Da leva de livros e revistas que adquiri recentemente, na minha última viagem a Santa Maria, vou falar de mais um volume.
Recentemente, escrevi alguns posts sobre algumas das primeiras obras escritas por Marcelo Cassaro, um dos maiores roteiristas de HQ que o Brasil já teve (se não for O maior). Pois hoje, além da obra em questão, vou retratar uma de suas parceiras mais fiéis: Érica Awano.
Isso porque a HQ de hoje, brasileiríssima, foi feita pela dupla: DBRIDE - A NOIVA DO DRAGÃO.
A MOÇA
Erica Awano nasceu em São Paulo (a data de nascimento eu não descobri) e, como o sobrenome entrega, é descenndente de japoneses. Formada em Letras pela USP, seu primeiro trabalho de HQ profissional foi publicado em 1996, na revista Megaman, da editora Magnum. Embora essa revista fosse uma adaptação feita no Brasil do célebre personagem dos videogames, Megaman, que teve 16 números publicados, era desenhada pelos leitores. Outro desenhista que foi revelado por essa revista foi Eduardo Francisco, outro grande parceiro de Marcelo Cassaro nas HQ.
Outra adaptação de videogames que Awano trabalhou foi na minissérie Street Fighter Zero, publicada pela editora Trama em 1998. Foi seu primeiro trabalho ao lado de Marcelo Cassaro, que escreveu o roteiro.
Mas a estrela de Awano só iria brilhar mesmo no ano seguinte, 1999, quando ela iniciou a desenhar a série Holy Avenger, também roteirizada por Cassaro. Quer dizer, a primeira historinha da série, publicada em 1998 na revista Dragão Brasil, também foi desenhada por Awano; mas ela se consagrou mesmo quando começou a desenhar o gibi. Awano desenhou todos os 42 números deste que é o gibi não-infantil brasileiro mais vendido do final do século XX. Holy Avenger, derivado do universo de Tormenta, foi um grande sucesso de público e crítica. E foi aprimeira HQ brasileira reconhecida como um legítimo mangá pelo governo japonês - a certificação veio em 2008.
Além de Holy Avenger, Awano também publicou trabalhos na revista HQ - Revista do Quadrinho Brasileiro, coletânea de HQs adultas, da editora Escala; fez ilustrações e textos sobre como desenhar mangá para a revista Anime EX; desenhou o primeiro mascote da revista AnimeDO, da editora Escala; participou da coletânea Mangá Tropical, da editora Via Lettera; e participou dos álbuns comemorativos Menino Maluquinho 25 Anos, da editora Globo (foi a única mulher a participar do álbum em que vários artistas célebres homenageavam amais célebre criação de Ziraldo Alves Pinto), e do álbum MSP 50, da editora Panini (em comemoração aos 50 anos de carreira de Maurício de Sousa).
Em 2006, logo no primeiro número da revista de RPG DragonSlayer, da editora Manticora (que, mais tarde, passou pela editora Escala e, atualmente, é publicada pela Jambô), Cassaro e Awano repetiram a parceria na série em HQ DRAGON BRIDE, ou simplesmente DBRIDE.
Atualmente, além das ilustrações para os livros da série Tormenta RPG (que ela faz desde que a série, atualmente publicada pela Jambô, era publicada pela Trama/Talismã), Awano desenha para editoras do exterior. Ela desenhou alguns arcos da série Warcraft Legends e também uma adaptação para HQ de Alice no País das Maravilhas.
A NOIVA DO DRAGÃO
DBRIDE -A NOIVA DO DRAGÃO, como disse, foi publicada ao longo da publicação da revista Dragon Slayer, a revista de RPG que Marcelo Cassaro, Rogério Saladino e J. M. Trevisan lançaram, pela editora Manticora, em 2006, após a saída do grupo da revista Dragão Brasil. Agora, em 2011, os 18 capítulos da série foram reunidos em um álbum, lançado pela editora Jambô, com sede em Porto Alegre, RS. A Jambô, dedicada a publicar livros e romances de RPG, está praticamente estreando no mercado de HQ com esse álbum.
DBRIDE tem por cenário os reinos de Moreania, que também fzem parte do universo do RPG Tormenta, a qual também faz parte Holy Avenger. Moreania é o cenário oficial da revista Dragon Slayer, e trata-se de uma região do mundo de Arton em que alguns seres têm características de animais - são animais que, após uma guerra cruenta contra os humanos, pediram à Deusa da Natureza para se tornarem humanos. Esses seres são conhecidos como os Moreau - provavelmente, numa referência às criaturas mutantes do romance A Ilha do Dr. Moreau, de H. G. Wells. É isso que nos informa o texto introdutório que abre o primeiro episódio.
A ação de DBRIDE se passa no reino de Brando, uma região perigosa, assolada por monstros humanóides. Nos reinos de Moreania, um dos eventos mais importantes e ansiosamente esperados é o Festival dos Noivos, onde todos os casamentos são realizados. Faltando duas semanas para o festival, a história começa quando um estranho ser com cabeça de lobo e corpo humano salva dois clérigos de serem mortos por um bando formado por um goblin, um orc e um ogre.
O tal ser, nos informa os textinhos de abertura de cada episódio onde Cassaro faz a apresentação dos personagens, se chama Koi. Por ter cabeça de lobo, Koi não fala - nem mesmo diz o próprio nome - , parece estar sempre de mau humor, porém possui hábitos exóticos para aquela região, como lutar com uma katana (espada de samurai) e comer com pauzinhos. Além de tudo, ele é constatemente atormentado por uma estranha fadinha chamada Coridora, um serzinho que usa casaco e chapéu de aviador, é chatinha e tem a estranha compulsão de erguer o coitado do chão - muito embora ela seja bem menor que o homem-lobo.
Pois o tal Koi - que só revela seu próprio nome bem mais tarde, na série - estava tranquilamente pescando, quando foi salvar os dois clérigos (dois irmãos, a sensata e irritadiça Al'Hanna, clériga da Dama Altiva, a Deusa da Natureza, e o histriônico e impulsivo Melokk, o clérigo do Indomável, o Deus dos Monstros - os dois não param de discutir e, além disso, ganharam um episódio extra só para eles).
Após se aliviar depois de devorar um presunto estragado, e depois de ter de ouvir outra das ladainhas de Coridora (a quem o guerreiro não cansa de tentar matar, inutilmente, como uma mosca), Koi é abordado por um estranho humano, com aparência de ser um mago, que diz não tolerar sua presença nos arredores. Os dois lutam, mas Koi só não leva a pior porque foi salvo pela intervenção de uma estranha garota.
O tal mago, que não sangra mesmo depois de gravemente ferido, se chama Betta, e é o senhos da região da vila de Aqvarium, uma aldeia construída sob as ruínas de umantigo castelo; e a garota se chama Dafnia, filha de camponeses e noiva de Lorde Betta.
A princípio, Dafnia e Koi não se entendem. Não apenas por que Koi não fala, mas porque Dafnia, apesar de acolher o "senhor vândalo" em sua casa, declara ter desejado que ele tivesse morrido. Aparentemente.
Embora a mãe da guria pareça muito gentil para com o "Senhor Vândalo", a única pessoa da casa que parece apreciar a companhia de Koi é irmã mais nova de Dafnia, Tuna, uma menina adorável e muito preocupada com o destino da irmã.
Dafnia, por ter sido prometida em casamento a Betta, está livre dos afazeres domésticos, que recaem sobre sua mãe e a pequena Tuna. Por isso, Dafnia é mimada, arrogante e chata, até. Mas ela só sabe, bem mais tarde que, apesar de Lorde Betta demonstrar amá-la, ele tem planos nem um pouco agradáveis para ela.
O poderoso Betta, que não tolera magos e aventureiros em Aqvarium, possui um segredo. Ora, claro, não é preciso ser gênio - nem ter lido a obra previamente - para sacar a verdadeira natureza de Betta, pois está explícito no subtítulo: A NOIVA DO DRAGÃO. Logo, vocês sabem, não é? Não, mas não é desse segredo que estou falando. Estou falando de seu ponto fraco. A única que conhece esse segredo é Dafnia, a quem Betta confiou esse segredo, que pode significar sua derrota até o final da série.
Pois Koi, como não poderia deixar de ser, é o herói da trama. Isso porque Tuna sabe de coisas que ninguém mais sabe - coisas terríveis, envolvendo o destino da irmã e o seu próprio - e confia no "Senhor Vândalo" para salvá-las do dragão. E, sabem, apesar de agir e se portar como um idiota em diversas situações, fica demonstrado que Koi, na verdade, sabe o que está fazendo.
Ao longo da trama, vão aparecendo mais personagens, que ganham grande importância na trama. São eles: a bela Astra, a alquimista e curandeira da aldeia, com suas charmosas orelhas e rabo de raposa e sua teimosia; o noivo dela, o tímido ferreiro Marlin, por quem Astra é profundamente apaixonada - porém, ele é bastante relutante em aceitar compromisso; e Ray, um golem de ferro (ou melhor, um robô) muito complicado.
O ápice da série se dá quando Astra e Koi penetram na torre de Betta, e estão perto da batalha decisiva contra o tirano. O problema é que Koi, é revelado mais tarde, é portador de uma terrível maldição - o que explica a compulsão de Coridora de erguê-lo.
DBRIDE tem os mesmos elementos que fizeram o sucesso de Holy Avenger: personagens carismáticos (Awano é conhecida pelo traço mangá standardizado, que deixa os personagens parecidos com crianças), muita ação, um humor sapeca e cheio de insinuações sexuais (esse é o ponto forte), uma trama com inúmeras pontas soltas que são amarradas aos poucos, a presença de garotas bonitas (porém, só Astra usa algo mais próximo do que podemos chamar de vestimentas "provocantes") e muitas referências a quadrinhos e animes célebres. E ainda somos brindados com as famosas "discussões" entre Marcelo Cassaro - caracterizado como Capitão Ninja - e a desenhista Awano, em "notinhas de rodapé". Enfim, tudo o que fazia parte da cartilha dos velhos animes de fantasia, mas que hoje parecem esquecidas.
No quesito humor, há inúmeros momentos engraçados - e os personagens garantem os vários momentos cômicos. Koi, por exemplo, mesmo sem dizer nada, consegue ser bastante irônico - ele possui, ainda, momentos em que seus pensamentos são expressos em palavras, mas não dentro de balões; Coridora também é engraçada apesar de ser chatinha; mas quem ganham nesse quesito são Marlin e Ray: o ferreiro é daquele tipo de personagem que fica corado quando uma mulher bonita se engraça diante dele; já Ray, um golem cheio de vida própria, irritadiço, que fala em uma linguagem de internet, também é muito engraçado.
Ah: em sua primeira aparição, Ray, ainda um robô de quatro metros, quebra a oficina deMarlin e aparentemente ameaça Dafnia; mais tarde, consertado por Marlin, Ray tem seu tamanho reduzido, e seus diálogos com o ferreiro são garantia de humor certo.
Há também momentos dramáticos, momentos "sexuais", momentos de puro suspense e aventura, momentos de filosofia - tudo muito bem amarrado no roteiro de Cassaro. E as perguntas vão sendo respondidas aos poucos: por que Betta queria matar Koi desde o início? Por que, apesar de não se dar bem com o guerreiro, Dafnia salvou sua vida três vezes? O que Tuna sabe a respeito do destino de Dafnia? Como ela conhece um certo segredo para que Koi enfrente Betta, escondido na torre deste? Por que Ray ameaçou Dafnia? Por que Marlin não quer se casar com Astra? (não é por burrice, pois Astra é realmente de "fechar o comércio"); Qual é o segredo da imortalidade de Betta? E, principalmente, qual é a maldição de Koi, e qual é o papel de Coridora nisso? E por que Coridora vai aumentando de tamanho no decorrer da trama?
A ressalva de DBRIDE é que é preciso um conhecimento prévio do mundo de Tormenta para apreciar a trama como um todo. Há também inúmeras referências a Holy Avenger. Uma delas é uma rápida aparição de Niele, a "elfa gostosa" que habitou os sonhos dos marmanjos que liam Holy. Porem, Marcelo Cassaro pensa um pouco no público que não tem conhecimento de Tormenta e dos Mundos de Moreania. Por isso, o público em geral pode ficar sossegado. Mas podem achar meio deslocado o episódio solo dos irmãos Al'Hanna e Melokk, sem grande importância para o conjunto da trama.
Cassaro também, como em Holy, coloca textos engraçadinhos no início de cada capítulo de apresentação dos personagens - que bom que ele manteve os textinhos de apresentação.
Outra ressalva: o livro é em preto e branco, porém fica evidente, em alguns desenhos, que alguns trechos originalmente publicados na Dragon Slayer eram coloridos. E, por esse caráter de folhetim, também não poderiam faltar alguns errinhos de continuidade (por exemplo, Tuna, em um dos capítulos, chama Marlin de "primo", e, alguns capítulos adiante, o chama de "tio").
Ah, eu ia me esquecendo: quase todos os personagens tem nomes de peixes e outros seres aquáticos. Dafnia, por exemplo, é um invertebrado criado para ser usado como comida de peixe; Betta é um peixe de aquário muito agressivo; Tuna significa "atum" em inglês; Marlin é um peixe parecido com o peixe-espada (se não me engano, é aquele peixe com quem o personagem principal do romance O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway, tem um embate épico); Astra é um tipo de estrela-do-mar; e Koi, finalmente, quer dizer "carpa" em japonês. Mas qual a relação entre o homem-lobo e a carpa? Só lendo para entender.
Mais uma ressalva: os únicos extras presentes nesse volume são a biografia dos autores e uma galeria dos esboços de Erica Awano para os personagens. Mesmo assim, vale a pena ter em casa, e avaliar que Cassaro e Awano sabem trabalhar muito bem juntos. Quando ambos se juntam, sai coisa boa.
Só o preço é meio salgado: R$ 49,90! Mas vale o investimento. Quer um outro motivo para investir 50 paus nesse volume? Marcelo Cassaro definiu que sua parte nos lucros do livro seriam doados em prol das vítimas do terremoto ocorrido no Japão no início do ano.
À venda em algumas gibiterias e nas lojas da rede Jambô. Saibam como adquirir, e onde, em: http://www.jamboeditora.com.br/.
Para encerrar, fiz uma ilustração do herói Koi e sua "parceirinha" Coridora. Não sei se o Koi ficou bom mesmo, até porque eu tive de inventar as cores com base na ilustração de capa, a única referência de cor que eu tinha. Para desenhar a Coridora foi relativamente mais fácil. Mesmo assim... buá!
Até mais!
Até mais!
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