns como hobby? Haverá ainda Quadrante
X? Eu ainda me coloco na posição de observador desses próximos rumos,
enquanto continuo desenhando, mesmo sem razão, publicando na internet enquanto
ainda puder pagar por ela. Continuo dando vida às minhas ideias malucas.
Continuo observando o avanço da cultura pop.
O
que espero é que os outros membros do grupo também continuem desenhando,
continuem dando sinais de vida na internet, continuem mostrando que aqui no
Brasil ainda existe gente que sabe desenhar e traduzir seus ideais
pictoricamente.
É
isso o que tinha para dizer.
Parabéns,
Quadrinhos S.A.. 15 anos.
E até
mais.
P.S.:
Dia desses, reencontrei pessoalmente um membro do Quadrinhos S.A.: o Bício, que
estava de passagem por Vacaria, RS. Ele me encontrou no Museu Municipal de
Vacaria, onde atualmente trabalho. Foi um encontro breve, mas já deu para
restabelecer aqueles laços que foram se perdendo com o tempo. Aqui estão as
fotos para provar.
(texto publicado simultaneamente nos blogs Estúdio Rafelipe e Quadrinhos S.A. [https://quadrinhossa.blogspot.com.br/]).
Até mais!
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