Hoje, mais uma vez, falarei de quadrinhos.
Hoje, falarei do álbum que tem tudo para ser o álbum do ano. Apesar de ser com um personagem conhecido, nem parece. E é isso que torna esse lançamento ainda mais especial.
Este álbum foi anunciado ainda em maio, mas só começou a chegarem fins de junho. Uma demora que inacreditavelmente compensou.
Bão. Muitos de vocês já devem ter ouvido falar do selo Graphic MSP, a nova investida artística dos estúdios Maurício de Sousa, o pai da Turma da Mônica. Sob este selo, estão sendo lançadas histórias com os personagens da empresa, em uma abordagem mais adulta, e elaboradas por artistas consagrados dentro da atual cena do quadrinho nacional. Uma idéia que começou a florescer desde a iniciativa de Sidney Gusman, editor do site Universo HQ, de lançar em 2009 o primeiro álbum comemorativo dos 50 anos da carreira de Maurício de Souza (MSP 50), que ganhou mais dois volumes (MSP + 50, de 2010, e MSP Novos 50, de 2011) e outro álbum, desta vez com artistas que “se formaram” nos Estúdios Maurício de Souza (Ouro da Casa, de 2012). O primeiro lançamento do selo Graphic MSP, Astronauta – Magnetar, de Danilo Beyruth, deu o que falar desde o lançamento em outubro de 2012. Campeão de vendas. E, conforme o prognóstico, premiado - com um Ângelo Agostini, até agora.
Agora chegou o segundo lançamento do selo, e desta vez com a filha do pai: TURMA DA MÔNICA – LAÇOS, pelos irmãos Cafaggi.
Atualmente, são poucos os apreciadores de quadrinhos brasileiros que nunca ouviram falar, pelo menos uma vez, dos irmãos Vítor e Lu Cafaggi, mineiros que estão causando na cena independente graças aos roteiros carregados de emoção e à arte anti-convencional. Cada um a seu turno, os dois juntos.
Ambos nasceram em Belo Horizonte, Minas Gerais – Vítor em 1978, Lu em 1988.
Vítor, formado em Design Gráfico, fez diversos trabalhos na área. Ele começou a despontar na cena dos quadrinhos brasileiros em 2008, quando começou a desenvolver a webcomic Puny Parker, paródia infantil do alter-ego do herói Homem-Aranha. O sucesso dessa tira rendeu a Vítor convites para participar de coletâneas: Pequenos Heróis, organizado por Estêvão Ribeiro, e publicado pela editora Devir em 2010, homenagem infantil aos super-heróis das HQ; e do álbum MSP 50, onde fez uma história com o Chico Bento. Ainda em 2010, a convite do jornal O Globo, começou a desenvolver, em forma de tiras dominicais, a série Valente. As desventuras do cachorrinho, altamente elogiadas pela crítica, já ganharam dois álbuns, todos lançados de forma independente pelo próprio Vítor: Valente para Sempre, em 2011, e Valente para Todas, em 2012. Ainda em 2011, ele lançou o álbum Duotone, que lhe rendeu o prêmio HQ Mix de Novo Talento – Roteirista. Ainda em 2012, ele participou da coletânea Fierro Brasil 2. Atualmente, Vítor dá aulas de desenho em escolas de arte de Belo Horizonte e Nova Lima. O blog do Puny Parker - que, atualmente, publica as tiras do Valente - ainda está ativo para quem quiser conhecer: www.punyparker.blogspot.com/.
Lu Cafaggi, por sua vez, trabalha como ilustradora, além de estudar jornalismo. Ela começou nos quadrinhos, tal como Vítor, na internet, com seu blog pessoal, o Los Pantozelos. Em 2011, lançou seu primeiro trabalho impresso, Mixtape, coletânea de quatro minigibis que contam histórias inspiradas em músicas. Seu blog pessoal: www.lospantozelos.blogspot.com/.Ah: recentemente, ambos os irmãos participaram com fanarts da mais recente edição de Monster Prison, o fanzine de Fernan Pires e Alexandre Menezes, membros do Núcleo de Quadrinhistas de Santa Maria – Quadrinhos S. A.
O ÁLBUM
Desde 1963, atualmente não há quem não conheça a Mônica de Maurício de Souza, e sua trupe, os moradores do Bairro do Limoeiro, um bairro cheio de locais onde eles podem brincar à vontade. Essa é a data em que a personagem, baseada na filha do próprio Maurício, apareceu pela primeira vez nas tiras que antes eram protagonizadas pelo Cebolinha, que surgiu em 1960. Por sua vez, o Cebolinha apareceu dentro das tiras do cachorrinho Bidu, criado em 1959. Em 1970, a menina ganhou um gibi próprio, pela Editora Abril, e mesmo depois de ter passado por outras editoras (a Globo e a Panini, sua casa atual), nunca parou de crescer. Desde que as revistas passaram para a editora Panini, a gordinha passa por uma excelente fase, o qual, infelizmente, não estou acompanhando. Já virou adolescente, já assumiu sua paixão pelo Cebolinha, já casou com ele... enquanto continua dando coelhadas nele quando é chamada de baixinha, gorducha e dentuça.
E todos conhecemos a trupe: Mônica a menina superforte (e baixinha, e gorducha, e dentuça, e com cabelos de banana... espero que ela própria não esteja lendo isto...); Cebolinha, com seus cinco fios de cabelo, sua fala que troca os “erres” pelos “eles”, sua inteligência e sua persistência em tentar derrotar a Mônica; Cascão e seu medo irracional de água e sua crosta de sujeira; e Magali, com sua magreza e seu apetite sem limites. Fazendo sucesso há décadas. Atravessando incólume os períodos de crise, garantindo até hoje a fama e a fortuna de seu criador. E mais seria inútil falar, todo mundo conhece a Mônica, seus amigos e as características dos mesmos, que garantiram sua fama por anos a fio.
O que Vítor e Lu Cafaggi fizeram em LAÇOS foi ampliar e mesmo acrescentar um algo mais nessas características, na elaboração do presente álbum. Já explico.Os laços a que o título se refere são usados na obra com os mais diversos significados, mas o principal é mostrar o que une a turminha da Mônica: laços de amizade e companheirismo.
Vítor e Lu Cafaggi, em um álbum feito a quatro mãos – em duas, em alguns trechos – oferece ao leitor uma obra carregada de sentimento, nostalgia positiva, em um clima que lembra o dos filmes infantis dos anos 80 e 90. A arte não deixa por menos.
É bastante evidente os estilos usados por um e por outro na arte: Vítor Cafaggi tem um estilo mais esguio, completo, realista, porém etéreo, enquanto Lu Cafaggi tem aquele estilo muito mais etéreo, como uma nuvem, com seu uso de um traço com efeito de giz pastel, cheio e nuvens, conferindo muito mais leveza. Esse estilo, Lu utiliza nas cenas de flashback em muitos momentos, enquanto Vítor usa seu estilo iluminado na trama geral, utilizando (com a ajuda de Priscila Tramontano) cores e gradações que combinam com cada momento do dia: tarde ensolarada, noite escura, luzes do entardecer, penumbra... o efeito ficou perfeito.
Mais ainda: Vítor e Lu reestudaram as aparências dos personagens, tornando-as mais realistas, mais próximas de crianças comuns. Você não vai reconhecer a Mônica sem o cabelo de banana, nem o dentão, que ficou escondido na boca (mas eles mantiveram o vestido e o coelhinho Sansão). Ou mesmo a Magali, com um cabelo diferente. O Cebolinha e Cascão são os personagens mais próximos do traço de Maurício de Souza. Na parte da personalidade, os irmãos mantiveram as características originais, mas um pouco mais próximas da realidade, sem a surrealidade utilizada por Maurício de Souza e sua equipe – mas ressaltando os laços de amizade existentes entre eles, apesar das rusgas diárias (leia-se: os “planos infalíveis” do Cebolinha para derrotar a Mônica, o Cascão sempre estragando tudo...). E outros personagens da série aparecem na trama, ainda que de forma rápida, como Jeremias, Titi, Aninha, Xaveco, e personagens mais recentes, como Denise, Carminha e Xabéu.
Vítor ficou com as partes onde a turminha aparece com sete anos; e Lu, com as partes onde a turminha aparece como bebês, destilando fofura.
Bão. A trama. Ela começa com um flashback: o momento em que o Cebolinha, ainda bebê, ganha de presente, do pai, o seu cachorro, Floquinho. Todos conhecem: aquele cachorrão de pelo verde, com a cabeça parecida com a cauda, que nunca se sabe se está indo ou vindo (foi um leitor dos gibis que descobriu que a raça do cachorro é Lhasa Apso).
Aí, a trama salta para o presente: quando Cebolinha e Cascão estão fugindo da fúria da Mônica, depois de mais um “plano infalível” frustrado, envolvendo Peter Pan e Capitão Gancho (um plano que vai ser útil para resolver o grande problema da trama). No caminho, passam por diversos personagens do Bairro do Limoeiro, inclusive por Magali, fazendo um de seus “lanchinhos” com a elegância de uma dama. Os meninos se refugiam na casa do Xaveco, e param diante de Xabeu, a irmã bonitona do amigo; e, como de se esperar, apanham da Mônica.
Mas é voltando para casa que a história realmente começa: ao chegar em casa, Cebolinha descobre que, por causa de um descuido da mãe, Floquinho acabou fugindo de casa. Isso deixa o menino extremamente deprimido. Até que, recebendo uma visita de Mônica, Magali e Cascão, o menino é incentivado por eles a sair da letargia e elaborar um plano para procurar o cachorro. Inicialmente com cartazes e pesquisa pelos arredores. Mas a pista mais valiosa eles recebem de um bando de meninos arruaceiros, que, depois de provocarem as crianças, e levarem uma surra da Mônica, indicam o local para onde Floquinho pode ter ido: um parque longínquo.
Aí, Cebolinha traça um novo plano: a turma junta artigos para acampamento e vão para o tal parque fazer uma exploração, com a determinação de não voltar para casa sem o cachorro. E, nessa aventura, acontece muita coisa: eles se encontram com um mendigo meio louco e seu cachorro de boné; voltam a enfrentar o bando de garotos arruaceiros, agora com reforços; se perdem numa floresta, onde acabam acuados por uma matilha de cães selvagens, ao mesmo tempo em que rememoram algumas de suas maiores aventuras; recebem uma inesperada ajuda do mesmo bando de meninos; e a aventura chega até um ferro-velho, onde um homem malvado mantém cães prisioneiros. Nessa aventura, todos os amigos se ajudam, e até suas aparições em cada página são equilibradas.
A aventura leva muitas horas, todas expressas por um relógio no topo de algumas páginas – importante para justificar as mudanças de tons de cor da ação dos episódios.
O álbum também homenageia o próprio Maurício, onde um episódio de sua infância é reconstituído por Lu Cafaggi.
Mas não é só de Turma da Mônica que o álbum se sustenta. Os irmãos Cafaggi também fazem uma homenagem indireta ao universo da Luluzinha, de Marge Buell. Sabe o bando de meninos arruaceiros que provoca a turminha? Eles são desenhados à semelhança de Bolinha, Juca e Carequinha. Depois, ganham a adesão de dois meninos parecidos com Zeca e Plínio Raposo, e, na cena em que o bando enfrenta a turminha no parque, aparecem três meninas, semelhantes a Luluzinha, Glorinha e Aninha, com bichos de pelúcia para enfrentar Mônica e Sansão de igual para igual! Que tal a homenagem?
O álbum peca por alguns pontos: não se sabe ao certo qual a importância do mendigo para a trama, nem as motivações do homem do ferro-velho ao prender cachorros. O importante é que tudo acaba bem. Mas o mais importante é: como?
Algumas cenas são realmente comoventes. Como a cena em que o Cascão incentiva Cebolinha a sair da cama e elaborar um plano para achar Floquinho; a cena em que, diante da fogueira, a turminha rememora episódios de infância; e a cena em que o Cascão, diante da fogueira, brinca com a sua sombra, criando versões de seus amigos. Ou mesmo o flashback que mostra a turminha, ainda na escola, se conhecendo.
Como eu disse, a surrealidade, o exagero, que estão sempre presentes nas historinhas da Turma da Mônica, foi diminuída. A força da Mônica, por exemplo, nem é tão exagerada; o Cebolinha não é tão escrachado ou maquiavélico como nas historinhas da linha normal, e nem o fedor do Cascão tem muita utilidade na trama. Talvez o único elemento surreal que permanece é o ronco do estômago da Magali, exagerado o bastante para afugentar animais selvagens!O álbum tem prefácio de Maurício de Souza e posfácio do animador Carlos Saldanha. E é completo com páginas de making of, com o processo de criação da história, e informações e tiras sobre a primeira aparição de cada personagem (incluindo o Floquinho).
Depois desse álbum, você vai repensar tudo o que sabe da Turma da Mônica. Emocionante o bastante para agradar o público adulto, fiel o bastante para o público infantil. Tem tudo para ser o lançamento do ano.
O álbum está disponível em duas versões: capa dura (R$ 29,90) e capa cartão (R$ 19,90). Imperdível!
E pensar que abandonei as histórias da Turma da Mônica, que eu tanto lia na infância, por causa que o Cascão estava ficando muito hipócrita, na minha visão – além de não tomar banho, ele sempre falava mal da água, bem tão necessário para a sobrevivência humana, e que cada vez precisa ser valorizado.
Para encerrar, eis aqui mais um trechinho do mais recente arco de Letícia, a minha Mônica. O arco ainda está em andamento no blog dela (http://leticiaquadrinhos.blogspot.com.br/), e certamente não combina com o momento, mas infelizmente não tinha mais nada para colocar. De todo modo, o arco está chegando ao final. Juro.
No mais, eu acho que era isso. Admito que o ritmo das postagens deste blog está diminuindo, mas tenho meus motivos, que vou revelar outro dia, num momento mais conveniente.
Até mais!
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