Olá.
Hoje,
continuando a realizar o grande projeto que tive desde maio de 2011, e como uma
forma de finalmente ficar em paz comigo mesmo, hoje continuarei falando sobre a
série SCOTT PILGRIM.Hoje, vou falar do filme. Por isso não falei da série de HQ antes: queria ver o filme também. Demorou, mas consegui.
Como dito na postagem anterior, SCOTT PILGRIM é uma HQ escrita e desenhada, entre 2004 e 2010, por Bryan Lee O’Malley, rendendo seis volumes. No Brasil, a obra foi lançada em três volumes, a partir de 2010, pela Companhia das Letras, juntando dois volumes da série original cada.
Com
o sucesso desta série, que traz em seu bojo referências a mangás e a videogames
clássicos, e que antes de tudo é uma homenagem à “Geração Y”, a “geração do
meio” dos nerds (vide artigo anterior para entender), viria a adaptação para
cinema. Com a recente onda de adaptações de HQ para cinema, seria natural. E a
de SCOTT PILGRIM viria em 2010 (por isso o lançamento da série no Brasil, no
mesmo ano, foi oportuna), dirigida por Edgar Wright (do cult-movie de zumbis
Todo Mundo Quase Morto). Wright co-roteiriza o filme com Michael Bacall, e tem
o próprio O’Malley como consultor.
A
consultoria era necessária: o projeto para a adaptação cinematográfica surgiu
quando apenas o primeiro volume foi lançado. As filmagens começaram em 2009,
antes do quinto volume chegar às livrarias. Desse modo, Wright teve de fazer
uma série de mudanças no filme, mas deixando-o bem próximo dos quadrinhos. Talvez
seja uma das melhores adaptações das HQ da história, empregando bem os US$ 47
milhões do orçamento.
À
parte das mudanças do roteiro, o filme já ganha pelo visual, o que fez o filme
fazer por merecer as boas críticas e a alta pontuação nos sites Metacritic e
Rotten Tomatoes, as principais referências sobre cinema na internet.
É
que SCOTT PILGRIM CONTRA O MUNDO faz com que as referências aos videogames
fiquem mais visíveis, assim como à própria HQ. A história segue quase
perfeitamente o enredo da HQ, e, por cerca de duas horas, a tela se enche de
onomatopeias, legendas de status, legendas dos videogames, pontuações, efeitos
de velocidade (como aumento da distância entre dois personagens correndo um na direção do outro e desaceleração brusca quando um deles recebe um golpe fenomenal), mudanças de câmera e muita metalinguagem (expressa na voz do
narrador Bill Hader, que “lê” as legendas da HQ ao longo do filme) enquanto
acompanhamos a saga de Scott Pilgrim para conquistar o coração de sua amada
Ramona Flowers. Tudo embalado a rock indie, com os próprios atores interpretando
as músicas tocadas. Os efeitos especiais são bem-feitos e convincentes, fazendo
o público entrar em um grande videogame.
A
referência aos games começa já no logotipo “personalizado” da produtora
Universal, que aparece como que num game 8-bit, até mesmo com a vinheta-tema
sintetizada como num Master System.
Só o
caso é que muitos críticos que assistiram o filme possivelmente não tinham lido
a HQ primeiro, na época do lançamento. Por isso, ao longo deste artigo, faremos
comparações entre a HQ e o filme, e apontar as principais diferenças entre as
mídias.
Bão.
O enredo muita gente já conhece. Scott Pilgrim (Michael Cera, de Juno e
Superbad – É Hoje) é um nerd, morador de Toronto, capital do Canadá, meio
obtuso e desocupado que vive seus dias entre o ócio do desemprego voluntário,
vivendo de favor no apartamento de seu amigo gay, meio intrometido e elegante
Wallace Wells (Kieran Culkin) e os ensaios de sua banda da punk-rock, o Sex
Bob-omb, da qual ele é baixista. Formam a banda ainda o nervoso Stephen Stills
(Mark Webber) e a revoltada Kim Pine (Alison Pill), e eles ensaiam na casa do
amigo “Pequeno Neil” Nordegraf (Johnny Simmons). No início da trama, o sempre
sorridente Scott anuncia que começou um namoro com a colegial chinesa de 17
anos Knives Chau (Ellen Wong), que, ao assistir a um ensaio da banda, se torna
imediatamente fã dela (a cena de abertura, com os créditos passando sob o fundo
cheio de explosões de cores e desenhos mutantes, é psicodélica justamente para
traduzir os sentimentos de Knives diante dos novos ídolos). E assim, Scott
arranja um novo passatempo, passando as tardes com a adolescente, enquanto sofre
a sondagem constante da irmã, Stacey Pilgrim (Anna Kendrick).
Até
que, um dia, em seus sonhos, aparece uma estranha garota patinadora. E ele a
encontra dias depois: a americana Ramona Flowers (Mary Elizabeth Winstead, a
vilã Gwen Grayson de Sky High – Superescola de Heróis). Scott tenta uma
aproximação nela numa festa promovida pela “amiga” Julie Powers (Aubrey Plaza),
e, ao tomar conhecimento que a moça é entregadora do site Amazon, resolve fazer
uma encomenda – só para poder marcar um encontro com ela. A moça entra na
cabeça de Scott porque faz uso de uma “rodovia subespacial”, uma dimensão
paralela que encurta o tempo das viagens. A americana dos cabelos coloridos
acaba gostando do jeito de Scott, e os dois iniciam um “romance”. Porém, ele é
advertido por Wallace para terminar com Knives.
Nisso,
o Sex Bob-omb entra em uma batalha de bandas, na busca por um contrato com uma
gravadora. Mas, no momento da apresentação da banda, aparece do teto do teatro
o indiano Matthew Patel (Satya Bhabha), que desafia Scott para um duelo, e
fazendo uso de seus poderes psíquicos (a partir daqui, o filme começa a
misturar referências dos videogames com as dos animes – as batalhas
espetaculares dos animes japoneses finalmente traduzidas devidamente no
live-action). Após vencer o intrometido, Scott fica sabendo sobre a Liga dos
Ex-Namorados do Mal de Ramona, que ele terá de derrotar para continuar
namorando a garota.
Well.
A fidelidade às HQ é maior no primeiro trecho, até por volta do combate de
Scott com Lucas Lee. A partir daí, Wright constrói um enredo próprio,
misturando elementos das HQ, como frases de personagens das HQ ditas por outros
personagens, mudanças na ordem dos fatos, mudanças de personagens fazendo esses
mesmos fatos, enfim, a própria reconstrução da HQ. Para caber no curto espaço
de tempo, alguns subtextos da HQ tiveram de ser cortados, e muitos importantes,
como os flashbacks do passado de Scott (o namoro que Scott teve com Kim é
apenas citado por cima), a pequena aventura do personagem para conseguir um
emprego, a perseguição que ele sofre do pai de Knives e o brilho da cabeça de
Ramona (seria um efeito especial difícil de reproduzir). Dos personagens, foram
limados a ex-colega de escola de Scott e Kim, Lisa Miller (ela é citada,
apenas, meio de sopetão), o assustador Joseph, o gay com jeito de profeta do
apocalipse, e o Sr. Chau, pai de Knives. Os papéis de alguns personagens
precisaram ser alterados, e outros personagens tem participação microscópica –
tão rápida que, para poder ver, não pode piscar. O elemento das portas para o
subespaço, que aparecem do nada, também foi reduzido – apenas duas vezes em
todo o filme elas são usadas. Ah: em certos momentos, os desenhos de O’Malley
são inseridos nas cenas, em versão semianimada, nos flashbacks do passado de
Ramona.
E
claro que não faz parte da HQ a “cantada” que Scott dá em Knives e depois em
Ramona: a explicação sobre a origem do nome do Pac-Man. Nem os trechos em que
Scott e Knives brincam numa máquina de dança no fliperama. E nem a frase mais dita por Scott ao longo do filme: "eu preciso mijar".
O
subtexto básico – Scott precisa enfrentar cada um dos “chefões de fase” para
continuar no “jogo” – permaneceu. Mas, diferente da HQ, onde os combates tem
longos espaços de tempo – meses, atravessando até o verão canadense e indo para
outro inverno – toda a ação do filme leva poucos dias, toda no inverno de
Toronto. Tal como nas HQ, cada “chefe” derrotado se desintegra e, além dos
pontos, deixa itens como moedas ou uma vida extra.
Vamos
continuar, então. Scott toma coragem e termina com Knives, mesmo depois de ela
declarar sua paixão pelo rapaz. Além de ter o coração partido, a chinesa, após
descobrir que a “outra” é Ramona (que muda seu visual em todo o filme três
vezes – mas só a cor do cabelo, o penteado não), fica obcecada em se vingar.
Tanto que ela pinta uma mecha de seu cabelo de azul. O próximo desafio de Scott
é o ator Lucas Lee (Chris Evans, o Tocha Humana de Quarteto Fantástico e o
Capitão América do filme homônimo e de Os Vingadores), um violento ator de
filmes de ação e skatista. Para encarar Lucas Lee, Scott enfrenta primeiro os
dublês dele (que funcionam como os capangas do chefão nos jogos beat n’ run,
tipo Final Fight). Mas a vitória de Scott se dá pela esperteza: o rapaz induz
Lee a fazer uma manobra arriscada num corrimão de escada, e o ator não escapa.
Já a
luta contra o terceiro Ex-Namorado do Mal, Todd Ingram (Brandon Routh, de
Superman Returns) foi praticamente encurtada. Ela começa quando a ex-namorada
de Scott, Envy Adams (Brie Larson) faz uma ligação para Scott, anunciando que
ela e sua banda, The Clash at Demonhead, vai se apresentar na cidade, e querem
que o Sex Bob-omb abra o show. Após a apresentação bombástica da banda, Envy
chama Scott, Ramona e sua turma para o camarim, onde pretende tortura-los psicologicamente.
Todd, vegano com poderes psíquicos, seria o desafio mais difícil para o rapaz.
Ah: a baterista do braço mecânico e amante de Todd, Lynette Guycott, faz uma
aparição rápida, durante o show, e dá tchau logo depois. Ela não aparece no
camarim. Assim, quem dá o soco em Knives, que tira a tintura do cabelo dela, é
Todd. Da cena da discussão entre Scott, Ramona, Envy e Todd no beco atrás do
teatro, o filme pula a parte da disputa dos dois na loja Honest Ed’s e vai
direto para a batalha de baixos entre Scott e Todd. Mas a forma como Scott
derrota Todd é diferente da HQ: enquanto que nesta Todd acaba ele mesmo se
“condenando” ao tomar sorvete italiano por conta própria, no filme é Scott quem
induz Todd a tomar um copo de café com leite de vaca. Isso atrai a Polícia
Vegan, que retira os poderes psíquicos de Todd, e Scott derrota-o com uma
cabeçada. Desse modo, Envy Adams também dá tchau no filme – é cortado também o
subtexto em que ela estava sendo traída. E, diferente da HQ, ela não volta na
batalha do Chaos Theatre. Desse modo, a defenestração de Envy acaba ficando
como uma das lambanças cometidas por Wright na história. Oh: Julie também é
outra personagem que se despede, depois de fazer uso de um linguajar “chulo”,
metalinguisticamente censurado.
A
luta seguinte, com a ninja Roxy Richter (Mae Whitman) começa a marcar a parte
em que a relação entre Scott e Ramona começa a se abalar. Mais outra mudança de
lugar entre os acontecimentos da série: na HQ, quem duela no bar com Ramona é
Envy, com a marreta gigante e tudo. Aliás, em todo o filme, Ramona só usa a sua
bolsa sem fundo apenas uma vez (outra lambança de Wright), e no duelo com Roxy.
Ah: e na HQ, quem tem o ponto fraco atrás do joelho é Envy, e não Roxy. Na HQ,
a ninja loira morre após um duelo de espadas com Scott.
O’Malley
já havia alertado, via Twitter, na época das filmagens, que os elementos do
volume cinco não seriam usados no filme. Assim, a luta seguinte, com os irmãos
Katayanagi (Keita e Shota Saito) é totalmente transformada: de construtores de
robôs que frequentam as festas de Julie, os dois são transformados em músicos,
que duelam, com seus teclados, com o Sex Bob-omb. E, assim, protagonizam um dos
mais belos combates do filme, com ambas as bandas invocando, com suas músicas,
criaturas místicas que praticamente arrasam o teatro. E é ao fim do combate com
os gêmeos que Scott ganha a vida extra. E é nesse momento em que faz sua
aparição o chefão final, Gideon Graves (Jason Schwartzman). Ramona,
aparentemente, retorna para o vilão, abandonando Scott, até então muito
atrapalhado para se declarar para ela (o filme não esqueceu o subtexto da
“palavrinha com ‘a’”). E Gideon resolve contratar o Sex Bob-omb para tocar na
abertura do Chaos Theatre – mas Scott resolve pular fora, sendo substituído
pelo Pequeno Neil.
Após
uma crise depressiva, Scott, incentivado por Wallace, resolve enfrentar Gideon
no Chaos Theatre. É nesse momento em que Scott conquista seu primeiro poder
extra, o “Poder do Amor” – com a espada saindo de seu peito – ao conseguir
dizer que ama Ramona, que diferente da HQ, está junto com Gideon (na HQ, Ramona
desaparece, se refugia em um lugar distante, e só retorna durante a batalha do
Chaos Theatre). Ramona está com Gideon porque ele praticamente controla sua
mente através de um microchip instalado na nuca da garota. E é durante a batalha
do Chaos Theatre, em dois rounds, que Knives ataca Ramona (mas a chinesa usa,
na cena, o mesmo traje que usou na HQ durante a batalha da Biblioteca). E,
antes de encarar Gideon, temos outra batalha de Scott contra capangas, estilo
Beat n’ Run. Durante a batalha, Scott é morto a traição por Gideon, tem uma
breve conversa com Ramona no subespaço e, aproveitando a vida extra, reinicia o
“jogo” a partir do último “save”, desta vez se reconciliando com os amigos e
dizendo as frases adequadas – com isso, ele destranca um novo poder: o “Poder
do Auto-respeito”. E, diferente da HQ, em que Ramona entra na luta contra
Gideon, é Knives quem auxilia Scott no duelo contra o empresário, enquanto
Ramona faz a vez de “donzela indefesa”. E é no fim do combate que aparece o
“nega-Scott”, a versão negativa do herói.
Oh:
há dois finais para o filme – sendo um alternativo para o DVD.
Mesmo
assim, contarei o final: o filme termina com uma tela de continue em contagem
regressiva. Mas o que acontece antes? Não, isso eu não contarei, só vou dizer
que é bem diferente – e ao mesmo tempo tão parecido – com a HQ.
Os
atores que interpretam os personagens “importantes” tem todos a sua voz e vez
na tela, bem calculados. As interpretações até convencem. Digo, se você aceitar
Michael Cera como um Scott Pilgrim com um jeitão excessivamente aparvalhado e
de cabelo crespo; Mary-Elizabeth Winstead nos oferecendo uma Ramona menos
forte, irônica e decidida; Ellen Wong nos oferecendo uma Knives Chau muito
histérica, mais tiete que inocente; Mark Webber como um Stephen Stills mais
“deslumbrado”; Alison Pill meio chocha com sua Kim Pìne; ou o “arremedo” de
Bollywood (cinema indiano) na hora em que Satya Bhabha começa a cantar, com a
ajuda de suas garotas-demônio. Mas Brie Larson nos dá uma Envy Adams sádica,
bem como nos quadrinhos; Kieran Culkin, um Wallace Wells convincente como gay e
até “pegador”; Mae Whitman, uma Roxy muito revoltada e inconformada; e Jason
Schwartzman, um Gideon bastante dissimulado, a mistura perfeita de simpatia e
maldade – tipo o Aro Volturi da série Crepúsculo (foi a primeira figura que me
veio à mente que se aproxima dessa característica). E, a menos que sejam
dublês, é impressionante ver Cera, Wong, Winstead, Whitman, Bhabha, Scwartzmann
e Evans lutando, com a naturalidade dos melhores e/ou piores filmes de artes
marciais.
Com
isso, SCOTT PILGRIM, o filme, ganha nosso respeito. Mesmo os fãs radicais da HQ
gostarão. Afinal, não é todo dia que um filme imita fielmente um videogame,
mesmo não sendo uma adaptação direta de um videogame (o jogo de SCOTT PILGRIM
viria um pouco mais tarde, depois do filme, mas no mesmo ano). Imperdível.
Para
encerrar, mais ilustrações conceituais para um hipotético game dos meus heróis,
os Super Anões. Tá certo, a qualidade dos desenhos deixa a desejar, mas é pouco
provável que alguém vá mesmo se interessar em produzir o tal jogo.
Mas,
no caso de acontecer, vai ser o seguinte: é estilo beat n’ run de plataforma,
ou seja, Micro-Man, Estétika, Black Ape e Dr. D. terão de enfrentar os capangas
dos principais inimigos e terão de pular através de plataformas sobrepostas,
algumas móveis. Ou seja, tipo Super Mario ou Metal Slug (um dos jogos que mais
me consumiram recursos na minha juventude como frequentador de fliperamas). Se
vai ser em 3D? Depois a gente vê. Ainda tinha os velhos jogos 16 bits na
mente...
De
todo modo, agora terei paz. Tenho outros projetos para este blog, a partir das
minhas últimas aquisições. Mas agora, SCOTT PILGRIM é uma preocupação a menos.
Aguardem
as novidades para 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário