Olá.
2018
já está no fim, no momento em que escrevo. Mas já temos novidades no mercado
editorial. Pelo menos, aqui na região Nordeste do Rio Grande do Sul.
Da
cidade de Caxias do Sul, RS, está saindo uma nova iniciativa de fomento ao
resgate de HQs brasileiras clássicas e até então conhecidas por poucas pessoas.
Com
vocês, GIBI X.
A
GIBI X é um gibi independente, mas de alta qualidade – todo impresso em papel
couché a cores, 60 páginas contando capa. É o título inaugural do selo Vintage
Comics, e foi praticamente toda elaborada pelo caxiense Rogério Casacurta. Este
cuidou de praticamente tudo – edição, diagramação, pesquisa, apoio comercial,
etc. – e a publicação do presente gibi foi viabilizada graças ao patrocínio de
diversas empresas da região de Caxias do Sul, e de uma campanha de
financiamento coletivo via Catarse. Por isso, o editorial da revista começa com
a frase: “Tudo seria fácil se não fossem as dificuldades!”, numa expressão
sobre a dificuldade de viabilizar esse tipo de publicação no Brasil. E, nesse
momento em que escrevo, está em curso uma nova campanha para financiar a
publicação do segundo número.
Bem.
Como dito anteriormente, a ideia da GIBI X é o resgate de material nacional
clássico e pouco conhecido. Pelo menos, grande parte do gibi é dedicado a isso,
ainda mais que o material resgatado havia sido elaborado por um conterrâneo de
Casacurta.
O
GIBI X abre com uma matéria a respeito do homenageado da vez: Altair Laurindo
Gelatti. Não se trata de uma matéria completa: é a primeira parte do relato da
trajetória deste desenhista nascido em Flores da Cunha, RS, mas residente há
anos em Caxias. A segunda parte deverá ficar para a GIBI X número 2.
Gelatti
é lembrado por entusiastas de HQB como o criador do super-herói Homem Força, cujas histórias ele
publicou na revista independente Albatroz,
editada pelo próprio Gelatti entre os anos 1960 e 1970. Este artista já era
conhecido por publicar histórias de guerra em revistas das editoras Outubro,
Taika e Dado, nos anos 1960, quando, em 1967, por motivos pessoais, e com o
patrocínio de empresas locais, Gelatti lança o primeiro número da Albatroz. Essa revista durou 46 números,
e todas tinham HQs escritas e desenhadas por Gelatti. Mas, de todas essas HQs,
onze eram aventuras protagonizadas pelo Homem
Força. Foi inspirado por essa iniciativa que Casacurta resolveu lançar a
GIBI X.
Depois
da matéria sobre o início de carreira de Gelatti (com texto e fotos de
Casacurta), segue uma galeria das capas da Albatroz
– dos primeiros 23 números. As outras 23 ficam para a próxima edição.
Em
seguida, a revista republica, em fac-símile, as três primeiras aventuras do
Homem Força, publicadas na Albatroz – o
que, na verdade, foi uma mudança de planos do editor: a ideia original era que
a revista republicasse duas aventuras do herói escritas e desenhadas por
Gelatti, e trouxesse uma HQ inédita desenhada por um artista local. As presentes
aventuras foram publicadas nos números 8, 9 e 10 da Albatroz, todas de 1967. E todas seguem o estilo de desenho cultivado
por Gelatti, realista e algo neoclássico, com arte-final a nanquim (embora o
forte do artista seja a arte a crayon, que deixa seus quadrinhos mais tridimensionais).
Os roteiros, por sua vez, são guiados pelo estilo das HQ de super-heróis de então:
ingênuos, preocupados mais com o entretenimento, com a visão clássica do bem e
do mal, personagens unidimensionais (em lugar da complexidade dos dias atuais),
e, por isso, com pouca ou nenhuma variação de expressões faciais, soluções
“fáceis” para a resolução das tramas e toques da ficção científica “ingênua” da
época.
Na
primeira aventura de 10 páginas, Eis que
Surge um Herói, nos é contada a origem do Homem Força. Peri Simões, um
jovem honesto e sem vícios que conseguiu, a custo de trabalho honesto, se
tornar um homem rico, é escolhido por marcianos – que, há anos, monitoravam
nosso planeta através de aparelhos – para passar por um experimento, que lhe
confere poderes: superforça, agilidade aumentada e inteligência acima da média.
Usando um uniforme que lembra o de um pugilista de luta livre, o Homem Força
utiliza suas novas habilidades no combate ao crime – começando por três
ex-colegas de infância que trilharam o caminho do vício, agrediram de forma
cruel o jovem Peri ainda na juventude, e ainda perpetraram um assalto.
Interessante também é o uso da metalinguagem em um trecho da HQ – o próprio
marciano explicando ao leitor seu objetivo ao monitorar a Terra, até encontrar
Peri.
Os Misteriosos Ladrões de Joias é a
aventura seguinte, com 8 páginas, e nela o Homem Força faz uso de um de seus
equipamentos: um cinto com uma fivela magnética e um cabo resistente para se
suspender. Na trama, o Homem Força precisa usar de estratégia para conseguir
prender uma quadrilha de ladrões de joias que utilizam uma arma inusitada:
gorilas controlados por controle remoto. E ainda por cima tem técnicas próprias
para despistar perseguidores.
E
chegamos à terceira aventura, O Poço, de
9 páginas. Em perseguição a uma
quadrilha de assaltantes, o Homem Força acaba aprisionado em uma mina abandonada,
e, por algum motivo, resolve descer em um misterioso poço, onde se depara com
uma civilização subterrânea que está prestes a empreender um ataque à
superfície. Os seres subterrâneos são resistentes, mas tem nos olhos enormes o
seu ponto fraco. E impedir esse ataque haverá de ser um desafio e tanto para o
Homem Força – mas que não será um problema assim tão grande para ele...
No
seguimento da revista, em um intercâmbio quadrinhístico Rio Grande do Sul –
Paraíba, é publicada uma HQ clássica de um herói brasileiro mais conhecido: o Flama, criação do paraibano Deodato
Taumaturgo Borges (1934 – 2014), conhecido também como o pai do quadrinhista
Mike Deodato Jr, um dos primeiros desenhistas brasileiros a trabalhar para as
maiores editoras dos EUA – DC, Image e Marvel – nos anos 1990. Nos anos 1980,
pai e filho elaboraram HQs conjuntas publicadas em revistas brasileiras – o pai
nos roteiros, o filho nos desenhos.
O Flama fora criado, em 1963, como
personagem de um programa de rádio de grande sucesso veiculado na Paraíba (para
fazer concorrência ao maior herói radiofônico da época, Jerônimo o Herói do Sertão); no mesmo ano, o Flama – o primeiro
super-herói do nordeste brasileiro – ganhou um gibi (também pioneiro, o
primeiro gibi editado no Nordeste), de pouca duração (apenas 4 edições), que tinha
por objetivo, mesmo, a divulgação do programa radiofônico. De todo modo, O
Flama é um super-herói brasileiro cultuado – muito embora ele não seja bem
super, pois ele não possui poderes, pelo menos até onde sei; na verdade, o
Flama é mais ou menos um Spirit brasileiro, um homem de grande habilidade
física, mascarado e uniformizado, que combate o crime. Aliás, o Flama tem
várias semelhanças com o personagem de Will Eisner, que lhe serviu de
inspiração: ele auxilia o Comissário de Polícia, Laurence (que possui
semelhanças com o Comissário Dolan de Spirit), que é pai de Eliana, namorada do
herói (tal como Helen Dolan); e o Flama ainda tem um ajudante negro, Bolão (que
faz eco ao atrapalhado Ébano, ajudante do Spirit). Bem, tais características
podem ser observadas na aventura publicada na GIBI X, O Caso do Dragão Vermelho, extraída de As Aventuras do Flama # 1, de 1963 (publicada com autorização de
Mike Deodato e auxílio do pesquisador Lancelott Martins). Com 14 páginas, a
aventura conta os esforços do Flama para solucionar um assassinato, no qual a
vítima era ligada a um acontecimento envolvendo uma seita indiana que pretende
se vingar – mas que, na verdade, trata-se de uma conspiração de um sócio da
próxima vítima. Aventura que exigirá bastante da astúcia e da resistência
física do Flama. E ainda conta com as “intromissões” de Eliana e Bolão. A arte
de Deodato Borges é realista e detalhada, mas não é das melhores, porém não por
falta de esforço em tentar emular a arte de Will Eisner; e, sendo reprodução
fac-similar, scan diretamente tirado do gibi antigo, a versão reproduzida
mantém inclusive os defeitos de impressão da época, que afetam as partes pretas
dos desenhos. Nos rodapés das páginas, textos de Casacurta contando a história
do herói e seu criador.
Fechando
o gibi: como é de Caxias do Sul, nada mais justo que incluir umas amostras do
trabalho do maior cartunista da cidade, Carlos Henrique Iotti. Claro que se
trata de amostras de tiras de ninguém menos que o Radicci, o icônico colono caxiense, sucesso há décadas nos jornais.
A grande atração da GIBI X fica por conta da republicação das duas primeiras
tiras do personagem, criado em 1983, na qual se revela que Radicci fora criado
para ser um super-herói da região da colônia caxiense – logo, isso seria
descartado, e o colono passa a ser o conhecido anti-herói beberrão e
peidorreiro do qual aprendemos a gostar. Como complemento, um histórico do
personagem, breve biografia de Iotti e mais amostras recentes de tiras.
Certamente,
uma destacada iniciativa para resgate das HQ nacionais – não é à toa que o selo
se chama Vintage Comics. Não temos muitas iniciativas assim, todos os dias.
Assim, vale a pena apoiar a publicação do segundo número.
Há
bancas na região Nordeste do Rio Grande do Sul que estão vendendo a GIBI X 1.
Mas há outros meios de adquirir a sua – ao preço de R$ 15,00. Experimentem o
e-mail contato@vintagecomics.com.br.
E,
ao longo da postagem, vocês puderam ver: duas fanarts minhas do Homem Força e
do Flama. Não desenho melhor que Gelatti e Deodato Borges, mas fiz estas artes
de forma honesta. Quem acompanha meu blog sabe.
Todo
apoio às HQB feitas de forma honesta.
Até
mais!
Um comentário:
Puxa pessoal, me sinto bastante feliz ao ver meu trabalho sendo valorizado por vocês! Espero fazer uma revista nº 2 à altura das expectativas. Parabéns pela resenha e pelos desenhos! Obrigado pela força!
Abs! Rogério Casacurta
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