domingo, 5 de junho de 2011

XIRU LAUTÉRIO E OS CENTAUROS - aviões, mitologia grega e gaúchos baguais

Olá.
Hoje, volto a falar de quadrinhos gaúchos.
Na minha última viagem a Santa Maria, trouxe um novo lote de revistas e de livros. Entre eles, um gibi lançado há algum tempo atrás, e por um velho colega do grupo Quadrinhos S. A., o meu amigo Jorge Ubiratã Lopes, o Byrata.
Trata-se da edição especial XIRU LAUTÉRIO E OS CENTAUROS.

Este gibi foi lançado em 2009, e tem roteiro e desenhos de Byrata. Trata-se de um álbum comemorativo, produzido numa homenagem aos 30 anos do 3º Esquadrão do 10º Grupo de Aviação de Santa Maria – RS, ou simplesmente 3º/10º GAV ou Esquadrão Centauro.
Byrata, nessa homenagem à aviação brasileira e mundial, bem gaúcha, faz uso de um enredo surreal. Faz o seu célebre personagem, Xirú Lautério, viver uma aventura na Grécia Antiga e que, a seguir, perpassa a história da aviação.
Vamos por partes.
Quem conhece o Byrata, esse grande lutador pela causa do quadrinho nacional, também conhece seu personagem gauchesco, o Xirú Lautério, que reúne todas as qualidades de um autêntico campeiro: rude, criado na lida campeira, não leva desaforo para casa e sempre faz o possível para defender uma causa. No linguajar gauchesco, ele é guasca, bagual e taura. Quem conhece o jeito gaúcho de ser vai entender, portanto.
Anteriormente a este álbum, o Xiru Lautério, criado por volta de 1978, já estrelara tiras de jornal publicadas na cidade de Santa Maria, RS. E havia sido protagonista de uma história seriada, Xirú Lautério e os Dinossauros, publicada nos oito primeiros números da revista Quadrante X, do Núcleo de Quadrinhistas de Santa Maria – Quadrinhos S. A., o qual ele era presidente quando comecei a integrar o grupo, em 2003. Os episódios de Xirú Lautério e os Dinossauros foram posteriormente reunidos em um álbum, lançado em 2008 – mas, até hoje, Byrata está devendo a continuação (esse álbum é o primeiro de uma série de dois).
XIRU LAUTÉRIO E OS CENTAUROS foi um trabalho paralelo. Desenvolvido em 2009, foi, em 2010, indicado ao prêmio Ângelo Agostini. Não levou, mas só esse fato já indica que este álbum foi prestigiado. Orgulho nacional.
E não é para menos. XIRÚ LAUTÉRIO E OS CENTAUROS conta com bons desenhos, feito naquele estilo loco de especial que só o Byrata tem, e um texto informativo, filosófico, cheio de ação – coisa de primeiro mundo. A narrativa pode ser dividida em duas grandes partes.
A história, dividida em capítulos, começa quando Xirú Lautério, a caminho de Santa Maria, se abriga em uma casa abandonada no meio do pampa. No meio da noite, o barulho da bicharada o desperta, e ele acaba encontrando um estranho ser, metade homem, metade cavalo. Um centauro.
O centauro é ninguém menos que Quíron, o mitológico personagem grego, o centauro que treinou o herói Hércules e vários outros figurões da mitologia grega. A princípio, esse encontro causa estranheza, mas logo os dois se entendem. Nisso, Quíron propõe a Xirú um passeio pela terra daquele, a Tessália mitológica. Atravessando eras e dimensões, a dupla (Xirú montando Quíron, algo não muito diferente com o que ele faz com os cavalos) chega à Grécia mitológica justo no momento quando está acontecendo a Guerra dos Lápitas.
Para quem não conhece esse episódio, tema favorito dos escultores gregos, a Guerra dos Lápitas aconteceu quando, em ocasião de sua festa de casamento, Piritoo, rei dos Lápitas (um povo da Tessália), convidou os centauros, liderados por Ixion, para as comemorações, mas cometeu a besteira de mandar servir bebida para as criaturas. Como centauros tinham fama de perderem a noção de civilidade quando bebiam, Ixion e os centauros acabaram raptando a princesa Hipodâmia, noiva de Piritoo. Este, então, envia seus exércitos para combater os centauros e resgatar Hipodâmia.
Pois Xirú Lautério e Quíron tomam parte nessa história: enquanto Quíron distraía Ixion e seus asseclas, Xiru trata de salvar Hipodâmia, naquele instante ameaçada. E consegue salvar a moça, que mostra não ser tão frágil quanto aparenta, utilizando de uma boleadeira (feita com o cinto de Hipodâmia) para derrubar um centauro perseguidor. Depois, Xirú, usando seu famoso chimitão (revólver marca Smith & Wesson), salva Quíron de uma flecha envenenada. E, quando todos estão a ponto de serem liquidados pelas tropas de Ixion, eles são salvos pelos exércitos de Piritoo. E tudo acaba bem. Xiru acaba mostrando que, seja na Grécia ou no Rio Grande do Sul, gaúcho que é gaúcho não foge da peleia, assim no más.
É no instante do retorno para nosso tempo que começa a segunda parte da história: quando Quíron leva Xirú através do tempo e do espaço, os dois visualizam a história da aviação mundial – desde os tempos de Ícaro, o menino que caiu ao ter suas asas de cera derretidas ao voar de encontro ao sol; passando pelos tempos de Arquimedes, que descobriu a força que faz os corpos flutuarem na água; as contribuições de Roger Bacon e Leonardo da Vinci no sonho do homem de voar; as experiências do padre luso-brasileiro Bartolomeu de Gusmão, que construiu o primeiro engenho voador movido a vapor; a criação dos balões de ar quente, no século XVIII, a criação do avião por Alberto Santos Dumont, em 1906.
A seguir, os dois visualizam o primeiro vôo de avião em Santa Maria, em 1909; a criação dos primeiros setores da aviação militar na cidade, em 1921; visualizam cenas da Segunda Guerra Mundial, na qual o Brasil combateu ao lado dos aliados; vêem Getúlio Vargas assinando a desapropriação de terras para a construção da Base Aérea de Santa Maria, em 1941 (um momento solene para o Xiru, que por um instante pensou que o presidente de origem gaúcha estava redigindo a carta-testamento antes de se suicidar, em 1954); chegam até 1978, no momento em que foi criado o 3º/10º GAV ou Esquadrão Centauro (numa homenagem não só à figura heróica dos próprios centauros, mas também ao gaúcho, o “Centauro dos Pampas”; vêem o momento em que o Esquadrão pilota os aviões Xavante; chegam ao instante, em 1998, em que o Esquadrão começa a voar nos aparelhos AMX; e chegam até 2006, quando, na Missão Centenário, Marcos Pontes torna-se o primeiro astronauta brasileiro – o ponto culminante na história da aviação brasileira.
Ao contar a história do Esquadrão Centauro, Byrata também proporciona aos leitores reflexões sobre os homens, a vida, as ações que repercutem no tempo e no espaço. Tudo numa simplicidade incomum – afinal, Quíron expõe suas idéias a um homem simples, o Xiru, que teoricamente não tem a mesma capacidade de compreensão que aquele, um ser capaz de transcender as eras. Mas Xiru compreende tudo à sua maneira. E esses diálogos são pontuados tanto pelas exclamações tipicamente gauchescas do Xiru quanto pelas grandes risadas do bonachão Quíron.
Pode não parecer, a princípio, mas os temas tem muito a ver um com o outro. A escolha do nome Centauro para o 3º/10º GAV não é por acaso. E, no fim, os centauros da Grécia antiga têm, sim, muito a ver com os bravos e aguerridos gaúchos do Rio Grande do Sul.
Quanto à questão técnica, na segunda parte da narrativa os desenhos de Byrata dividem espaço com fotos e dados sobre as máquinas mostradas no gibi. A quadrinização também é louca de especial: na primeira parte, a disposição dos quadrinhos é mais convencional, com uma ou outra ousadia; mas, na segunda metade, Byrata abusa das técnicas mais ousadas, como os quadrinhos sangrados, os personagens pulando para fora dos limites dos quadros, etc. Além disso, Byrata também faz um bom uso das hachuras (as linhas nos desenhos indicando movimentos, mudanças de tonalidade e sobras), criando excelentes efeitos de claro e escuro. E as cenas de ação são muito bem elaboradas. Também são colocados, ao pé das páginas, pequenos glossários com o significado de alguns dos termos gauchescos proferidos pelo Xirú e pelos outros personagens. Mas também existem, ao longo do texto, alguns errinhos de ortografia e concordância não-propositais (descontando os erros nas falas do Xirú). Desse modo, XIRU LAUTÉRIO E OS CENTAUROS é, por excelência, a obra-prima de Byrata. Em gauchês: lôco de especial!!!
Completam a edição: textos do cartunista Santiago e do ex-secretário da cultura de Santa Maria, Humberto Gabbi Zanatta, com um perfil do autor e seu personagem; e textos sobre o histórico do Esquadrão Centauro e das aeronaves usadas pelo grupo, bem como um pôster de um avião AMX A-1, atualmente utilizado pelo 3º/10º GAV. E mais anúncios dos patrocinadores do projeto.
Para adquirir o seu, escrevam para o autor. Saibam mais no blog dele: http://byrata.blogspot.com/.
Para encerrar, já que falamos em gaúchos como “Centauros dos Pampas”, eis aqui um desenho inédito do Teixeirão (desenhado ao som de um velho cassete do saudoso Rui Biriva, falecido recentemente) lidando com a situação de cruzar com um desses. Cada coisa que a gente vê nessa vida...
Até mais!

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