Olá.
Hoje,
finalmente realizo uma vontade de muito tempo. Algo que eu poderia ter feito há
muito tempo. Mas só agora tive oportunidade. Uma vontade que se estendia desde
2011 – ou melhor, desde maio de 2011, cumprindo quase três anos, quando comprei
os artigos dos quais falarei – e onde gastei R$ 150. Quem sabe agora,
realizando essa vontade, minha alma tenha paz.
Hoje,
então, vou falar de quadrinhos. Começarei falando sobre quadrinhos.
Hoje
é o dia em que começarei a falar de SCOTT PILGRIM, uma das HQ mais cool da
atualidade (se é que o termo ainda pode ser usado nos dias de hoje).
O Canadá (onde ficou a Luíza – desculpem, não resisti) já deu ao mundo alguns dos melhores quadrinhistas que se conhece. A maior parte, se consagrou nos vizinhos Estados Unidos, como Harold Foster (Tarzan e Príncipe Valente) e Todd MacFarlane (Spawn). Poucos são os que se consagram dentro do próprio país. É o caso de Chester Brown (de quem falarei numa outra ocasião) e Bryan Lee O’Malley. É esse último o autor da série SCOTT PILGRIM, iniciada em 2004 e concluída em 2010.
SCOTT
PILGRIM conquistou o público pelas suas referências aos mangás japoneses e aos
videogames 8 bits e por sua homenagem à chamada “Geração Y” – gente nascida
entre os anos 70 e 90 do século XX, criados nas cidades à base de televisão, punk
rock e new wave, videogames e comida congelada e que só depois descobriram os animes
japoneses, os computadores e a internet. Essa gente agora está na casa dos 30
anos. Eles vieram de uma época em que ser “nerd” era motivo para sofrer
bullying dos colegas de escola. Hoje, os nerds estão na moda – hoje são
conhecidos como geeks. Eles conseguiram se firmar como categoria social, e
colocar coisas como Star Wars e O Senhor dos Aneis nas pautas de discussão,
mais ou menos junto com os carros e o sexo (as pautas favoritas dos
“não-nerds”). Mas os atuais geeks praticamente não tem consciência de como era
jogar videogames de 8 ou 16 bits, com um só plano de visão frontal e sem
mudanças de ângulo de câmera. Essa gente dos anos 2000 tão acostumada a
videogames 3D realmente desaprendeu a viver.
Desculpem
as divagações. De todo modo, a “Geração Y” e os geeks de hoje tem uma coisa em
comum: a falta de responsabilidade. Se pudessem, viveriam na vida mansa pra
sempre, mas um dia essa geração vai ter de sair da frente das telas, visualizar
o mundo como ele é,arrumar um emprego, namorar, constituir família... enfim, levar
as coisas a sério. Como nos anos 10, 20, 30, 40, 50, 60, 70...
Bem.
SCOTT PILGRIM é o retrato perfeitamente acabado dessa geração.
A
OBRA
Como
dito, SCOTT PILGRIM foi iniciado em 2004, por Bryan Lee O’Malley, e concluído
em 2010, totalizando seis volumes, publicados na América do Norte pela Oni
Press. O estouro foi maior quando, em 2010, a obra foi adaptada para o cinema,
pelo diretor Edgar Wright. E, em 2010, ainda, ganhou (como não poderia deixar
de ser) um jogo de videogame. Originalmente publicada em preto e branco, em
2012 começou a ser veiculada uma versão colorizada.
No
Brasil, a obra foi publicada em três volumes pela editora Companhia das Letras
(selo Quadrinhos na Cia.), que resolveu juntar dois volumes em cada um dos três
– rendendo, assim, três livros de pouco mais de 350 páginas cada. Recebeu o
nome de SCOTT PILGRIM CONTRA O MUNDO – na verdade, o nome do segundo volume da
série original. É por esse nome que o filme atende também.
SCOTT
PILGRIM foi a obra de vida de O’Malley, nascido em London, distrito de Ontário,
Canadá, em 1979, e que nos é apresentado como um cara cuja “única meta na vida
é ficar rico. Hoje, ele não é muito rico”.
O
nome do personagem-título foi inspirado numa música de mesmo nome da banda
independente Plumtree. Aliás, a obra também é cheia de referências a músicas
famosas, fora as que foram escritas pelo próprio O’Malley, que também é uma
espécie de disc-jockey da internet, à frente do site www.radiomaru.com.
As
referências aos mangás são as mais evidentes. Na quadrinhização da HQ, cheia de
quadros pequenos e “apertados” nas páginas, dividindo espaço com quadros
grandes e largos com poucos desenhos, dinamismo nas cenas de ação, ângulos
cinematográficos, páginas-pôster (duas páginas formando um único desenho,
muitas vezes com desenhos muito reduzidos), hachuras, linhas de movimento
simulando velocidade, balões redondos e com rabichos pequenos, grandes
onomatopeias, páginas pretas nas cenas de flashback. Os personagens, por sua
vez, fogem do padrão mangá: embora tenham “olhões”, o traço de O’Malley lembra,
mesmo, os desenhos modernosos do Cartoon Network da década de 90 – quase
“quadrados”.É evidente homenagens escondidas a alguns mangás famosos, como
Dragon Ball, Lobo Solitário e Tenjho Tenge.
Ao
longo dos seis volumes, a arte-final de O’Malley também passa por uma evolução.
Nos três primeiros volumes, prevalece uma arte-final com efeito de inacabado,
como se feita com uma canetinha cuja tinta estava no fim, personagens com
linhas abertas e cenários pouco detalhados, reduzidos ao
essencial de linhas. A partir do quarto volume, O’Malley, fazendo um maior uso
do nanquim, faz uso de linhas mais fechadas, mais detalhamento nos cenários, e
os personagens também passam por uma “plástica” discreta. As garotas da série
também possuem uma sensualidade discreta.
Na
parte do roteiro, O’Malley realiza uma história, digamos assim, inacreditável.
Há momentos em que a história fica “paralisada” por conta dos longos diálogos
dos personagens e das situações cotidianas em que eles são mostrados, e a
demora para a história engrenar a partir das cenas de ação. Quem ler da
primeira vez, vai achar a história meio chata e lenta até começarem as cenas de
ação, as lutas entre os personagem e etc.. As referências aos videogames marcam
as aventuras do personagem-título, e os jogos citados ao longo da obra são
numerosos: Super Mario, Zelda, Sonic, Street Fighter, Double Dragon, Final
Fantasy, Rival Schools, Streets of Rage... E as referências aos jogos,
presentes inclusive nas páginas duplas de abertura de cada volume, extrapolam
os limites da realidade dos personagens. Desse modo, eles são vistos lutando
com uma naturalidade que nunca teríamos imaginado na primeira olhada, fazendo
uso dos golpes espetaculares dos animes e jogos, atravessando outras dimensões
como quem atravessa uma rua... A evolução do personagem principal se dá como se
fosse um grande jogo de videogame, onde ações realizadas, lições aprendidas e
transformações pessoais valem pontos de experiência e objetos-bônus. Pontuações,
legendas de chamada de jogos e caixinhas com o “status” dos personagens são bem
comuns, além de legendas engraçadas, escritas em letras garrafais.
Outro
ponto a se destacar são os personagens coadjuvantes, que não
perdem oportunidades de roubar a cena. Todos eles são cativantes, apesar de seus
defeitos – O’Malley leva às últimas consequências o “de perto ninguém é normal”
– embora mantenham diálogos “nerds”, pretensamente inteligentes, pouco
compreensíveis aos não-nerds – nunca se tem certeza se os personagens se gostam
ou se odeiam. Embora venham com agressões verbais constantes, no fundo eles se
gostam, são todos amigos, levam na boa as decepções e os perigos (ok, nem
sempre). Mesmo os personagens “menores”, meio por fora da trama principal, tem
alguma importância no roteiro – ainda que só para soltar um comentário inútil.
Para os “hipsters”, SCOTT PILGRIM oferece um cardápio de respostinhas e frases
de efeito para usar em uma conversa, como a já clássica frase “se a sua vida
tivesse um rosto, eu dava um soco bem na cara dela”.
A
história se passa em Toronto, capital do Canadá – mas uma Toronto meio
excêntrica, de videogame, o que nos faz levantar dúvidas se os canadenses são
assim como O’Malley retratou.
A
TRAMA
Quem
já leu alguma das resenhas curtas disponíveis por aí sobre SCOTT PILGRIM, pode
acha-la absurda, boba, infantil. Mas começa a fazer sentido dentro do conjunto
da história. A história de um carinha que, para conquistar de vez o coração da
garota que ele cobiça, precisa derrotar seus sete ex-namorados do mal. E aí, o
que achou do resumo?
Vamos
então dar um resumo detalhado.
Bão.
No primeiro volume, A Preciosa Vidinha de Scott Pilgrim (Scott Pilgrim’s Precious
Little Life), somos apresentados ao cotidiano do personagem principal, um rapaz
de 23 anos totalmente nerd. Embora se ache o máximo, Scott Pilgrim é
desempregado (por opção), um tanto burro (dificilmente prende coisas na
memória, incluindo pessoas que amou), na mesma medida canalha, e parece ter
apenas três interesses genuínos na vida: jogar videogame, dormir o dia todo e
os ensaios de sua banda. Ele é baixista de uma banda de punk-rock chamada Sex
Bob-omb, uma banda “muito ruim”, formada ainda pelos seus ex-colegas de escola,
Stephen Stills (guitarra), um cara meio estressado e a única pessoa que parece
levar a banda a sério (Stephen Stills é chamado pelo nome completo), e Kimberly
“Kim” Pine (bateria), uma ruiva revoltada e sarcástica. Os três costumam
ensaiar na casa do único “fã” deles até o momento, Neil Nordegraf, o “Pequeno
Neil”, um adolescente que parece não ter grande importância como personagem. E
buscam um espaço para se firmar na “grande mídia”, a partir das apresentações
em boates alternativas. Ah: Scott vive de favor no apartamentinho minúsculo de
seu amigo Wallace Wells, um gay descolado (quase tudo no apartamento é do
Wallace: os únicos bens do Scott são as roupas do corpo, uma escova de dente e
um pôster). Scott ainda tem uma irmã, Stacey, que trabalha em uma cafeteria,
vive sondando as atividades do irmão, mas de vez em quando se dispõe a
auxiliá-lo nas encrencas. Os pais de Scott estão numa temporada na Itália, e o
irmão mais velho de Scott, Lawrence, só aparece uma vez – e citado outras
tantas; o baixo de Scott pertence àquele.
No
início da trama, Scott, recém-saído de uma grave crise depressiva por conta do
fim de um namoro, informa aos amigos queestá de namorada nova: uma colegial
chinesa de 17 anos chamada Knives Chau. Embora os próprios amigos suspeitem das
intenções de Scott, Knives acaba se apaixonando perdidamente por Scott, e se
torna, por extensão, fã da Sex Bob-omb.
Scott
vive assim, feliz com sua “preciosa vidinha”, passando as tardes com Knives (um
namoro que é mais para passar o tempo) e as noites com sua banda. Se fosse
assim, Scott levaria essa vidinha pra sempre. Mas esse cotidiano sofre uma
reviravolta drástica, a partir de sua mente.
É
que, em seus sonhos, uma estranha moça de patins começa a aparecer, de repente.
Scott encontra a moça de novo na biblioteca, num de seus passeios com Knives. O
rapaz começa a ficar obcecado com a moça de seus sonhos, até que, em uma festa
promovida pela “amiga” Julie Powers, namorada de Stephen Stills, uma moça muito mais revoltada que Kim e
que sempre fala o que pensa, doa a quem doer (e, desse modo, a personagem mais
chata da série – difícil gostar dela), Scott encontra a tal moça. O nome dela é
Ramona Flowers, americana e descolada. Depois de um breve diálogo com a moça na
festa, Scott se informa junto aos amigos e descobre que Ramona trabalha como
entregadora da loja virtual Amazon. Para encontrá-la novamente, Scott faz uma
encomenda pelo site (pagando com o catão de crédito de Wallace), e, enquanto espera pela entrega, vê sua relação com Knives
esfriar.
Aí,
chega a manhã de segunda, e, antes mesmo de Ramona tocar a campainha, Scott
abre a porta. E, juntando coragem e se enrolando um pouco, Scott convida Ramona
pra sair. Já nesse diálogo, Ramona explica que ela utiliza uma “rodovia
subespacial”, uma dimensão paralela, para encurtar distâncias – como essa
rodovia passa pela cabeça de Scott, é por isso que ela aparece nos seus sonhos.
Ah: a “rodovia subespacial” é acessada através de portas assinaladas por
estrelas que aparecem em lugares inusitados – e, ao longo da série, essas
portas são muito usadas. Os dois se encontram, conversam, vão para a casa de
Ramona (onde ela mora com um gato chamado Gideon) em meio à nevasca (é inverno
em Toronto), preparam um chá, se beijam... e vão para a cama, mas não transam.
Ramona, aparentemente, gostou do jeito de Scott, e os dois prometem se
reencontrar. O problema é que Ramona também possui um passado obscuro, que
acaba vindo à tona de forma inesperada.
Não
por falta de aviso, pois, bem antes do primeiro encontro com Ramona, Scott
começa a receber uma série de mensagens convocando para um duelo ou coisa
assim. É num evento de música, uma batalha de bandas em que o Sex Bob-omb está
inscrito, que acontece o tal duelo, quando um estranho rapaz indiano, Matthew
Patel, entra voando pelo teto do teatro. Patel, vestido como um pirata e com
poderes místicos (capaz de invocar garotas-demônio para auxiliá-lo), dá as
primeiras informações ao adversário, Scott, sobre a Liga dos Ex-Namorados do
Mal da Ramona, um grupo cujo objetivo é detonar Scott e controlar “o futuro da
vida amorosa da Ramona”. Scott, que já possuía desde o colegial habilidades de
luta de um Street Fighter, dá uma surra em Patel, e o derrota com a ajuda dos
amigos.
Ah:
a “Liga dos Ex-Namorados do Mal” é formada por sete integrantes, que, num
paralelo aos videogames, funcionam como “chefões de fase” – por isso, Scott
enfrenta um ou dois a cada volume. Cada um tem poderes sobrenaturais, mas não
são bem caras “do mal” – no mundo de O’Malley, ser “do mal” é algo relativo,
basta apenas ser babaca, manipulador, cretino, traidor, sem ser necessariamente
mau, no sentido clássico – querer dominar o mundo ou coisa assim. Em comum, os
sete ex-namorados de Ramona tem o coração partido pela própria garota, e, a
cada enfrentamento, uma característica obscura da garota (cujo cabelo muda
muitas vezes) vem à tona, o que só complica as coisas para o obtuso Scott. Ah
ainda: cada vez que um ex é derrotado, ele deixa um item – pode ser um pequeno
valor em moedas, um objeto inútil ou uma vida extra, o que é útil.
Ah
ainda ainda: um dos mistérios da série é a estranha característica de Ramona:
toda vez que ela passa por situações de estresse, raiva ou ciúme, sua cabeça
começa a brilhar. Uma característica que Scott também começa a desenvolver ao
longo da aventura.
Aí,
começamos o segundo volume, Scott Pilgrim Contra o Mundo (Scott Pilgrim Vs. The
World). No início, temos um longo flashback sobre o passado de Scott no
colégio, em Ontário, seus primeiros enfrentamentos com gente mais poderosa
(como o líder de uma escola rival à sua, num emocionante embate sob chuva) e o
período em que ele namorou Kim Pine (sim, os dois já tiveram um caso até que o
rapaz se mudou com a família para Toronto). Aí, vem o mais novo desafio de
Scott: terminar, mediante um ultimato de Wallace, seu namoro “de mentira” com
Knives. Não é fácil para o rapaz, mas até que ele consegue – ainda que isso
reclame partir o pobre coração da jovem Knives. A menina não se conforma, e,
assim que descobre quem é a “outra” – Ramona já começa a frequentar a casa do
Pequeno Neil e assistir aos ensaios da Sex Bob-omb – já começa a planejar sua
vingança contra a “gorda moderninha”. Pra começar, sob os olhos da melhor amiga
e confidente, Tamara, Knives tinge uma parte do cabelo, deixando-o próximo do
cabelo colorido de Ramona.
Só
depois é que Scott enfrenta o segundo ex do mal de Ramona, Lucas Lee, um
violento ator de filmes de ação. O duelo dos dois ocorre no intervalo das
gravações do novo filme de Lee, que também é skatista. Lee começa dando uma
surra em Scott, e, num intervalinho, os dois dialogam naturalmente. Scott,
entretanto, vence Lee fazendo uso de esperteza: simplesmente induz o skatista a
fazer umas manobras num corrimão de escada extremamente perigoso, e ele não
sobrevive.
O
segundo volume também marca a estreia dos coadjuvantes Hollie, futura colega de
quarto de Kim, e Joseph, um homossexual com olhar malvado, quase um profeta do
apocalipse. Joseph, mais tarde, se envolverá nas gravações do primeiro disco do
Sex Bob-omb.
Mas
não terminou ainda. Knives, movida a ciúme, processa seu primeiro ataque a
Ramona na Biblioteca Pública de Toronto, onde a americana estava passeando com
Stacey – que se tornou amigo da entregadora por esta frequentar a cafeteria. Apesar
de sua raiva contra Ramona, Knives não deixa de frequentar o círculo de
amizades de Scott, nem falta aos shows do Sex Bob-omb – num certo momento,
começa a dar em cima de Pequeno Neil só pra fazer ciúme para Scott e Ramona. Enquanto
isso, Scott também tem o passado batendo à sua porta: ele recebe uma ligação de
sua ex-namorada, Envy Adams – justamente a garota que motivou sua última grande
crise de depressão. Envy, ou melhor, Natalie V. Adams, uma loira sensual e um
tanto sádica, é a vocalista da banda mais popular do Canadá, Clash at Demonhead.
E ela e sua banda vem a Toronto se apresentar, e convida o Sex Bob-omb para
abrir o seu show.
É
nesse ponto que inicia-se o terceiro volume, Scott Pilgrim and the Infinite Sadness
(curiosamente, a Cia. Das Letras optou por deixar o nome original em inglês a
traduzir o título, que fica algo como “A Tristeza Infinita”). Após o show, o
Clash at Demonhead chama Scott, Ramona, Knives e o Sex Bob-omb para o camarim
deles, para conversar. O Clash at Demonhead ainda é formado pelo baixista Todd
Ingram – pior de tudo: ele é o terceiro Ex-Namorado do Mal de Ramona – e pela
baterista Lynette Guycott, uma oriental que possui um braço biônico (num dos
diálogos da série, Lynette soca o rosto de Knives quando esta faz um comentário
inoportuno – o soco tira a tintura de seu cabelo!). Envy parece sentir prazer
em torturar mentalmente Scott, depois de partir seu coração no passado. Pior de
tudo é que ela é namorada de Todd, que mostra ser, desde o início, o inimigo
mais difícil de Scott: vegano (vegetariano radical), Todd possui poderes
psíquicos, o que faz dele o adversário mais poderoso – no passado, Todd chegou
até a fazer um buraco na lua para provar seu amor para Envy, que o conhece
desde os onze anos. Mas o pior é que Todd fez a mesma coisa para Ramona quando
eles namoravam, e antes de fazer para Envy – e a loira ignora isso, está feliz à beça ao lado do amado. O
combate entre Scott e Todd se desenvolve em três “rounds”: no primeiro, Scott
apanha feio; o segundo se passa numa loja de departamentos amaldiçoada, a Honest Ed's, que
mexe com a mente dos dois (em Todd, a influência foi tão forte que ele faz a
loja implodir!); e, no terceiro, os dois fazem uma batalha de baixos. Mas o que
pode salvar Scott é um Deus Ex-Machina ajambrado de última hora – uma tal
polícia vegana, que vigia pelos membros da “ordem”, e pune quem quebra a dieta.
A derrota de Todd pode ser motivada por seus próprios defeitos: por seu “um
astro do rock”, ele acha que pode fazer tudo o que quiser – inclusive quebrar a
dieta vegana consumindo sorvete de leite de vaca, e trair Envy com Lynette. O
volume é entrecortado com trechos de flashback, mostrando o passado de Scott na
faculdade, quando ele se apaixonou perdidamente por Envy, uma ex-nerd que aos
poucos foi se transformando em mulher fatal; com uma emocionante batalha entre
Envy e Ramona, no qual a americana faz uso de uma bolsa sem fundo, cheia de
objetos, e onde Knives intervém; e, entre batalhas, Scott tem tempo de ter seu
cabelo cortado por Ramona (Scott havia cortado seu cabelo da última vez em um ano-novo, e foi justo no dia em que Envy terminou com ele - Scott culpava o corte de cabelo pelo fim de seu namoro). A vitória definitiva de Scott só acontece quando ele
consegue evitar que Envy continue fazendo sua cabeça. Os acontecimentos mexem com
a loira profundamente.
Aí,
começa o quarto volume, Scott Pilgrim Entra na Linha (Scott Pilgrim Gets it
Together). Durante o verão de Toronto, após um fim-de-semana na praia com a
galera na casa dos parentes de Julie (onde o garotão fica cheio de dúvidas
sobre a verdadeira sexualidade de Kim após flagrar ela e Knives numa cena que
não devia ter visto), começam novos desafios para Scott, entre eles a gravação
do primeiro disco do Sex Bob-omb, no estúdio caseiro de Joseph, um trabalho que
não anda. O principal vai ser declarar seu amor por Ramona – ele nem faz ideia
de qual é a “palavrinha com ‘a’” ao qual Wallace se refere. Mais: em breve, o
contrato de aluguel do apartamento de Scott e Wallace chega ao fim, e ambos
serão obrigados a se mudar. Scott, a certo momento, cogita morar com Ramona –
se os dois conseguirem se acertar a tempo. Mas não vai ser fácil, pois uma
antiga colega de escola de Scott, Lisa Miller, reaparece na vida dele – ela
estava presente nos flashbacks do volume 2. A certo momento, Lisa se mostra
interessada em Scott, o que só amplia o ciúme de Ramona. Scott, ao menos,
consegue, em pouco tempo, vencer seu próximo desafio: arrumar um emprego. Não
que o obtuso e pouco talentoso Scott quisesse (ele é praticamente intimado a isso por Ramona, que lhe passa um sermão dentro de um dos sonhos dele), mas ele consegue arranjar
trabalho no restaurante onde Stephen Stills trabalha, com uma ajudinha de Kim. Mais tarde, entretanto,
ele perde o emprego – e consegue recuperá-lo. Mas isso não é o pior: Scott é
atacado por uma garota ninja, e começa a ser perseguido por um estranho homem
de preto, armado com espadas japonesas. O quarto ex-namorado de Ramona? Não. A
Ex-Namorada é a garota ninja: Roxanne “Roxy” Richter, gordinha, loira e
violenta, e ao que parece a menos conformada com o fim do relacionamento com
Ramona – “só uma fase sexy”. Foi Roxy quem ensinou a Ramona os segredos do subespaço - uma batalha entre ambas ocorre justamente lá - e Roxy chega, inclusive, a invadir um dos sonhos de Scott. Durante a batalha entre Ramona e Roxy, Scott chega a entrar dentro da bolsa de Ramona! O homem de preto é o pai de Knives, o Sr. Chau,
atacando Scott em defesa da honra da filha – a única frase que ele fala, em
todo o capítulo, é uma frase em chinês dirigida à filha, no resto do tempo ele
fica mudo. Uma série de mal-entendidos e surpresas – como a breve estadia de
Scott na casa de Lisa – vai preceder mais uma vitória de Scott, que resolve
todos os problemas em um só dia: o emprego perdido, a declaração para Ramona, a
batalha contra Roxy e o esclarecimento com o Sr. Chau. A luta com Roxy, com
referências aos filmes e mangás de samurai, só é possível porque o garotão
destranca um novo poder: o Poder do Amor, que lhe dá uma espada. No meio tempo,
Scott também desenvolve o brilho na cabeça e vê surgir a sua versão negativa.
No
início de Scott Pilgrim Contra o Universo (Scott Pilgrim Vs. The Universe), o
quinto volume, tudo parece bem: o protagonista está empregado, morando com
Ramona, completou 24 anos com festa e está frequentando as festas promovidas no
novo apartamento de Julie. Mas é aí que as coisas começam a desandar: de
surpresa, aparece um duplo desafio para Scott. Os Ex-Namorados do Mal Cinco e
Seis são os irmãos gêmeos japoneses e elegantes Kyle e Ken Katayanagi, que
processam seus primeiros ataques enviando robôs para lutar contra Scott. Claro,
o rapaz tem algum trabalho, e as lutas com os robôs acontecem enquanto a festa
transcorre normalmente, os convidados até ignoram. Uma série de eventos acaba
levando à dissolução da Sex Bob-omb, que já tinha certeza que não teria mais
futuro – iniciadas quando Ramona declara que não gosta da banda, e agravadas
quando Scott, numa nova batalha com um dos robôs dos gêmeos, destrói o seu
baixo. E a relação entre Ramona e Scott também começa a desandar, não apenas
por uma série de mal-entendidos, mas também porque mais fatos obscuros do
passado de Ramona vem à tona, abalando a confiança um do outro. Já se tornou clássica a sequência dos dois discutindo a relação na cama (precedida pelo que parece ser uma discreta cena de sexo entre os dois), a cabeça de Ramona brilhando. Aliás, é nesse volume que Ramona repara que sua cabeça brilha. Na batalha final com os Katayanagi, Scott luta de ressaca - numa das festas de Julie, ele, Ramona e Kim enchem a cara de tequila. Só uma
mentirinha de Kim, que cai numa armadilha dos gêmeos e é usada como isca para
Scott, pode possibilitar a vitória do rapaz. Mas não adianta muito: Ramona, de
modo espetacular, acaba abandonando Scott, usando o brilho para desaparecer.
E é
numa nova crise de depressão que Scott inicia o volume final, A Hora e a Vez de
Scott Pilgrim (Scott Pilgrim’s Finest Hour), principalmente quando o gato
Gideon desaparece, justo quando Scott parece estar desenvolvendo maturidade
suficiente para cuidar do bichano. A primeira metade do volume é a mais
melancólica de toda a série. O rapaz agora vive num apartamentinho arranjado
pelos pais. E ele passa as tardes deprimido, praticamente tendo eliminado da
mente as lembranças de Ramona, em frente ao game portátil, e só vê uma
esperança no futuro quando Gideon retorna ao lar. Kim se mudou para a casa dos
pais, no interior, e Scott vê que Knives, prestes a completar 18 anos, está
seguindo a vida numa boa – mas ainda ligada a Scott. Os dois até cogitam
retornar um ao outro, mas sem sucesso. Mas uma série de eventos desagradáveis
acontece sem cessar: Scott, que felizmente não perdeu o apoio dos amigos, toma
conhecimento de que o último Ex-Namorado do Mal, o inescrupuloso empresário da
noite Gideon Graves, está vindo a Toronto abrir um clube – Scott acredita que
Ramona voltou para Gideon. Envy, agora em carreira solo, e cada vez mais fatal,
reaparece para mexer com a cabeça de Scott. E o pior, agenciada por Gideon (não
confundir com o gato; Ramona deu esse nome pro gato por uma solução comum a
fins de relacionamento), o que faz com que Scott se refugie no campo. Numa
temporada na casa dos pais de Kim, Scott até tenta se reconciliar com a ruiva,
mas, numa nova batalha contra seu lado negativo, o rapaz recupera as memórias
de Ramona. E decide retornar a Toronto.
E é
no Chaos Theatre, a nova casa de shows de Gideon e possível novo point da
galera – todos os personagens, à exceção de Kim e Ramona, estão presentes – e
ao som do show de Envy, que se desenrola a batalha final entre Scott e Gideon,
um cara que se faz passar por simpático, é traiçoeiro e tem por hábito colocar
as ex-namoradas em animação suspensa, num grande aparato criogênico. Mas a Liga
dos Ex-Namorados do Mal, ele revela mais tarde, ele formou meio que por loucura
de bêbado. Mas ele não está com Ramona. E a batalha entre os dois se desenvolve
em dois rounds: no primeiro, Scott aparentemente é morto, mas a vida extra que
ganhou num dos combates lhe vai ser útil. Mas seus esforços não foram em vão:
Ramona retorna, através da rodovia subespacial. E ela, após a reconciliação com
Scott, participa da batalha final – ela própria conquista poderes. E Scott tem
mais um poder destrancado, nessa emocionante batalha, que se desenvolve
inclusive dentro da cabeça de Ramona, onde Gideon tem certo domínio. Finalmente sabemos (ou não) o segredo do brilho da cabeça de Ramona e o da bolsa sem fundo (que Scott usa para acessar a mente de Ramona). E o sexto
volume proporciona algumas das melhores imagens feitas por O’Malley,
proporcionadas inclusive por seus assistentes John Kantz e Aaron Ancheta.
Ao fim, o prêmio para o protagonista, se ele conseguir sair vivo, é, alem da garota, ter conseguido se transformar numa pessoa melhor do que já foi. Ou nem tanto.
Cada
volume ainda tem brindes aos leitores: no volume um, uma cifra de uma das
canções do Sex Bob-omb e uma receita de torta vegetariana, incluída na
história; no segundo e no terceiro volumes, ilustrações e pequenas HQ de
colegas desenhistas de O’Malley, além das traduções das letras das canções proferidas na saga, e um pequeno texto com o making-of da
HQ. Pior é uma constatação: uma das personagens da HQ, o coadjuvante Michael
Comeau, o “cara que conhece todo mundo”, existe mesmo! Ele contribui com uma
das historinhas curtas do volume 2.
E,
se for verdade, Scott Pilgrim também existe de verdade – ou pelo menos o cara,
segundo Comeau, que inspirou a música da banda Plumtree. Mas o cara se chama
Scott Ingram – o sobrenome foi utilizado para o vilão do terceiro volume.
Bem.
Cada volume pode ser encontrado, com sorte, a R$ 35,00, nas livrarias e
gibiterias. Um verdadeiro épico moderno. Imperdível para quem procura algo
diferente, e que se pode chamar de cool.
Para
encerrar, já que falamos de videogames, resolvi fazer umas ilustrações
conceituais para um hipotético jogo de videogame dos meus super-heróis, os
Super-Anões. Pelo menos, estes são os mais propensos a se tornar videogame, se
eles não tivessem tido um fim trágico na revista Quadrante X no. 12. Não
estranhem os maus desenhos, são só ilustrações conceituais feitas a papel,
lápis, caneta e lápis de cor, sem pretensões maiores
Numa
fase, eu gostava de imaginar futuros jogos de videogame. Nunca tive um
videogame decente – no máximo, um Atari Dactar – e costumo me manter longe de
jogos eletrônicos, pois vicio fácil. Mas não quer dizer que eu nunca tenha
tocado num videogame na vida. Digo, de Playstation 2 pra cima, nunca toquei, só
Playstation 1, Super Nintendo e videogames genéricos menores. E, uma vez, já
fui viciado em fliperama – gastei muito dinheiro em fichas, uma das coisas das
quais me arrependo até hoje.
Bem...
depois eu conto mais sobre essa fase.
Na
próxima postagem: SCOTT PILGRIM, o filme! Aguardem!
Até
mais!
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