Olá.
Hoje,
vou falar de quadrinhos da editora Júpiter 2, do garimpeiro José Salles.
E a
edição de hoje dedica-se a outro resgate da obra do saudoso mestre Gedeone Malagola.
Infelizmente, pesquisas aprofundadas de entusiastas pesquisadores brasileiros
estão minando a confiabilidade que Malagola antes tinha – uma prova disso é um
artigo que ele havia escrito sobre o Garra Cinzenta, e que hoje sabe-se que
está cheio de erros.
Agora,
vamos lançar luz sobre outra personagem das HQ com a qual Malagola se envolveu:
JUJU FAÍSCA.
QUEM?
JUJU FAÍSCA é uma personagem infantil. Malagola produzia, entre o final dos anos 50 e início dos anos 60, histórias dessa personagem. Mas ele havia entrado no barco um pouco depois: JUJU FAÍSCA era publicada desde 1956 ou 1957, pela Gráfica Mundo Novo, e, posteriormente, a partir de 1960, pela editora La Selva, que comprou a Mundo Novo e incorporou sua gráfica. Inicialmente, JUJU FAÍSCA apareceu nos gibis da série Seleções em Quadrinhos da Mundo Novo; depois, para a série Cômico Colegial da La Selva. Ao todo, conhecem-se 22 números da série Seleções em Quadrinhos com JUJU FAÍSCA. Não sei dizer agora quantos foram pela La Selva agora. Ela fora reapresentada aos leitores mais novos em 2007, no fanzine Personagens do Gibi no. 2, editado pelo próprio José Salles. Antes disso, nos anos 90, o Clube dos Quadrinhos (CLUQ) do editor Wagner Augusto lançou uma edição especial com JUJU FAÍSCA.
Mas
deixemos que o saudoso Malagola nos explique mais a respeito. Eis aqui a
transcrição do texto publicado em Personagens do Gibi no. 2:
“No
mercado editorial brasileiro das décadas passadas, quando um personagem de
revista norte-americana tinha sua produção suspensa ou cancelada por lá, mas
continuava a fazer sucesso nas bancas daqui, as editoras nacionais passavam a
produzir, com ajuda de artistas brasileiros, novas aventuras com tais
personagens. O mesmo acontecia quando a demanda era maior do que a produção
estrangeira. Os exemplos são fartos: José Menezes fazia Jim das Selvas; Walmir
Amaral fazia Fantasma, Mandrake e Cavaleiro Negro; José Geraldo e Getúlio
Delphin fizeram Jet Jackson e Charlie Chan; Primaggio Mantovi fez Rocky Lane;
João Batista Queiroz fez Dennis, o Pimentinha; Pato Donald, Zé Carioca e muitos
outros da Disney foram produzidos por Waldir Igayara de Souza e Renato Canini,
entre outros. Eu mesmo trabalhei com diversos personagens estrangeiros, como
Professor Pinguim, Lili a Modelo (de Stan Lee), Tor (de Joe Kubert), Homem
Mosca (original de Jack Kirby, aqui desenhado por Luiz Rodrigues), X-Men (de
Stan Lee e Jack Kirby, no Brasil desenhado por Walter Gomes), e uma personagem
que me deixa intrigado até hoje: nos anos 50 recebi uma revista editada pela La
Selva, JUJU FAÍSCA, e tive que rapidamente produzir HQ deste material, do qual
não encontrei nenhuma identificação de origem. Procurei seguir a linha original
e, aos poucos, fui incluindo outros personagens e adaptando-os à vida
brasileira. Mas, até hoje NUNCA soube o nome original da personagem, nem sobre
seus autores. Parece produção da Marvel com desenhos de Dan di Carlo. As capas
das edições brasileiras eram feitas pelo saudoso João Batista Queiroz, seguindo
o trabalho original. Quem poderia ajudar a solucionar este mistério?”
Pobre
Malagola. Faleceu em 2008, sem poder saber o que hoje nós sabemos. Agora, nós
sabemos quem é Juju Faísca, e agora vou contar a vocês como cheguei a essa
descoberta.
OS
PASSOS
Foi
graças à internet que descobri quem é Juju Faísca. Há momentos em que na
internet a gente não encontra o que procura, da forma como a gente quer – e
outros em que a gente acaba encontrando mais do que procuramos.
É
provável que alguém já tenha chegado a essa conclusão antes de mim, pois a
solução foi encontrada no site Guia dos Quadrinhos, o maior banco de dados de
revistas publicadas no Brasil e uma das minhas fontes de pesquisa.
Bem,
antes de partir para a pesquisa propriamente dita, a minha tese sobre Juju
Faísca era que ela, na realidade, era outra personagem. A primeira personagem
que me veio à cabeça, que tinha uma aparência mais ou menos parecida com Juju
Faísca, era a Little Dot (Brotoeja), da Harvey Comics, a editora que publicava
as HQ de Casper (Gasparzinho, o Fantasminha Camarada) e Little Audrey (Tininha).
Little Dot, a menina do vestido de bolinhas, foi criada em 1949, por Alfred
Harvey e Vic Herman, como uma coadjuvante do gibi de Sad Sack (Recruta Biruta).
Depois, a personagem ganhou um gibi próprio, e foi nas histórias de Brotoeja
que surgiram dois outros populares personagens da Harvey Comics: Little Lotta
(Bolota) e Richie Rich (Riquinho). Brotoeja, que com Tininha e Bolota formavam
as Harvey Girls, foi publicada nos EUA de 1949 a 1982, e esporadicamente até
1994. No Brasil, a personagem foi editada pela RGE (atual Editora Globo) a
partir dos anos 60, e em 2011, voltou a ter histórias publicadas pela editora
Pixel Media, dentro do gibi do Riquinho.
Primeira
tese: o editor da Gráfica Mundo Novo tentara comprar os direitos de publicação
dos gibis da Harvey. Mas, como Brotoeja ainda era uma personagem desconhecida
por aqui, é provável que tenham pedido para criarem uma personagem parecida.
Bem, com o correr das investigações, tive de concluir que essa tese era furada:
as histórias de Brotoeja giravam em torno de sua obsessão por bolinhas e das
visitas de parentes excêntricos que a levavam em aventuras. Bem, ao menos ambas
as personagens tinham laços nos cabelos parecidos, além da mesma estrutura
corporal: cabeça grande, corpo e braços compridos, pernas grossas e curtas.
Aí,
lendo as informações constantes da personagem no site Guia dos Quadrinhos,
encontro uma informação: a personagem se assemelhava a uma personagem chamada
Zuzu. Segui essa pista, e cheguei à personagem Angel, conhecida no Brasil como
Zuzu.
Angel
foi criada pelo desenhista Mel Casson, e publicada a partir de 1954 pela
editora Dell Comics (a mesma que começou a publicar as HQ de Luluzinha
produzidas por John Stanley). Angel saiu em 16 números da revista Four Color, e
em 1959 ganhou um gibi trimestral homônimo. No Brasil, Angel foi editada pela
EBAL (Editora Brasil-América LTDA, de Adolfo Aizen): primeiro, na revista
Anjinho, números 10 a 24, de 1959 a 1960 (1ª série), e depois na revista
Anjinho, rebatizada como Zuzu, um Anjinho de Garota, de 1974 a 1975, números 1
a 7. Mas infelizmente não consegui encontrar informações sobre a índole dessa
personagem, mas tudo indica que, pelo nome, ela era travessa, sim, mas guiada
por boas intenções.
Segunda
tese: JUJU FAÍSCA seria uma mistura de Angel com Brotoeja. A Gráfica Mundo Novo
tentara comprar os direitos de publicação de Angel, mas, assim como Brotoeja,
não era uma personagem conhecida na época, então pediram para produzir uma
personagem parecida. Para não deixa-la parecida com Angel, resolveram “combiná-la”
com Brotoeja. Ao menos, o cabelo era parecido com a de Brotoeja, mas o rosto e
as roupas eram as de Angel.
Já
estava pronto para lançar essa tese quando uma nova pesquisa do Guia dos
Quadrinhos revelou: JUJU FAÍSCA, na verdade, se chamava Cutie Pie. Pesquisei de
novo e descobri: era mesmo CUTIE PIE!
Aí,
foi a vez de pesquisar nos sites estrangeiros a respeito, e agora, eis o que se
sabe: CUTIE PIE foi uma das personagens criadas para aproveitar a coqueluche
gerada pela criação de Dennis the Menace (Dennis, o Pimentinha), pelo
cartunista Hank Ketcham – uma espécie de versão feminina de Dennis, combinação
de travessura com ternura e ingenuidade. O gibi de Cutie Pie foi editado pela
Lev Gleason Publications, especializada em gibis policiais e de histórias
adolescentes, de maio de 1955 a agosto de 1956, irregularmente, totalizando
cinco números (pelo menos, nos sites onde foram pesquisados gibis de Cutie Pie,
foram encontrados cinco números editados). As histórias foram desenhadas por
Gene Fawcette, criador da personagem.
Desse
modo, já está esclarecido o mistério: a Gráfica Mundo Novo comprou os direitos
do gibi de Cutie Pie; o gibi não fez muito sucesso nos Estados Unidos. Mas fez
mais sucesso no Brasil, onde ganhou o nome de JUJU FAÍSCA. Quando o material
norte-americano se esgotou, artistas nacionais foram chamados para continuar a
personagem. Entre eles, Gedeone Malagola, que pegou o bonde andando, Toninho
Duarte e João Batista Queiroz, que, segundo Malagola, era responsável pelas
capas. Mais tarde, a Gráfica Mundo Novo foi comprada pela La Selva e assumiu a
publicação de JUJU FAÍSCA, mas em alguns números foram reaproveitadas capas da
série da Mundo Novo.
Resumo:
JUJU FAÍSCA se chama no original Cutie Pie, foi criada em 1955 por Gene
Fawcette, editada nos EUA pela Lev Gleason Publications, onde durou cinco
edições, e no Brasil pela Gráfica Mundo Novo, onde durou mais vinte e duas
edições, e pela La Selva, onde durou mais não sei quantas.
A
PERSONAGEM
Bem,
agora que sabemos a origem, através de um trabalho de detetive, vamos conhecer
mais sobre a personagem.
CUTIE
PIE, ops, JUJU FAÍSCA, é, como dito, uma versão feminina de Dennis, o
Pimentinha: uma combinação de ingenuidade e ternura com travessura pura. Por
isso, as maiores vítimas das travessuras de Juju eram os adultos, incluindo
seus pais, acuados por suas perguntas impertinentes, suas opiniões inoportunas
e por suas brincadeiras incríveis. Seu bicho de estimação é um gato
mal-humorado (ou pelo menos ele parece assim nas capas). De acordo com as capas
produzidas no Brasil, JUJU FAÍSCA era meio que um demoninho em pessoa.
Malagola,
como dito, ao produzir as aventuras de JUJU FAÍSCA, incluiu uma série de novos
personagens para complementar seu universo, muitos já criados anteriormente, e
que apareciam em revistas das editoras Júpiter e Continental nos anos 50. O
mais proeminente desses personagens é o menino Meio Fio, um verdadeiro capeta:
com cara de velho, não admite ser excluído das brincadeiras, e costuma, assim,
armar formas de “se vingar” – e acaba sempre se dando mal. Uma espécie de competidor
direto de Juju, mas com uma quedinha pela menina – o menino diz que a menina é
namorada dele. Perto de Meio Fio, Juju parece um anjinho inocente.
Entram
ainda na turminha o negrinho Torradinha e Rosinha, irmã de Meio Fio.
E
AGORA, COM VOCÊS, JUJU FAÍSCA PELA JÚPITER 2
José
Salles, em outubro de 2013, dentro do projeto de resgate da obra de Gedeone Malagola,
lançou um gibi de JUJU FAÍSCA.
São
três histórias e mais duas páginas de tiras da personagem. A primeira, “O Que é
Televisão”, e a terceira, “Uk e Uka”, foram retiradas de uma edição de JUJU
FAÍSCA de 1961, da La Selva; a segunda história, “Meio Fio na Idade da Pedra”,
foi tirada da edição especial da CLUQ. Todas as histórias foram desenhadas por
Gedeone Malagola.
Na
ocasião, Salles aproveitou para ressuscitar dois outros personagens de Malagola
criados anteriormente a JUJU FAÍSCA: Uk e Uka, dois irmãos que vivem na Idade
da Pedra. As histórias dos personagens eram produzidas por Malagola ainda nos
tempos da editora Júpiter original (início dos anos 50), assim como Meio Fio, e
seguiam uma linha parecida com Brucutu: uma Idade da Pedra cômica, fantasiosa e
longe da realidade histórica.
Bão.
Em O Que é Televisão (argumento de E. Palladino), Juju, que não sai da frente
do aparelho, pergunta ao pai como o aparelho funciona. Mas, ao ter a resposta
deixada para depois, ela é visitada, em sonho, por um personagem, Válvula
Cicerone, que a guia dentro da televisão, cheia de válvulas e transistores
vivos. Eles também enfrentam o demoninho da interferência, que causa problemas
na imagem. Detalhes: os personagens Válvula Cicerone e Interferência são cópias
dos personagens Luísa, a bruxinha (de Gasparzinho) e do diabinho Brasinha,
ambos da Harvey Comics – foi por isso que inicialmente associei JUJU FAÍSCA a Brotoeja.
A história também é guiada pelo argumento da personagem visitando um mundo
fantástico, algo comum nos gibis infantis da Harvey. (veja página abaixo)
Em
Meio Fio na Idade da Pedra, o menino questiona o que aprendeu na escola sobre a
Era dos Dinossauros, irritando Juju e Rosinha com suas teses absurdas. Por
isso, acaba sendo excluído da festa de aniversário de Torradinha, e decide se
vingar. Mas ele não sabe que as crianças escolheram como tema da festinha a
Pré-História, e, quando invade o jardim de Torradinha, deparando com a
decoração temática, acaba pensando que voltou à Idade da Pedra.
E,
em Uk e Uka, o pai de Juju, ao exigir que a menina arrume a bagunça de gibis
espalhados da filha, é apresentado ao gibi de Uk e Uka. Uk é um menino da Idade
da Pedra metido a inventor; e Uka, sua irmã, não se cansa de ajuda-lo e de
tirá-lo das encrencas em que ele se mete com suas “invenções”.
Apesar
do desenho canhestro e apressado de Malagola, as historinhas até que são
divertidas. Bom para os novos leitores conhecerem.
As
ilustrações de capa (1ª e 4ª capa) são de Thiago da Silva Motta. O gibi custa
R$ 3,00, e pode ser pedido pelo endereço smeditora@yahoo.com.br.
Conheçam mais publicações da Júpiter 2 em http://jupiter2hq.blogspot.com.br/.
E
era isso por hora. Esclarecido o mistério e tudo mais. Nada mau para um
pesquisador amador, não?
Para
encerrar, como a pesquisa pôs por água abaixo os planos
que eu tinha para esta postagem, vou deixar aqui as tiras finais do último arco
de tiras da minha Juju Faísca, a Letícia. Este foi um arco de tiras que
realmente encheu a minha paciência e dos leitores, mas, como eu não aprendo
mesmo, estendi-a muito. Em breve, começo outra – mas prometo que evitarei de
estendê-la ao máximo. Confiram mais tiras em http://leticiaquadrinhos.blogspot.com.br/.
E é
isso, garotada. E lembrem-se: dia 30 de janeiro é o Dia Nacional das Histórias
em Quadrinhos! Prestigiem o quadrinho brasileiro! Aproveitem o bom momento que
a nossa Nona Arte está passando!
Ah,
mais uma coisa: neste dia 15 de janeiro, quem faz aniversário é o Blog dos
Bitifrendis! Aguardem novidades para este dia! Enquanto isso, acessem: http://bitifrendisblog.blogspot.com.br/.
Até
mais!
2 comentários:
Parabéns pela excelente matéria e pelo trabalho de detetive! Infelizmente o acervo digital sobre quadrinhos produzido no Brasil ainda é muito escasso e muita vezes cheio de falha ! Matéria como esta acrescenta muito !
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