Na postagem anterior, eu falei sobre o livro O FANTÁSTICO MISTÉRIO DE FEIURINHA, obra-prima do escritor paulista Pedro Bandeira, que já teve muitas edições desde sua publicação em 1986 e ganhador do Prêmio Jabuti do mesmo ano, com sua trama que brinca com os clichês dos contos infantis famosos. Agora, eu vou falar de seu maior subproduto: o filme, XUXA E O MISTÉRIO DE FEIURINHA.
Mesmo sendo um filme de Xuxa, é uma adaptação de um livro infantil brasileiro. O caso é que os cineastas brasileiros costumam olhar com descaso para a literatura juvenil conterrânea. Enquanto que no exterior muitos escritores juvenis tem seu lugar garantido no cinema – casos de Roald Dahl (A Fantástica Fábrica de Chocolate, Matilda), Dr. Seuss (Gatola na Cartola, O Grinch) e E. B. White (A Menina e o Porquinho, Stuart Little) – aqui no Brasil temos muitos escritores cujos livros têm potencial para virarem grandes filmes, como é o caso de Marcos Rey (O Mistério do Cinco Estrelas), Ivan Jaf (O Vampiro que Descobriu o Brasil) e do próprio Pedro Bandeira (A Marca de Uma Lágrima e os livros da série Os Karas); porém, assim como a crítica tem visto com descaso a nossa literatura infanto-juvenil, os cineastas brasileiros, metidos a intelectuais e que só se interessam atualmente em filmes de favela, nordeste ou comédias com atores globais, não sabem do potencial de nossos livros juvenis.
XUXA E O MISTÉRIO DE FEIURINHA pode ser considerado um caso raro em nosso cinema. Lançado em 2009, adapta com bastante propriedade o livro infantil de Pedro Bandeira, e com a aprovação quase total do autor. Entretanto, a crítica não foi tão receptiva com o filme, e ele já foi considerado o 9º pior filme da década de 2000 pelo site IMDB. Para piorar, é filme de Xuxa, que a crítica nacional abomina, mas o público adora. Se o filme tem a Xuxa no elenco, pode apostar que é isso; e que também vai ter artistas famosos convidados, canções da “rainha dos baixinhos”, números de dança, um pouco de romance, crianças na figuração e um roteiro ingênuo, meio mal conduzido e voltado primordialmente às crianças. Mas, se não me engano, esta também é a primeira vez que Xuxa trabalha em uma adaptação de obra literária - todos os seus outros filmes são roteiros originais.
Como o livro de Pedro Bandeira lida com contos infantis clássicos, algo que se tornou mais que corriqueiro para a nossa Rainha, que os contava à exaustão em seu programa matinal Xuxa no Mundo da Imaginação, a história caiu como uma luva para ela. Mas também não é a primeira vez que Xuxa lida com o universo dos contos infantis - ela já trabalhou com o tema no filme Xuxa - Abracadabra. O próprio Pedro Bandeira aprovou essa adaptação, e apostou que o filme superaria a bilheteria do hit daquele ano, o Avatar de James Cameron. Bem, até foi verdade, a bilheteria de FEIURINHA ultrapassou a de Avatar... em Angola, onde o filme também foi exibido. No Brasil, o público foi de pouco mais de 1.100.000 espectadores, nada mal, mas inferior a Avatar – e nem se tornou cult.
Bão. O filme foi dirigido por Tizuka Yamazaki, a famosa cineasta nipo-brasileira, famosa por Gaijin – Caminhos da Liberdade (1980). Esta é a quarta parceria entre Xuxa (que atua como produtora deste filme, junto com Mônica Diniz e Luiz Claudio Lopes Moreira) e Yamazaki – a diretora também dirigiu Lua de Cristal (1990), Xuxa Requebra (1999) e Xuxa Popstar (2000). O roteiro foi escrito por Cláudio Lobato e Gabriela Amaral, adaptando com fidelidade, apesar das diferenças, o livro de Bandeira. A música é de Ary Sperling.
E Maria da Graça Meneghel, vulgo Xuxa, trabalha em família neste filme: ela atua ao lado da filha, Sasha Meneghel, e do pai biológico dela, Luciano Szafir. Este é o primeiro filme de Sasha, e o segundo de Xuxa ao lado de Szafir (o primeiro foi Xuxa e os Duendes 2 – no Caminho das Fadas). Mas, ao contrário dos pais, a filha não se saiu muito bem.
Bão. O livro segue, pelo menos, a linha do livro, mas com muitas diferenças, como as trocas de papéis de personagens, acréscimo de situações e de personagens, mudança de alguns trechos do livro. Isso é tão comum nos filmes estrangeiros que também adaptam obras infantis, claro. Algumas dessas mudanças tornam em alguns momentos a trama mais divertida, em outras a afunda.
Bão. Como todos recordam, FEIURINHA, o livro, gira em torno da procura de uma personagem de contos infantis desaparecida, que ninguém praticamente sabe quem é, e cuja procura envolve um escritor iniciante que recebe, de repente, a visita das célebres personagens dos contos infantis.
O filme pode ser dividido em três partes:
1) Do início até quando Cinderela resolve ir ao Mundo Real;
2) Das andanças de Cinderela pelo Mundo Real até a empregada Jerusa começar a contar a história de Feiurinha;
3) O relato da história de Feiurinha até o final.
O filme começa quando o escritor Pedro Bandeira (interpretado por Antônio Pedro Borges) e sua empregada, Jerusa (Zezé Motta), a bordo de um transatlântico, são abordados por um bote, onde está o arauto Caio, o lacaio (Paulo Gustavo, usando um figurino muito diferente do descrito no livro).
Só um aparte, antes de prosseguir: esta não é a primeira vez que Pedro Bandeira acaba inserido como personagem em obras produzidas por outros. Não que ele não se insira como personagem em suas próprias obras (é ele que narra os acontecimentos e age como personagem em FEIURINHA, o livro), mas em obras de outras pessoas ele também já foi personagem: ele foi personagem no livro A Garota do Livro, de Orlando de Miranda – desse falamos depois.
Bom. Uma vez encontrando o escritor, que nesse momento se encontra em crise criativa, Caio expõe a situação a que foi encarregado. Aí, o filme vai até o mundo das histórias infantis, onde encontramos as heroínas grávidas, prestes a fazer bodas de prata, como no livro. Porém, se no livro quem conduz a procura por Feiurinha é Branca de Neve, no filme quem conduz a bagunça é Cinderela (Xuxa), cujo casamento meio que passa por uma crise, pois seu Príncipe e marido (Szafir) é míope e só pensa em jogar futebol. Ao receber a visita da amiga Chapeuzinho Vermelho (Samanta Schmutz), frustrada por ainda ser solteira, Cinderela acaba sabendo do desaparecimento de Feiurinha, sua colega e cunhada. E decide chamar as outras princesas para expor a possível ameaça que o desaparecimento pode representar: o fim da felicidade eterna que lhes era garantido pela célebre frase “e todos viveram felizes para sempre”. E as princesas vem: Rapunzel (Angélica), reclamando sempre de seu príncipe (Luciano Huck, seu marido também na vida real), que insiste em entrar em casa subindo em suas tranças; Branca de Neve (Daniele Valente), com alergia à maçã; Bela da Fera (Lavínia Vlasak), reclamando das pulgas e dos uivos de seu Príncipe; e Bela Adormecida (Simone Soares), cochilando a toda hora. O grupo de príncipes, prestes a formar um time de futebol, estão alheios ao sofrimento das mulheres. No livro, ainda tínhamos a presença da princesa Rosaflor Della Moura Torta, mas como ela é uma princesa pouco conhecida, sabiamente foi cortada do roteiro.
Até aqui, o filme segue a proposta do livro, de mostrar um pouco da vida das princesas dos contos de fada depois do fim das histórias. Esse trecho é pontuado pelo bom-humor e pela comédia conduzida com muita segurança por gente habituada ao gênero. Os cenários ficaram ótimos, mas o que dizer dos figurantes infantis, simulando as filhas de cada princesa? Mais personagens são acrescentados aos do livro: além dos príncipes das princesas, temos a presença bem-humorada da Rainha Mãe (a saudosa Hebe Camargo), a mãe de todos os príncipes; de sua criada oriental, Confúcia (Daniela Dondo, numa interpretação totalmente estereotipada); e do Gênio do Espelho (Leandro Hassum, o Jorge do programa Os Caras de Pau), que leva Caio lacaio, a mando da Rainha Mãe, para o Mundo Real, à procura de um escritor que possa encontrar Feiurinha.
Cansada de esperar por possíveis resultados, Cinderela resolve recorrer à Fadona (Lesliana Pereira) para ir, ela mesma, ao Mundo Real procurar por Feiurinha. A Fadona, porém, orienta Cinderela: ela deve retornar antes da próxima lua, caso contrário ficará presa no mundo real para sempre.
As aventuras de Cinderela no mundo real, além de emularem as desventuras da personagem principal do filme Encantada, não ficaram muito bem-feitas – ficou muito ilógica a parte em que Cinderela esbarra em um jovem que estava comendo fast-food e acaba ficando, tranquilamente, com o pacote de batatas fritas dele – sem falar que é um descarado merchandising da rede de lanchonetes Bob’s. Na cidade, Cinderela, encontra, por acaso, um casal de crianças, coincidentemente chamados João (Rafael Miguel) e Maria (Raquel Bonfante), e coincidentemente ainda sobrinhos do escritor – e que levam a princesa até Pedro, através do “perigoso” mundo real.
Tentaremos supor que a parte em que Caio solta a pomba mensageira à Rainha Mãe, da amurada do navio, teve improviso, visto que a pomba custou a sair voando.
Enquanto isso, no mundo mágico, muita coisa acontece: o míope Príncipe da Cinderela, que antes ignorava a mulher, só pensando em futebol, quer se desculpar com ela; porém, ao saber que Cinderela foi para o Mundo Real, tenta ir também, mas acidentalmente acaba se transformando em sapo ao beber a poção errada. E as princesas (mais Chapeuzinho), ao saberem que a colega acabou fazendo tão perigosa viagem, resolvem ir também ao Mundo Real. Tudo bem, foi até simpático o recurso cômico do “grito de guerra” das princesas, e coisa e tal.
Ao encontro do escritor, o mistério do desaparecimento de Feiurinha foi esclarecido: ela desapareceu porque sua história nunca havia sido escrita. É aí que Jerusa acaba ganhando sua importância, a única pessoa naquele momento que sabe como é a história.
E aí, começa o terceiro momento do filme, a encenação da história de Feiurinha, a linda menina feia. Desde quando ela foi raptada dos pais pelas bruxas Ruim (Fafy Siqueira), Malvada (Alexandra Richter) e Piorainda (Ana Ribeiro), malvadas e horrorosas; de como a menina (Sasha Meneghel) é maltratada pelas três e pela sobrinha delas, Belezinha (Bruna Marquezine), fazendo Feiurinha pensar que é feia, e as bruxas bonitas; de como ela acaba desencantando seu único amigo, o bode, que se transforma no Príncipe Encantado (Bernardo Mesquita); de como, enganada pelas bruxas, Feiurinha fica horrorosa ao vestir uma pele de urso enfeitiçada; e de como o Príncipe e o pai da menina (Szafir de novo) a salvam.
Há várias curiosidades aqui embutidas. Primeiro, teria partido do próprio Pedro Bandeira a escolha de Sasha Meneghel para o papel de Feiurinha, escolha da qual acabou se arrependendo, pois a interpretação da filha da Rainha foi mesmo muito fraca. A melhor interpretação é mesmo a de Marquezine, que interpreta Belezinha com tal segurança que a personagem se torna mesmo detestável. Já Mesquita foi escolhido para o papel através de um concurso promovido pelo programa TV Xuxa, no mesmo ano em que o filme foi produzido. E a parte em que o pai de Feiurinha vai procurar a filha não existe no livro. Ah, e tentem explicar de modo convincente como foi que Feiurinha conseguiu transformar o bode no príncipe, tentem.
Como todo filme de Xuxa, FEIURINHA agrada mais às crianças que aos adultos. As interpretações deixam um pouco a desejar – os atores que mais se saem bem em seus papéis foram a Xuxa, o Szafir, a Zezé Motta, a Hebe Camargo, a Angélica, o Paulo Gustavo e o Leandro Hassum, apesar de seu figurino ridículo. Fica a impressão que Yamazaki perdeu um pouco a mão na direção de seus filmes desde que começou a trabalhar com o gênero infanto-juvenil – embora ela tenha tido momentos melhores no gênero, como quando dirigiu O Noviço Rebelde (1997, com o Renato “Didi” Aragão) ou o emocionante Lua de Cristal. Xuxa se sentiu muito à vontade no papel de uma personagem infantil, e só. O então estreante Bruno Mesquita até dá um par romântico simpático, mas vá dizer a mesma coisa para Sasha Meneghel.
Mas, assim como o livro, o filme é uma grande brincadeira com os clichês dos contos infantis – o ponto alto é a transformação de Szafir em sapo, e sua destransformação por... ahn... preciso mesmo dizer?
Número musical da Xuxa? Não pode faltar. No caso, a música escolhida foi Você Acredita em Mágica? (Do You Believe in Magic), dueto inglês português de Xuxa e Lulu Santos. Embalando o esdrúxulo final feliz do filme.
Talvez o que mais valha em XUXA E O MISTÉRIO DE FEIURINHA é a intenção. Afinal, não é sempre que um livro infanto-juvenil brasileiro é adaptado para o cinema, ainda mais Pedro Bandeira. Oh, sim: notícias na internet informam que Yamazaki está acertando para adaptar A Droga da Obediência, o livro mais vendido de Bandeira, para o cinema. Ver pra crer.
Pode ser que Xuxa não ajude a melhorar a imagem do cinema nacional. Mas e daí? Se o filme tem Xuxa, é garantia de boa bilheteria. Talvez o que falte ao cineasta do Brasil seja vontade de investir, nem que seja um pouco, em um cineminha-pipoca básico. Isso de denunciar a realidade através do cinema cansou demais. Chupa, Glauber Rocha.
O que estou tentando dizer é que, apesar de não ser o melhor dos filmes, FEIURINHA vale a conferida. Mas sem esquecer de ler o livro antes.
Como aqui no blog eu não atribuo notas aos filmes que assisto, o mais que posso dizer é que este filme é... passável. No más.
Para encerrar: eis aqui a segunda ilustração com a Letícia e seus amigos no mundo da fantasia, trajando as principais fantasias dos contos infantis: o cavaleiro andante, a bruxa, o mago, a fada e a princesa. Afinal, é do universo infantil que estamos tratando. O mundo maravilhoso das primeiras leituras, das histórias infantis, do mundo criado para driblar as dificuldades da vida, os perigos do mundo.
A versão para colorir desta mesma ilustração vocês também podem encontrar no blog Educar é Viver: http://orientarpedagogos.blogspot.com.br/.
É isso aí. Como é bom ser criança, nem que seja por um momento!
Até mais!
Um comentário:
legaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaal
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