Olá.
Faz
tempo, amigos. Faz mais de dois anos desde que escrevi pela última vez algo a
respeito dos gibis da editora Júpiter 2, que por cerca de uma década prestou
relevantes serviços aos quadrinhos brasileiros, em uma época em que eles não
viviam um momento muito bom.
Hoje,
volto a falar de gibi dessa editora. Mas, antes, temos de fazer algumas
considerações... Vou desenterrar alguns fantasmas do passado, tirar caveiras do
armário.
Caso
não saibam, a editora Júpiter 2, capitaneada pelo polêmico editor José Salles,
encerrou suas atividades em agosto de 2015, cumprindo cerca de dez anos e três
meses publicando gibis totalmente produzidos por brasileiros. A editora começou
em maio de 2005, sob o nome SM Editora (sigla que é junção dos sobrenomes de
José Salles e de seu sócio na ocasião, o desenhista Eduardo Manzano),
publicando revistas de gêneros variados, praticamente todos os gêneros
imagináveis, incluindo super-heróis, terror com toques de erotismo (gênero da
primeira revista da editora, Máscara
Noturna), infantil e humor; com o tempo, a variedade de gêneros sofreu
limitações por conta das convicções pessoais do editor, que passou a adotar um
pensamento conservador: terror e erotismo foram banidos, ficando apenas os
gêneros super-herói nacional, faroeste, romance, humor – e procurando, segundo
essas mesmas convicções, evocar as épocas em que o único compromisso das HQ era
o entretenimento descompromissado com a realidade e fazer resistência às
tendências atuais das HQ, “descaracterizadas pelos rumos do gênero super-herói
norte-americano, contaminadas pela malícia da cultura underground e pelas
perversões promovidas por Alan Moore, Neil Gaiman e cia, que despopularizaram e
elitizaram os quadrinhos”, parafraseando frases dele próprio. Bem, em parte, há
razão nessa frase... Mas não vamos discutir isso agora.
A
Júpiter 2 foi importante, entre outras coisas, no sentido do resgate de
personagens clássicos das HQ brasileiras que estavam praticamente esquecidos.
Principalmente os personagens do saudoso mestre Gedeone Malagola, como Raio Negro, Homem Lua, Hydroman, Milton
Ribeiro o Cangaceiro, Capitão Wings, Capitão Astral, Capitão Júpiter e Patrulha do Espaço. Aliás, a editora
mudou seu nome de SM Editora para Júpiter 2, em março de 2008, para homenagear
a editora Júpiter, dos anos 1950, para a qual Malagola desenvolvia trabalhos.
Salles
e seus fãs não apenas republicaram HQs antigas dos personagens do mestre
Malagola, falecido em 2008, como o haviam estimulado a escrever roteiros
inéditos de suas criações, que ganharam nova roupagem nos traços de artistas da
nova geração, como Douglas Félix, Valmar Oliveira e Emir Ribeiro.
Além
dos personagens de Malagola, a Júpiter 2 também resgatou do esquecimento O Gaúcho e Meia-Lua, o Rei da Capoeira de Júlio Shimamoto (este último
co-criado com Hayle Gadelha) e lançou gibis novos de personagens veteranos,
como a Velta de Emir Ribeiro (foram
três crossovers com o Raio Negro, um com a Mirza
de Eugênio Colonnese e um com o Lagarto
Negro de Gabriel Rocha), o Gabi de
Moacir Torres, o Meteoro de Roberto
Guedes e o Benjamin Peppe de Paulo
Miguel dos Anjos. E lançou personagens originais, alguns até então conhecidos
apenas pelos fanzines de tiragem limitada, como Máscara Noturna e Tormenta, de
Salles e Eduardo Manzano, Corcel Negro de
Alcivan Gameleira, Vulto de
Wellington Santos, Reação de José
Salles, Krahomim de Elmano Silva, Blenq de Rod Gonzalez, Capoeira Negro de Alex Cruz... (isso, só
contando os personagens que tiveram mais de uma edição lançada). Houve também
edições especiais, como Alameda da
Saudade, de Salles e Manzano, os já citados crossovers de Velta e Mirza, uma coletânea de aventuras inéditas da Patrulha do Espaço por Malagola e Emir Ribeiro, Juju Faísca por Gedeone Malagola, Piadas do Marcelo, pequena coletânea de
cartuns de Marcelo Rodrigues, Alvino de Jeferson Adriano e um especial
do Crânio de Francinildo Sena, o
maior fanzineiro brasileiro. Além de coletâneas de gêneros variados, como Boca do Inferno.com (de quadrinhos de
terror), O Bom e Velho Faroeste, Romance
em Quadrinhos (cujos títulos já são autoexplicativos), Space Opera (de ficção científica), Histórias Sagradas (de quadrinhos religiosos) e Patacoada (de
quadrinhos humorísticos). Nessas coletâneas, colaboraram artistas como Adauto Silva,
José Menezes (ambos resgatados da aposentadoria depois de anos de colaboração a
editoras brasileiras), Elmano Silva, Fábio Turbay, Edu Manzano, Emanoel Thomaz...
As
revistas da Júpiter 2 deram serviço a alguns grandes nomes das HQ nacionais que
estavam fora do circuito há algum tempo. Dentre estes, os já citados José
Menezes, Adauto Silva, Júlio Shimamoto e Rodolfo Zalla.
Bem.
A Júpiter 2 foi relevante na história dos quadrinhos brasileiros, e fará falta.
Sua ausência no circuito alternativo brasileiro será lamentada. Mas não a do
seu editor José Salles, um polemista de direita, que, em seus textos, atacando
o descaso sofrido pelo quadrinho nacional, não raro se mostrou grosseiro e
ofendeu muita gente, que não merecia suas palavras ásperas, nem seu pensamento
“de direita” e xenofóbico. Já não se tem notícias do que ele está fazendo
atualmente.
Desculpem
se pareço estar atacando-o, mas eu fui vítima da grosseria do Sr. José Salles.
Depois de educadamente resenhar vários de seus gibis, depois de educadamente
apontar virtudes e defeitos em suas publicações (mesmo nos gibis mais
“comportados”, o editor deixava passar, nos gibis, diversas situações que
nenhum outro editor de HQ, em sã consciência, deixaria publicar, como desenhos
com alto grau de amadorismo e roteiros com soluções fáceis e sem sentido), acabei
espinafrado por ele, que afirmava, em um texto atribuído a Salles que encontrei
na web, que minhas resenhas e desenhos eram horríveis, e que eu, Rafael Grasel,
praticamente sou um picareta, já que nem fanzines lancei. Por causa de José
Salles, e de seus ataques ferozes aos quadrinhos estrangeiros – que,
infelizmente, angariaram adeptos – muito de minha fé no quadrinho brasileiro
acabou abalada. E, infelizmente, as provas já foram apagadas da internet. Mas
afirmo: não sou o picareta que ele tentou fazer de mim em um texto. Procuro não
ser o picareta que ele chegou a afirmar que sou. E não, não tenho inveja do
Gedeone Malagola, de jeito nenhum...
Felizmente,
José Salles e seu pensamento não representavam a parcela majoritária dos
quadrinhos nacionais. O sensato, em qualquer meio, é a pregação do respeito
entre fãs de HQs, seja de qual gênero gostarem, de qual editora gostarem, de
qual país gostarem. Ainda mais em tempos de pregações furiosas de “Fora, Temer”
e repúdio a Donald Trump.
O
blog da editora Júpiter 2 ainda se encontra ativo, para quem quiser saber mais
a respeito: https://jupiter2hq.blogspot.com.br/.
Desculpem a falta de qualidade da imagem acima, é que eu escaneei direto de uma contracapa de um gibi da Júpiter 2, que estava meio desbotada pelo tempo...
Bem,
em outra oportunidade falo mais a respeito dessa polêmica. Mas o fato é que,
por conta de uma polêmica com um de seus gibis, acabei “bloqueado” por José
Salles, e impedido de comprar gibis da Júpiter 2 diretamente dele. Mas,
recentemente, comprei alguns gibis da editora por outros meios. E hoje vou
resenhar um gibi dessa editora. Hoje ele vai ver.
VAMOS FALAR DE COISAS ENGRAÇADAS...
O
gibi escolhido da vez é a coletânea PATACOADA, de quadrinhos de humor. As duas
edições da coletânea foram publicadas em 2008 e 2009 – e pena que foram só duas
edições, porque se tratava de um gibi muito divertido, que trazia um mix de
personagens humorísticos de diversas tendências, do humor mais “família” ao
humor negro, com e sem palavrões, fazendo ou não uso de metalinguagem (os
personagens agindo cientes de que são personagens de quadrinhos), bem ou mal
desenhado (bem, dizem que, para fazer carreira na HQ humorística, não é
necessário saber desenhar perfeitamente – isso fica para o gênero super-herói).
PATACOADA era da época em que a Júpiter 2 ainda era uma editora mais eclética e
aberta.
Hoje,
ambas as edições da PATACOADA são difíceis de achar – elas se esgotaram depois
de pouco tempo. Tive sorte de acha-las recentemente.
Da
PATACOADA (segundo o dicionário, o título significa coisa que não se leva a
sério, tolice, disparate, brincadeira, ostentação ridícula, mentira, lorota;
nome mais que apropriado, portanto) participaram nomes conhecidos do humor de
fanzines, alguns dos quais já falei diversas vezes aqui: Jeferson Adriano e seu
Alvino, Laerçon J. Santos e seus Paraibanos de Subúrbio e Carta Para Afras, Paulo Miguel dos Anjos
e seu Benjamin Peppe e outro
importante nome dos quadrinhos humorísticos nacionais: Milson Henriques e sua Marly. Fazem parte da Patacoada, ainda,
William Rafael Paraizo, Marcelo Dolabela, Marcelo Rodrigues, Lexy Soares e
Fábio Araújo Turbay (FAT).
RELEMBRANDO: MILSON HENRIQUES
Interrompemos
esta resenha um instante para uma importante informação. Já que fizemos menção
a Milson Henriques, é bom que falemos, antes de prosseguirmos, a respeito dele.
O motivo é especial: o criador de Marly faleceu
em 2016. Mais precisamente, em 25 de junho de 2016.
Milson
Henriques nasceu em São João da Barra, RJ, em 1938, mas adotou como lar, a
partir de 1964, o estado do Espírito Santo, e se firmou como o principal nome
dos quadrinhos capixabas.
Inicialmente,
Henriques fazia humor político, e já fora preso pelo Regime Militar. Até que,
em 1972, Henriques fora desafiado pelo editor de um jornal a criar um
personagem tipicamente capixaba. A primeira tentativa frustrada, foi com o papagaio
vereador Edilberto; percebendo que deveria se afastar dos temas políticos,
então, Henriques cria Marly, uma moça solteirona e desengonçada que passa a
maior parte do seu tempo fofocando ao telefone com sua amiga, Creuzodete (que,
até onde sabemos, nunca apareceu na tira). As tiras de Marly giravam,
basicamente, em torno da troca de fofocas entre ela e Creuzodete, e circulavam
unicamente por Vitória, ES; mas, pouco depois que a tira conseguiu alcance
nacional – no auge, a tira foi publicada em 11 estados brasileiros – as
desventuras da solteirona passaram a ser menos limitadas ao Espírito Santo e
mais voltadas à busca desesperada de Marly por um namorado.
Em
1973, Henriques lança o Almanaque da
Marly, que acabou recolhido e incinerado pela Polícia Federal; mas, no
mesmo ano, Marly começa a aparecer no gibi Patota,
da editora Artenova, e a seguir na revista Eureka, da editora Vecchi, obtendo alcance nacional. Após um
contrato com a editora Ecab, do Rio de Janeiro, Marly passa a ser publicada em diversos jornais brasileiros. E a
tira foi publicada até 1983, quando
Henriques interrompe sua produção.
No
entanto, Marly não ficaria esquecida
muito tempo: a tira é reativada em 1992, no embalo da peça teatral Hello, Creuzodete!, escrita pelo próprio
Henriques, estrelada por sua personagem e montada nesse mesmo ano. O sucesso da
peça estimula a retomada da produção das tiras, que foram publicadas até o
falecimento do autor em junho de 2016, lutando contra a leucemia. E foi pouco
tempo depois que o mestre brasileiro Rodolfo Zalla também faleceu.
Henriques
também foi bem-sucedido autor de peças teatrais, escritor de livros infantis, poeta,
chargista, professor e cantor – ele mesmo se definia como artista multimídia.
E,
ainda em vida, portanto, Milson Henriques viu sua cria aparecer na PATACOADA.
E
agora, voltamos às resenhas...
PATACOADA # 1
Lançada
em junho de 2008.
Principais
atrações: começando com seis páginas de histórias curtas de Laerçon J. Santos e
seus personagens desbocados em traço “tosco” de boneco palito – Carta para Afras, Zé Boy e The Paraibanos de Subúrbio; as três
páginas seguintes são com o revoltado Clóvis,
de William Rafael Paraizo; em seguida, quatro páginas de anedotas com o
humor negro e o traço grotescamente cômico de Marcelo Dolabela (sendo duas
delas reaproveitando piadas conhecidas); a seguir, Paulo Miguel dos Anjos e uma
amostra do Benjamin Peppe, na
história de três páginas O Empate (publicada
também no gibi # 2 do personagem pela Júpiter 2); a seguir, uma página rápida de Beto & Bia, de FAT, e com o casalzinho já reclamando desse
espaço insuficiente; as três páginas seguintes já são ocupadas pela Marly de Milson Henriques, em situações
centradas na procura da solteirona por sua “metade da laranja”; ocupando as
oito páginas seguintes, o Alvino de
Jeferson Adriano, ainda na fase underground (de óculos escuros e barba por
fazer) na história longa Minha Primeira
História de Amor, relato de um romance fracassado e de rumos inesperados;
e, por fim, Marcelo Rodrigues, com seus personagens incrivelmente detalhistas e
desbocados, com uma situação do personagem Mique
Jegue. A capa é de Milson Henriques, com cores de FAT.
PATACOADA # 2
Lançado
em setembro de 2009.
Este
gibi inicia, na parte das HQ, com a Marly
de Milson Henriques, em mais três páginas; em seguida, mais três páginas
com situações grotescas de Marcelo Dolabela – duas com Repórter Erson e uma com uma sátira da novela de maior sucesso do
momento, Duas Caras; a seguir, quatro
páginas de tiras de Alvino de
Jeferson Adriano, em estilo puramente poético e com críticas embutidas às
futilidades da sociedade; a seguir, Laerçon J. Santos ocupa as dez páginas
seguintes – sendo oito com Carta para
Afras e a amalucada e divertidíssima sátira do clássico filme de terror O Bebê de Rosemary, e duas com The Paraibanos de Subúrbio; a seguir,
três páginas com tiras do Benjamin Peppe de
Paulo Miguel dos Anjos, que não saíram nos dois primeiros números do gibi do
personagem pela Júpiter 2 (quem é fã do Peppe, portanto, não pode deixar de ter
a PATACOADA # 2 em sua coleção, custe o que custar); a seguir, William Rafael
Paraizo ocupa três páginas com outro personagem revoltado, Rafildo; e ainda tem duas HQ curtas de FAT (sendo uma com Beto & Bia causando o maior vexame
em uma festa junina), uma HQ curta de Lexy Soares, e dois cartuns “bagacêra” de
Marcelo Rodrigues. A capa é de William Rafael Paraizo com cores de FAT.
Cada
gibi tinha preço de capa de R$ 3,00. Hoje, no mercado de gibis usados, já está
a um preço maior. Só procurando, agora, nos sebos físicos e virtuais. Mas a
dica já está dada.
Agora
só falta que o Sr. José Salles reapareça e acabe caindo em cima de mim por
causa de tudo o que escrevi até aqui... Se vocês soubessem o que é ter o
coração assim, partido, quando se está lutando por um espaço no competitivo
mercado das HQ brasileiras, e descobre que, às vezes, não dá para confiar em
ninguém... Nem na pessoa que antes você admirava tanto!
PARA ENCERRAR...
Não
tendo outra coisa que colocar neste espaço, vou deixar a vocês mais um trecho
do atual arco de tiras dos Bitifrendis, meus personagens praianos. Faz tempo
que não publico tiras deles aqui...
Estas
aqui são as primeiras 23 tiras da 5ª temporada de tiras dos personagens. E,
caso acessem com regularidade o blog dos personagens, verão que foi introduzido
recentemente um novo personagem!
Confiram
as mais recentes tiras, com o personagem novo e tudo, em https://bitifrendisblog.blogspot.com.br/.
Quem
sabe em 2017 tudo mudará para melhor, tanto para você, um dos meus 17 leitores,
quanto para mim?
Até
mais!
Um comentário:
Mais uma vez Rafael Grasel dando uma de santinho. Sendo que se a Júpiter II acabou grande parcela de culpa têm, sempre perturbando o Salles. Bem disse você mesmo aí o José Salles era amigo do Grasel e ele me falou que queria publicar gibis dos personagens infantis do Grasel quando esse começou a fazer "resenhas" das revistas da editora Júpiter II, sempre recheadas de ataques pessoais aos artistas nacionais que eram publicados pela editora. Quem acompanhou na época lembra o quanto isso chateou o Salles ao ponto dele dar um recado diretamente pro Grasel e sumir definitivamente das redes sociais. Depois o Grasel continuou atormentando o José Salles no blogue e ao ponto até que a Júpiter II acabou e a prova está aí continua até hoje.
José Salles e eu éramos grandes amigos do Gedeone Malagola, e não sei porque motivo o Grasel escolheu o mestre Gedeone para alvo de seus ataques ferinos, todos despropositados. Eu mesmo escrevi uma matéria mostrando que tudo que o Grasel falava da Patrulha do Espaço estava errado, ele simplesmente não conhece os trabalhos do Gedeone leu uma história só e sai disparando achismos com ares afirmativos.
http://primeirossuperherois.blogspot.com.br/2014/10/patrulha-do-espaco.html
O nosso amigo morreu mas nós estamos aqui pra defender ele!
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