segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O mistério de JUJU FAÍSCA ou das dificuldades de um pesquisador

Olá.
Hoje, vou falar de quadrinhos da editora Júpiter 2, do garimpeiro José Salles.
E a edição de hoje dedica-se a outro resgate da obra do saudoso mestre Gedeone Malagola. Infelizmente, pesquisas aprofundadas de entusiastas pesquisadores brasileiros estão minando a confiabilidade que Malagola antes tinha – uma prova disso é um artigo que ele havia escrito sobre o Garra Cinzenta, e que hoje sabe-se que está cheio de erros.
Agora, vamos lançar luz sobre outra personagem das HQ com a qual Malagola se envolveu: JUJU FAÍSCA.

QUEM?

JUJU FAÍSCA é uma personagem infantil. Malagola produzia, entre o final dos anos 50 e início dos anos 60, histórias dessa personagem. Mas ele havia entrado no barco um pouco depois: JUJU FAÍSCA era publicada desde 1956 ou 1957, pela Gráfica Mundo Novo, e, posteriormente, a partir de 1960, pela editora La Selva, que comprou a Mundo Novo e incorporou sua gráfica. Inicialmente, JUJU FAÍSCA apareceu nos gibis da série Seleções em Quadrinhos da Mundo Novo; depois, para a série Cômico Colegial da La Selva. Ao todo, conhecem-se 22 números da série Seleções em Quadrinhos com JUJU FAÍSCA. Não sei dizer agora quantos foram pela La Selva agora. Ela fora reapresentada aos leitores mais novos em 2007, no fanzine Personagens do Gibi no. 2, editado pelo próprio José Salles. Antes disso, nos anos 90, o Clube dos Quadrinhos (CLUQ) do editor Wagner Augusto lançou uma edição especial com JUJU FAÍSCA.
Mas deixemos que o saudoso Malagola nos explique mais a respeito. Eis aqui a transcrição do texto publicado em Personagens do Gibi no. 2:
“No mercado editorial brasileiro das décadas passadas, quando um personagem de revista norte-americana tinha sua produção suspensa ou cancelada por lá, mas continuava a fazer sucesso nas bancas daqui, as editoras nacionais passavam a produzir, com ajuda de artistas brasileiros, novas aventuras com tais personagens. O mesmo acontecia quando a demanda era maior do que a produção estrangeira. Os exemplos são fartos: José Menezes fazia Jim das Selvas; Walmir Amaral fazia Fantasma, Mandrake e Cavaleiro Negro; José Geraldo e Getúlio Delphin fizeram Jet Jackson e Charlie Chan; Primaggio Mantovi fez Rocky Lane; João Batista Queiroz fez Dennis, o Pimentinha; Pato Donald, Zé Carioca e muitos outros da Disney foram produzidos por Waldir Igayara de Souza e Renato Canini, entre outros. Eu mesmo trabalhei com diversos personagens estrangeiros, como Professor Pinguim, Lili a Modelo (de Stan Lee), Tor (de Joe Kubert), Homem Mosca (original de Jack Kirby, aqui desenhado por Luiz Rodrigues), X-Men (de Stan Lee e Jack Kirby, no Brasil desenhado por Walter Gomes), e uma personagem que me deixa intrigado até hoje: nos anos 50 recebi uma revista editada pela La Selva, JUJU FAÍSCA, e tive que rapidamente produzir HQ deste material, do qual não encontrei nenhuma identificação de origem. Procurei seguir a linha original e, aos poucos, fui incluindo outros personagens e adaptando-os à vida brasileira. Mas, até hoje NUNCA soube o nome original da personagem, nem sobre seus autores. Parece produção da Marvel com desenhos de Dan di Carlo. As capas das edições brasileiras eram feitas pelo saudoso João Batista Queiroz, seguindo o trabalho original. Quem poderia ajudar a solucionar este mistério?”
Pobre Malagola. Faleceu em 2008, sem poder saber o que hoje nós sabemos. Agora, nós sabemos quem é Juju Faísca, e agora vou contar a vocês como cheguei a essa descoberta.

OS PASSOS
Foi graças à internet que descobri quem é Juju Faísca. Há momentos em que na internet a gente não encontra o que procura, da forma como a gente quer – e outros em que a gente acaba encontrando mais do que procuramos.
É provável que alguém já tenha chegado a essa conclusão antes de mim, pois a solução foi encontrada no site Guia dos Quadrinhos, o maior banco de dados de revistas publicadas no Brasil e uma das minhas fontes de pesquisa.
Bem, antes de partir para a pesquisa propriamente dita, a minha tese sobre Juju Faísca era que ela, na realidade, era outra personagem. A primeira personagem que me veio à cabeça, que tinha uma aparência mais ou menos parecida com Juju Faísca, era a Little Dot (Brotoeja), da Harvey Comics, a editora que publicava as HQ de Casper (Gasparzinho, o Fantasminha Camarada) e Little Audrey (Tininha). Little Dot, a menina do vestido de bolinhas, foi criada em 1949, por Alfred Harvey e Vic Herman, como uma coadjuvante do gibi de Sad Sack (Recruta Biruta). Depois, a personagem ganhou um gibi próprio, e foi nas histórias de Brotoeja que surgiram dois outros populares personagens da Harvey Comics: Little Lotta (Bolota) e Richie Rich (Riquinho). Brotoeja, que com Tininha e Bolota formavam as Harvey Girls, foi publicada nos EUA de 1949 a 1982, e esporadicamente até 1994. No Brasil, a personagem foi editada pela RGE (atual Editora Globo) a partir dos anos 60, e em 2011, voltou a ter histórias publicadas pela editora Pixel Media, dentro do gibi do Riquinho.
Primeira tese: o editor da Gráfica Mundo Novo tentara comprar os direitos de publicação dos gibis da Harvey. Mas, como Brotoeja ainda era uma personagem desconhecida por aqui, é provável que tenham pedido para criarem uma personagem parecida. Bem, com o correr das investigações, tive de concluir que essa tese era furada: as histórias de Brotoeja giravam em torno de sua obsessão por bolinhas e das visitas de parentes excêntricos que a levavam em aventuras. Bem, ao menos ambas as personagens tinham laços nos cabelos parecidos, além da mesma estrutura corporal: cabeça grande, corpo e braços compridos, pernas grossas e curtas.
Aí, lendo as informações constantes da personagem no site Guia dos Quadrinhos, encontro uma informação: a personagem se assemelhava a uma personagem chamada Zuzu. Segui essa pista, e cheguei à personagem Angel, conhecida no Brasil como Zuzu.
Angel foi criada pelo desenhista Mel Casson, e publicada a partir de 1954 pela editora Dell Comics (a mesma que começou a publicar as HQ de Luluzinha produzidas por John Stanley). Angel saiu em 16 números da revista Four Color, e em 1959 ganhou um gibi trimestral homônimo. No Brasil, Angel foi editada pela EBAL (Editora Brasil-América LTDA, de Adolfo Aizen): primeiro, na revista Anjinho, números 10 a 24, de 1959 a 1960 (1ª série), e depois na revista Anjinho, rebatizada como Zuzu, um Anjinho de Garota, de 1974 a 1975, números 1 a 7. Mas infelizmente não consegui encontrar informações sobre a índole dessa personagem, mas tudo indica que, pelo nome, ela era travessa, sim, mas guiada por boas intenções.
Segunda tese: JUJU FAÍSCA seria uma mistura de Angel com Brotoeja. A Gráfica Mundo Novo tentara comprar os direitos de publicação de Angel, mas, assim como Brotoeja, não era uma personagem conhecida na época, então pediram para produzir uma personagem parecida. Para não deixa-la parecida com Angel, resolveram “combiná-la” com Brotoeja. Ao menos, o cabelo era parecido com a de Brotoeja, mas o rosto e as roupas eram as de Angel.
Já estava pronto para lançar essa tese quando uma nova pesquisa do Guia dos Quadrinhos revelou: JUJU FAÍSCA, na verdade, se chamava Cutie Pie. Pesquisei de novo e descobri: era mesmo CUTIE PIE!
Aí, foi a vez de pesquisar nos sites estrangeiros a respeito, e agora, eis o que se sabe: CUTIE PIE foi uma das personagens criadas para aproveitar a coqueluche gerada pela criação de Dennis the Menace (Dennis, o Pimentinha), pelo cartunista Hank Ketcham – uma espécie de versão feminina de Dennis, combinação de travessura com ternura e ingenuidade. O gibi de Cutie Pie foi editado pela Lev Gleason Publications, especializada em gibis policiais e de histórias adolescentes, de maio de 1955 a agosto de 1956, irregularmente, totalizando cinco números (pelo menos, nos sites onde foram pesquisados gibis de Cutie Pie, foram encontrados cinco números editados). As histórias foram desenhadas por Gene Fawcette, criador da personagem.
Desse modo, já está esclarecido o mistério: a Gráfica Mundo Novo comprou os direitos do gibi de Cutie Pie; o gibi não fez muito sucesso nos Estados Unidos. Mas fez mais sucesso no Brasil, onde ganhou o nome de JUJU FAÍSCA. Quando o material norte-americano se esgotou, artistas nacionais foram chamados para continuar a personagem. Entre eles, Gedeone Malagola, que pegou o bonde andando, Toninho Duarte e João Batista Queiroz, que, segundo Malagola, era responsável pelas capas. Mais tarde, a Gráfica Mundo Novo foi comprada pela La Selva e assumiu a publicação de JUJU FAÍSCA, mas em alguns números foram reaproveitadas capas da série da Mundo Novo.
Resumo: JUJU FAÍSCA se chama no original Cutie Pie, foi criada em 1955 por Gene Fawcette, editada nos EUA pela Lev Gleason Publications, onde durou cinco edições, e no Brasil pela Gráfica Mundo Novo, onde durou mais vinte e duas edições, e pela La Selva, onde durou mais não sei quantas.

A PERSONAGEM
Bem, agora que sabemos a origem, através de um trabalho de detetive, vamos conhecer mais sobre a personagem.
CUTIE PIE, ops, JUJU FAÍSCA, é, como dito, uma versão feminina de Dennis, o Pimentinha: uma combinação de ingenuidade e ternura com travessura pura. Por isso, as maiores vítimas das travessuras de Juju eram os adultos, incluindo seus pais, acuados por suas perguntas impertinentes, suas opiniões inoportunas e por suas brincadeiras incríveis. Seu bicho de estimação é um gato mal-humorado (ou pelo menos ele parece assim nas capas). De acordo com as capas produzidas no Brasil, JUJU FAÍSCA era meio que um demoninho em pessoa.
Malagola, como dito, ao produzir as aventuras de JUJU FAÍSCA, incluiu uma série de novos personagens para complementar seu universo, muitos já criados anteriormente, e que apareciam em revistas das editoras Júpiter e Continental nos anos 50. O mais proeminente desses personagens é o menino Meio Fio, um verdadeiro capeta: com cara de velho, não admite ser excluído das brincadeiras, e costuma, assim, armar formas de “se vingar” – e acaba sempre se dando mal. Uma espécie de competidor direto de Juju, mas com uma quedinha pela menina – o menino diz que a menina é namorada dele. Perto de Meio Fio, Juju parece um anjinho inocente.
Entram ainda na turminha o negrinho Torradinha e Rosinha, irmã de Meio Fio.

E AGORA, COM VOCÊS, JUJU FAÍSCA PELA JÚPITER 2
José Salles, em outubro de 2013, dentro do projeto de resgate da obra de Gedeone Malagola, lançou um gibi de JUJU FAÍSCA.
São três histórias e mais duas páginas de tiras da personagem. A primeira, “O Que é Televisão”, e a terceira, “Uk e Uka”, foram retiradas de uma edição de JUJU FAÍSCA de 1961, da La Selva; a segunda história, “Meio Fio na Idade da Pedra”, foi tirada da edição especial da CLUQ. Todas as histórias foram desenhadas por Gedeone Malagola.
Na ocasião, Salles aproveitou para ressuscitar dois outros personagens de Malagola criados anteriormente a JUJU FAÍSCA: Uk e Uka, dois irmãos que vivem na Idade da Pedra. As histórias dos personagens eram produzidas por Malagola ainda nos tempos da editora Júpiter original (início dos anos 50), assim como Meio Fio, e seguiam uma linha parecida com Brucutu: uma Idade da Pedra cômica, fantasiosa e longe da realidade histórica.
Bão. Em O Que é Televisão (argumento de E. Palladino), Juju, que não sai da frente do aparelho, pergunta ao pai como o aparelho funciona. Mas, ao ter a resposta deixada para depois, ela é visitada, em sonho, por um personagem, Válvula Cicerone, que a guia dentro da televisão, cheia de válvulas e transistores vivos. Eles também enfrentam o demoninho da interferência, que causa problemas na imagem. Detalhes: os personagens Válvula Cicerone e Interferência são cópias dos personagens Luísa, a bruxinha (de Gasparzinho) e do diabinho Brasinha, ambos da Harvey Comics – foi por isso que inicialmente associei JUJU FAÍSCA a Brotoeja. A história também é guiada pelo argumento da personagem visitando um mundo fantástico, algo comum nos gibis infantis da Harvey. (veja página abaixo)
Em Meio Fio na Idade da Pedra, o menino questiona o que aprendeu na escola sobre a Era dos Dinossauros, irritando Juju e Rosinha com suas teses absurdas. Por isso, acaba sendo excluído da festa de aniversário de Torradinha, e decide se vingar. Mas ele não sabe que as crianças escolheram como tema da festinha a Pré-História, e, quando invade o jardim de Torradinha, deparando com a decoração temática, acaba pensando que voltou à Idade da Pedra.
E, em Uk e Uka, o pai de Juju, ao exigir que a menina arrume a bagunça de gibis espalhados da filha, é apresentado ao gibi de Uk e Uka. Uk é um menino da Idade da Pedra metido a inventor; e Uka, sua irmã, não se cansa de ajuda-lo e de tirá-lo das encrencas em que ele se mete com suas “invenções”.
Apesar do desenho canhestro e apressado de Malagola, as historinhas até que são divertidas. Bom para os novos leitores conhecerem.
As ilustrações de capa (1ª e 4ª capa) são de Thiago da Silva Motta. O gibi custa R$ 3,00, e pode ser pedido pelo endereço smeditora@yahoo.com.br. Conheçam mais publicações da Júpiter 2 em http://jupiter2hq.blogspot.com.br/.
E era isso por hora. Esclarecido o mistério e tudo mais. Nada mau para um pesquisador amador, não?
Para encerrar, como a pesquisa pôs por água abaixo os planos que eu tinha para esta postagem, vou deixar aqui as tiras finais do último arco de tiras da minha Juju Faísca, a Letícia. Este foi um arco de tiras que realmente encheu a minha paciência e dos leitores, mas, como eu não aprendo mesmo, estendi-a muito. Em breve, começo outra – mas prometo que evitarei de estendê-la ao máximo. Confiram mais tiras em http://leticiaquadrinhos.blogspot.com.br/.







E é isso, garotada. E lembrem-se: dia 30 de janeiro é o Dia Nacional das Histórias em Quadrinhos! Prestigiem o quadrinho brasileiro! Aproveitem o bom momento que a nossa Nona Arte está passando!
Ah, mais uma coisa: neste dia 15 de janeiro, quem faz aniversário é o Blog dos Bitifrendis! Aguardem novidades para este dia! Enquanto isso, acessem: http://bitifrendisblog.blogspot.com.br/.

Até mais!

2 comentários:

VELOSO disse...

Parabéns pela excelente matéria e pelo trabalho de detetive! Infelizmente o acervo digital sobre quadrinhos produzido no Brasil ainda é muito escasso e muita vezes cheio de falha ! Matéria como esta acrescenta muito !

VELOSO disse...
Este comentário foi removido pelo autor.