Na semana que passou, e conforme já falei, a editora Pixel Media, selo do grupo Ediouro, largou nas bancas mais quatro revistas de sua nova linha de quadrinhos clássicos. A editora, para alegria dos saudosistas, está fazendo retornar, a preços acessíveis, vários personagens clássicos de HQ que estavam fora de circulação há pouco mais de uma década. Começou com a Luluzinha original, no embalo da nova revista com a versão adolescente da personagem; depois, o Bolinha original; em seguida, veio o Recruta Zero, que trouxe junto Hagar o Horrível, A Arca dos Bichos, Zé Fumaça, Zezé & Cia, Sam & Silo, Popeye, Blondie... A seguir, o Popeye, que trouxe consigo Pinduca e Krazy Kat; e, agora, os personagens da Harvey Comics, começando com Gasparzinho e Riquinho.
Esses personagens são distribuídos, atualmente, pela Classic Media, que mantém os direitos sobre os desenhos animados com esses personagens e também sobre os quadrinhos da Luluzinha. No Brasil, os personagens tiveram uma boa trajetória de publicação, por editoras como a Vecchi e a RGE. Pararam de ser publicados nos anos 90. E agora estão de volta, com nova tradução e adaptação. Bem, vamos desde o princípio.
Começando com o Gasparzinho, o iniciador de tudo.
Gasparzinho, o Fantasminha Camarada (Casper the Friendly Ghost no original), foi criado em 1939, como personagem de um livro infantil escrito por Seymour (Sy) Reitt e ilustrado por Joe Oriolo. Em 1945, eles vederam os direitos do personagem para a Famous Studios, braço de animação da Paramount Pictures, que começou a produzir a clássica série de desenho animado – sempre com a supervisão de Oriolo. Em 1949, os direitos para a produção de uma série em quadrinhos foram vendidos para a editora St. John e, pouco depois, pela Harvey Comics, uma editora fundada em 1941 que começou, como tantas outras editoras estadunidenses, publicando quadrinhos de super-heróis, mas que, a seguir, se consagrou com sua linha infantil de HQ, formada em grande parte pelos personagens animados da Famous Studios, como Little Audrey (Tininha) e Baby Huey (Zezinho).
Mais tarde, muitos outros personagens foram incluídos no elenco da Harvey Comics, como Little Dot (Brotoeja) e Richie Rich (Riquinho). As histórias, sempre inocentes, caracterizadas pelo nonsense infantil e pelo moralismo, embora com um toque de ironia, seguem o receituário que consagrou o próprio Gasparzinho: os personagens quase sempre fazem diferente do que as outras pessoas fazem, são rejeitadas por serem diferentes, mas sempre conseguem que tudo dê certo no fim. Os personagens e as histórias da editora costumam ressaltar os bons valores do ser humano: a amizade, o companheirismo, a necessidade de praticar o bem mesmo quando o mundo está contra essa ideia e o desejo de ser aceito pelo que é e não pelo que aparenta – a construção de um bom caráter, em suma. Esse receituário é usado tanto nos desenhos como nos quadrinhos e, embora isso torne as histórias pueris, encantam gerações muito mais pelo bom-humor.
Tudo isso é seguido em Gasparzinho: o fantasminha, cabeçudinho e boa-praça, tem como maior desejo fazer amigos. Por isso, é rejeitado pelos outros fantasmas, cujo maior interesse é assustar as pessoas vivas. E Gasparzinho não é aceito nem pelos vivos: basta apenas ele aparecer na frente de alguém e fazer a clássica pergunta “Olá, quer ser meu amigo?”, que essa pessoa, animal ou gente, já grita em desespero e corre. Claro que isso é do tempo em que os fantasmas assustavam só com a sua simples aparição. E os fantasmas, na época, eram representados como autênticos cobertores brancos flutuantes, menos como almas que se encontram no limbo entre o Paraíso (ou o Inferno) e o mundo material. Mas não estou aqui para falar de religião.
Embora Gasparzinho assuste as pessoas só com sua aparição, ele consegue fazer algumas amizades – geralmente pessoas ou animais que se encontram em perigo e tem suas vidas salvas pelo fantasminha. E as histórias de Gasparzinho, frequentemente, terminam com o fantasminha ajudando a nova amizade a alcançar seus objetivos iniciais, como a realização de um sonho ou a escapada de um grande perigo. Pouco depois, o universo de Gasparzinho foi enriquecido com vários coadjuvantes memoráveis, como a bruxinha Wendy (Luísa, no Brasil), que, assim como Gasparzinho, tem dificuldades em ser aceita, por se tratar de uma bruxinha boa (enquanto suas tias são bruxas más); o Trio Assombro, os fantasmas arruaceiros tios de Gasparzinho; Spooky (Lelo ou Sustinho), um fantasma sardento, de nariz de azeitona preta e chapéu-coco que gosta de assustar as pessoas apesar dos esforços de Gasparzinho de convertê-lo para o bem; e o cavalo-fantasma Nightmare (Luarino ou Pesadelo).
Ah, sim: além de outras séries de desenhos animados produzidas por outros estúdios (a mais recente é em computação gráfica), Gasparzinho ganhou um filme que mistura atores e computação gráfica, em 1995, com produção de Steven Spielberg. As duas continuações desse filme tiveram qualidade baixa, mas foi importante para estabelecer novos conceitos para a série, como por exemplo, uma origem para o fantasminha ou seja, como ele era antes de virar fantasma. E o Trio Assombro ganhou nomes: Espicha, Gordo e Catinga.
Bão. Gasparzinho estava fora das bancas brasileiras desde a década de 90. Em 2010, entretanto, a editora Devir lançou um álbum com a história e algumas histórias clássicas do personagem. Agora, saiu o primeiro número do gibi do personagem pela Pixel Media. Os nomes antigos dos personagens no Brasil foram mantidos, como Lelo e Luarino. O Trio Assombro não tem muita importância, mas Luísa, Lelo e Luarino tem participações importantes, assim como alguns amigos menores do fantasminha, como o ursinho Ugo. Possivelmente, a melhor história da edição, dividida em três partes, é aquela em que os roteiristas e desenhistas promovem um exercício de metalinguagem das HQ – é Gasparzinho e seus amigos tentando impedir que um desenhista novo do estúdio estrague a historinha deles. E Lelo também protagoniza histórias curtas de uma página, bem-humoradas e ingênuas – como todo o resto do gibi. Mas, depois de Gasparzinho, quem tem mais destaque no gibi é Luísa, principalmente na história, em duas partes, onde, por intervenção de uma amiga, uma bruxa “moderna” que utiliza eletrodomésticos em sua casa, faz uma verdadeira mudança na casa de suas tias.
Já o Riquinho (Richie Rich) foi criado em 1953, e, tal como o Popeye, surgiu como um personagem secundário: sua aparição foi dentro das histórias da personagem Brotoeja, a menina de vestido de bolinhas – e que também é fascinada por bolinhas. Em breve, o menino mais rico do mundo se tornaria o maior sucesso da Harvey. Ganharia um desenho animado produzido pelos estúdios Hanna-Barbera e duas adaptações para o cinema, sendo a mais conhecida a primeira, de 1994, onde o personagem foi interpretado por Macaulay Culkin, o eterno Kevin da cinessérie Esqueceram de Mim. Ah: na lista anual dos personagens mais ricos da ficção elaborada pela revista Forbes, Riquinho apareceu, em 2012, na sexta colocação, com uma fortuna estimada em 8,9 bilhões de dólares.
O nome já diz tudo: Riquinho é o menino mais rico do mundo. Apesar da riqueza ilimitada, e de ele ter tudo o que o dinheiro pode comprar, Riquinho é um bom menino, e valoriza mais aquilo que o dinheiro não pode comprar: a generosidade, a afeição dos pais, o espírito aventureiro e a amizade. Apesar de ser muito rico, Riquinho possui amigos de condição social inferior, por assim dizer; e sua namoradinha, Glória, é da classe média, e gosta do menino pelo que ele é, e odeia quando ele ostenta riqueza. E os pais dele, apesar de ocupados com os negócios e com as futilidades da vida de bilionários, sempre arranjam um tempo para passar com o filho, e principalmente educá-lo, construindo seu caráter.
Com uma riqueza infinita, ele também pode adquirir inovações tecnológicas, verdadeiros brinquedos miraculosos que ele usa em suas aventuras, às vezes detetivescas, às vezes tentando salvar a fortuna da família de eventuais ladrões. Tudo ao redor de Riquinho é superlativo: ele mesmo toma seu banho diário numa verdadeira piscina, pode colocar um iate na própria piscina de casa... enfim, dinheiro nunca é demais ou de menos. No seu universo de riqueza, ele está cercado de cifrões por todo lado: sempre algum objeto de sua mansão, de alguma forma, lembra dinheiro, ou por ser feito de ouro e cravejado de diamantes, ou por ter o cifrão impresso (ou a letra R, inicial da família) em algum lugar. Ah, sim: isso também vale para o melhor amigo do menino, o cachorro Dólar, um dálmata esperto que possui cifrões no lugar das pintas. Também não podemos esquecer das presenças do fiel mordomo Cadbury (Duarte), do cientista maluco Prof. Keenbean, que constrói a maior parte das invenções malucas que o Riquinho testa, e da empregada-robô Irona. Ah, e também não dá para esquecer de Reginaldo, o primo invejoso e esnobe de Riquinho, que sempre tenta passar o nosso herói para trás.
Alguns podem considerar Riquinho como um representante da face mais mesquinha do capitalismo; mas, inconscientemente, ele desperta no leitor o desejo de imaginar: o que nós mesmos faríamos se tivéssemos uma fortuna como a dele?
Bem. Antes do presente gibi, lançado pela Pixel Media (sei não: o epíteto de “pobre menino rico” não parece combinar com ele...), uma tentativa de retorno do Riquinho às bancas foi feita pela editora LB3, porém a iniciativa não passou do primeiro número. Agora vamos ver quanto esta revista vai resistir.
Além de aventuras estreladas pelo Riquinho, com as presenças também de Glorinha, Reginaldo e de Dólar (aliás, neste número há a história de como Riquinho ganhou o cachorro), também há histórias curtas de outros personagens da editora, como Brotoeja e Bolota, uma menina gordinha, comilona e de grande força física. Nas histórias deste gibi, vemos Riquinho defendendo o dinheiro da família enquanto leva um pacote de notas ao banco; paparica Glorinha com presentes – levados em caminhões; conhece uma face que até então não conhecia em Duarte, a disposição para aventuras; tem de impedir que Reginaldo estrague sua propriedade com suas sacanagens; precisa fazer um amigo deixar de ser tímido; ganha uma carteira que guarda muitas coisas além de dinheiro; e imagina como vai ser sua família futuramente.
Bem, faltaram, evidentemente, amostras de historinhas com a Little Audrey (uma espécie de Luluzinha com o poder de cativar todos à sua volta) e com o Baby Huey (um bebê pato gigante e de pouca inteligência). Mas veremos nos próximos números destes gibis como vai ser. Ainda assim, a iniciativa da Pixel Media é louvável.
Cada gibi sai por R$ 3,10. Preço mais que módico.
Para encerrar, eu fiz, em clima de Gasparzinho, uma ilustração com fantasmas. Quer dizer, é uma série de desenhos de esboço, feitos mais para acabar com umas canetinhas velhas que eu tinha no fundo da gaveta, e treinar um pouco o desenho sem esboço prévio. Da série “caderno de esboços”, que estréia aqui.
Nããão... É claro que eu não ia deixar só esta ilustração horrorosa que nada diz. Então, vou deixar outra mais bem feita: uma festinha de fantasmas, das formas como eles já foram representados na mídia. Almas com forma de serr humano, trajando vestes longas, em forma de Gasparzinho, em forma de lençol e... bem... um duende estilo Pânico.
Vamos ver o quanto estes gibis durarão nas bancas brasileiras. E, de preferência, se eles vão ser mesmo mensais, como os editores garantiram nos textos introdutórios que abrem cada gibi.
Até mais!
Nenhum comentário:
Postar um comentário