sábado, 18 de setembro de 2010

PIZZARIA BRASIL de Cláudio

Olá.
Como é de conhecimento de todo mundo, o ano de 2010, além de ser ano de censo, e ano de Copa do Mundo, é ano de eleições para Presidente da República, Governador de Estado, Senadores, Deputado Estadual e Deputado Federal.
E os tempos para a política parecem estar negros: há um descrédito nacional com relação aos políticos. Os brasileiros não estão dando muita confiança aos candidatos, depois de mais de um século de desencanto com a política. E o motivo não pode ser outro: corrupção, corrupção, corrupção. E também a impunidade. E a corrupção.
O pior: somos um povo que se acusa não ter memória. Reelegemos os mesmos, mantemos os mesmos políticos no poder, mesmo com tudo o que eles fizeram no passado. Oras, nós reelegemos o Fernando Collor senador! E o Sarney, hein?
Bem, não querendo desmerecer a política, amigos. E não vamos generalizar, pois existem (acreditem!) exemplos de políticos que fogem da imagem consagrada e se preocupam com o povo. E é sempre necessário reavivar a memória das pessoas, a fim de que eles não cometam erros - pelo menos desta vez.
Esta introdução nervosa, desabafo de brasileiro, é justamente para falar do livro de hoje: PIZZARIA BRASIL.

Este livro, publicado pela editora Devir em 2007, reúne as charges produzidas, em mais de 30 anos, por Cláudio de Oliveira, nome de referência no humor nacional.

CLÁUDIO
Natural do Rio Grande do Norte, Cláudio de Oliveira publicou sua primeira charge em 1977, no jornal alternativo O Pasquim, com o apadrinhamento de ninguém menos que Henrique de Souza Filho, o Henfil. Ele, logo, presenciou as mudanças na política brasileira com os próprios olhos críticos: a ditadura militar, a abertura política, as Diretas Já, o governo Sarney, a primeira eleição para presidente depois de mais de 30 anos, os escândalos do Governo Collor, o governo Itamar Franco, os dois governos de Fernando Henrique Cardoso, a eleição e os dois governos de Lula.
Cláudio já publicou em inúmeras revistas e periódicos nesses mais de 30 anos, como as revistas Bundas, Careta e jornais como Em Tempo, Diário de Natal, Folha de São Paulo, Pasquim21 e muitos outros. Já foi premiado diversas vezes nos salões de humor do Brasil e do Exterior. E, entre os livros de charges que publicou, estão: O Que Vier Eu Traço, Já Era Collor (co-autoria), Pittadas de Maluf e Lula, Ano Um.
Cláudio segue na ativa até hoje - é chargista do jornal Agora São Paulo. Confiram o trabalho mais recente dele (e alguns mais antigos) no blog dele: http://chargistaclaudio.zip.net/.

PIZZARIA BRASIL
O nome não poderia ser mais apropriado para esta coletânea, que reúne cerca de 350 charges publicadas em mais de 30 anos. Afinal, no Brasil, não é de hoje que se diz que tudo acaba em pizza. Ainda que só para amaldiçoar essa comida tão saborosa.
Cláudio conta a história do Brasil recente, desde a abertura política até a reeleição de Lula (como diz a capa). Ele utiliza ainda dados, rememora fatos que explicam as charges (visto que a charge, diferente do cartum, é um desenho de humor de caráter temporal, ou seja, para entendê-la, é preciso conhecer o fato a que se refere), montando assim um belo livro de história. Com prefácio do mestre Chico Caruso!
E, através de PIZZARIA BRASIL, podemos perceber que o traço de Cláudio passa por evoluções ao longo do tempo. Eis aqui alguns exemplos escaneados do livro (e pedindo desculpas desde já por estar ferindo direitos autorais).
No início, o traço de Cláudio emulava o traço caligráfico e mal-comportado de Henfil, seu padrinho. Até meados de 1986, quando o governo Sarney implanta o Plano Cruzado, o traço de Cláudio é mais simples e sem muitas ousadias gráficas. Através dele, Cláudio visualiza os governos Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo, quando o Brasil ensaia um processo de abertura política que levaria ao retorno do regime democrático. Vê a atuação do ministro Delfim Netto, o responsável pelo "milagre econômico" da ditadura militar; os atentados da direita linha-dura para impedir a abertura política; a campanha das Diretas-Já; a eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral (não foi dessa vez que o povo brasileiro voltou a votar, mas Tancredo é visto como símbolo do fim da Ditadura Militar iniciada em 1964); e o início do governo Sarney, então vice de Tancredo, após seu falecimento em 1985).
O traço de Cláudio começa a ficar mais "sofisticado" por volta de meados de 1986, época do Plano Cruzado - que não surtiu muito efeito para debelar a crise econômica da época, fazendo os anos 80 (década em que nasci!) ficarem conhecidos como "a década pedida". Não apenas a crise econômica, como também a social, era gritante. Os jovens de hoje nem fazem ideia de como era a inflação muito acima de 100%.
Bem, nessa época, o traço de Cláudio lembra o traço do mestre José Carlos de Brito Cunha, o J. Carlos, o grande chargista dos anos 20 a 30 e o mais famoso colaborador do gibi O Tico-Tico, o primeiro do Brasil. Esse traço se manteve até meados de 1993, com a ascenção de Itamar Franco ao poder após o impeachment de Fernando Collor. Eram comuns, nas charges dessa fase, dois personagens criados pelo cartunista: o negrinho, que simboliza o povo brasileiro: e a faceira figura feminina de toga e tocha na mão que simboliza a constituinte, quando o governo Sarney elaborou a nova constituição, em 1988.
Nessa fase, Cláudio presenciou a Constituinte, os planos econômicos do governo Sarney (Cruzado, Bresser, Verão), os conchavos políticos à época da primeira eleição democrática pós-ditadura, em 1989, o início do governo Collor, os escândalos de corrupção e o impeachment, que levou à renúncia do então presidente mais jovem do Brasil.
A partir de 1993, as charges de Cláudio passam a ser coloridas, em sua maior parte - e seu traço fica mais sofisticado. Para caricaturar os personagens do período, as linhas eram mais suaves e as figuras tinham uma tridimensionalidade maior. Através deste traço, Cláudio viu o governo Itamar Franco; o Plano Real, que finalmente levou à estabilização da economia brasileira; a eleição de Fernando Henrique Cardoso (o ministro da Fazenda responsável pelo Plano Real) presidente; a reeleição de Fernando Henrique; os problemas que o Real apresentou antes do fim da década; etc.
Foi lá pelo segundo governo de FHC que o traço de Cláudio chegou ao atual, de linhas mais grossas e cores mais chapadas - porém, sem deixar de ser elegante. Através dele, Cláudio vê a eleição de Lula, o primeiro presidente de origem realmente humilde; os escândalos de corrupção do período (o primeiro mensalão e outros); chegando até os fatos recentes de 2007, como a elaboração do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).
Por tudo isso, e muito mais, PIZZARIA BRASIL é um senhor livro de história recente. O texto de Cláudio não se limita ao lado positivo dos fatos; quase sempre, ele acaba ressaltando o lado negativo. Não é pessimismo: é uma visão crítica dos fatos. Cláudio daria um bom historiador, se não fosse humorista. Ele explica bem os fatos aos quais as charges fazem referência. Só o problema é que as charges não são identificadas com as datas e as revistas onde foram publicadas - dizer apenas que foram publicadas em jornais e revistas como Agora São Paulo, Folha de São Paulo, Folha da Tarde, Pasquim, Bundas, Voz da Unidade, Em Tempo, Diário de Natal e Tribuna do Norte não ajuda muito.
PIZZARIA BRASIL mostra o valor das charges como fonte histórica. Se hoje as charges não tem muita graça, elas valem pelo valor histórico. Por isso, PIZZARIA BRASIL é leitura recomendada para quem aprecia charges ou para quem vê o Brasil pelo lado crítico - ou ainda para quem tem realmente memória política.
Como desenho de hoje, também vou colocar uma charge. Esta foi publicada no jornal Conta Corrente, do sindicato dos bancários de Santa Maria, RS, em 2006. O trabalho foi intermediado pelo Núcleo dos Quadrinhistas de Santa Maria, RS, cujos membros também publicavam nesse jornal mensal da categoria. E, diga-se de passagem: meu primeiro trabalho realmente remunerado como cartunista. Mas isso é outra história.
Até mais!

Nenhum comentário: