Está havendo uma comoção mundial: ALICE, a do país das maravilhas, voltou à moda!
Tudo isso, é claro, foi causado por causa do mais recente filme de Tim Burton que recoloca em voga o clássico livro infantil escrito por Charles Dodgson, o Lewis Carroll, em 1865. Mas por que esse filme, apesar de se passar em um universo tão conhecido, tem feito tanto sucesso e gerado tantos comentários? Será que é por que é um filme de Tim Burton? Será que é por causa do Johnny Deep, que interpreta o Chapeleiro Louco? Ou será que é por causa da própria personagem?
Talvez seja pela própria personagem. Afinal, o fascínio que essa inglesinha tem exercido até os dias de hoje é inconteste. Para entender, só lendo os clássicos Alice no País das Maravilhas e Alice Através do Espelho - este, a continuação do primeiro livro, publicada em 1872.
Muitas editoras tem os livros em seu catálogo. Inclusive em versões infantis de poucas páginas. Porém, a melhor versão sempre será a original. A original, que Carroll escreveu para uma amiga muito querida, a menina Alice Lidell, a filha do Deão do Christ Church. Aliás, especialistas ficam agora cogitando que Lewis Carroll (1832-1898) poderia ter tendências pedófilas, já que um de seus hobbies era fotografar crianças - e dizem até que, em certa ocasião, ele pediu para a mãe de uma criança para fotografá-la sem roupa, e é claro que a proposta foi recusada. Bem, não sei se isso é verdade, claro.
Porém, nada disso arranha a imagem do sério escritor e matemático inglês, que nos presenteou com esse verdadeiro clássico do nonsense e do surrealismo mundial, que é ALICE.
O fascínio se explica pelo próprio enredo, bastante familiar a quem já leu ou ouviu falar da obra. Ou então, de quem assistiu à célebre versão em desenho animado produzida por Walt Disney em 1951.
Essa edição que vocês estão vendo de ALICE foi republicada recentemente pela editora Jorge Zahar, numa edição que reúne País das Maravilhas e Através do Espelho. Foi lançada, claro, no embalo do filme - e com as ilustrações originais do ilustrador "oficial", John Tenniel (1820-1914). A mesma Zahar também tem uma outra edição dos dois livros juntos, a célebre versão comentada pelo matemático Martin Gardner, que analisou os livros linha por linha. Esta aqui não possui comentários, apenas o texto integral, traduzido por Maria Luíza X. de A. Borges, tradução vencedora do Prêmio Jabuti.
O fascínio de ALICE está no enredo: em País das Maravilhas, Alice, em um momento de puro tédio, avista um coelho branco correndo com um relógio na mão, gritando estar atrasado. Alice segue-o, e cai em uma toca muito estranha, que a leva para um mundo onde nada parece ter lógica absoluta. E por lá, ela encontra: os biscoitos, as bebidas e os cogumelos que fazem crescer ou diminuir; o salão das portas; os animais falantes; a lagarta enigmática; a duquesa, sua irritadiça cozinheira e seu bicho de estimação, o sorridente Gato de Cheshire, que possui a capacidade de ficar invisível; O Chapeleiro Louco, a Lebre de Março e o Caxinguelê dorminhoco, envolvidos numa eterna hora do chá; a intransigente Rainha de Copas, que vive mandando cortar as cabeças de quem sai da linha, e seu séquito de súditos, todos cartas de baralho; o grifo e a falsa tartaruga; e muitos outros personagens e situações sem a menor lógica.
Em Através do Espelho, Alice vai parar em um mundo ainda mais estranho que o País das Maravilhas, atravessando o espelho que fica em cima da lareira. E lá, ela tem a chance de se tornar rainha, se chegar à oitava casa - em País das Maravilhas, a corte real funciona como um baralho; já em Através do Espelho, é como num jogo de xadrez. Alice, percorrendo o caminho para chegar à oitava casa, encontra pelo caminho: o jardim das flores falantes e os curiosos insetos que lá habitam, enquanto a menina faz uma rápida viagem de trem; as rainhas vermelha e branca, ambas com comportamentos que seguem a lógica do espelho - fazem as coisas ao contrário; Tweedle-Dee e Tweedle-Dum, os dois garotos gordos que propõem questionamentos à menina; Humpty-Dumpty, o Sr. Ovo da conhecida rima infantil inglesa; os reis branco e vermelho; o Leão e o Unicórnio, que se engalfinham numa briga; o cavaleiro branco, com sua armadura e seu cavalo cheio de quinquilharias inventadas por ele; e o caminho vai até chegar à oitava casa, onde a menina se torna rainha - mas o banquete em sua homenagem termina na maior confusão.
Ambos os livros terminam com a menina acordando de um louco sonho - ao lado da irmã ou da gatinha de estimação. O mundo dos sonhos não tem lógica. Daí, o surrealismo presente.
Não se trata apenas de uma história infantil, sem pé nem cabeça: Carroll embute dentro da história versos infantis populares, poesia e peças subliminares de filosofia - por exemplo, em País das Maravilhas, Alice, de tanto que cresceu e encolheu num curto espaço de tampo, começa a se questionar, num certo momento, o que ela é. No país das Maravilhas e no do Espelho, todos, como diz o gato de Cheshire, são loucos; nada segue uma lógica exata. Porém, o que mais me desgosta é que nenhum dos habitantes desses países é simpático, capaz de travar uma amizade ou pelo menos de dar uma resposta plausível para todas as perguntas. Na verdade, quando se é louco, não se é necessariamente amistoso. Ou pelo menos é o que Carroll quer demonstrar.
A versão animada de Walt Disney, na minha opinião, nem é o melhor filme do Estúdio. Se no livro os personagens do país das Maravilhas são pouco amistosos, no filme de Disney são menos ainda. Pior ainda: o trecho em que Alice encontra Tweedle-Dee e Tweedle-Dum, que recitam o poema da Morsa e do Carpinteiro, faz parte de Através do Espelho, não de País das Maravilhas. Também é de País do Espelho a ideia da Festa de Desaniversário - os dias comemorados quando não são o aniversário de uma pessoa - e foi lançada por Humpty-Dumpty, não pelo Chapeleiro Louco e pela Lebre de Março, como no filme de Disney. Além disso, a sequência da Falsa Tartaruga, que conta sua história a Alice acompanhada do Grifo, não consta na animação. O mérito de Disney, entretanto, foi manter o clima de nonsense e o espírito surreal do livro de Carroll.
No filme de Burton, a idéia é outra: ele mescla País das Maravilhas com Através do Espelho, porém a Alice é uma moça crescida, que volta ao mundo que visitou quando criança. Eu ainda não assisti esse filme, mas parece, pelas imagens que vi até agora, que o espírito da obra de Carroll foi mantido.
Bem, mas o livro gera até hoje estudos, análises, inspira moda, badulaques... um sem fim de coisas que captam o espírito de Carroll e de como a mente infantil funciona de verdade. Para a criança, a lógica não é tão importante; o importante é o clima de surreal, que permite que ela invente todas as possibilidades possíveis, faça tudo o que quiser quando cria seu próprio mundinho imaginário. Acreditem, eu sei disso muito bem: até hoje me recordo das coisas que costumava imaginar quando era um moleque de apenas 9 anos de idade.
Bem, mas o livro gera até hoje estudos, análises, inspira moda, badulaques... um sem fim de coisas que captam o espírito de Carroll e de como a mente infantil funciona de verdade. Para a criança, a lógica não é tão importante; o importante é o clima de surreal, que permite que ela invente todas as possibilidades possíveis, faça tudo o que quiser quando cria seu próprio mundinho imaginário. Acreditem, eu sei disso muito bem: até hoje me recordo das coisas que costumava imaginar quando era um moleque de apenas 9 anos de idade.
Ah, e o mundinho de Carroll não se limita a essas mídias - o livro e os filmes de Burton e Disney; um filme para a TV também foi lançado, tempos atrás; e recentemente, até mesmo Histórias em Quadrinhos. Uma delas, nos EUA, foi desenhada por uma brasileira - Erica Awano, de Holy Avenger - adaptando os dois livros; e até um mangá, recentemente lançado por aqui.
Ah: as ilustrações também são algo a se notar quando se fala de ALICE. Carroll, quando publicou seu livro, tinha até mesmo ilustrado-o, porém a editora optou por contratar um ilustrador profissional, John Tenniel. E as ilustrações do artista inglês - que, apesar de cego de um olho, era dono de uma memória fotográfica espantosa, desenhando sem modelos - até hoje servem de paradigma para os ilustradores das versões da obra. Porém, é inconteste que foi Disney e sua equipe quem, assim como Branca de Neve, criou o visual que ficou no imaginário popular por gerações. É claro, baseado em Tenniel.
Claro que eu não escapei desta tendência, quando fiz estes desenhos de Alice e sua turma, que ilustram este post. Afinal, desenhar Alice e seu mundo já serve como um exercício para desenhistas de todo o mundo. E foi o que eufiz, com desenhos de Alice, do coelho branco, do Gato de Cheshire, do Chapeleiro Louco, da Lebre de Março e do Caxinguelê dorminhoco. Aliás, esse personagem tem criado problemas aos tradutores brasileiros, pois seu verdadeiro nome é Dormouse, que é um trocadilho - que significa, ao pé da letra, rato dorminhoco - mas também é o nome de um animal realmente existente na Inglaterra, parente do nosso gambá. Uns traduzem como um rato; outros, como camundongo. Ou como marmota, que também é um bicho que costuma hibernar muito. Na tradução de X. de A. Borges, é Caxinguelê, um animal equivalente da nossa fauna ao espécime inglês. Numa tradução recente, feita por Jorge Furtado, acabou ficando Dormundongo, preservando assim o trocadilho - camundongo dorminhoco.
Preferi chamá-lo aqui de Caxinguelê. Aliás, vocês não acharam que ele ficou mais parecido com um gato que com um roedor? Eu fiz o melhor que pude.
É como eu disse: para entender Alice, só lendo. Só lendo para achar os significados para a nossa realidade, escondidinhos nesse mundo tão surrealista e tão fascinante, para quem quiser procurar com atenção.
É como eu disse: para entender Alice, só lendo. Só lendo para achar os significados para a nossa realidade, escondidinhos nesse mundo tão surrealista e tão fascinante, para quem quiser procurar com atenção.
É mais um clássico que ganha seu espaço no Estúdio Rafelipe, feito por alguém que também tem um mundinho bem particular e às vezes caótico. Mas todo mundo tem seu mundo caótico, seu País das Maravilhas particular. às vezes, essa pessoa só consegue ter acesso a ele se avistar o coelho branco. É, quem dera o coelho branco aparecesse sempre.
Até mais!
3 comentários:
É verdade.
Alice no País das Maravilhas realmente é uma excelente obra.
Repleta de metáforas e grandes analogias...
Grande postagem Rafael!
Abraço!
Guiga Hollweg
Olá!
Vi o link para seu blog no Nightsy the comics, e vim dar uma olhada...
Alice no país das maravilhas é uma das minhas histórias preferidas... O clima que a obra nos leva, seja ela filme ou livro, é fantástico, porque nessa história, você realmente nunca sabe o que vai acontecer. Meu trecho favorito é quando Alice pergunta ao gato qual caminho ela deve seguir e ele pergunta aonde ela quer chegar. Alice responde que não sabe e o gato diz "Pra quem não sabe onde quer chegar, qualquer caminho serve."
Ótimo blog!
obs: Se vc quiser dê uma olhada no blog que estou começando a criar... Coincidentemente, tem a ver com o mundo da Alice.
(blog-das-maravilhas.blogspot.com)
Postar um comentário