quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Livro: O PRIMEIRO BEIJO

Olá.
Hoje, vou falar mais uma vez de livro.
Hoje, voltarei a falar sobre o escritor gaúcho Fidélis Dalcin Barbosa, o qual me dispus a resgatar sua obra, na medida do possível.
Hoje, trago aos leitores um de seus primeiros livros publicados. Escolhi, para hoje, um de seus primeiros livros de contos.
Hoje, então, vou falar de O PRIMEIRO BEIJO.

O PRIMEIRO BEIJO foi publicado pela primeira vez em 1961, pela editora Lar Católico, de Juiz de Fora, MG, e foi o terceiro livro que ele lançou – no mesmo ano, ele já havia lançado o também livro de contos Semblantes de Pioneiros e o romance infanto-juvenil O Prisioneiro da Montanha. A edição acima de O PRIMEIRO BEIJO, com capa minimalista de Elita Facchini, foi lançada pela editora EST (Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes), de Porto Alegre, RS, em 1993, portanto, trata-se de uma edição atualizada, com acréscimos. Mesmo assim, será a base de nossa postagem.
O presente livro é uma reunião de 24 contos, distribuídos em 160 páginas (sem contar capa), que revelam, além de um escritor em início de carreira, o pensamento de um então padre, guiado pelo moralismo conservador de sua época. Por isso, vários dos contos do livro apresentam por características:
1 – Sua visão de religião cristã, no sentido da promoção da caridade, da conversão para o bem e o combate às tentações malignas, por vezes usando como exemplo vidas de santos e de beatos, e usando, à larga, citações da Bíblia;
2 – Sua visão de família, que, para ele, ideal que seja a nuclear, formada por marido, esposa e filhos, vivendo uma vida baseada no respeito mútuo e às instituições, na educação adequada das crianças e na indissolubilidade do casamento (nenhuma referência à homossexualidade, a mínima que seja);
3 – Sua visão da modernidade, que por vezes se opõe aos avanços de sua época, como o controle de natalidade – o que, naturalmente, acaba fazendo Fidélis Barbosa ser classificado como um contista “carola” e “conservador”, “fora de moda”, etc.;
4 – Por consequência, sua visão de bem e de mal, que praticamente não bate com o pensamento dos dias de hoje, em alguns aspectos. Em outros, ainda entra em concordância, como, por exemplo, ao apresentar personagens corrompidos pelo alcoolismo, prostituição e marginalidade, que, no fim, conseguem encontrar a redenção.
O PRIMEIRO BEIJO representa, nesse ínterim, uma visão de vida cristã a qual, infelizmente, muitos de nós, hoje em dia, não concordamos mais. A disseminação de ideologias políticas de esquerda, de novos ideais a respeito do amor e da sexualidade, da família e da religião, e a entrega da sociedade ao alcoolismo, às drogas – muitas vezes “promovidas” positivamente pela mídia – e à violência transformaram o mundo e nosso estilo de viver. Para melhor ou para pior? Depende de como vocês veem o mundo – tem quem interprete o respeito às instituições e a promoção das virtudes cristãs como “fascismo”. Eu prefiro não tirar conclusões agora. Fidélis Barbosa já tirara as suas.
Bem. Não tenho como dizer, no momento, quantos contos eram na primeira edição, e quais. Na edição de 1993, constam 24 contos, alguns posteriormente incluídos em outros livros de contos de Frei Fidélis, como O Filho do Baby Doll e Tesouro Escondido no Campo. Alguns contos apresentam personagens que ou protagonizam ou tem papeis importantes em outros contos da mesma coletânea – alguns personagens, ao que tido indica, realmente existiram, e Fidélis Barbosa resgata-lhes a memória através das pequenas histórias de sua vida. Bem, os contos de O PRIMEIRO BEIJO são os seguintes...
O Primeiro Beijo, que dá título ao livro, trata de uma história de conversão. Uma família, em crise por conta dos vícios do marido, e bem na época em que a filha está recebendo a Primeira Comunhão na igreja, acaba reencontrando o caminho para a harmonia familiar justo naquele momento. Tudo dependeu de dois gestos: o pai comparecer à missa, e a filha pedir perdão aos pais, como parte da cerimônia.
O Perfume de Santa Rita é um dos contos que trazem a presença do Padre Paulo, um conhecido de Fidélis Barbosa que passou um período na Europa. No conto, é narrado um milagre ocorrido durante uma peregrinação motorizada pela Itália, rumo ao santuário de Santa Rita de Cássia. Teria a santa intercedido para que os romeiros não perdessem a viagem?
O Mendigo, aparentemente, é um dos contos incluídos em edição posterior, já que narra acontecimentos ocorridos em 1983. Como um mendigo, conformado com sua vida dependente da caridade alheia, reagiu diante da tragédia provocada por uma enchente na cidade onde vivia.
O Sorriso de Mônica narra como um simples sorriso de uma garota pode mudar a vida de algumas pessoas em situação de desesperança.
Em Visão Macabra, o Padre Paulo, após retornar ao Brasil e prestando aulas de Geografia no Ginásio Duque de Caxias, de Lagoa Vermelha, RS, conta a seus alunos algumas curiosidades sobre suas viagens pela Europa – sobretudo sobre os ossários e corpos mumificados presentes nas cidades de Évora, em Portugal, e em Palermo, na Itália.
Na Floresta Amazônica narra uma dramática história de sobrevivência. Os sobreviventes da queda de um avião na dita floresta precisam sobreviver na medida do possível, com recursos escassos. A salvação acaba vindo de... um papagaio.
Na Solidão do Deserto narra um episódio da vida de dois santos no século IV – o encontro de São Paulo Eremita, religioso romano que resolveu se refugiar no deserto, e Santo Antão Abade, o responsável por lhe dar sepultura.
A Tentação é outro conto com participação do Padre Paulo. Aqui, ele ouve uma história a respeito de um camponês que tem a chance de colocar as mãos em um tesouro que ele presenciou ser enterrado por dois irmãos, mas tal perspectiva, em realidade, acaba tirando sua paz – e a necessidade de fazer a coisa certa lhe traz bem-aventurança.
O Padre Paulo retorna a seguir em Ciclista Cego, uma breve reunião de pequenos fatos pitorescos presenciados em sua estadia em Portugal – entre eles, um homem cego de nascença que, ainda assim, consegue andar de bicicleta sem bater em nada.
Em Flor do Charco, Fidélis Barbosa conta, à sua maneira, a história de Santa Margarida de Cortona, uma jovem italiana do século XIII que vivia uma vida de luxúria até encontrar o arrependimento e o propósito de viver uma vida santificada.
Em O Anjinho, uma professora conta algumas histórias da época da imigração italiana no Rio Grande do Sul, entre elas a de um menino exemplar e seu destino trágico e inesperado.
Em O Jardim Talado, o autor narra como uma comunidade acabou arruinada porque suas mulheres resolveram aderir ao controle de natalidade – ao aborto e à esterilização.
Em A Maldição, nos é narrada a trágica história de um filho desobediente e viciado que, no fim, termina louco – tudo apesar dos esforços de sua mãe, e do padre que cita passagens bíblicas até não mais poder.
Em A Nevada de 1965, outro conto incluído posteriormente, um espetáculo natural ocorrido naquele ano – a queda de formidável quantidade de neve – acaba se transformando em tragédia para a população de Lagoa Vermelha. Só a boa vontade dos céus pode afastar das pessoas um pensamento de fim de mundo.
O Filho do Baby Doll, que mais tarde batiza o livro homônimo, é um pequeno tratado sobre como resgatar a felicidade conjugal: basta a esposa investir um pouco na aparência pessoal, e assim o marido deixará a amante de lado. É o que faz a esposa do prefeito de uma cidade, ao ouvir os conselhos de um terapeuta.
Respeito conta a história de um inteligente e fiel cachorro que viveu uma vida feliz ao lado de seus donos, acabou tendo um destino trágico e, por caprichos da vida, acaba “promovido” a santo milagreiro.
Em O Pequeno Marginal, o personagem-narrador conta sua história de sofrimentos, rancores e redenção. Nascido filho de uma prostituta, vive uma vida de marginalidade, e até cogita se vingar de um homem que lhe fizera mal, porém, encontra um novo propósito de vida ao ser recolhido à Casa do Menor Abandonado de Lagoa Vermelha, ficar aos cuidados de um professor que o auxiliou, e, no final, encontrar o perdão por parte de seu agressor e um novo propósito de vida, que o levará a se tornar um adulto responsável.
Em A Normalista, o professor Idílio Biavatti, da Casa do Menor Abandonado, e que auxiliara o personagem principal do conto anterior, narra como conseguiu tirar uma jovem, que fora desgraçada, do abismo da prostituição, reconciliá-la com a família e arranjar a ela um casamento, conseguindo recoloca-la no bom caminho.
Em O Pinheiro, o autor fala a respeito de uma árvore; o pinheiro do título dera muita alegria a quem visitasse um campo. Ao ser derrubado, acaba servindo a outros propósitos – o que impede o narrador de reclamar com o responsável pelo crime.
Em Tesouro Escondido no Campo, que dá título a outro livro do autor, nos é contada a história de um rapaz pobre, porém trabalhador e ambicioso que, guiado por sonhos, resolve comprar um lote de terreno não-aproveitado na esperança de encontrar um tesouro enterrado – mas ali, acaba encontrando muito mais do que esperava, e à custa de muito trabalho.
O Nhandu destoa dos demais contos por ser mais humorístico e menos cristão. Narra uma divertida história de caçada nos campos, onde até emas – também chamadas de avestruzes ou nhandus – acabam envolvidas. E o personagem principal, no propósito de apanhar um desses animais vivo, acaba sofrendo bastante...
O Negrinho do Pastoreio é a versão de Fidélis Barbosa para uma das mais tradicionais lendas do Rio Grande do Sul – a história de um pequeno escravo que sofre nas mãos de seu senhor, e, no final, acaba sendo santificado.
Em O Ébrio, mais uma história de redenção, da tragédia à conversão. A história de uma família em crise por conta do alcoolismo do marido, que passa por poucas e boas na luta contra o vício, inclusive indo trabalhar em um colégio de freiras, até a cura vir... da intervenção divina, de um milagre.
E, para terminar, Arlete conta um novo episódio da vida do Padre Paulo, este ocorrido antes de ele embarcar para a Europa. Antes da partida, ele acaba conhecendo uma jovem que se apaixona por ele, mesmo essa afeição sendo impossível; mas ambos continuam se correspondendo, até que, de uma hora para outra, a jovem Arlete para de escrever. O que teria acontecido?
Esta edição de O PRIMEIRO BEIJO apresenta alguns erros de ortografia, distrações por parte dos responsáveis pela edição. E não são poucos.
Porém, vale uma lida, como forma de entrar em contato com uma mentalidade que já ficou ultrapassada. O que aconteceu realmente com o antes respeitável povo do Rio Grande do Sul, nascido de uma mescla de raças e etnias que primavam pelo trabalho abnegado e pela religiosidade?

Para encerrar: no momento em que escrevo, é dia 12 de outubro, Dia de Nossa Senhora Aparecida e Dia da Criança.
Para acompanhar esta resenha, estava pensando em algo mais... grandioso, um projeto novo. No entanto, por motivos que fogem ao controle deste que vos escreve, não pude levar adiante o que antes planejava. Então, para hoje, resolvi fazer uma ilustração assim, mais singela.
Sendo Dia de Nossa Senhora Aparecida e Dia da Criança, fiz uma ilustração que alude a essas duas datas, por assim dizer: já que falamos no Negrinho do Pastoreio, tradicional lenda do RS, a qual Fidélis Barbosa contou à sua maneira no citado livro, hoje então fiz uma ilustração rápida e singela desse personagem, e sua madrinha, Nossa Senhora.
A história do negrinho que consegue encontrar os cavalos perdidos de seu cruel senhor com ajuda de intervenção divina já foi recontada por diversos autores. Além de Fidélis Barbosa, consigo lembrar das versões da história contadas por Simões Lopes Neto, Barbosa Lessa, Monteiro Lobato, Clarice Lispector... E a história ainda não perdeu popularidade, no que depende dos esforços de escritores, professores e contadores de histórias. Vamos, vocês já devem ter ouvido falar do Negrinho do Pastoreio pelo menos uma vez!
Para breve, novidades. Pretendo ir recuperando aos poucos o tempo que perdi. E procurarei cumprir, até o final do ano, o propósito de não ficar um só dia sem desenhar.
Ah: acompanhem também as postagens do blog onde comecei a colaborar, o da Biblioteca Pública Municipal Theobaldo Paim Borges. Lá, também estou procedendo o resgate da obra de Fidélis Barbosa, como um primeiro exercício.
Aguardem novidades.

Até mais!

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