sexta-feira, 16 de abril de 2010

SAMURAI - Shimamoto, o espadachim da pena

Olá.
Estou de volta, depois de uma semana meio maçante. E hoje, vou resenhar uma revista.
Os quadrinhos brasileiros tem muitos mestres, que pouco são lembrados - às vezes, lembrados só quando morrem. Bem, hoje vou lembrar de um mestre, que ainda está vivo.
Trata-se de Júlio Yoshinobu Shimamoto, ou simplesmente Shima, um dos primeiros autores brasileiros a explorar a temática japonesa em suas histórias.
A bem da verdade, o primeiro desenhista brasileiro em estilo mangá é Cláudio Seto. Mas Shimamoto, descendente de japoneses assim como Seto, não pode ser classificado, diretamente, no estilo mangá, uma vez que seu traço foge desse padrão. Na verdade, Shimamoto desenhou histórias de diversas temáticas - o paulista de Borborema (nascido em 1939) é o grande especialista brasileiro em histórias de terror e de samurais. Seu estilo de desenho, vibrante e pulsante de movimentos apesar de ser um pouco "duro" e de páginas meio poluídas (na minha opinião), no máximo pode ser classificado, dentro do estilo mangá, no gênero gekigá, ou mangá underground.
O currículo de Shimamoto é extenso, e não é difícil encontrar, nas gibiterias, livros e revistas com trabalhos seus.
Shimamoto foi um dos grandes nomes das HQ de terror no Brasil, na época áurea do gênero (anos 50 e 60 do século XX), ao lado de grandes nomes como Flávio Colin e R. F. Luchetti. Ele fez carreira nas revistas das editoras Continental/Outubro, Vecchi, Grafipar e Bloch.
Além das histórias de terror, ele desenhou, para a editora Continental/Outubro, o super-herói Capitão 7, baseado no herói criado para a TV em 1954 (o gibi começou a ser publicado em 1959), ao lado de outro peso-pesado, Jayme Cortez; para a CETPA - Cooperativa Editora de Trabalhos de Porto Alegre, Shima produziu O Gaúcho, publicado no jornal Folha de São Paulo em formato tiras, em 1964 (O Gaúcho voltou a ser editado pela editora SM/Júpiter 2 de José Salles, que também reeditou os gibis do Raio Negro); e também foi o responsável pela primeira história de samurais produzida fora do Japão, O Fantasma do Rincão Maldito, publicada no início dos anos 60, em um gibi de terror da editora Outubro - a revista Histórias Macabras no. 19. Mais ainda: nos anos 80 e 90, ele produziu diversos álbuns. Alguns exemplos: em 1986, sai Nos tempos de Madame Satã, com texto de Luís Antônio Aguiar, sobre o célebre travesti brasileiro (esse álbum ganharia uma continuação, Madame Satã: Cassino, também escrita por Aguiar, pela editora Ópera Graphica). Falando na Ópera Graphica, foi por ela que saíram também: Sombras, coletânea de quatro histórias curtas onde o autor expõe muito de seu talento com a arte em preto e branco, os dois volumes de Musashi, que recontam a saga do célebre samurai Miyamoto Musashi (lançado pouco antes do mangá Vagabond, de Takehiko Inoue, que também conta a história de Musashi, aportar no Brasil) e Volúpia, coletânea das melhores histórias eróticas do autor publicadas nos tempos da Grafipar. Esses quatro álbuns (contando Madame Satã: Cassino) foram editados em tiragem limitada, autografada pelo autor, e só foram distribuídas para as lojas da rede Comix Book Shop. E isso, só para citar alguns exemplos.

O SAMURAI
Pois, em 2009, foi lançada uma nova coletânea de histórias de Shimamoto. Chama-se Samurai, e foi editado pela EM Editora, selo da Editora Mythos.
Esta coletânea traz algumas - quinze, para ser mais preciso - das melhores histórias de samurai desenhadas por Shimamoto nos anos 70 e 80, para diversas editoras, em publicações raras como a Spektro, a Eureka e a Kiai. Shimamoto demonstra nessas histórias não só o seu talento, não apenas seu desenho cheio de energia, mas também seus conhecimentos sobre o Japão da época dos samurais - muitas das histórias que produziu ele ouviu durante a infância, de seu pai e de seu avô. Antes da explosão dos mangás aqui no Brasil, todo o conhecimento que a maioria dos brasileiros tinha desse país vinha dos relatos estereotipados e exóticos, quando tudo o que se sabia sobre o Japão é que eles comiam peixe cru e sua tecnologia estava assombrando o mundo, com seus walkmans e trens-bala. Shimamoto apresenta aqui o outro lado do Japão, um lado mais violento.
Bem. Nesta revista, a maioria das histórias é de samurais, cheias de batalhas e duelos de espadas, e ainda com pinceladas da filosofia oriental, que pode nos ensinar muito. Mas há histórias que se passam na China antiga, e também no Japão moderno. Algumas foram escritas pelo mesmo Shimamoto que desenha - outras foram roteirizadas por outros autores.
Tetsu, o Vingador e Possessão Diabólica, que abrem o volume, são as duas histórias que se passam no Japão moderno. Na primeira, escrita por Jorge Yoshita, um rapaz procura vingança contra três empresários corruptos que humilharam seu pai e o fizeram cometer suicídio - apresentando, antes, um panorama do Japão moderno e seus problemas sociais, longe da visão estereotipada e exótica ocidental; e em Possessão, escrita por Shima, o espírito de um samurai errante - Sassaki Kojiro - reencarna no corpo de um rapaz, e através dele começa uma chacina que só pode ser contida por um médium que incorpora o espírito de Miyamoto Musashi, que venceu Kojiro no passado.
Shu Kun, o Salteador e O Duelo são as duas que se passam na China. Ambas escritas por Carlos Tse-Wong. Na primeira, um bandido e seu bando assaltam uma caravana de viajantes, sem saber que tudo não passa de uma armadilha; e, na segunda, dois lutadores - um buscando vingança - travam um emocionante duelo corpo-a-corpo.
Já as histórias de samurai, todas passadas no instável período medieval japonês, apresentam um belo panorama da época, quase uma aula de história. Começando por O órfão, de Shima; O Ermitão, escrita por Jorge Yoshita, sobre um rapaz que treina, com o ermitão do título, buscando uma vingança que, no fim, revela-se desnecessária; O Espadachim do Diabo, de Shima, uma legítima história de terror sobre um guerreiro que vende sua alma por uma espada invencível; A morte do Samurai e A Volta do Samurai, ambas escritas por Hayle Gadelha, são estreladas pelo samurai errante Hojo Daishi; Eu lutei com o Anjo da Morte, escrita por Paulo Afonso Tavares, traz a história de como um guerreiro alcançou a longevidade: será verdade ou pura lorota?; O Dever de Samurai, de Shima, traz mais um emocionante duelo; e Sengoku, de Hayle Gadelha, traz as mulheres dos guerreiros que estão distantes se defendendo de saqueadores. Interessante notar: Gadelha e Yoshita são, além de roteiristas de HQ, mestres em artes marciais - seus títulos estão nos créditos das histórias: Yoshita era 3o. Dan (mestre) em Karatê Wadoryu; e Gadelha, mestre da Associação Carioca de Aikidô, Judô e Karatê Wadoryu.
Quem também marca presença na edição é o célebre samurai Miyamoto Musashi, em duas histórias escritas por Shima: Dokuhebi, onde o guerreiro relembra sua infância enquanto assiste um duelo infantil; e Ketô - Duelo, onde é narrado um célebre duelo onde o samurai se envolveu.
E outro guerreiro célebre que dá as caras aqui é Zatoichi, o monge cego (personagem criado pelo cinema nipônico), que dá mostras de sua lendária habilidade em Tragam-me a cabeça de Zatô.
No final, nos capítulos denominados Dojutsu e Kobudô, Shimamoto explica algumas técnicas de luta do Japão antigo: a primeira é a técnica do combate com o bastão; e a segunda, a técnica dos camponeses japoneses de utilizar seus instrumentos de trabalho como armas para se defenderem.
A edição, apesar de ser em formatinho, é um verdadeiro biscoito fino, para quem aprecia histórias de samurai e para quem quer conhecer o trabalho de um mestre brasileiro. O porém da edição está na diagramação: por exemplo, a página final de O Duelo acabou sendo, acidentalmente, repetida na página seguinte. E, em algumas histórias, é evidente que Shima acabou repetindo algumas posições anteriormente apresentadas dos personagens. Ah, mas nada que comprometa a edição. Quer dizer: quase. Também ficaram faltando as datas de publicação originais de cada história! A arte em preto-e-branco do Shima, apesar de meio poluída, é funcional. E a impressão da revista não deixa a desejar. Pelo menos, a intenção da EM editores foi boa, apesar de a homenagem a um mestre brasileiro ter sido considerada meio capenga por muitos críticos.
Com alguma sorte, é possível encontrar essa revista, a R$ 9,90.
Para quem quiser histórias de samurais que não os mangás japoneses.
Para encerrar, eu fiz, só para ilustrar o artigo, um samurai. Nada mais apropriado, não é mesmo?
Só não sei se acertei na caracterização...
Até mais!

Um comentário:

Unknown disse...

boa materia agora soube um pouco mais da obra desse grande desenhista brasileiro.parabens pelo blog.