Olá.
Hoje,
trago a vocês mais um livro.
Mais
um livro sobre Porto Alegre, a capital dos gaúchos.
Mais
um livro escrito pelo hoje maior especialista na cidade, Rafael Guimaraens, e
ilustrado por “comparsas” seus.
Na
postagem anterior, havia falado de outro álbum que ele organizou, Rua da Praia – Um Passeio no Tempo.
Mas
desta vez se trata de um grande álbum de referências sobre um dos maiores
pontos turísticos de uma cidade que possui muito apreço por sua história. Não
fica perto da Rua da Praia, mas todo porto-alegrense conhece, e sabe como
chegar lá, e dificilmente sai de lá de mãos vazias.
Hoje,
vamos falar de MERCADO PÚBLICO – PALÁCIO DO POVO.
MERCADO
PÚBLICO – PALÁCIO DO POVO foi publicado em 2012, pela editora Libretos, há mais
de uma década a casa editorial de Guimaraens. Tal como Rua da Praia, trata-se de um álbum bastante generoso: são 168
páginas, em papel couché de alta gramatura, em formato quadrado – 27,5 x 27,5.
Embora não caiba confortavelmente em qualquer prateleira, e seja até pesado
para manusear, é um livro cuja folheada vale muito a pena.
Textos
de Rafael Guimaraens, e altamente ilustrado com ilustrações e fotografias. As
fotos se alternam entre antigas, extraídas dos Arquivos Públicos, e atuais, a
cargo de Marco Nedeff; já as ilustrações ficaram a cargo de Edgar Vasques,
parceiro de Guimaraens em Tragédia da Rua
da Praia em Quadrinhos e que também já ilustrou outros livros sobre Porto
Alegre, como o já citado Rua da Praia.
No álbum, colaboraram ainda: Clô Barcellos, no design gráfico, Ricardo Stricher,
na memória fotográfica, e Doris Saraiva de Oliveira na consultoria de
arquitetura. Com exceção dos dois últimos, todos fazem parte da mesma equipe de
Rua da Praia.
O
livro ainda é bilíngue inglês-português – todos os textos e legendas.
Em
um enorme álbum de referência, Guimaraens, Nedeff, Vasques e Barcellos conduzem
o leitor em uma grande história do Mercado Público de Porto Alegre, um dos
pontos turísticos obrigatórios da capital, e um dos maiores pontos de encontro
da cidade.
Localizado
próximo ao cais do porto, próximo ao Rio Guaíba, o Mercado Público é uma dessas
instituições de Porto Alegre, uma enorme feira onde, diariamente, se encontra
uma grande quantidade de produtos alimentícios, como carnes, verduras, frutas,
doces, ervas medicinais; em uma estrutura que comporta várias barracas, cafés,
restaurantes... alguns bem tradicionais, que estão lá há décadas. O local
também é um importante ponto de encontro para a comunidade negra de Porto
Alegre, onde cultores de religiões africanas costumam realizar cerimônias
públicas – para os negros residentes em Porto Alegre, o Mercado Público tem um
enorme significado, e não apenas porque foram escravos negros, dividindo os
encargos com operários brancos, os responsáveis pela elevação de suas paredes,
ainda no século XIX. Tudo em um enorme edifício que começou como um simples
ponto de encontro dos feirantes da cidade, ainda no século XIX, feito de modo a
organizar a atividade dos vendedores ambulantes; ganhou um segundo andar; acolheu
a boemia da Capital e recebeu gente importante; sobreviveu a vários incêndios;
quase foi demolido; foi vítima de um jogo de empurrões por parte do poder
público municipal; foi tombado pelo Patrimônio, e restaurado. E, hoje, ir a
Porto Alegre e não dar uma passada no local praticamente equivale a ir a Roma e
não ver o Papa (expressão que aprendi num cartum de Ângelo Agostini).
Bem.
A origem do Mercado Público data de 1842, ainda na época da Guerra dos Farrapos
(1835 – 1845), que, ninguém ainda sabia, já estava chegando ao fim. Na época,
Porto Alegre já era uma cidade expressivamente habitada, porém não dispunha de
um comércio organizado – os vendedores ambulantes de vegetais, peixes e aves,
vindos por terra ou pelas águas do Guaíba, disputavam espaço com negros
libertos que tinham no comércio o modo de recomeçar suas vidas, em áreas como
as proximidades da futura Praça da Alfândega e a Praça Paraíso. A organização
da grande feira, que se concentrava naquela época na Praça dos Ferreiros (atual
Largo da Prefeitura) viria em 1842, durante o governo provincial de Saturnino
de Sousa e Oliveira Coutinho, que, nesse ano, ordena a construção de um prédio
onde possam se reunir os vendedores ambulantes. O prédio fica pronto em 1844, e
funciona até 1870, quando é demolido. É que, em 1870, um novo Mercado Central é
construído.
O
projeto do primeiro mercado é de 1855, assinado pelo arquiteto alemão Friedrich
Heydtmann, porém, o projeto passa por muitas mudanças e discussões (entre elas,
porque os governantes não gostavam do estilo arquitetônico pretendido por
Heydtmann) até finalmente ser aprovado, e a construção do prédio realmente
iniciar, em 1864, sob o comando do empreiteiro Polidoro Antônio da Costa. Mas o
prédio, mesmo, só é totalmente concluído em 1870, sob o comando do filho de
Polidoro Costa, João Francisco, ocupando uma área bem maior que o previsto no
projeto de Heydtmann, mas, bem antes de sua conclusão, já era ocupado pelos
vendedores ambulantes.
O
Mercado Público acompanha o crescimento e a mudança na dinâmica da população. O
novo prédio, com o tempo, recebe melhorias, como encanamentos de água e esgoto
e luz elétrica. Vê crescer ao seu redor novas edificações, como o Paço
Municipal (1901), a Doca das Frutas, no Porto (1919) a Praça Parobé (1925,
atual estacionamento), e o Largo Glênio Peres (1992).
Desde
o século XIX, o Mercado Público se torna o destino principal dos negros
libertos (Porto Alegre se antecipa à Lei Áurea de 1888 e declara os escravos
negros libertos em 1884). Ali, eles reconstroem a vida como vendedores
ambulantes e trabalhadores informais – era bem comum, no fim do século XIX, a
presença das pretas minas, ou ex-escravas que sobreviviam da venda de
mercadorias, embora ainda tivessem de entregar parte dos lucros aos antigos
senhores. A Princesa Isabel, em viagem a Porto Alegre em 1885, relata a
respeito do modo cordial como as pretas minas recepcionavam os clientes. Outro
grande exemplo da contribuição negra na história do Mercado Público é a
presença do Príncipe Custódio, um dos mais famosos pais-de-santo de Porto
Alegre, cuja biografia é cercada de mistérios – ele teria enterrado, em um dos
pontos de cruzamento do Mercado, um amuleto em homenagem ao Bará, a divindade
africana que protege o local. Por causa do amuleto, que nunca foi desenterrado
mesmo durante a grande reforma dos anos 1990, a barraca central, que ficava até
então no principal cruzamento dos corredores, foi retirada.
Ao
longo do livro, também são contadas histórias de alguns de seus pontos de
comércio mais famosos. O restaurante mais antigo de Porto Alegre em
funcionamento está no Mercado Público: o Gambrinus, fundado em 1889. O
restaurante mudou várias vezes de dono, mas esses souberam, e sabem, preservar
sua memória. É no Gambrinus que atualmente se encontra, pendurada no teto, a
cadeira onde o sambista Francisco Alves se sentou durante uma visita que fez a
Porto Alegre, em 1932 – foi numa noite em que Chico Alves conhecera o futuro
compositor Lupicínio Rodrigues, e de onde começaria uma sólida parceria que
consolidaria Lupi como um dos maiores músicos brasileiros.
A
tal cadeira, na verdade, pertencia ao restaurante Treviso, onde o episódio em
questão aconteceu. A partir dos anos 1980, após o fechamento do restaurante,
que tinha fama de funcionar noite e dia, a cadeira de Francisco Alves passou
por vários donos, e ficou exposta em vários locais, até ficar no Gambrinus. A
memória do Treviso foi preservada pelo Restaurante Marco Zero, atualmente no
segundo andar.
Outro
restaurante célebre do Mercado Público é o Bar Naval, fundado em 1907, e
durante anos o QG da boemia porto-alegrense, e onde diversas personalidades
mundiais almoçaram (até o músico argentino Carlos Gardel, a cantora Carmen
Miranda e a futura estrela Elis Regina estiveram ali).
E um
dos mais famosos açougues localizados no local é o Provenzano, fundado em 1893.
O açougue fez a prosperidade de seu dono, o italiano Francesco Provenzano, e
ele, inclusive, se envolveu em diversas discussões com o poder público pela
garantia dos direitos dos comerciantes do Mercado Público.
Foi
na década de 1910 que o Mercado Público recebe sua mais importante ampliação:
ganha um segundo andar. Um projeto que vinha sendo discutido desde 1894, mas só
concretizado em 1912. Que foi o ano em que aconteceu a primeira grande tragédia
ao local: um incêndio. O incêndio de 1912 teria começado com um acidente banal
– um gato teria derrubado uma garrafa de querosene em cima de um lampião – mas
que evoluiu para uma tragédia maior por causa de uma série de erros do então
vigia noturno do local. Essa tragédia é narrada, no livro, em texto e em
quadrinhos – Guimaraens e Edgar Vasques resumem o incêndio em duas páginas de
HQ em preto e branco, desta vez bem fiel ao estilo do cartunista, com
praticamente tudo feito a mão, letras, desenhos, hachuras – bem diferente das
HQ vistas em Rua da Praia.
Outra
grande tragédia a acometer o Mercado Público foi a grande enchente de 1941, que
causa uma série de prejuízos. Depois disso, o edifício começa a ser vitimado
pelo descaso público, apesar do tombamento pelo Patrimônio Histórico. O segundo
grande incêndio no local, ocorrido em 1979, praticamente condena o edifício,
que já estava passando por um processo de deterioração.
Desde
a década de 1940, se discutia uma possível demolição do Mercado Público.
Governos passaram, e nenhuma decisão foi tomada – ora se decidia, ora se
voltava atrás. Um decisão finalmente foi tomada durante o governo do prefeito
Olívio Dutra, iniciado em 1988, que opta pela formação de um grupo de trabalho
pela salvação do Mercado Público. Os sucessores de Olívio Dutra, todos ligados
ao PT de Porto Alegre, levam o projeto adiante, e, finalmente, em 1997, o
Mercado Público é restaurado. O grande diferencial foi o acréscimo de uma
cobertura transparente, sustentada por uma estrutura de metal, na parte
interna, mantendo a estrutura das paredes em volta. Desde então, o Mercado
Público tem seguido em funcionamento até hoje. Algumas barracas continuam existindo
há décadas, mas praticamente todos os comerciantes lá estabelecidos fazem
questão de oferecer produtos de boa qualidade, entre vegetais, carnes, peixes,
ervas medicinais, doces, sorvetes, conservas, roupas, artesanato...
praticamente, ali é vendido de tudo. Porém, quem já passou por lá sabe que o
inconveniente é o cheiro forte vindo das barracas, principalmente dos açougues,
por ser um espaço fechado, e com grande movimento diário. Nada, no entanto que
afugente o consumidor – as sorveterias costumam ser os pontos mais procurados.
E o Mercado Público ainda recebe manifestações artísticas de diversos tipos,
inclusive afrodescendentes.
Sendo
um local que não ocupa muito espaço dentro da área de Porto Alegre, o Mercado
Público pode ter sua história meticulosamente contada por Guimaraens, e
praticamente todos os seus detalhes arquitetônicos captados pelas lentes de
Nedeff – os enfeites esculpidos nas paredes, os corrimões dos corredores
superiores, alguns ângulos da atual estrutura do telhado, tudo. São muitas
fotos, tanto as atuais (da época de publicação do livro) quanto as antigas,
inclusive as que mostram as fases da grande restauração nos anos 1990. Já
Vasques, além da pequena HQ, complementa o livro com belíssimas ilustrações em
aquarela, em seu estilo há muito tempo consagrado. E Clô Barcellos fez um belo
trabalho de design, na distribuição das ilustrações e do texto nas páginas, é
claro.
A
meticulosidade do livro ainda inclui plantas e pequenos mapas de localização de
algumas barracas e estabelecimentos. Pena que não dá para saber se as
informações ainda valem. Mas as informações históricas são valiosas – e, de
lambujem, dá para aprender inglês com as traduções dos textos em português!
Evidentemente, os editores visavam ao público estrangeiro ao fazer a edição
bilíngue de MERCADO PÚBLICO.
Como
não ter paixão por Porto Alegre depois da leitura de MERCADO PÚBLICO – PALÁCIO
DO POVO? Vai por mim.
Como uma prova de estima, divido com os leitores, antes do encerramento, alguns flashes do Mercado Público, com câmera de celular, de minha última viagem a Porto Alegre, de janeiro de 2017. O Mercado Público sob diversos ângulos. Em uma das fotos, aparece o Paço Municipal.
Para
encerrar, já que falamos em Porto Alegre, incluo mais páginas de minha HQ
folhetinesca, O Açougueiro. Para esta
postagem, só deu para fazer duas páginas, devido a uma série de afazeres que
peguei. Mas, para a próxima postagem, teremos mais páginas, não se preocupem.
Em
breve, mais livros de Rafael Guimaraens para vocês. À medida que vamos
localizando mais livros dele, e vamos lendo-os, o traremos para vocês.
Aguardem
novidades.
Até
mais!
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