sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

GIBI X - O novo resgate da época ingênua das HQB!


Olá.
2018 já está no fim, no momento em que escrevo. Mas já temos novidades no mercado editorial. Pelo menos, aqui na região Nordeste do Rio Grande do Sul.
Da cidade de Caxias do Sul, RS, está saindo uma nova iniciativa de fomento ao resgate de HQs brasileiras clássicas e até então conhecidas por poucas pessoas.
Com vocês, GIBI X.


A GIBI X é um gibi independente, mas de alta qualidade – todo impresso em papel couché a cores, 60 páginas contando capa. É o título inaugural do selo Vintage Comics, e foi praticamente toda elaborada pelo caxiense Rogério Casacurta. Este cuidou de praticamente tudo – edição, diagramação, pesquisa, apoio comercial, etc. – e a publicação do presente gibi foi viabilizada graças ao patrocínio de diversas empresas da região de Caxias do Sul, e de uma campanha de financiamento coletivo via Catarse. Por isso, o editorial da revista começa com a frase: “Tudo seria fácil se não fossem as dificuldades!”, numa expressão sobre a dificuldade de viabilizar esse tipo de publicação no Brasil. E, nesse momento em que escrevo, está em curso uma nova campanha para financiar a publicação do segundo número.
Bem. Como dito anteriormente, a ideia da GIBI X é o resgate de material nacional clássico e pouco conhecido. Pelo menos, grande parte do gibi é dedicado a isso, ainda mais que o material resgatado havia sido elaborado por um conterrâneo de Casacurta.
O GIBI X abre com uma matéria a respeito do homenageado da vez: Altair Laurindo Gelatti. Não se trata de uma matéria completa: é a primeira parte do relato da trajetória deste desenhista nascido em Flores da Cunha, RS, mas residente há anos em Caxias. A segunda parte deverá ficar para a GIBI X número 2.
Gelatti é lembrado por entusiastas de HQB como o criador do super-herói Homem Força, cujas histórias ele publicou na revista independente Albatroz, editada pelo próprio Gelatti entre os anos 1960 e 1970. Este artista já era conhecido por publicar histórias de guerra em revistas das editoras Outubro, Taika e Dado, nos anos 1960, quando, em 1967, por motivos pessoais, e com o patrocínio de empresas locais, Gelatti lança o primeiro número da Albatroz. Essa revista durou 46 números, e todas tinham HQs escritas e desenhadas por Gelatti. Mas, de todas essas HQs, onze eram aventuras protagonizadas pelo Homem Força. Foi inspirado por essa iniciativa que Casacurta resolveu lançar a GIBI X.
Depois da matéria sobre o início de carreira de Gelatti (com texto e fotos de Casacurta), segue uma galeria das capas da Albatroz – dos primeiros 23 números. As outras 23 ficam para a próxima edição.
Em seguida, a revista republica, em fac-símile, as três primeiras aventuras do Homem Força, publicadas na Albatroz – o que, na verdade, foi uma mudança de planos do editor: a ideia original era que a revista republicasse duas aventuras do herói escritas e desenhadas por Gelatti, e trouxesse uma HQ inédita desenhada por um artista local. As presentes aventuras foram publicadas nos números 8, 9 e 10 da Albatroz, todas de 1967. E todas seguem o estilo de desenho cultivado por Gelatti, realista e algo neoclássico, com arte-final a nanquim (embora o forte do artista seja a arte a crayon, que deixa seus quadrinhos mais tridimensionais). Os roteiros, por sua vez, são guiados pelo estilo das HQ de super-heróis de então: ingênuos, preocupados mais com o entretenimento, com a visão clássica do bem e do mal, personagens unidimensionais (em lugar da complexidade dos dias atuais), e, por isso, com pouca ou nenhuma variação de expressões faciais, soluções “fáceis” para a resolução das tramas e toques da ficção científica “ingênua” da época.
Na primeira aventura de 10 páginas, Eis que Surge um Herói, nos é contada a origem do Homem Força. Peri Simões, um jovem honesto e sem vícios que conseguiu, a custo de trabalho honesto, se tornar um homem rico, é escolhido por marcianos – que, há anos, monitoravam nosso planeta através de aparelhos – para passar por um experimento, que lhe confere poderes: superforça, agilidade aumentada e inteligência acima da média. Usando um uniforme que lembra o de um pugilista de luta livre, o Homem Força utiliza suas novas habilidades no combate ao crime – começando por três ex-colegas de infância que trilharam o caminho do vício, agrediram de forma cruel o jovem Peri ainda na juventude, e ainda perpetraram um assalto. Interessante também é o uso da metalinguagem em um trecho da HQ – o próprio marciano explicando ao leitor seu objetivo ao monitorar a Terra, até encontrar Peri.
Os Misteriosos Ladrões de Joias é a aventura seguinte, com 8 páginas, e nela o Homem Força faz uso de um de seus equipamentos: um cinto com uma fivela magnética e um cabo resistente para se suspender. Na trama, o Homem Força precisa usar de estratégia para conseguir prender uma quadrilha de ladrões de joias que utilizam uma arma inusitada: gorilas controlados por controle remoto. E ainda por cima tem técnicas próprias para despistar perseguidores.
E chegamos à terceira aventura, O Poço, de 9 páginas. Em perseguição a uma quadrilha de assaltantes, o Homem Força acaba aprisionado em uma mina abandonada, e, por algum motivo, resolve descer em um misterioso poço, onde se depara com uma civilização subterrânea que está prestes a empreender um ataque à superfície. Os seres subterrâneos são resistentes, mas tem nos olhos enormes o seu ponto fraco. E impedir esse ataque haverá de ser um desafio e tanto para o Homem Força – mas que não será um problema assim tão grande para ele...
No seguimento da revista, em um intercâmbio quadrinhístico Rio Grande do Sul – Paraíba, é publicada uma HQ clássica de um herói brasileiro mais conhecido: o Flama, criação do paraibano Deodato Taumaturgo Borges (1934 – 2014), conhecido também como o pai do quadrinhista Mike Deodato Jr, um dos primeiros desenhistas brasileiros a trabalhar para as maiores editoras dos EUA – DC, Image e Marvel – nos anos 1990. Nos anos 1980, pai e filho elaboraram HQs conjuntas publicadas em revistas brasileiras – o pai nos roteiros, o filho nos desenhos.
O Flama fora criado, em 1963, como personagem de um programa de rádio de grande sucesso veiculado na Paraíba (para fazer concorrência ao maior herói radiofônico da época, Jerônimo o Herói do Sertão); no mesmo ano, o Flama – o primeiro super-herói do nordeste brasileiro – ganhou um gibi (também pioneiro, o primeiro gibi editado no Nordeste), de pouca duração (apenas 4 edições), que tinha por objetivo, mesmo, a divulgação do programa radiofônico. De todo modo, O Flama é um super-herói brasileiro cultuado – muito embora ele não seja bem super, pois ele não possui poderes, pelo menos até onde sei; na verdade, o Flama é mais ou menos um Spirit brasileiro, um homem de grande habilidade física, mascarado e uniformizado, que combate o crime. Aliás, o Flama tem várias semelhanças com o personagem de Will Eisner, que lhe serviu de inspiração: ele auxilia o Comissário de Polícia, Laurence (que possui semelhanças com o Comissário Dolan de Spirit), que é pai de Eliana, namorada do herói (tal como Helen Dolan); e o Flama ainda tem um ajudante negro, Bolão (que faz eco ao atrapalhado Ébano, ajudante do Spirit). Bem, tais características podem ser observadas na aventura publicada na GIBI X, O Caso do Dragão Vermelho, extraída de As Aventuras do Flama # 1, de 1963 (publicada com autorização de Mike Deodato e auxílio do pesquisador Lancelott Martins). Com 14 páginas, a aventura conta os esforços do Flama para solucionar um assassinato, no qual a vítima era ligada a um acontecimento envolvendo uma seita indiana que pretende se vingar – mas que, na verdade, trata-se de uma conspiração de um sócio da próxima vítima. Aventura que exigirá bastante da astúcia e da resistência física do Flama. E ainda conta com as “intromissões” de Eliana e Bolão. A arte de Deodato Borges é realista e detalhada, mas não é das melhores, porém não por falta de esforço em tentar emular a arte de Will Eisner; e, sendo reprodução fac-similar, scan diretamente tirado do gibi antigo, a versão reproduzida mantém inclusive os defeitos de impressão da época, que afetam as partes pretas dos desenhos. Nos rodapés das páginas, textos de Casacurta contando a história do herói e seu criador.
Fechando o gibi: como é de Caxias do Sul, nada mais justo que incluir umas amostras do trabalho do maior cartunista da cidade, Carlos Henrique Iotti. Claro que se trata de amostras de tiras de ninguém menos que o Radicci, o icônico colono caxiense, sucesso há décadas nos jornais. A grande atração da GIBI X fica por conta da republicação das duas primeiras tiras do personagem, criado em 1983, na qual se revela que Radicci fora criado para ser um super-herói da região da colônia caxiense – logo, isso seria descartado, e o colono passa a ser o conhecido anti-herói beberrão e peidorreiro do qual aprendemos a gostar. Como complemento, um histórico do personagem, breve biografia de Iotti e mais amostras recentes de tiras.
Certamente, uma destacada iniciativa para resgate das HQ nacionais – não é à toa que o selo se chama Vintage Comics. Não temos muitas iniciativas assim, todos os dias. Assim, vale a pena apoiar a publicação do segundo número.
Há bancas na região Nordeste do Rio Grande do Sul que estão vendendo a GIBI X 1. Mas há outros meios de adquirir a sua – ao preço de R$ 15,00. Experimentem o e-mail contato@vintagecomics.com.br. 
Também dá para acessar o site www.vintagecomics.com.br.
Para apoiar o lançamento da GIBI X 2, acessem: www.catarse.me/gibi_x_2.
E, ao longo da postagem, vocês puderam ver: duas fanarts minhas do Homem Força e do Flama. Não desenho melhor que Gelatti e Deodato Borges, mas fiz estas artes de forma honesta. Quem acompanha meu blog sabe.
Todo apoio às HQB feitas de forma honesta.
Até mais!

Um comentário:

Rogério Casacurta disse...

Puxa pessoal, me sinto bastante feliz ao ver meu trabalho sendo valorizado por vocês! Espero fazer uma revista nº 2 à altura das expectativas. Parabéns pela resenha e pelos desenhos! Obrigado pela força!
Abs! Rogério Casacurta