Olá.
Hoje,
trago aos meus 17 leitores a última resenha de livros do ano de 2016. Ao mesmo
tempo, resenha de livros e de HQ. Porque é mais uma adaptação de uma obra
literária para HQ.
Hoje,
é uma adaptação de uma obra literária célebre. A mais célebre de um escritor
brasileiro célebre. E, das muitas versões dessa obra célebre para HQ existentes
no mercado brasileiro, escolhi a que ficou mais célebre.
Hoje,
vou falar de DOM CASMURRO, de Machado de Assis. E a versão escolhida para HQ é
a de Felipe Greco e Mário Cau, lançada entre dezembro de 2012 e janeiro de 2013
pela editora Devir.
DOM
CASMURRO, publicado em 1899, seria um livro que dispensaria apresentações. Um
romance célebre de Joaquim Maria Machado de Assis (1839 – 1908), o “bruxo do
Cosme Velho”. Se fosse apenas por Memórias
Póstumas de Brás Cubas (1881 – e do qual já falamos neste blog), e sua
continuação indireta, Quincas Borba (1891),
o mulato, ex-tipógrafo e co-fundador da Academia Brasileira de Letras já teria
alcançado a celebridade eterna como escritor, e já seria lembrado como um
gênio, um brasileiro de letras inventivo o bastante para figurar entre os
maiores escritores em língua portuguesa do mundo, etc. Mas não foi suficiente para
o nosso mulato: foi em 1899 que ele lançou DOM CASMURRO, firmando-se de vez
como nosso mais importante escritor! Tudo porque ele plantou na cabeça dos
leitores a maior dúvida da literatura brasileira: Capitu traiu ou não traiu
Bentinho com Escobar?
Bem.
Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas
Borba e DOM CASMURRO, a chamada “trilogia realista” do Bruxo do Cosme
Velho, já deixam os outros livros do escritor para trás, até mesmo os contos
parecem pouca coisa perto desses três romances. Não bastasse o defunto autor, o
homem que não deu certo em nada de Memórias
Póstumas, ou o rapaz que acaba mal depois de ser incumbido de cuidar do
cachorro chamado Quincas Borba, Machado
de Assis ainda nos fez julgar se houve ou não houve um ato de traição. DOM
CASMURRO ainda figura, entre outros epítetos, como um dos livros brasileiros
mais recomendados para leitura em vestibulares. O que não faltam, também, são
edições do romance por várias editoras, visto que há anos a obra caiu em
domínio público (a capa abaixo é de uma dessas edições: a da série Bom Livro,
da Editora Ática, cuja ilustração de capa é uma das mais autoexplicativas do
mercado).
Por
aí, o que não faltam, ainda, são resumos comentados de DOM CASMURRO em livros e
sites. A postagem do Estúdio Rafelipe acaba,
nesse momento, se tornando mais uma.
Bem.
Para falar da adaptação para HQ, naturalmente, como fiz em outras ocasiões,
preciso falar do romance.
DOM
CASMURRO, aviso antes, é um livro de leitura difícil, por conta do alto nível
de detalhamento nos trechos descritivos, da linguagem rebuscada, da forte carga
psicológica. Não é um livro daqueles que se lê por prazer, apesar da presença
de um fino humor e da característica ironia machadiana – geralmente, se uma
pessoa lê espontaneamente DOM CASMURRO, é mais por falta de opção em uma
estante de livros. Há, é claro, os que conseguem gostar. Mas eu faço parte da
parcela da população que não conseguiu apreciar o livro na íntegra, apesar das
diversas opiniões positivas a respeito. Até porque sua narrativa, apesar da
maioria de seus capítulos serem curtos, demora um pouco para “engrenar”, para
chegar logo à parte mais emocionante. Mas posso dizer: eu li o romance na
íntegra, não fiquei apenas nas sinopses comentadas. Bem, cada um com seu gosto,
este blog não tem a intenção de se fazer de opinião geral. Já devo ter dito uma
vez aqui: de Machado de Assis, dou mais preferência aos contos que aos
romances.
Bão:
DOM CASMURRO não foi exatamente um best-seller no ano de seu lançamento. Teve
uma boa recepção por parte de crítica. A consagração do livro veio com o tempo,
e com uma série de estudos que mudaram o caráter de sua interpretação.
É o
seguinte: em DOM CASMURRO, somos guiados através das memórias de Bento de
Albuquerque Santiago, o Bentinho, chamado Casmurro por ser um homem calado e
introspectivo. Exercendo a profissão de advogado, viúvo e já idoso. Ele conta
ao leitor episódios de sua infância e de sua maturidade, do nascimento de uma
paixão até a destruição de seu lar por conta de um ciúme doentio.
Bentinho
crescera em um sobrado na Rua de Matacavalos, no bairro da Lapa, no Rio de
Janeiro. E o rapaz nasceu marcado: sua mãe, Dona Glória, prometera, devido às
dificuldades do parto, que, se o filho sobrevivesse, iria se tornar padre. E,
aos quinze anos, está na iminência de ser mandado para o seminário. A mãe de
Bentinho tem o apoio dos familiares, que vivem com ela na mesma casa: Justina,
a velha e carola prima do garoto, e Cosme, tio de Bento. Na casa, ainda mora um
agregado, José Dias, que se torna o principal confidente e conselheiro de
Bento.
É
claro que Bentinho não estava a fim de assumir tal vocação. Tudo por conta da
paixão que sentia por Capitolina, a Capitu, filha de um vizinho, Pádua. O
garoto sente que essa afeição é recíproca. A afeição entre os dois nem chegava
a ser segredo, já que ambos passavam muito tempo brincando juntos – mas as
trocas de carinhos entre os dois nem ficavam em segredo. A menina, tida como
desmiolada por conta de sua mania de andar com a “cabeça nas nuvens”, rabiscar
muros ou o chão e ter atitudes de dissimulação, também é contrária à ideia de
que Bentinho vá para o seminário. E força o rapaz a convencer a mãe a mudar a
ideia da promessa. Enquanto isso, há muitas conversas e trocas de carinhos
entre Bento e Capitu – o primeiro beijo acaba sendo em um momento em que o
menino se oferece para fazer tranças no cabelo da amada.
Inicialmente,
Bento recorre à intervenção de José Dias, para tentar convencer a mãe a não
deixa-lo ir para o Seminário e estudar direito na Europa. José Dias, aliás,
ciente dos motivos para tal pedido, foi quem comparou os olhos de Capitu aos de
“cigana obliqua e dissimulada”, os famosos “olhos de ressaca” – no sentido do
quebrar das ondas do mar no litoral. Essa comparação acaba adquirindo mais de
um sentido, e pode dar uma pista sobre a personalidade dissimulada de Capitu,
se ela for mesmo alguém capaz de conspirar contra as pessoas ao redor em
segredo.
Porém,
as tentativas de mudar o destino de Bento falham: Dona Glória, muito apegada à
religião, não se deixa convencer, e o filho é mandado para o seminário, com o
devido temor (instilado por José Dias) de que Capitu acabe conhecendo e se
casando com outro homem, apesar de ambos terem jurado fidelidade recíproca.
No
seminário, porém, Bento acaba conhecendo aquele que se torna seu amigo mais
íntimo: Ezequiel de Souza Escobar. Os dois, em comum, descobrem que não possuem
vocação para padre, e, entre uma conversa e outra, dividem segredos – Bento
revela ao amigo de sua paixão por Capitu. E foi Escobar, que passou a visitar a
família de Bento na casa da Rua dos Matacavalos, quem conseguiu convencer Dona
Glória a tirar Bento do seminário, depois de dois anos, e fazer um órfão se
tornar padre no lugar dele, possibilitando que ela cumprisse sua promessa para
com Deus.
Bento
estuda direito e se forma advogado em São Paulo, e, pouco depois de retornar ao
Rio de Janeiro, se casa com Capitu, que foi, sim, fiel ao amado todo esse
tempo. Antes disso, Escobar, que também largou o seminário e se tornara
negociante, se casa com Sancha, a melhor amiga de Capitu. Os casais passaram a
viver grudados, se visitando com frequência. Porém, uma série de fatos, aos
poucos, começa a deteriorar a relação, antes harmônica, entre Bento e Capitu.
O
primeiro fato foi o nascimento do filho do casal, Ezequiel. O menino demorara a
vir ao mundo – e Escobar e Sancha já tiveram uma filha bem antes. E fora
Escobar quem escolhera o nome do menino. Com o tempo – aos olhos de Bentinho –
Ezequiel adquire traços físicos e psicológicos similares aos de Escobar, o que
deixa o advogado desconfiado.
O
segundo fato foi a morte acidental de Escobar, afogado enquanto nadava no mar.
Bento faz uma avaliação das atitudes “suspeitas” de Capitu durante o velório,
e, desse modo, o ciúme do homem cresce. Para Bentinho, estava mais que certo de
que Capitu traíra Bentinho com Escobar – e Ezequiel não era filho “de sangue”
de Bentinho. O ciúme chega a tal ponto que Bento renega Ezequiel. E a relação
do advogado com Capitu deteriora – a situação já estava difícil por conta dos
problemas de saúde de Dona Glória, que vem a falecer posteriormente. A solução
acabou sendo a separação do casal: Capitu e Ezequiel são mandados para a
Europa. Bento continua tocando seus negócios no Brasil, morando no sobrado
construído no bairro carioca do Engenho Novo, cópia quase exata da casa da Rua
de Matacavalos.
Capitu
acaba morrendo de doença na Europa; pouco tempo depois, Ezequiel retorna para
ver o pai, mas é recebido quase com frieza. No fim, o mais que Bento faz em
favor do filho é dar mais dinheiro para que Ezequiel viaje para Jerusalém, onde
o rapaz acaba morrendo de febre tifoide. E, desse modo, Bento termina o livro
sozinho, triste, amuado.
Bem.
A história é triste, mas o fato é que o autor não dá ao leitor plena certeza de
que Capitu tenha mesmo traído Bento com Escobar. A história é contada em
primeira pessoa, apenas com a visão de Bento sobre os fatos. Até a década de
1960, a leitura de DOM CASMURRO dava alguma certeza da traição: o livro era
visto como as memórias de um homem desiludido por ter sido traído pela mulher e
pelo melhor amigo. Tudo mudou na referida década de 1960, com o trabalho da
pesquisadora norte-americana Helen Caldwell, que escreveu o livro O Otelo Negro de Machado de Assis. Redescoberto
em anos posteriores, o livro de Caldwell, ao fazer uma comparação entre DOM
CASMURRO e o personagem Otelo, de Shakespeare (que também teve um destino
trágico devido a uma suspeita de traição que acaba levando-o a um ciúme
doentio), abriu uma nova interpretação do romance machadiano: que, na
realidade, Bentinho pode ter imaginado a traição de Capitu. Sob a ótica de um
homem corroído pelo ciúme, a realidade que cerca Bentinho teria sido, na
verdade, deturpada. E devemos lembrar que Bento é um advogado, dominava os
recursos da persuasão, portanto, o que ele estaria tentando era convencer o
leitor da possibilidade da traição. Se assim fosse, seria, então, a Capitu dos
“olhos de ressaca” uma mulher inocente? Teria José Dias, mesmo sem querer,
agido como o Iago da peça shakespeariana, que convencera Otelo a castigar a
inocente Desdêmona? Interpretações não faltam, debates foram feitos aos montes,
sob a luz da psicanálise ou de outras teorias extraliterárias. Mas a dúvida
permanece.
E,
apesar do caráter ambíguo de seu caráter, Capitu é considerada uma das melhores
personagens femininas da literatura brasileira.
E
ainda existe uma teoria de que Bentinho, na verdade, seria apaixonado por
Escobar, usando a fixação por Capitu como forma de despistar o leitor...
Bão.
De todo modo, DOM CASMURRO também teve suas adaptações para outras mídias. Para
teatro, teve; para tevê e cinema, claro que sim. Para quadrinhos, óbvio.
Foram
dois filmes produzidos em cima da obra machadiana: Capitu (1968), dirigido por Paulo César Saraceni, e Dom (2003), de Moacyr Góes. A mais
extravagante e memorável adaptação para as telas foi a minissérie de 2008, Capitu, dirigida por Luís Fernando
Carvalho e exibida na Rede Globo – naquele ano, se celebravam cem anos do
falecimento de Machado de Assis. Capitu foi
marcante, inclusive, pela cenografia ousada e pela trilha sonora que contou com
temas da banda norte-americana Beirut – até hoje, o hit Elephant Gun remete ao seriado.
E
quanto aos quadrinhos? Bem, para HQ, foram quatro adaptações de DOM CASMURRO
para a nona arte, produzidas no século XXI. A primeira é a de 2005, pela
editora Egba: dentro do projeto chamado Transcrever
Romances Inteiros para Quadrinhos, o desenhista Ruy Trindade adaptou DOM
CASMURRO. Depois, em 2011, Wellington Srbek e José Aguiar publicaram a sua
adaptação, pela editora Nemo; em 2012, pela editora Ática, saiu a adaptação de
Ivan Jaf e Rodrigo Rosa. E, entre dezembro de 2012 e janeiro de 2013, saiu a
adaptação de Felipe Greco e Mário Cau pela editora Devir.
UM OUSADO PROJETO
DOM
CASMURRO da Devir foi um projeto de adaptação para HQ que consumiu seis anos.
Foi em 2007 que o escritor Felipe Greco recebeu de uma editora amiga o desafio
de transpor o denso romance machadiano para a linguagem gráfica – e conseguiu!
Quer dizer, com a ajuda de Mário Cau. Greco se encarregou do roteiro, e Cau dos
desenhos.
O
resultado foi um álbum de 232 páginas, sem contar capa (em duas versões
disponíveis, dura e cartonada), tamanho 27,5 x 20,5 cm, com miolo
preto-e-branco. DOM CASMURRO HQ foi contemplada pelo edital do Programa de Ação
Cultural (ProAC) do Estado de São Paulo de 2011. Foi incluído entre as obras a
serem distribuídas para leitura por alunos da Educação de Jovens e Adultos
(EJA) no Plano Nacional de Biblioteca nas Escolas (PNBE) de 2014; e, após o lançamento,
foi premiada: prêmio Jabuti de 2013 na categoria Ilustração (2º lugar) e na
categoria Livro Didático e Paradidático (3º lugar); e Troféu HQ Mix de 2014,
categoria Adaptação para Quadrinhos.
O REDATOR
Vamos
falar agora dos autores envolvidos.
Pouco
consegui descobrir a respeito da biografia de Felipe Greco. Só que ele nasceu
no ano de 1976 (não constam nas fontes consultadas o local de nascimento nem
onde reside atualmente), e que ele já tem uma sólida carreira como escritor de
livros adultos e infanto-juvenis. Ele é autor de Caçadores Noturnos (Editora Desatino, 2001), O Coveiro (Desatino, 2003), Memórias
do Asfalto (Desatino, 2006, prêmio ProAC); Relicário (Edições GLS, 2009); e Lilica, o Rabugento e o Leão Banguela (Desatino, 2010, também premiado
pelo ProAC). Também possui no currículo uma peça teatral, O Escorpião (2009/10), concluída com recursos do prêmio de
Interações Estéticas da Funarte.
Após
2013, depois da conclusão do trabalho com DOM CASMURRO, seu único trabalho
conhecido com HQ, aparentemente, Greco não publicou mais nada, e nem se sabe o
que ele está fazendo agora. Mas dá para se ter uma pista: seu blog, o
Contr@verso (https://felipe-greco.blogspot.com.br/),
tem atualizações constantes.
O ILUSTRADOR
Com
relação a Mário Cau, a tarefa de levantar dados a seu respeito foi mais fácil.
Nascido em 11 de outubro de 1984 (não consegui descobrir o local), Mário Cau
(será esse seu nome verdadeiro mesmo? Também não consegui descobrir) se autodefine
como “quadrinhista e ilustrador, um artista compulsivo e multitarefa: desenha
desde sempre e nunca parou. Acredita nas Histórias em Quadrinhos como forma
poderosa de comunicação, expressão e arte: são sua linguagem e sua voz”.
Uma
das maiores revelações das HQB das primeiras décadas do século XXI, Mário Cau
começou sua produção autoral com a série Pieces,
sobre pequenos momentos cotidianos, “convidando o leitor a uma reflexão
sobre os mesmos”. A série Pieces
rendeu, até o momento, quatro álbuns.
Bem,
por onde começar a esquadrinhar a carreira de Mário Cau? Oh, claro: que ele foi
membro do coletivo Quarto Mundo, uma das mais importantes publicadoras de HQ
independentes do início do século XXI. O Quarto Mundo iniciou suas atividades
por volta de 2006 e encerrou-as em 2012, visando, além da publicação de HQs
independentes brasileiras, a troca de experiências entre os quadrinhistas para
contornar problemas na produção de HQs. Foi pelo Quarto Mundo que Cau lançou
suas primeiras obras, incluindo a série Pieces.
Antes
de 2010, Cau acumulou trabalhos em revistas do Brasil e do exterior. Para citar
alguns desses trabalhos: ele apareceu em vários números das publicações Nanquim descartável, Café espacial,
Quadrinhópole, Contos da Madrugada, Machado, Short Stack, Heavy Metal, Negative
Burn, Layer Zero, Front, Vad Gor de Nu, Feira da Fruta em Quadrinhos,
Monotipia, Shrunken Wool, Petisco Apresenta...
Bão.
Seus primeiros álbuns saíram em 2009, pelo Quarto Mundo: Pieces 1 e 2, álbuns
solo.
Em
2010, saíram Pieces 3, desta vez
publicado de forma independente, e Nós –
Dream Sequence Revisited, pela Balão Editorial. E Cau ainda participa do
álbum MSP + 50, segundo volume de
trabalhos em homenagem a Maurício de Sousa. Ele também participou do álbum Mônica(s), de ilustrações homenageando a
mais célebre personagem de Maurício.
Em
2011, dois álbuns pelo Quarto Mundo: Burocrathia,
com roteiro de Bruno Ishikawa, e By
the Southern Grace of God, com roteiro de Elton Pruitt.
Em
2012, passou a integrar a equipe criativa de Equipe Evoke, webcomic produzida por Kiyash Monsef, em parceria com
Estevão Ribeiro e Caio Yo e apoiada pelo Banco Mundial.
Em
2013, além de DOM CASMURRO (que fatura os já citados prêmios Jabuti e HQ Mix),
ele lança, pela editora Novo Século, Terapia
Vol. I, primeira compilação impressa da webcomic que ele começa a produzir
por volta do ano anterior, sob os roteiros de Rob Gordon e Marina Kurcis, para
o portal Petisco. Altamente elogiada pela crítica, Terapia rendeu dois prêmios HQ Mix na categoria Web Quadrinho, em 2011 e 2013. Terapia Vol. I foi lançado via campanha de crowdfunding no site
Catarse.
Em
2014, Cau lança sua primeira graphic novel, Morphine,
que inaugura o selo Pieces, de obras próprias do autor. E ele participa das
coletâneas Feitiço da Vila (editora
Jupati), Um Rock para Caçador, Cripta de Shogum e 3, 2, 1 – Fast Comics.
Em
2015, após faturar o Prêmio Ângelo Agostini de Melhor Desenhista de 2014, Cau
participa de três álbuns: Quando a Noite
Fecha os Olhos, com roteiro de André Diniz (parceria entre os selos Pieces
e Muzinga, este último do próprio Diniz); Aqui
e Acolá, pelas editoras Marsupial e Jupati, reunião de artistas de Brasil e
Portugal; e Um Cara que Caiu do Céu (e
Não Conhecia a Vida), com roteiro de Charlles Lucena (e do qual Cau é só um
dos artistas convidados).
Seu
álbum mais recente foi lançado em dezembro de 2016, na Comic Con Experience de
São Paulo (CCXP): Pieces – Partes do
Todo, pela editora Jupati, o quarto álbum da série.
Ainda
exerce a função de ilustrador para clientes particulares, editoras, agências de
publicidade e produtoras culturais, e de professor de HQ, Ilustração e Desenho
Artístico na Pandora escola de artes em Campinas – SP, onde atualmente reside.
Seu
site oficial: www.mariocau.com/;
seu blog: https://mariocau.blogspot.com.br/ - o
site foi uma das fontes consultadas para montagem desta biografia.
Várias informações acima, e outras mais, também foram extraídas do site Guia dos Quadrinhos (www.guiadosquadrinhos.com/) e da biografia dos autores constante no final do presente livro.
FORTUNA CRÍTICA
Bom.
O que dizer a respeito de DOM CASMURRO HQ?
Vamos
dizer que houve um casamento perfeito entre o roteiro de Greco, altamente fiel
ao romance e mantendo a narrativa linear, e o estilo híbrido de comics e mangá
de Mário Cau (um exemplar de Machado de Assis mangá, portanto?).
Greco
tomou o cuidado de cortar alguns trechos supérfluos da narrativa – os
referentes a reflexões filosóficas do narrador. A representação pictórica
desses trechos já seria suficiente. O essencial do longo texto machadiano, é
certo, foi mantido – Greco, decerto, estava pensando na venda da obra para as
bibliotecas escolares. Greco adotou a divisão do romance machadiano em cinco
partes, cada uma autorreferente: Promessa,
Namoro, Seminário, Casamento e Separação. Em todas essas partes, somos
guiados pelas memórias de Bentinho, e os acontecimentos adotam o devido tom de
flashback. Sem dar, no entanto, a devida certeza se houve ou não houve traição
por parte de Capitu. Embora o ponto de vista de Bentinho prevaleça, há a
possibilidade da inocência de Capitu – seria a semelhança entre Escobar e
Ezequiel mera coincidência? O leitor julgará.
Essa
adaptação tem um tom sombrio e sério, com alguns poucos momentos de humor – e
nisso foi fundamental a arte de Mário Cau, que, nas cenas onde Bento aparece
sozinho e rememorando, os tons são escuros, sombrios, como se o desenhista
tivesse desenhado com giz branco sobre papel preto, traduzindo o estado de
espírito atual do narrador; e, nos acontecimentos principais, Cau adota o
estilo preto e branco, em linha-clara, sem hachuras, mas com muito nanquim. Houve
grande detalhismo no retrato dos acontecimentos, alternando páginas com muitos
quadros, páginas inteiras e páginas duplas – mas tudo em um desenho limpo e que
não exige demais dos olhos do leitor. Houve preocupação com a reconstituição da
época do romance. Houve preocupação com a caracterização visual de cada
personagem, com a aparência combinando com sua personalidade; houve preocupação
com a adequação das expressões faciais dos personagens para cada situação –
inclusive nas traduções dos sentimentos de Bentinho, em todas as situações,
tanto quando está perto de Capitu, como nos rancores para com o “filho
bastardo” Ezequiel. Houve preocupação na alternância constante de planos, indo
constantemente dos planos gerais para os planos fechados – são constantes os
close-ups nos rostos ou em pequenos detalhes do rosto de cada personagem.
Claro, só assim para conseguir representar e ressaltar, numa perfeita forma
pictórica, os “olhos de ressaca” de Capitu.
Houve
preocupação até mesmo com o envelhecimento dos personagens, com suas alterações
físicas e psicológicas com o passar dos anos.
Também
foi um acerto a capa não trazer ilustrações frontais. Apesar do tom de não
atração de potenciais leitores, a aparência de um antigo alfarrábio já entrega
o tom a ser adotado no livro. Houve mais preocupação com a obra em si do que
com o marketing.
DOM
CASMURRO teria alcançado essa primazia em sua adaptação não apenas pelo roteiro
exemplar de Greco ou da arte espetacular de Cau, mas também por não ter sido
limitado a uma quantidade pré-determinada de páginas. Editoras que investem em
adaptações literárias para HQ geralmente impõem limites aos quadrinhistas –
seja qual for a obra, o número de páginas não pode passar, geralmente, de cem
páginas. Como DOM CASMURRO teve 236, então a Devir não impôs um limite, deu
liberdade às partes envolvidas para fazer uma adaptação perfeita, não
importando quanto papel tenha que gastar. O resultado foi uma HQ que traduz, à
beira da perfeição, o romance machadiano, em tom de perfeito drama.
DOM
CASMURRO de Greco e Cau, desse modo, figura, como adaptação literária, ao lado
de outras obras que conseguiram aclamação da crítica por suas qualidades
artísticas, e hoje são altamente celebradas. Como as de O Alienista, também de Machado de Assis, e Dois Irmãos, de Milton Hatoun, ambas pelos irmãos Fábio Moon e
Gabriel Bá; como as versões de O Guarani,
de José de Alencar – as duas mais lembradas são as de André Le Blanc, para
a EBAL, e a de Ivan Jaf e Luis Gê, para a Editora Ática.
O
que não falta no mercado brasileiro são adaptações para HQ das obras de Machado
de Assis – só O Alienista já teve
cinco, se não estou enganado. Mas DOM CASMURRO por Greco e Cau praticamente
garantiu um primeiro lugar em um possível ranking de adaptações machadianas.
Digo, não sei dizer quanto às outras adaptações disponíveis no mercado, mas
podemos dizer que a versão de Greco e Cau já é a melhor até o momento. E é
possível que venha mais nos próximos anos.
DOM
CASMURRO HQ ainda tem prefácio do jornalista Paulo Ramos, e texto de orelha de
Nailor Marques Jr. Completo com breves biografias e retratos dos autores (até isso Mário Cau se preocupou em fazer: retratar a si e seu colega como se estivessem no século XIX!).
Hoje,
o livro se encontra esgotado – já foi retirado, inclusive, do catálogo geral no
site da Devir. Mas ainda é possível encontrar exemplares nas livrarias e
gibiterias, físicas e virtuais. E, atualmente, não é difícil encontrar a obra
nas bibliotecas, principalmente as escolares – já que foi o governo quem
distribuiu os pacotes em 2014. Claro, se os exemplares estiverem bem cuidados.
Mas também
não deixem de ler o livro original. Ler DOM CASMURRO no original textual, com
estilo rebuscado e tudo, já pode ser visto como um ritual de passagem da
infância para a vida adulta. Ainda mais que esse livro ainda é recomendado para
vestibulares. Seria melhor se a pessoa lesse DOM CASMURRO de forma espontânea –
mas na forma de HQ, poderia valer como uma leitura da obra?
PARA ENCERRAR...
Deixo
aos leitores que ficaram até o fim mais páginas inéditas de minha HQ
folhetinesca, O Açougueiro. Hoje, são
quatro páginas – e tive de acordar cedo três dias esta semana para trabalhar
nelas. O resto do dia foi “alugado” para prestar favores a familiares. Não
daria para encerrar 2016 sem deixar aos leitores mais páginas de minha HQ tão
aclamada – digo, a julgar pelas críticas positivas que recebi via redes
sociais.
E em
2017 a obra continua, enquanto o Estúdio Rafelipe ainda estiver ativo.
Este
ano ainda vai ter postagem no Estúdio Rafelipe, antes do encerramento de um ano
tão difícil quanto foi 2016. E, certamente, leremos muito mais – e farei meus
17 leitores lerem.
Fiquem
conosco em 2017!
Até
mais!
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