quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

SCOTT PILGRIM CONTRA O MUNDO ou das peculiaridades dos canadenses

Olá.
Hoje, finalmente realizo uma vontade de muito tempo. Algo que eu poderia ter feito há muito tempo. Mas só agora tive oportunidade. Uma vontade que se estendia desde 2011 – ou melhor, desde maio de 2011, cumprindo quase três anos, quando comprei os artigos dos quais falarei – e onde gastei R$ 150. Quem sabe agora, realizando essa vontade, minha alma tenha paz.
Hoje, então, vou falar de quadrinhos. Começarei falando sobre quadrinhos.
Hoje é o dia em que começarei a falar de SCOTT PILGRIM, uma das HQ mais cool da atualidade (se é que o termo ainda pode ser usado nos dias de hoje).

O Canadá (onde ficou a Luíza – desculpem, não resisti) já deu ao mundo alguns dos melhores quadrinhistas que se conhece. A maior parte, se consagrou nos vizinhos Estados Unidos, como Harold Foster (Tarzan e Príncipe Valente) e Todd MacFarlane (Spawn). Poucos são os que se consagram dentro do próprio país. É o caso de Chester Brown (de quem falarei numa outra ocasião) e Bryan Lee O’Malley. É esse último o autor da série SCOTT PILGRIM, iniciada em 2004 e concluída em 2010.
SCOTT PILGRIM conquistou o público pelas suas referências aos mangás japoneses e aos videogames 8 bits e por sua homenagem à chamada “Geração Y” – gente nascida entre os anos 70 e 90 do século XX, criados nas cidades à base de televisão, punk rock e new wave, videogames e comida congelada e que só depois descobriram os animes japoneses, os computadores e a internet. Essa gente agora está na casa dos 30 anos. Eles vieram de uma época em que ser “nerd” era motivo para sofrer bullying dos colegas de escola. Hoje, os nerds estão na moda – hoje são conhecidos como geeks. Eles conseguiram se firmar como categoria social, e colocar coisas como Star Wars e O Senhor dos Aneis nas pautas de discussão, mais ou menos junto com os carros e o sexo (as pautas favoritas dos “não-nerds”). Mas os atuais geeks praticamente não tem consciência de como era jogar videogames de 8 ou 16 bits, com um só plano de visão frontal e sem mudanças de ângulo de câmera. Essa gente dos anos 2000 tão acostumada a videogames 3D realmente desaprendeu a viver.
Desculpem as divagações. De todo modo, a “Geração Y” e os geeks de hoje tem uma coisa em comum: a falta de responsabilidade. Se pudessem, viveriam na vida mansa pra sempre, mas um dia essa geração vai ter de sair da frente das telas, visualizar o mundo como ele é,arrumar um emprego, namorar, constituir família... enfim, levar as coisas a sério. Como nos anos 10, 20, 30, 40, 50, 60, 70...
Bem. SCOTT PILGRIM é o retrato perfeitamente acabado dessa geração.

A OBRA
Como dito, SCOTT PILGRIM foi iniciado em 2004, por Bryan Lee O’Malley, e concluído em 2010, totalizando seis volumes, publicados na América do Norte pela Oni Press. O estouro foi maior quando, em 2010, a obra foi adaptada para o cinema, pelo diretor Edgar Wright. E, em 2010, ainda, ganhou (como não poderia deixar de ser) um jogo de videogame. Originalmente publicada em preto e branco, em 2012 começou a ser veiculada uma versão colorizada.
No Brasil, a obra foi publicada em três volumes pela editora Companhia das Letras (selo Quadrinhos na Cia.), que resolveu juntar dois volumes em cada um dos três – rendendo, assim, três livros de pouco mais de 350 páginas cada. Recebeu o nome de SCOTT PILGRIM CONTRA O MUNDO – na verdade, o nome do segundo volume da série original. É por esse nome que o filme atende também.
SCOTT PILGRIM foi a obra de vida de O’Malley, nascido em London, distrito de Ontário, Canadá, em 1979, e que nos é apresentado como um cara cuja “única meta na vida é ficar rico. Hoje, ele não é muito rico”.
O nome do personagem-título foi inspirado numa música de mesmo nome da banda independente Plumtree. Aliás, a obra também é cheia de referências a músicas famosas, fora as que foram escritas pelo próprio O’Malley, que também é uma espécie de disc-jockey da internet, à frente do site www.radiomaru.com.
As referências aos mangás são as mais evidentes. Na quadrinhização da HQ, cheia de quadros pequenos e “apertados” nas páginas, dividindo espaço com quadros grandes e largos com poucos desenhos, dinamismo nas cenas de ação, ângulos cinematográficos, páginas-pôster (duas páginas formando um único desenho, muitas vezes com desenhos muito reduzidos), hachuras, linhas de movimento simulando velocidade, balões redondos e com rabichos pequenos, grandes onomatopeias, páginas pretas nas cenas de flashback. Os personagens, por sua vez, fogem do padrão mangá: embora tenham “olhões”, o traço de O’Malley lembra, mesmo, os desenhos modernosos do Cartoon Network da década de 90 – quase “quadrados”.É evidente homenagens escondidas a alguns mangás famosos, como Dragon Ball, Lobo Solitário e Tenjho Tenge.
Ao longo dos seis volumes, a arte-final de O’Malley também passa por uma evolução. Nos três primeiros volumes, prevalece uma arte-final com efeito de inacabado, como se feita com uma canetinha cuja tinta estava no fim, personagens com linhas abertas e cenários pouco detalhados, reduzidos ao essencial de linhas. A partir do quarto volume, O’Malley, fazendo um maior uso do nanquim, faz uso de linhas mais fechadas, mais detalhamento nos cenários, e os personagens também passam por uma “plástica” discreta. As garotas da série também possuem uma sensualidade discreta.
Na parte do roteiro, O’Malley realiza uma história, digamos assim, inacreditável. Há momentos em que a história fica “paralisada” por conta dos longos diálogos dos personagens e das situações cotidianas em que eles são mostrados, e a demora para a história engrenar a partir das cenas de ação. Quem ler da primeira vez, vai achar a história meio chata e lenta até começarem as cenas de ação, as lutas entre os personagem e etc.. As referências aos videogames marcam as aventuras do personagem-título, e os jogos citados ao longo da obra são numerosos: Super Mario, Zelda, Sonic, Street Fighter, Double Dragon, Final Fantasy, Rival Schools, Streets of Rage... E as referências aos jogos, presentes inclusive nas páginas duplas de abertura de cada volume, extrapolam os limites da realidade dos personagens. Desse modo, eles são vistos lutando com uma naturalidade que nunca teríamos imaginado na primeira olhada, fazendo uso dos golpes espetaculares dos animes e jogos, atravessando outras dimensões como quem atravessa uma rua... A evolução do personagem principal se dá como se fosse um grande jogo de videogame, onde ações realizadas, lições aprendidas e transformações pessoais valem pontos de experiência e objetos-bônus. Pontuações, legendas de chamada de jogos e caixinhas com o “status” dos personagens são bem comuns, além de legendas engraçadas, escritas em letras garrafais.
Outro ponto a se destacar são os personagens coadjuvantes, que não perdem oportunidades de roubar a cena. Todos eles são cativantes, apesar de seus defeitos – O’Malley leva às últimas consequências o “de perto ninguém é normal” – embora mantenham diálogos “nerds”, pretensamente inteligentes, pouco compreensíveis aos não-nerds – nunca se tem certeza se os personagens se gostam ou se odeiam. Embora venham com agressões verbais constantes, no fundo eles se gostam, são todos amigos, levam na boa as decepções e os perigos (ok, nem sempre). Mesmo os personagens “menores”, meio por fora da trama principal, tem alguma importância no roteiro – ainda que só para soltar um comentário inútil. Para os “hipsters”, SCOTT PILGRIM oferece um cardápio de respostinhas e frases de efeito para usar em uma conversa, como a já clássica frase “se a sua vida tivesse um rosto, eu dava um soco bem na cara dela”.
A história se passa em Toronto, capital do Canadá – mas uma Toronto meio excêntrica, de videogame, o que nos faz levantar dúvidas se os canadenses são assim como O’Malley retratou.

A TRAMA
Quem já leu alguma das resenhas curtas disponíveis por aí sobre SCOTT PILGRIM, pode acha-la absurda, boba, infantil. Mas começa a fazer sentido dentro do conjunto da história. A história de um carinha que, para conquistar de vez o coração da garota que ele cobiça, precisa derrotar seus sete ex-namorados do mal. E aí, o que achou do resumo?
Vamos então dar um resumo detalhado.
Bão. No primeiro volume, A Preciosa Vidinha de Scott Pilgrim (Scott Pilgrim’s Precious Little Life), somos apresentados ao cotidiano do personagem principal, um rapaz de 23 anos totalmente nerd. Embora se ache o máximo, Scott Pilgrim é desempregado (por opção), um tanto burro (dificilmente prende coisas na memória, incluindo pessoas que amou), na mesma medida canalha, e parece ter apenas três interesses genuínos na vida: jogar videogame, dormir o dia todo e os ensaios de sua banda. Ele é baixista de uma banda de punk-rock chamada Sex Bob-omb, uma banda “muito ruim”, formada ainda pelos seus ex-colegas de escola, Stephen Stills (guitarra), um cara meio estressado e a única pessoa que parece levar a banda a sério (Stephen Stills é chamado pelo nome completo), e Kimberly “Kim” Pine (bateria), uma ruiva revoltada e sarcástica. Os três costumam ensaiar na casa do único “fã” deles até o momento, Neil Nordegraf, o “Pequeno Neil”, um adolescente que parece não ter grande importância como personagem. E buscam um espaço para se firmar na “grande mídia”, a partir das apresentações em boates alternativas. Ah: Scott vive de favor no apartamentinho minúsculo de seu amigo Wallace Wells, um gay descolado (quase tudo no apartamento é do Wallace: os únicos bens do Scott são as roupas do corpo, uma escova de dente e um pôster). Scott ainda tem uma irmã, Stacey, que trabalha em uma cafeteria, vive sondando as atividades do irmão, mas de vez em quando se dispõe a auxiliá-lo nas encrencas. Os pais de Scott estão numa temporada na Itália, e o irmão mais velho de Scott, Lawrence, só aparece uma vez – e citado outras tantas; o baixo de Scott pertence àquele.
No início da trama, Scott, recém-saído de uma grave crise depressiva por conta do fim de um namoro, informa aos amigos queestá de namorada nova: uma colegial chinesa de 17 anos chamada Knives Chau. Embora os próprios amigos suspeitem das intenções de Scott, Knives acaba se apaixonando perdidamente por Scott, e se torna, por extensão, fã da Sex Bob-omb.
Scott vive assim, feliz com sua “preciosa vidinha”, passando as tardes com Knives (um namoro que é mais para passar o tempo) e as noites com sua banda. Se fosse assim, Scott levaria essa vidinha pra sempre. Mas esse cotidiano sofre uma reviravolta drástica, a partir de sua mente.
É que, em seus sonhos, uma estranha moça de patins começa a aparecer, de repente. Scott encontra a moça de novo na biblioteca, num de seus passeios com Knives. O rapaz começa a ficar obcecado com a moça de seus sonhos, até que, em uma festa promovida pela “amiga” Julie Powers, namorada de Stephen Stills, uma moça muito mais revoltada que Kim e que sempre fala o que pensa, doa a quem doer (e, desse modo, a personagem mais chata da série – difícil gostar dela), Scott encontra a tal moça. O nome dela é Ramona Flowers, americana e descolada. Depois de um breve diálogo com a moça na festa, Scott se informa junto aos amigos e descobre que Ramona trabalha como entregadora da loja virtual Amazon. Para encontrá-la novamente, Scott faz uma encomenda pelo site (pagando com o catão de crédito de Wallace), e, enquanto espera pela entrega, vê sua relação com Knives esfriar.
Aí, chega a manhã de segunda, e, antes mesmo de Ramona tocar a campainha, Scott abre a porta. E, juntando coragem e se enrolando um pouco, Scott convida Ramona pra sair. Já nesse diálogo, Ramona explica que ela utiliza uma “rodovia subespacial”, uma dimensão paralela, para encurtar distâncias – como essa rodovia passa pela cabeça de Scott, é por isso que ela aparece nos seus sonhos. Ah: a “rodovia subespacial” é acessada através de portas assinaladas por estrelas que aparecem em lugares inusitados – e, ao longo da série, essas portas são muito usadas. Os dois se encontram, conversam, vão para a casa de Ramona (onde ela mora com um gato chamado Gideon) em meio à nevasca (é inverno em Toronto), preparam um chá, se beijam... e vão para a cama, mas não transam. Ramona, aparentemente, gostou do jeito de Scott, e os dois prometem se reencontrar. O problema é que Ramona também possui um passado obscuro, que acaba vindo à tona de forma inesperada.
Não por falta de aviso, pois, bem antes do primeiro encontro com Ramona, Scott começa a receber uma série de mensagens convocando para um duelo ou coisa assim. É num evento de música, uma batalha de bandas em que o Sex Bob-omb está inscrito, que acontece o tal duelo, quando um estranho rapaz indiano, Matthew Patel, entra voando pelo teto do teatro. Patel, vestido como um pirata e com poderes místicos (capaz de invocar garotas-demônio para auxiliá-lo), dá as primeiras informações ao adversário, Scott, sobre a Liga dos Ex-Namorados do Mal da Ramona, um grupo cujo objetivo é detonar Scott e controlar “o futuro da vida amorosa da Ramona”. Scott, que já possuía desde o colegial habilidades de luta de um Street Fighter, dá uma surra em Patel, e o derrota com a ajuda dos amigos.
Ah: a “Liga dos Ex-Namorados do Mal” é formada por sete integrantes, que, num paralelo aos videogames, funcionam como “chefões de fase” – por isso, Scott enfrenta um ou dois a cada volume. Cada um tem poderes sobrenaturais, mas não são bem caras “do mal” – no mundo de O’Malley, ser “do mal” é algo relativo, basta apenas ser babaca, manipulador, cretino, traidor, sem ser necessariamente mau, no sentido clássico – querer dominar o mundo ou coisa assim. Em comum, os sete ex-namorados de Ramona tem o coração partido pela própria garota, e, a cada enfrentamento, uma característica obscura da garota (cujo cabelo muda muitas vezes) vem à tona, o que só complica as coisas para o obtuso Scott. Ah ainda: cada vez que um ex é derrotado, ele deixa um item – pode ser um pequeno valor em moedas, um objeto inútil ou uma vida extra, o que é útil.
Ah ainda ainda: um dos mistérios da série é a estranha característica de Ramona: toda vez que ela passa por situações de estresse, raiva ou ciúme, sua cabeça começa a brilhar. Uma característica que Scott também começa a desenvolver ao longo da aventura.
Aí, começamos o segundo volume, Scott Pilgrim Contra o Mundo (Scott Pilgrim Vs. The World). No início, temos um longo flashback sobre o passado de Scott no colégio, em Ontário, seus primeiros enfrentamentos com gente mais poderosa (como o líder de uma escola rival à sua, num emocionante embate sob chuva) e o período em que ele namorou Kim Pine (sim, os dois já tiveram um caso até que o rapaz se mudou com a família para Toronto). Aí, vem o mais novo desafio de Scott: terminar, mediante um ultimato de Wallace, seu namoro “de mentira” com Knives. Não é fácil para o rapaz, mas até que ele consegue – ainda que isso reclame partir o pobre coração da jovem Knives. A menina não se conforma, e, assim que descobre quem é a “outra” – Ramona já começa a frequentar a casa do Pequeno Neil e assistir aos ensaios da Sex Bob-omb – já começa a planejar sua vingança contra a “gorda moderninha”. Pra começar, sob os olhos da melhor amiga e confidente, Tamara, Knives tinge uma parte do cabelo, deixando-o próximo do cabelo colorido de Ramona.
Só depois é que Scott enfrenta o segundo ex do mal de Ramona, Lucas Lee, um violento ator de filmes de ação. O duelo dos dois ocorre no intervalo das gravações do novo filme de Lee, que também é skatista. Lee começa dando uma surra em Scott, e, num intervalinho, os dois dialogam naturalmente. Scott, entretanto, vence Lee fazendo uso de esperteza: simplesmente induz o skatista a fazer umas manobras num corrimão de escada extremamente perigoso, e ele não sobrevive.
O segundo volume também marca a estreia dos coadjuvantes Hollie, futura colega de quarto de Kim, e Joseph, um homossexual com olhar malvado, quase um profeta do apocalipse. Joseph, mais tarde, se envolverá nas gravações do primeiro disco do Sex Bob-omb.
Mas não terminou ainda. Knives, movida a ciúme, processa seu primeiro ataque a Ramona na Biblioteca Pública de Toronto, onde a americana estava passeando com Stacey – que se tornou amigo da entregadora por esta frequentar a cafeteria. Apesar de sua raiva contra Ramona, Knives não deixa de frequentar o círculo de amizades de Scott, nem falta aos shows do Sex Bob-omb – num certo momento, começa a dar em cima de Pequeno Neil só pra fazer ciúme para Scott e Ramona. Enquanto isso, Scott também tem o passado batendo à sua porta: ele recebe uma ligação de sua ex-namorada, Envy Adams – justamente a garota que motivou sua última grande crise de depressão. Envy, ou melhor, Natalie V. Adams, uma loira sensual e um tanto sádica, é a vocalista da banda mais popular do Canadá, Clash at Demonhead. E ela e sua banda vem a Toronto se apresentar, e convida o Sex Bob-omb para abrir o seu show.
É nesse ponto que inicia-se o terceiro volume, Scott Pilgrim and the Infinite Sadness (curiosamente, a Cia. Das Letras optou por deixar o nome original em inglês a traduzir o título, que fica algo como “A Tristeza Infinita”). Após o show, o Clash at Demonhead chama Scott, Ramona, Knives e o Sex Bob-omb para o camarim deles, para conversar. O Clash at Demonhead ainda é formado pelo baixista Todd Ingram – pior de tudo: ele é o terceiro Ex-Namorado do Mal de Ramona – e pela baterista Lynette Guycott, uma oriental que possui um braço biônico (num dos diálogos da série, Lynette soca o rosto de Knives quando esta faz um comentário inoportuno – o soco tira a tintura de seu cabelo!). Envy parece sentir prazer em torturar mentalmente Scott, depois de partir seu coração no passado. Pior de tudo é que ela é namorada de Todd, que mostra ser, desde o início, o inimigo mais difícil de Scott: vegano (vegetariano radical), Todd possui poderes psíquicos, o que faz dele o adversário mais poderoso – no passado, Todd chegou até a fazer um buraco na lua para provar seu amor para Envy, que o conhece desde os onze anos. Mas o pior é que Todd fez a mesma coisa para Ramona quando eles namoravam, e antes de fazer para Envy – e a loira ignora isso, está feliz à beça ao lado do amado. O combate entre Scott e Todd se desenvolve em três “rounds”: no primeiro, Scott apanha feio; o segundo se passa numa loja de departamentos amaldiçoada, a Honest Ed's, que mexe com a mente dos dois (em Todd, a influência foi tão forte que ele faz a loja implodir!); e, no terceiro, os dois fazem uma batalha de baixos. Mas o que pode salvar Scott é um Deus Ex-Machina ajambrado de última hora – uma tal polícia vegana, que vigia pelos membros da “ordem”, e pune quem quebra a dieta. A derrota de Todd pode ser motivada por seus próprios defeitos: por seu “um astro do rock”, ele acha que pode fazer tudo o que quiser – inclusive quebrar a dieta vegana consumindo sorvete de leite de vaca, e trair Envy com Lynette. O volume é entrecortado com trechos de flashback, mostrando o passado de Scott na faculdade, quando ele se apaixonou perdidamente por Envy, uma ex-nerd que aos poucos foi se transformando em mulher fatal; com uma emocionante batalha entre Envy e Ramona, no qual a americana faz uso de uma bolsa sem fundo, cheia de objetos, e onde Knives intervém; e, entre batalhas, Scott tem tempo de ter seu cabelo cortado por Ramona (Scott havia cortado seu cabelo da última vez em um ano-novo, e foi justo no dia em que Envy terminou com ele - Scott culpava o corte de cabelo pelo fim de seu namoro). A vitória definitiva de Scott só acontece quando ele consegue evitar que Envy continue fazendo sua cabeça. Os acontecimentos mexem com a loira profundamente.
Aí, começa o quarto volume, Scott Pilgrim Entra na Linha (Scott Pilgrim Gets it Together). Durante o verão de Toronto, após um fim-de-semana na praia com a galera na casa dos parentes de Julie (onde o garotão fica cheio de dúvidas sobre a verdadeira sexualidade de Kim após flagrar ela e Knives numa cena que não devia ter visto), começam novos desafios para Scott, entre eles a gravação do primeiro disco do Sex Bob-omb, no estúdio caseiro de Joseph, um trabalho que não anda. O principal vai ser declarar seu amor por Ramona – ele nem faz ideia de qual é a “palavrinha com ‘a’” ao qual Wallace se refere. Mais: em breve, o contrato de aluguel do apartamento de Scott e Wallace chega ao fim, e ambos serão obrigados a se mudar. Scott, a certo momento, cogita morar com Ramona – se os dois conseguirem se acertar a tempo. Mas não vai ser fácil, pois uma antiga colega de escola de Scott, Lisa Miller, reaparece na vida dele – ela estava presente nos flashbacks do volume 2. A certo momento, Lisa se mostra interessada em Scott, o que só amplia o ciúme de Ramona. Scott, ao menos, consegue, em pouco tempo, vencer seu próximo desafio: arrumar um emprego. Não que o obtuso e pouco talentoso Scott quisesse (ele é praticamente intimado a isso por Ramona, que lhe passa um sermão dentro de um dos sonhos dele), mas ele consegue arranjar trabalho no restaurante onde Stephen Stills trabalha, com uma ajudinha de Kim. Mais tarde, entretanto, ele perde o emprego – e consegue recuperá-lo. Mas isso não é o pior: Scott é atacado por uma garota ninja, e começa a ser perseguido por um estranho homem de preto, armado com espadas japonesas. O quarto ex-namorado de Ramona? Não. A Ex-Namorada é a garota ninja: Roxanne “Roxy” Richter, gordinha, loira e violenta, e ao que parece a menos conformada com o fim do relacionamento com Ramona – “só uma fase sexy”. Foi Roxy quem ensinou a Ramona os segredos do subespaço - uma batalha entre ambas ocorre justamente lá - e Roxy chega, inclusive, a invadir um dos sonhos de Scott. Durante a batalha entre Ramona e Roxy, Scott chega a entrar dentro da bolsa de Ramona! O homem de preto é o pai de Knives, o Sr. Chau, atacando Scott em defesa da honra da filha – a única frase que ele fala, em todo o capítulo, é uma frase em chinês dirigida à filha, no resto do tempo ele fica mudo. Uma série de mal-entendidos e surpresas – como a breve estadia de Scott na casa de Lisa – vai preceder mais uma vitória de Scott, que resolve todos os problemas em um só dia: o emprego perdido, a declaração para Ramona, a batalha contra Roxy e o esclarecimento com o Sr. Chau. A luta com Roxy, com referências aos filmes e mangás de samurai, só é possível porque o garotão destranca um novo poder: o Poder do Amor, que lhe dá uma espada. No meio tempo, Scott também desenvolve o brilho na cabeça e vê surgir a sua versão negativa.
No início de Scott Pilgrim Contra o Universo (Scott Pilgrim Vs. The Universe), o quinto volume, tudo parece bem: o protagonista está empregado, morando com Ramona, completou 24 anos com festa e está frequentando as festas promovidas no novo apartamento de Julie. Mas é aí que as coisas começam a desandar: de surpresa, aparece um duplo desafio para Scott. Os Ex-Namorados do Mal Cinco e Seis são os irmãos gêmeos japoneses e elegantes Kyle e Ken Katayanagi, que processam seus primeiros ataques enviando robôs para lutar contra Scott. Claro, o rapaz tem algum trabalho, e as lutas com os robôs acontecem enquanto a festa transcorre normalmente, os convidados até ignoram. Uma série de eventos acaba levando à dissolução da Sex Bob-omb, que já tinha certeza que não teria mais futuro – iniciadas quando Ramona declara que não gosta da banda, e agravadas quando Scott, numa nova batalha com um dos robôs dos gêmeos, destrói o seu baixo. E a relação entre Ramona e Scott também começa a desandar, não apenas por uma série de mal-entendidos, mas também porque mais fatos obscuros do passado de Ramona vem à tona, abalando a confiança um do outro. Já se tornou clássica a sequência dos dois discutindo a relação na cama (precedida pelo que parece ser uma discreta cena de sexo entre os dois), a cabeça de Ramona brilhando. Aliás, é nesse volume que Ramona repara que sua cabeça brilha. Na batalha final com os Katayanagi, Scott luta de ressaca - numa das festas de Julie, ele, Ramona e Kim enchem a cara de tequila. Só uma mentirinha de Kim, que cai numa armadilha dos gêmeos e é usada como isca para Scott, pode possibilitar a vitória do rapaz. Mas não adianta muito: Ramona, de modo espetacular, acaba abandonando Scott, usando o brilho para desaparecer.
E é numa nova crise de depressão que Scott inicia o volume final, A Hora e a Vez de Scott Pilgrim (Scott Pilgrim’s Finest Hour), principalmente quando o gato Gideon desaparece, justo quando Scott parece estar desenvolvendo maturidade suficiente para cuidar do bichano. A primeira metade do volume é a mais melancólica de toda a série. O rapaz agora vive num apartamentinho arranjado pelos pais. E ele passa as tardes deprimido, praticamente tendo eliminado da mente as lembranças de Ramona, em frente ao game portátil, e só vê uma esperança no futuro quando Gideon retorna ao lar. Kim se mudou para a casa dos pais, no interior, e Scott vê que Knives, prestes a completar 18 anos, está seguindo a vida numa boa – mas ainda ligada a Scott. Os dois até cogitam retornar um ao outro, mas sem sucesso. Mas uma série de eventos desagradáveis acontece sem cessar: Scott, que felizmente não perdeu o apoio dos amigos, toma conhecimento de que o último Ex-Namorado do Mal, o inescrupuloso empresário da noite Gideon Graves, está vindo a Toronto abrir um clube – Scott acredita que Ramona voltou para Gideon. Envy, agora em carreira solo, e cada vez mais fatal, reaparece para mexer com a cabeça de Scott. E o pior, agenciada por Gideon (não confundir com o gato; Ramona deu esse nome pro gato por uma solução comum a fins de relacionamento), o que faz com que Scott se refugie no campo. Numa temporada na casa dos pais de Kim, Scott até tenta se reconciliar com a ruiva, mas, numa nova batalha contra seu lado negativo, o rapaz recupera as memórias de Ramona. E decide retornar a Toronto.
E é no Chaos Theatre, a nova casa de shows de Gideon e possível novo point da galera – todos os personagens, à exceção de Kim e Ramona, estão presentes – e ao som do show de Envy, que se desenrola a batalha final entre Scott e Gideon, um cara que se faz passar por simpático, é traiçoeiro e tem por hábito colocar as ex-namoradas em animação suspensa, num grande aparato criogênico. Mas a Liga dos Ex-Namorados do Mal, ele revela mais tarde, ele formou meio que por loucura de bêbado. Mas ele não está com Ramona. E a batalha entre os dois se desenvolve em dois rounds: no primeiro, Scott aparentemente é morto, mas a vida extra que ganhou num dos combates lhe vai ser útil. Mas seus esforços não foram em vão: Ramona retorna, através da rodovia subespacial. E ela, após a reconciliação com Scott, participa da batalha final – ela própria conquista poderes. E Scott tem mais um poder destrancado, nessa emocionante batalha, que se desenvolve inclusive dentro da cabeça de Ramona, onde Gideon tem certo domínio. Finalmente sabemos (ou não) o segredo do brilho da cabeça de Ramona e o da bolsa sem fundo (que Scott usa para acessar a mente de Ramona). E o sexto volume proporciona algumas das melhores imagens feitas por O’Malley, proporcionadas inclusive por seus assistentes John Kantz e Aaron Ancheta.
Ao fim, o prêmio para o protagonista, se ele conseguir sair vivo, é, alem da garota, ter conseguido se transformar numa pessoa melhor do que já foi. Ou nem tanto.
Cada volume ainda tem brindes aos leitores: no volume um, uma cifra de uma das canções do Sex Bob-omb e uma receita de torta vegetariana, incluída na história; no segundo e no terceiro volumes, ilustrações e pequenas HQ de colegas desenhistas de O’Malley, além das traduções das letras das canções proferidas na saga, e um pequeno texto com o making-of da HQ. Pior é uma constatação: uma das personagens da HQ, o coadjuvante Michael Comeau, o “cara que conhece todo mundo”, existe mesmo! Ele contribui com uma das historinhas curtas do volume 2.
E, se for verdade, Scott Pilgrim também existe de verdade – ou pelo menos o cara, segundo Comeau, que inspirou a música da banda Plumtree. Mas o cara se chama Scott Ingram – o sobrenome foi utilizado para o vilão do terceiro volume.
Bem. Cada volume pode ser encontrado, com sorte, a R$ 35,00, nas livrarias e gibiterias. Um verdadeiro épico moderno. Imperdível para quem procura algo diferente, e que se pode chamar de cool.
Para encerrar, já que falamos de videogames, resolvi fazer umas ilustrações conceituais para um hipotético jogo de videogame dos meus super-heróis, os Super-Anões. Pelo menos, estes são os mais propensos a se tornar videogame, se eles não tivessem tido um fim trágico na revista Quadrante X no. 12. Não estranhem os maus desenhos, são só ilustrações conceituais feitas a papel, lápis, caneta e lápis de cor, sem pretensões maiores
Numa fase, eu gostava de imaginar futuros jogos de videogame. Nunca tive um videogame decente – no máximo, um Atari Dactar – e costumo me manter longe de jogos eletrônicos, pois vicio fácil. Mas não quer dizer que eu nunca tenha tocado num videogame na vida. Digo, de Playstation 2 pra cima, nunca toquei, só Playstation 1, Super Nintendo e videogames genéricos menores. E, uma vez, já fui viciado em fliperama – gastei muito dinheiro em fichas, uma das coisas das quais me arrependo até hoje.
Bem... depois eu conto mais sobre essa fase.
Na próxima postagem: SCOTT PILGRIM, o filme! Aguardem!

Até mais!

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