sexta-feira, 6 de abril de 2018

Livro: RUA DA PRAIA


Olá.
Hoje, vamos esquecer por um momento as atualidades.
Hoje, vamos tratar novamente de livro.
Hoje, é mais um livro sobre a capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
Hoje, é mais um livro escrito pelo maior especialista atual da história da cidade, Rafael Guimaraens.
Hoje, falando sobre um dos pontos turísticos fundamentais da Capital. Dizer que nunca transitou por esse ponto é praticamente o mesmo que ir à Roma e não ver o Papa...
Hoje, vamos tratar de RUA DA PRAIA – UM PASSEIO NO TEMPO.

RUA A PRAIA – UM PASSEIO NO TEMPO foi publicado pela editora Libretos, de Porto Alegre, em 2010 – há cerca de duas décadas a casa publicadora do autor. Um álbum bastante generoso no formato: 204 páginas, sem contar capa, colorido, em papel couché de alta gramatura, em generosa medida quadrada – 27,5 x 27,5 cm. Com boa quantidade de textos informativos. E fartamente ilustrado. Embora não seja feito para caber em qualquer prateleira, é um livro imprescindível para conhecer Porto Alegre e sua rica história.
Os textos são de Rafael Guimaraens, que já havia tornado a Rua da Praia o cenário de seu livro mais famoso, Tragédia da Rua da Praia; já as ilustrações são compostas por fotos antigas e atuais: as antigas foram extraídas de arquivos; as atuais (tiradas na época da publicação, é claro) são de Marco Nedeff. Já as ilustrações a bico de pena e inserções de quadrinhos são de Edgar Vasques, parceiro de Guimaraens em outras obras da mesma editora (como a versão em HQ de Tragédia da Rua da Praia). Colaboraram nesta obra, ainda, Clô Barcellos na coordenação e no design gráfico; Sérgio da Costa Franco na consultoria histórica; e Günter Weimer na consultoria sobre a arquitetura e croquis de edifícios.
Esses especialistas são os responsáveis por conduzir o leitor a um passeio pela histórica Rua da Praia – atual Rua dos Andradas – uma das mais famosas vias comerciais de Porto Alegre. É a história da capital dos gaúchos contada através dos edifícios que se concentram em toda extensão da Rua da Praia – dá para dizer que a rua assistiu boa parte da história da cidade. Assistiu não apenas a efervescência cultural e social da cidade ao longo do século XX, mas também a eclosão de revoluções, conflitos bélicos, manifestações populares e um assalto que virou filme.
Aliás, Rua da Praia é o nome popular – desde 1865 que a rua é batizada como Rua dos Andradas. O nome Rua da Praia foi atribuído ainda na época da colonização açoriana. A rua já foi chamada, brevemente de Rua da Graça.
A Rua é analisada edifício por edifício, com o devido histórico de construção, as mudanças na fachada, detalhes arquitetônicos mais importantes, que tipo de instituições cada edifício comporta ou já comportou. Como cada edifício data de épocas distintas, a cronologia não é linear – a história de Porto Alegre é fragmentada, com idas e vindas para frente e para trás no tempo. E não apenas os edifícios são “personagens” do livro, como também as pessoas que passaram por ali. Nem todos os edifícios retratados ficam exatamente localizados na rua, uma parte fica nos arredores.
A jornada inicia na Usina do Gasômetro, bem na beira do Rio Guaíba, e, nesta ordem, seguem as edificações até a outra ponta da Rua: o Museu do Trabalho (antigo galpão da Usina do Gasômetro); a Praça da Harmonia; o Largo da Forca (onde se realizavam execuções de condenados de 1821 a 1857); os QGs da Brigada Militar e do Exército (o antigo e o atual), o Museu Militar e o Arsenal de Guerra; a Igreja das Dores (famosa pela lendária maldição da época de sua construção); o Hotel Majestic (atual Casa de Cultura Mário Quintana – o poeta foi, por anos, seu inquilino mais ilustre, e pode ver, em vida, o edifício se tornar centro cultural); o antigo Atelier de Virgílio Calegari, um dos mais importantes fotógrafos da Porto Alegre antiga; a Casa Egípcia, ou Palacete Varejão, com sua vistosa escultura na fachada; o antigo prédio do jornal A Federação (atual Museu de Comunicação Social Hipólito da Costa); a Igreja Episcopal, ou Matriz da Trindade, um dos principais pontos de culto dos protestantes em Porto Alegre; o edifício do jornal Correio do Povo; o Grande Hotel (atual Rua da Praia Shopping); o Cine Imperial (e vários outros cinemas famosos que funcionaram na Rua da Praia); a Praça da Alfândega (o berço de Porto Alegre, pois foi a partir daqui, um dos pontos mais próximos do antigo Cais do Porto, que a cidade se formou); o Clube do Comércio; a Casa Beethoven, célebre loja de instrumentos musicais (atual Bar Antonello); o Largo dos Medeiros; o Café Colombo; o Clube dos Caçadores (atual Centro Cultural CEEE Érico Veríssimo); os edifícios Sulacap e Sul América (apenas dois dos edifícios mais “modernos” construídos no entorno da Rua da Praia); a Esquina Democrática; o edifício da Livraria do Globo; a Galeria Chaves; a Casa Masson (uma das mais famosas relojoarias de Porto Alegre); a Galeria Malcon, maior palco da efervescência juvenil dos anos 1960; o Clube Caixeral; a Cia. da Arte; e, afinal, o topo (a famosa “subidinha”, esquina com a Rua Dr. Flores).
Ainda há muitos capítulos especiais de fatos não necessariamente ligados à Rua da Praia. Há um capítulo dedicado à Feira do Livro de Porto Alegre, realizada anualmente na Praça da Alfândega desde 1955; e um capítulo dedicado aos edifícios adjacentes à Praça, que não ficam localizados na Rua da Praia, como o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) e o Antigo Prédio dos Correios (atual Memorial do Rio Grande do Sul). Há um capítulo dedicado à comoção gerada em Porto Alegre com a estreia do clássico Tempos Modernos, de Charles Chaplin; e, falando na Livraria do Globo, uma das mais importantes casas publicadoras de romances nacionais e estrangeiros do Brasil no século XX, há um capítulo dedicado à Revista do Globo, sua mais importante publicação mensal – antes da ascensão da histórica O Cruzeiro. A Revista do Globo circulou de 1929 a 1967.
Há capítulos dedicados a relatar como a Rua da Praia “enxergou” grandes conflitos a nível nacional e internacional, como a Revolução de 1930, as Grandes Guerras Mundiais, greves gerais, comícios, o Golpe de 1964, os protestos em favor da redemocratização... e as disputas (pacíficas) que ocorriam na época do carnaval.
Há capítulos dedicados a relatar a convivência da boemia porto-alegrense, da primeira metade do século XX, com a Rua em si – cantada em verso e prosa. Há um capítulo que trata do antigo hábito do footing, ou o passeio a pé, sem grandes pretensões além do passeio em si – com sorte, dava para conhecer a “alma gêmea” em uma volta a pé, ainda que fosse uma época em que as moças “direitas” não andavam desacompanhadas.
Saltam personagens bastante pitorescos, como Oddone Greco, boêmio famoso por suas pegadinhas (várias de suas histórias formam o corpo do célebre Anedotário da Rua da Praia), o poeta Mário Quintana, o fotógrafo Virgílio Calegari, o líder político Osvaldo Aranha e Gilda Marinho, um tipo raro – socialite e, ao mesmo tempo, militante comunista. Um capítulo dedicado a mostrar como pintores e cartunistas célebres, como Joseph Lutzemberger, Sampaio, Santiago e Sampaulo, enxergaram a via. Alguns capítulos tratam da contribuição negra para a Rua – por exemplo: boa parte dos condenados à morte no Largo da Forca eram escravos que faltaram com seus deveres. E teria sido por conta da maldição de um escravo acusado injustamente e depois enforcado que a construção da Igreja das Dores tenha demorado muito para ser concluída – de 1813 a 1904.
Há um capítulo dedicado aos efeitos da Grande Enchente de 1941 na Rua da Praia (vide A Enchente de 41, também de Guimaraens); há um capítulo dedicado à comoção gerada pelo suicídio de Getúlio Vargas (na Praça da Alfândega, foi colocada uma placa de bronze com reprodução da carta-testamento de Vargas). Há um capítulo dedicado aos bondes que circularam na primeira metade do século XX, desde o bonde puxado por mulas até o bonde elétrico. E alguns capítulos que demonstram o verdadeiro embate entre os edifícios antigos e os modernos por espaço na Rua da Praia. Foi no início do século XXI que foi empreendido um verdadeiro trabalho de revitalização dos edifícios da Rua da Praia, visto que dos anos 1960 até os 1990, o espaço esteve entregue ao descaso e ao vandalismo. E um pequeno guia das mais célebres casas de comércio que ficavam na extensão da Rua da Praia – e também de suas esquinas mais famosas.
Tudo entremeado com as fotos de Nedeff, com seus retratos dos edifícios a partir de ângulos insólitos e retratos de tipos populares que circulam por ali diariamente.
Edgar Vasques, por sua vez, oferece ao leitor, além de suas ilustrações, três inserções de quadrinhos (com roteiro de Guimaraens). A primeira, em quatro páginas, relatando como se deu a Revolução de 1930 em Porto Alegre, no QG do Exército, onde Osvaldo Aranha atuou; a segunda, uma das mais famosas pegadinhas de Oddone Greco; e a terceira, um resumo de quatro páginas do famoso assalto da Rua da Praia de 1911, transformado em filme – uma versão rápida da história que virou álbum de quadrinhos anteriormente. Porém, desta vez, Vasques abriu mão do seu estilo consagrado: suas HQ feitas para o livro tiveram inserções de cinzas e de letras feitas por computador, no lugar das letras feitas à mão que fazem seu estilo. Porém, nada que comprometa demais.
As ilustrações de Vasques dividem espaço com os croquis de edifícios antigos feitos por Weimer, em estilo arquitetônico simples. Trabalho que é útil nas ações de restauração dos edifícios. As ilustrações de Vasques e Weimer, e as fotos de Nedeff e dos arquivos, são muito bem equilibradas graças ao trabalho de design de Barcellos.
Aí está, pessoal, um guia definitivo a respeito de Porto Alegre, da Rua da Praia. Claro que Porto Alegre possui outros pontos turísticos significativos que ficam mais distantes da Rua dos Andradas, como o Parque da Redenção, a Catedral Metropolitana, O Theatro São Pedro, o Mercado Público, etc., mas isso pode ser tratado em outra ocasião, em outra publicação. Se você gosta de admirar e fotografar edifícios antigos, cheios de detalhes esculpidos e estátuas nos capiteis; se você gosta de conhecer museus e centros culturais, enfim, se você gosta de respirar História quando passeia, viaja ou realiza footing, não deixe de ler RUA DA PRAIA – UM PASSEIO NO TEMPO – e saiba por onde ir e andar. Garantia de que você não vai se perder pelo Centro Histórico de Porto Alegre, pelo ponto de onde Porto Alegre começou a crescer.
É isso aí.
Como um complemento a esta postagem, algumas fotos que eu tirei de alguns dos locais citados no livro, em minha última viagem a Porto Alegre, no verão de 2017. A qualidade das fotos não é das melhores porque são fotos tiradas de celular. A Usina do Gasômetro...

...um aspecto da Praça da Alfândega...

...o Memorial do Rio Grande do Sul...

...o Palacete Varejão...

...e a Casa de Cultura Mário Quintana.
E, em breve, traremos mais livros do quarteto Guimaraens, Nadeff, Vasques e Barcellos. Guimaraens já se firmou como o maior especialista atual sobre Porto Alegre. Só falta ele ser mais conhecido nacionalmente, porque, em Porto Alegre, sem dúvida...
Para encerrar, é claro que insiro aqui mais páginas inéditas - quatro, desta vez - de minha HQ folhetinesca, O Açougueiro. Só em tempos mais recentes consegui encontrar disposição para dar continuidade à HQ – ainda mais com as armadilhas que me envolvi durante a sua produção. Mas o jeito é levar a coisa até o fim, custe o que custar.
Aguardem novidades.
Até mais!

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