Olá.
Hoje,
vou falar mais uma vez de livro.
Hoje,
voltarei a falar sobre o escritor gaúcho Fidélis Dalcin Barbosa, o qual me
dispus a resgatar sua obra, na medida do possível.
Hoje,
trago aos leitores um de seus primeiros livros publicados. Escolhi, para hoje,
um de seus primeiros livros de contos.
Hoje,
então, vou falar de O PRIMEIRO BEIJO.
O
PRIMEIRO BEIJO foi publicado pela primeira vez em 1961, pela editora Lar
Católico, de Juiz de Fora, MG, e foi o terceiro livro que ele lançou – no mesmo
ano, ele já havia lançado o também livro de contos Semblantes de Pioneiros e o romance infanto-juvenil O Prisioneiro da Montanha. A edição
acima de O PRIMEIRO BEIJO, com capa minimalista de Elita Facchini, foi lançada
pela editora EST (Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes), de
Porto Alegre, RS, em 1993, portanto, trata-se de uma edição atualizada, com
acréscimos. Mesmo assim, será a base de nossa postagem.
O
presente livro é uma reunião de 24 contos, distribuídos em 160 páginas (sem
contar capa), que revelam, além de um escritor em início de carreira, o
pensamento de um então padre, guiado pelo moralismo conservador de sua época.
Por isso, vários dos contos do livro apresentam por características:
1 –
Sua visão de religião cristã, no sentido da promoção da caridade, da conversão
para o bem e o combate às tentações malignas, por vezes usando como exemplo
vidas de santos e de beatos, e usando, à larga, citações da Bíblia;
2 –
Sua visão de família, que, para ele, ideal que seja a nuclear, formada por
marido, esposa e filhos, vivendo uma vida baseada no respeito mútuo e às
instituições, na educação adequada das crianças e na indissolubilidade do
casamento (nenhuma referência à homossexualidade, a mínima que seja);
3 –
Sua visão da modernidade, que por vezes se opõe aos avanços de sua época, como
o controle de natalidade – o que, naturalmente, acaba fazendo Fidélis Barbosa
ser classificado como um contista “carola” e “conservador”, “fora de moda”,
etc.;
4 –
Por consequência, sua visão de bem e de mal, que praticamente não bate com o
pensamento dos dias de hoje, em alguns aspectos. Em outros, ainda entra em
concordância, como, por exemplo, ao apresentar personagens corrompidos pelo
alcoolismo, prostituição e marginalidade, que, no fim, conseguem encontrar a
redenção.
O
PRIMEIRO BEIJO representa, nesse ínterim, uma visão de vida cristã a qual,
infelizmente, muitos de nós, hoje em dia, não concordamos mais. A disseminação
de ideologias políticas de esquerda, de novos ideais a respeito do amor e da
sexualidade, da família e da religião, e a entrega da sociedade ao alcoolismo,
às drogas – muitas vezes “promovidas” positivamente pela mídia – e à violência
transformaram o mundo e nosso estilo de viver. Para melhor ou para pior?
Depende de como vocês veem o mundo – tem quem interprete o respeito às
instituições e a promoção das virtudes cristãs como “fascismo”. Eu prefiro não
tirar conclusões agora. Fidélis Barbosa já tirara as suas.
Bem.
Não tenho como dizer, no momento, quantos contos eram na primeira edição, e
quais. Na edição de 1993, constam 24 contos, alguns posteriormente incluídos em
outros livros de contos de Frei Fidélis, como O Filho do Baby Doll e Tesouro
Escondido no Campo. Alguns contos apresentam personagens que ou
protagonizam ou tem papeis importantes em outros contos da mesma coletânea –
alguns personagens, ao que tido indica, realmente existiram, e Fidélis Barbosa
resgata-lhes a memória através das pequenas histórias de sua vida. Bem, os
contos de O PRIMEIRO BEIJO são os seguintes...
O Primeiro Beijo, que
dá título ao livro, trata de uma história de conversão. Uma família, em crise
por conta dos vícios do marido, e bem na época em que a filha está recebendo a
Primeira Comunhão na igreja, acaba reencontrando o caminho para a harmonia familiar
justo naquele momento. Tudo dependeu de dois gestos: o pai comparecer à missa,
e a filha pedir perdão aos pais, como parte da cerimônia.
O Perfume de Santa Rita é um
dos contos que trazem a presença do Padre Paulo, um conhecido de Fidélis
Barbosa que passou um período na Europa. No conto, é narrado um milagre
ocorrido durante uma peregrinação motorizada pela Itália, rumo ao santuário de
Santa Rita de Cássia. Teria a santa intercedido para que os romeiros não
perdessem a viagem?
O Mendigo, aparentemente,
é um dos contos incluídos em edição posterior, já que narra acontecimentos
ocorridos em 1983. Como um mendigo, conformado com sua vida dependente da
caridade alheia, reagiu diante da tragédia provocada por uma enchente na cidade
onde vivia.
O Sorriso de Mônica narra
como um simples sorriso de uma garota pode mudar a vida de algumas pessoas em
situação de desesperança.
Em Visão Macabra, o Padre Paulo, após
retornar ao Brasil e prestando aulas de Geografia no Ginásio Duque de Caxias,
de Lagoa Vermelha, RS, conta a seus alunos algumas curiosidades sobre suas
viagens pela Europa – sobretudo sobre os ossários e corpos mumificados
presentes nas cidades de Évora, em Portugal, e em Palermo, na Itália.
Na Floresta Amazônica narra
uma dramática história de sobrevivência. Os sobreviventes da queda de um avião
na dita floresta precisam sobreviver na medida do possível, com recursos
escassos. A salvação acaba vindo de... um papagaio.
Na Solidão do Deserto narra
um episódio da vida de dois santos no século IV – o encontro de São Paulo
Eremita, religioso romano que resolveu se refugiar no deserto, e Santo Antão
Abade, o responsável por lhe dar sepultura.
A Tentação é
outro conto com participação do Padre Paulo. Aqui, ele ouve uma história a
respeito de um camponês que tem a chance de colocar as mãos em um tesouro que
ele presenciou ser enterrado por dois irmãos, mas tal perspectiva, em
realidade, acaba tirando sua paz – e a necessidade de fazer a coisa certa lhe traz
bem-aventurança.
O
Padre Paulo retorna a seguir em Ciclista
Cego, uma breve reunião de pequenos fatos pitorescos presenciados em sua
estadia em Portugal – entre eles, um homem cego de nascença que, ainda assim,
consegue andar de bicicleta sem bater em nada.
Em Flor do Charco, Fidélis Barbosa conta, à
sua maneira, a história de Santa Margarida de Cortona, uma jovem italiana do
século XIII que vivia uma vida de luxúria até encontrar o arrependimento e o
propósito de viver uma vida santificada.
Em O Anjinho, uma professora conta algumas
histórias da época da imigração italiana no Rio Grande do Sul, entre elas a de
um menino exemplar e seu destino trágico e inesperado.
Em O Jardim Talado, o autor narra como uma
comunidade acabou arruinada porque suas mulheres resolveram aderir ao controle
de natalidade – ao aborto e à esterilização.
Em A Maldição, nos é narrada a trágica
história de um filho desobediente e viciado que, no fim, termina louco – tudo
apesar dos esforços de sua mãe, e do padre que cita passagens bíblicas até não
mais poder.
Em A Nevada de 1965, outro conto incluído
posteriormente, um espetáculo natural ocorrido naquele ano – a queda de
formidável quantidade de neve – acaba se transformando em tragédia para a
população de Lagoa Vermelha. Só a boa vontade dos céus pode afastar das pessoas
um pensamento de fim de mundo.
O Filho do Baby Doll, que
mais tarde batiza o livro homônimo, é um pequeno tratado sobre como resgatar a
felicidade conjugal: basta a esposa investir um pouco na aparência pessoal, e
assim o marido deixará a amante de lado. É o que faz a esposa do prefeito de
uma cidade, ao ouvir os conselhos de um terapeuta.
Respeito conta
a história de um inteligente e fiel cachorro que viveu uma vida feliz ao lado
de seus donos, acabou tendo um destino trágico e, por caprichos da vida, acaba
“promovido” a santo milagreiro.
Em O Pequeno Marginal, o
personagem-narrador conta sua história de sofrimentos, rancores e redenção.
Nascido filho de uma prostituta, vive uma vida de marginalidade, e até cogita
se vingar de um homem que lhe fizera mal, porém, encontra um novo propósito de
vida ao ser recolhido à Casa do Menor Abandonado de Lagoa Vermelha, ficar aos
cuidados de um professor que o auxiliou, e, no final, encontrar o perdão por
parte de seu agressor e um novo propósito de vida, que o levará a se tornar um
adulto responsável.
Em A Normalista, o professor Idílio
Biavatti, da Casa do Menor Abandonado, e que auxiliara o personagem principal
do conto anterior, narra como conseguiu tirar uma jovem, que fora desgraçada, do
abismo da prostituição, reconciliá-la com a família e arranjar a ela um
casamento, conseguindo recoloca-la no bom caminho.
Em O Pinheiro, o autor fala a respeito de
uma árvore; o pinheiro do título dera muita alegria a quem visitasse um campo.
Ao ser derrubado, acaba servindo a outros propósitos – o que impede o narrador
de reclamar com o responsável pelo crime.
Em Tesouro Escondido no Campo, que dá
título a outro livro do autor, nos é contada a história de um rapaz pobre,
porém trabalhador e ambicioso que, guiado por sonhos, resolve comprar um lote
de terreno não-aproveitado na esperança de encontrar um tesouro enterrado – mas
ali, acaba encontrando muito mais do que esperava, e à custa de muito trabalho.
O Nhandu destoa
dos demais contos por ser mais humorístico e menos cristão. Narra uma divertida
história de caçada nos campos, onde até emas – também chamadas de avestruzes ou
nhandus – acabam envolvidas. E o personagem principal, no propósito de apanhar
um desses animais vivo, acaba sofrendo bastante...
O Negrinho do Pastoreio é a
versão de Fidélis Barbosa para uma das mais tradicionais lendas do Rio Grande do
Sul – a história de um pequeno escravo que sofre nas mãos de seu senhor, e, no
final, acaba sendo santificado.
Em O Ébrio, mais uma história de redenção,
da tragédia à conversão. A história de uma família em crise por conta do
alcoolismo do marido, que passa por poucas e boas na luta contra o vício,
inclusive indo trabalhar em um colégio de freiras, até a cura vir... da
intervenção divina, de um milagre.
E,
para terminar, Arlete conta um novo
episódio da vida do Padre Paulo, este ocorrido antes de ele embarcar para a
Europa. Antes da partida, ele acaba conhecendo uma jovem que se apaixona por
ele, mesmo essa afeição sendo impossível; mas ambos continuam se
correspondendo, até que, de uma hora para outra, a jovem Arlete para de
escrever. O que teria acontecido?
Esta
edição de O PRIMEIRO BEIJO apresenta alguns erros de ortografia, distrações por
parte dos responsáveis pela edição. E não são poucos.
Porém,
vale uma lida, como forma de entrar em contato com uma mentalidade que já ficou
ultrapassada. O que aconteceu realmente com o antes respeitável povo do Rio
Grande do Sul, nascido de uma mescla de raças e etnias que primavam pelo
trabalho abnegado e pela religiosidade?
Para
encerrar: no momento em que escrevo, é dia 12 de outubro, Dia de Nossa Senhora
Aparecida e Dia da Criança.
Para
acompanhar esta resenha, estava pensando em algo mais... grandioso, um projeto
novo. No entanto, por motivos que fogem ao controle deste que vos escreve, não
pude levar adiante o que antes planejava. Então, para hoje, resolvi fazer uma
ilustração assim, mais singela.
Sendo
Dia de Nossa Senhora Aparecida e Dia da Criança, fiz uma ilustração que alude a
essas duas datas, por assim dizer: já que falamos no Negrinho do Pastoreio,
tradicional lenda do RS, a qual Fidélis Barbosa contou à sua maneira no citado
livro, hoje então fiz uma ilustração rápida e singela desse personagem, e sua madrinha, Nossa Senhora.
A
história do negrinho que consegue encontrar os cavalos perdidos de seu cruel
senhor com ajuda de intervenção divina já foi recontada por diversos autores.
Além de Fidélis Barbosa, consigo lembrar das versões da história contadas por
Simões Lopes Neto, Barbosa Lessa, Monteiro Lobato, Clarice Lispector... E a
história ainda não perdeu popularidade, no que depende dos esforços de
escritores, professores e contadores de histórias. Vamos, vocês já devem ter
ouvido falar do Negrinho do Pastoreio pelo menos uma vez!
Para
breve, novidades. Pretendo ir recuperando aos poucos o tempo que perdi. E
procurarei cumprir, até o final do ano, o propósito de não ficar um só dia sem
desenhar.
Ah:
acompanhem também as postagens do blog onde comecei a colaborar, o da
Biblioteca Pública Municipal Theobaldo Paim Borges. Lá, também estou procedendo
o resgate da obra de Fidélis Barbosa, como um primeiro exercício.
Aguardem
novidades.
Até
mais!
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