sábado, 17 de dezembro de 2016

Livro: SONHOS TROPICAIS

Olá.
Depois de algum tempo parado em função de minhas atividades paralelas – e, realmente, coloquei sobre minhas costas muitos encargos, mais do que eu particularmente gostaria de ter pego – trago a vocês mais um livro. Tudo bem, o período é de festas de final de ano, mas livro é sempre uma boa opção de presente, seja de qual gênero for.
O livro de hoje é romance histórico. Seu autor é gaúcho, e um dos mais consagrados ficcionistas brasileiros. Desse autor, devo ter referenciado, neste blog, apenas uma ou duas vezes. E este romance foi um dos poucos, dele, a ganhar adaptação para outras mídias.
Hoje, então, falo a respeito de SONHOS TROPICAIS, de Moacyr Scliar.
SAUDADES DE UM TEMPO DE ERUDIÇÃO...
Moacyr Scliar (1937 – 2011), escritor, médico e professor universitário, foi, reconhecidamente, um dos escritores gaúchos mais consagrados do Brasil, em suas várias fases na carreira literária: do realismo fantástico à ficção histórica, passando pelo gênero infanto-juvenil e pelas crônicas, onde explicava a seus leitores conceitos religiosos, históricos e médicos de maneira erudita e ao mesmo tempo simples.
O escritor esteve sempre identificado com três principais aspectos de sua vida: sua formação afetiva com sua cidade natal, Porto Alegre, RS; sua formação acadêmica e atividade como médico (ele se formou em Medicina pela UFRGS em 1963, fez pós-graduação em Israel em 1970 e se tornou doutor em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública); e por sua formação religiosa, judaica (ele cresceu no bairro porto-alegrense do Bom Fim, tradicional reduto judaico). Esses aspectos definiram sua obra literária, marcada pelo seu estilo leve e irônico, de humor judaico, agridoce e de meio-sorriso apenas, e pela erudição e facilidade de tratar de diversos assuntos. Frequentemente, sua obra abordava o judaísmo, o socialismo, a medicina e a vida da classe média, dentre outros assuntos de interesse geral.
Além dos mais de setenta livros que escreveu, entre romances, contos e infanto-juvenis, Scliar foi um dos cronistas que abrilhantaram, por anos, o jornal Zero Hora, de Porto Alegre. Com o grupo que, enquanto estava vivo, incluía Luís Fernando Veríssimo, David Coimbra, Martha Medeiros, Paulo Santana, Roger Lerina e outros (Fabrício Carpinejar chegaria depois), Scliar ajudava a tornar Zero Hora uma referência nacional em crônicas diárias. Scliar tinha dois grandes espaços obrigatórios no jornal: aos sábados, na segunda página do caderno Vida – espaço atualmente ocupado pelo também médico J. J. Camargo; e, aos domingos, no caderno Donna, onde uma de suas atrações frequentes era sua coleção de Nomes que Condicionam Destinos, recolhimento de situações em que o nome ou sobrenome de uma pessoa coincidentemente determinava sua profissão ou a situação pela qual passou.
Seus primeiros livros marcaram Scliar como um dos grandes representantes da tendência literária do realismo fantástico – a realidade vista sob o ângulo dos acontecimentos insólitos e não raro absurdos, como forma de crítica à vida moderna. Essa tendência fora cultivada pelos literatos brasileiros entre os anos 1950 e 1960, e teve como nomes maiores Murilo Rubião e José J. Veiga. Scliar se diferenciou desses nomes pela adição do citado humor judaico em suas narrativas.
Seu primeiro livro foi O Carnaval dos Animais, de 1968. Depois, vieram outros títulos, como A Guerra no Bom Fim (1972), O Exército de um Homem Só (1973), Os Deuses de Raquel (1975), O Ciclo das Águas (1975), A Balada do Falso Messias (1976), Mês de Cães Danados (1977), Doutor Miragem (1979), Os Voluntários (1979), O Anão no Televisor (1979), O Centauro no Jardim (1980, eleito um dos 100 melhores livros de temática judaica pela National Yiddish Book Center dos Estados Unidos), Max e os Felinos (1981), Cavalos e Obeliscos (1981), A Festa no Castelo (1982), A Estranha Nação de Rafael Mendes (1983), A Massagista Japonesa (1984), A Condição Judaica (1987), Um País Chamado Infância (1989), Cenas da Vida Minúscula (1991), Sonhos Tropicais (1992), Um Sonho no Caroço do Abacate (1995), A Majestade do Xingu (1997), A Mulher que Escreveu a Bíblia (1999), Os Leopardos de Kafka (2000), O Irmão que Veio de Longe (2002) entre outros – e só para nos determos entre os mais conhecidos. Vários desses livros já tiveram tradução para doze idiomas.
Scliar recebeu diversos prêmios literários, entre os quais três Jabuti (1988, 1993 e 2009), um da APCA (1989) e um Casa de Las Américas (1989). Ele sempre gostou de contar, inclusive, das vezes em que teve de pagar pelos prêmios que recebeu. Foi eleito, em 2003, membro da Academia Brasileira de Letras.
Ficou famosa a polêmica em que Scliar se envolveu, em 2002, com o escritor canadense Yann Martel – este, quando escreveu seu best-seller, A Vida de Pi, que deu origem ao filme premiado no Oscar, foi acusado de plagiar Max e os Felinos. Porém, Scliar nunca cogitou processar Martel, que afirmava ter apenas lido um resumo de Max e os Felinos – ambos os livros tratavam de garotos que ficavam à deriva, no meio do oceano, junto com animais selvagens.
Scliar teve dois livros seus adaptados para o cinema: Um Sonho no Caroço do Abacate foi adaptado sob o título Caminho dos Sonhos pelo diretor Lucas Amberg, em 1998; e Sonhos Tropicais foi adaptado para um filme homônimo, dirigido por André Sturm, em 2001.
Scliar era casado desde 1965 com Judith Oliven, e teve um filho, Roberto. O passamento do escritor foi no dia 27 de fevereiro de 2011, de falência múltipla nos órgãos, pouco depois de uma intervenção cirúrgica para a retirada de pólipos no intestino – mas que acabou evoluindo para um Acidente Vascular Cerebral (AVC) enquanto se recuperava.

SAUDADES DE UM TEMPO DE MODERNIZAÇÃO
SONHOS TROPICAIS, o livro do qual estou falando hoje, foi publicado pela primeira vez em 1992, pela editora Companhia das Letras, e foi vencedor do Prêmio Jabuti de Melhor Romance no ano seguinte. E, em 2002, foi adaptado para o cinema.
O romance dá saltos entre o passado e o presente para resgatar a trajetória conturbada do médico sanitarista Oswaldo Cruz (1872 – 1917) e reconstruir a época da República Velha brasileira, com foco maior no evento conhecido como Revolta da Vacina (1904), ocorrida no Rio de Janeiro. Consistiu em uma tentativa de modernização da cidade do Rio de Janeiro que acabou evoluindo para uma revolta social. Os fatos conhecidos e relatados a respeito da Revolta da Vacina demonstram o quanto a sociedade brasileira resistia à modernização promovida pela belle époque, ocorrida entre o fim do século XIX e início do século XX.
O romance é cheio de saltos entre passado e presente, combinando as vidas de três personagens: a de Oswaldo Cruz; a do narrador da história, um médico desempregado e alcoólatra; e a de um pesquisador norte-americano que vai se encontrar com esse médico.
Bem. Na época atual (o ano de 1992), se encontra o médico desempregado, cujo nome nem é revelado ao longo da história. Ex-médico e vereador de uma cidade do interior de Santa Catarina, atualmente residindo no Rio de Janeiro, sem trabalho, a carreira arruinada por conta de um caso extraconjugal e do alcoolismo, esse personagem tem um encontro marcado com o pesquisador estrangeiro (que também não tem o nome revelado), que nesse momento, está no Rio de Janeiro, hospedado em um hotel, aguardando contato. O pesquisador está interessado na vida e na obra de Oswaldo Cruz, e o médico sabe tudo a respeito da vida deste – o contato entre ambos foi feito por intermédio da amante do médico.
Enquanto aguarda o momento de se encontrar com o tal pesquisador, o médico tem uma conversa imaginária com Oswaldo Cruz, e, enquanto relata e dá detalhes sobre sua trajetória até ali, e imagina o que o estrangeiro está fazendo e que destino vai dar para sua pesquisa (com o temor, inclusive, que a história seja aproveitada para o cinema ou algum musical da Broadway), vai relembrando a vida e carreira do sanitarista, cheia de sucessos e também de fracassos na tentativa de modernizar o Brasil do início do século XX.
O início do século XX era uma época de contradições: a ciência, a medicina e a tecnologia avançavam assombrosamente, porém o homem se encontrava contaminado pelos preconceitos. A modernidade fascinava, com os aparelhos elétricos, os primeiros automóveis, maquinários industriais e monumentos grandiosos em celebração da engenhosidade humana; mas essa modernidade andava do modo como os europeus a concebiam: os europeus, principalmente os franceses, ditavam a moda a ser seguida pelo resto do mundo, principalmente no pensamento. Acreditavam serem os homens mais inteligentes de todo o mundo, enquanto o restante do mundo, principalmente os brasileiros, eram os povos menos inteligentes, civilizados. Grande parte dos eruditos europeus ainda via o Brasil como uma terra selvagem e misteriosa, apesar das tentativas de nossas elites para não ficar atrás na marcha do progresso.
Bem, praticamente, no início do século XX, os europeus eram inteligentes e civilizados, detinham grande parte do conhecimento científico e tecnológico, mas sua mentalidade também era norteada pelo preconceito contra os povos asiáticos, africanos e americanos (os “inferiores”), pelo antissemitismo (preconceito contra os judeus) que seria embrião da “solução final” dos nazistas alemães (leia-se holocausto), pela eugenia (a suposta superioridade da raça branca), corroborada por controversos estudos que tentavam demonstrar, pela medição dos atributos físicos humanos, que haviam tipos humanos mais propensos a se tornarem criminosos – e aí, sobrava para os negros e indígenas, principalmente.
No Brasil, a situação evidentemente não era melhor. O poder político estava concentrado nas mãos da elite, principalmente a cafeicultora, cujo maior propósito de ação, nas esferas política e econômica, era o benefício próprio, enquanto o povo ficava à própria sorte - afinal, 98% da população da época era de mulheres, militares e analfabetos, e, pelas regras, essa parcela não podia votar e concorrer a eleições; logo, por que se preocupar com essa parcela que não vota? A República ainda era jovem, e havia diversos grupos digladiando-se para decidir quem seria responsável pelo destino da nação: os positivistas, os militares, os “coronéis”. Os membros da elite brasileira estavam já contaminados pelas ideias eugênicas circulantes na Europa (já que, frequentemente, os filhos das pessoas ricas estudavam no exterior). Culpavam principalmente a miscigenação pela suposta degradação do povo brasileiro; a culpa também recaía sobre o clima tropical de nosso país, que estimulava a suposta preguiça da população.

O SANITARISTA: VIDA E OBRA CONHECIDAS
Bem: a tudo Oswaldo Cruz presencia em sua trajetória. A começar por sua formação, marcada pela austeridade do pai, o também médico Bento Gonçalves Cruz. Em um episódio do livro, o pai faz o jovem Oswaldo voltar para casa mais cedo, apenas para que o menino arrumasse a cama que deixou desarrumada ao sair de casa. Anos depois, o jovem Oswaldo consegue “dar o troco”: acaba fazendo, durante uma reprimenda, seu pai parar de fumar com apenas uma frase. Mais tarde, faz uma estripulia para provar seu amor à futura esposa, Emília.
Oh: Oswaldo Cruz nasceu em São Luís do Paraitinga, estado de São Paulo, em 5 de agosto de 1872; em 1877, ele e sua família se transferiram para o Rio de Janeiro, onde o jovem Oswaldo fez todos os seus estudos iniciais. Oswaldo Cruz ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro aos 15 anos. Formou-se doutor em 1892, porém, a morte do pai, no mesmo ano, impede o aprofundamento de seus estudos. Em 1896, ele consegue realizar seu sonho: especializar-se em bacteriologia no Instituto Pasteur de Paris, na França – o mais renomado centro de pesquisa do mundo na época.
De volta ao Brasil, em 1900, Oswaldo Cruz cria o Instituto Soroterápico Federal, instalado na antiga fazenda de Manguinhos – o objetivo inicial era fabricar soro antipestoso, para debelar uma epidemia de peste bubônica no porto de Santos. Assumindo a diretoria do Instituto em 1902, Oswaldo Cruz utilizou-o como base de apoio técnico científico, deflagrando memoráveis campanhas de saneamento, para combater as principais doenças que grassavam entre a população – febre amarela, tifo, peste bubônica, cólera, malária. O Instituto Soroterápico, mais tarde, é rebatizado como Instituto Oswaldo Cruz; o sítio de Manguinhos recebe, posteriormente, o conhecido edifício em estilo mouro, evocando os estudiosos do mundo muçulmano na Idade Média; e se torna, ainda hoje, um dos principais centros de pesquisa médica do Brasil.
A grande prova de fogo de Oswaldo Cruz foi o período entre 1903 e 1909, período em que ocupou a Diretoria Geral da Saúde Pública, cargo equivalente, nos dias de hoje, ao de Ministro da Saúde. O Presidente brasileiro da época, Rodrigues Alves, tinha um plano arrojado para modernizar a cidade do Rio de Janeiro, na época a vitrine do Brasil para os estrangeiros – e que, na época, era uma verdadeira pocilga, com famílias em situação de risco ocupando casas na região central, ruas estreitas e constantemente sujas e constantes surtos de doenças graves como cólera, peste bubônica, varíola e febre amarela. O objetivo principal da reurbanização do Rio era atrair empréstimos estrangeiros, para minorar a crise pela qual a economia passava, e para isso era fundamental apresentar uma boa imagem de nosso país – nada muito diferente do que o atual governo fez com relação à Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016: reformas de infraestrutura “para inglês ver”.
Rodrigues Alves nomeou o engenheiro Pereira Passos para Prefeito do Rio de Janeiro, e este começou a remodelar a cidade – investiu em infraestrutura, construiu edifícios novos, demoliu antigos edifícios do centro da cidade que estavam sendo usados como cortiços, mas obrigou a população pobre do centro da cidade a se mudar para as periferias, inchando assim as favelas.
Enquanto isso, Oswaldo Cruz se dedicava a livrar o Rio de Janeiro das doenças. Fez uma campanha brilhante para debelar a peste bubônica – entre outras medidas, estava a captura de ratos vivos, que eram trocados por dinheiro junto às autoridades da Saúde Pública. Claro que essa medida teve adesão popular – e teve quem se aproveitasse da situação. Um desses aproveitadores era o lendário Amaral dos Ratos, que criava ratos em cativeiro com o único objetivo de vende-los à Saúde Pública.
Porém, a carreira de Oswaldo Cruz correu grandes riscos na hora de combater a varíola: ele conseguiu, em 1904, que o governo aprovasse uma lei que tornava obrigatória a vacinação de pessoas com mais de seis meses de idade, a mais eficiente forma de se imunizar contra a doença que, na época, era uma das mais mortíferas. A lei previa, inclusive, a obrigatoriedade da vacinação para casamentos, ingresso no serviço público e no exército. No entanto, na época, a vacinação era um método visto com desconfiança: a população não confiava no método de se curar varíola injetando o germe atenuado no corpo (corria, inclusive, uma história assustadora sobre uma moça inglesa, Lucy Smith, que se vacinou escondido da família e, pouco depois, começou a se transformar em uma vaca – e essa história alimentava o boato de que quem se vacinasse contra a varíola se transformava em bezerro, muito pelo fato de a vacina ser feita com germes da varíola bovina); e havia a questão moral – muita gente era contrária à vacinação apenas pelo argumento tacanho de que as moças de família deveriam tirar toda a roupa para serem espetadas com a lanceta (as vacinas eram aplicadas com esse instrumento que lembrava uma caneta, e era mais dolorida que a seringa, que viria mais tarde).
Além dessa desconfiança, havia ainda o fato de que os agentes da Saúde Pública utilizavam métodos violentos para garantir o cumprimento da lei: arrombavam casas e aplicavam a vacina à força. Tais medidas não eram bem vistas pela população que já sofria com a carestia e a expulsão forçada de suas antigas moradias. E foi o germe de uma violenta revolta entre a população e o governo de Rodrigues Alves. O movimento popular ainda contou com a adesão de setores que faziam oposição ao governo – militares descontentes com o governo civil, setores das classes médias e das elites. Durante alguns dias, a população fez protestos e quebra-quebras nas ruas do Rio de Janeiro. A revolta popular foi violentamente reprimida, muitos dos envolvidos acabaram deportados para o Acre, mas houve algum resultado: a lei que tornava a vacinação obrigatória foi revogada.
Enquanto isso, Oswaldo Cruz era fortemente ridicularizado e atacado pela imprensa: apenas umas poucas pessoas estavam a favor de seus métodos. Adversários faziam uso, inclusive, de argumentos controversos para desmoralizar as teses cientificamente comprovadas de Oswaldo Cruz. Mas o Dr. Oswaldo riria por último em 1908: uma violenta epidemia de varíola matou cerca de 10 mil pessoas, e, desta vez, a população fez filas nas portas dos postos médicos, para se vacinar voluntariamente. No ano anterior, ele conseguira erradicar a febre amarela do Rio de Janeiro. E, finalmente, Oswaldo Cruz teve seus esforços reconhecidos. Obteve prestígio internacional. Representou o Brasil em importantes conferências internacionais.
Mais tarde, ele atuou na região da Amazônia, ajudando a combater as doenças tropicais que grassavam entre os operários da Ferrovia Madeira-Mamoré, no Acre. Em 1913, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, e, em 1915, deixou o Instituto Oswaldo Cruz e se mudou para Petrópolis, no Rio de Janeiro, por motivos de saúde – e chegou, inclusive, a ser eleito prefeito daquela cidade, mas sem conseguir, no entanto, implementar as propostas de urbanização que pretendia. O sanitarista acabou falecendo em 11 de fevereiro de 1917, de insuficiência renal.

NO LIVRO
Bem. Scliar e seu narrador esquadrinham praticamente toda a vida de Oswaldo Cruz, e ainda o fazem interagir com diversos outros personagens da época, fazendo um panorama geral do Brasil e do Mundo do início do século XX.
A narrativa é cheia de citações a pessoas reais, que interagem ou não com o Dr. Oswaldo. São contadas as histórias de Antoni van Leeuwenhoek, o pai da microbiologia; Ignaz Semmelweiss, o médico húngaro que teve de se sacrificar para comprovar os benefícios da assepsia na hora dos tratamentos médicos; Louis Pasteur, o nome maior da bacteriologia; Daniel Carrión, outro que teve de se sacrificar para provar que estava certo – mas teve a chance de fazer um colega seu reconhecer seus erros.
Dentre os personagens que interagem direta ou indiretamente com o Dr. Oswaldo, estão: dois médicos do Instituto Pasteur, Ogier e Vibert, que, ao conhecerem o futuro sanitarista, perdem muito tempo com um diálogo inútil sobre papagaios; Rodrigues Alves, o “soneca”, por sua mania de ser flagrado dormindo durante eventos oficiais; o prefeito do Rio, Pereira Passos; o líder da Igreja Positivista, Teixeira Mendes, fascinado pela musa da corrente filosófica, Clotilde Veau; além desses, aparecem, do lado do “povão”, Amaral dos Ratos, a prostituta polonesa Ester e o líder dos revoltosos, Prata Preta. Esses três travam importantes diálogos ao longo da narrativa – e Ester é a que tem a história mais sofrida, visto que, por conta da condenável prática do “tráfico de escravas brancas”, fora enganada com uma promessa falsa de casamento no Brasil e, atraída para cá, é forçada a se tornar prostituta para se sustentar. E ela vê sua “profissão” ameaçada por causa da campanha da Saúde Pública do Dr. Oswaldo. Até mesmo o saci-pererê aparece em um diálogo imaginário com o Dr. Oswaldo.
Vários fatos históricos também compõem o panorama geral: Oswaldo Cruz, na França, presencia o rebuliço gerado pelo Caso Dreyfus – movimento liderado por intelectuais franceses em defesa de um oficial militar judeu que fora condenado injustamente, e que acendeu a chama do antissemitismo francês; a Urbanização do Rio de Janeiro e a Revolta da Vacina, propriamente ditas; e a organização do movimento operário, guiado pelos preceitos comunistas – outra corrente filosófica clandestina. Até a história de Lucy Smith é contada.
A narrativa ainda é entrecortada com diálogos irônicos entre interlocutores não identificados, em locais não especificados – gente comum discutindo o que está acontecendo; e também com notícias, anúncios e pequenas quadrinhas extraídas de jornais da época, aparentemente com pouca coisa a ver com a história, apenas para montar o panorama da época.
E, claro, com os pensamentos do narrador da história, que relembra sua vida e hesita sobre seu encontro com o pesquisador estrangeiro. A grande expectativa do romance é: será que o médico e o pesquisador irão realmente se encontrar? Ou o destino vai se encarregar de “melar” esse encontro?
De todo modo, o romance, em suas 214 páginas, cumpre o papel de mostrar que, no Brasil, a “civilização” foi algo construído a duras penas: teve resistências em mais de um setor da sociedade. A civilização brasileira à moda europeia, que em princípio seria a melhor para o mundo como um todo, não passaria de um sonho tropical? Por que nosso povo, tão mal instruído e guiado por superstições, foi obrigado a engolir as inovações à força, ao invés de recebe-las com a devida educação? Hoje, a ciência parece ter vencido; a moral mudou, preceitos tacanhos, como o preconceito racial, parecem ter sido superados; mas o mundo não parece tão bom assim. SONHOS TROPICAIS ainda mantém, de algum modo, sua atualidade. E merece uma lida.

PARA ENCERRAR...
...trago a vocês mais páginas inéditas de O Açougueiro, a minha narrativa folhetinesca. No dia 20 de dezembro, vai fazer um ano que ela está em publicação no Estúdio Rafelipe – sem previsão, ainda, para a possível versão impressa. Porque ainda não terminou. Para 2017 tem mais páginas, e a história vai sendo tecida aos poucos.
Aguardem e verão mais surpresas.
Na próxima postagem: SONHOS TROPICAIS, o filme.

Até mais!

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