sábado, 29 de maio de 2010

DRÁCULA de Eugênio Colonnese

Olá.
Hoje, mais um álbum de HQ nacional lançado recentemente.
O Conde Drácula. Só falando o nome dele permite uma imediata identificação. Esse personagem, que tantas vezes ocupou espaço na mídia - seja na literatura, no cinema, na tevê... - firmou-se, apesar de morto - ou melhor, morto-vivo, um morto muito vivo, um vivo muito morto - como o rei dos vampiros. São numerosas as produções que envolvem este personagem tão enigmático, tão cheio de interpretações, tão fascinante. Vampiros são sempre fascinantes, mas como Drácula...
Bem, de tantas HQ que envolvem esse personagem, a que eu vou falar hoje é mais que a adaptação do romance de Bram Stoker para os quadrinhos: é uma homenagem a um mestre dos quadrinhos brasileiros. Eugênio Colonnese.



COLONNESE
Nascido em Fuscaldo, na Itália, em 1929, Colonnese é verdadeiramente um mestre. Sua arte, apesar do realismo "convencional" usado por muitos artistas, é perfeitamente reconhecível.
Antes de fazer carreira no Brasil, Colonnese fez carreira na Argentina. Sua primeira HQ foi publicada em 1949, na revista El Tony, da Argentina. Ele migra para o Brasil em 1964, após receber o primeiro lugar do Salão de Artes de Buenos Aires.
Aqui no Brasil, a sua obra foi extensa - muito embora ele tenha, quase sempre, trabalhado de free-lancer. Descontente com a baixe remuneração paga aos quadrinhistas brasileiros, Colonnese também teve de fazer ilustrações para livros didáticos e cartazes de cinema. Porém, seguiu fazendo quadrinhos, e mesmo as ilustrações dos livros didáticos traziam a influência direta das HQ - algo que levou algum tempo para firmar-se nos parâmetros educacionais, já que houve um tempo em que ilustrações "influenciadas por histórias em quadrinhos" não tinham vez nos livros escolares. Que dizer então das HQ nas escolas.
Embora ele também possua um rico elenco de super-heróis - como Mylar, Superargo, X-Man e Pele de Cobra - , sua criação mais conhecida é a vampira Mirza, que apareceu em 1967 - dois anos antes da americana Vampirella. É, insistimos: o Brasil foi pioneiro nas vampiras gostosonas. Não foi o contrário: Mirza nasceu antes de Vampirella, portanto não é cópia.
Aliás, as histórias de terror são uma especialidade de Colonnese. Ele já publicou para diversas revistas do gênero no Brasil. Em 1967, ele cria, com o colega Rodolfo Zalla - outro medalhão do quadrinho nacional - o Estúdio D-Arte, que almejava a profissionalização dos quadrinhistas nacionais. Esse Estúdio chegou a produzir por volta de 300 páginas mensais de HQ antes de fechar, em 1969. Em 1981, Zalla retoma a D-Arte, agora como editora, com foco nas publicações de terror, até o início dos anos 90.
Ele já deu aulas de desenho na ESA - Escola Estúdio de Artes - e já publicou vários livros teóricos de desenho. Mais: já ganhou os prêmios Ângelo Agostini e HQ MIX e já desenhou para a Itália - em 1994, ele produziu uma história de Mister No, para a editora Sérgio Bonelli, a mesma que publica o gibi de Tex.
Mais: em 1985, para a Cluq editorial, ele desenha o gibi de Beto Carrero, o finado empresário e artista circense, com roteiros do também finado Gedeone Malagola.
Muito de sua obra foi reunida inclusive pela editora Opera Graphica, no final dos anos 90 do século XX. Por essa editora, saíram os álbuns Mirza (uma das muitas compilações de histórias da personagem - a mais recente é da editora Mythos), O Espírito da Guerra e Histórias de Guerra. Nesses dois últimos, Colonnese revela outra especialidade: as histórias de guerra, na qual ele expõe seu capricho em desenhar equipamentos, veículos e trajes militares nos mínimos detalhes.
A propósito: pela mesma Ópera Graphica saiu A Última Missão, de Watson Portela, uma história que reúne todos os heróis de Colonnese - incluindo Mirza.
Colonnese, que também era um gentleman, nunca deixando de dar conselhos a quem o procurava para mostrar trabalhos, faleceu em 2008. Se ele não era muito lembrado em vida, talvez agora lhes dêem o devido valor. Ultimamente estamos perdendo muitos quadrinhistas brasileiros de valor. Se não os que morrem, os que estão atuando no exterior.

DRÁCULA
Drácula foi publicado pela primeira vez em 1897, e seu autor, o irlandês Bram Stoker (1847-1912), usou como base a figura lendária do herói romeno Vlad, o Empalador, príncipe da Valáquia. É claro, isso muita gente já sabe.
Bem, também não preciso dizer que Drácula ganhou inúmeras aparições no cinema, na TV... já ganhou versões em comédia, musical, verdadeiros filmes de terror... e até uma versão negra!
Bem. Mas é melhor falar do romance propriamente dito. DRÁCULA não foi o primeiro livro célebre a tratar de vampiros. Antes dele, já houve O Vampiro, conto de John Polidori, escrito em 1819, e Carmilla, de Sheridan Le Fanu, de 1872, só para ficar em dois exemplos. Aliás: Polidori escreveu seu conto de vampiros na mesma ocasião em que, na reunião no castelo de Lord Byron (de quem Polidori era médico), Mary Shelley escreveu seu Frankenstein. Mais: Carmilla foi uma das inspirações para Stoker escrever DRÁCULA. No entanto, foi a obra de Stoker que definiu as características do gênero vampírico para a posteridade, e foi a mais famosa obra literária a tratar dos sugadores de sangue. E inspirou outras obras do gênero - chegando até Crepúsculo.
DRÁCULA, no livro de Stoker, apresenta-se como o vilão. O mocinho é o corretor de imóveis inglês Jonathan Harker, que, ao ir até a Transilvânia, na Romênia, tratar com o Conde a negociação acreca de um castelo, acaba se envolvendo numa aventura assustadora. Além de conhecer as ferozes noivas do Conde, ainda descobre que ele é um vampiro, e que queria desde já sugar seu sangue - só não consegue porque uma senhora da vila dera a Harker um crucifixo.
Harker consegue escapar de Drácula (embora com muitas sequelas), porém o Conde continua seu reinado de terror - e acaba afetando todas as pessoas próximas ao corretor. Uma de suas vítimas é Lucy Westenra, prima de Mina Murray (futura esposa de Jonathan Harker e próxima vítima do Conde). É aí que entra em cena Abraham Van Helsing, um professor holandês que não descansará enquanto não eliminar o vilão. E contará com a ajuda do casal Harker e de John Seward, diretor de um hospício na Inglaterra e que já fora apaixonado por Lucy Westenra - no entanto, ele é obrigado a matá-la ao saber que ela se tornou vampira.
Bem, muito do que se sabe sobre vampiros foi estabelecido por Stoker: o medo dos vampiros pelo crucifixo e pela hóstia; os vampiros se transformando em morcegos (às vezes em lobos); a morte de um vampiro através de estacas no coração. Enfim.
Não é à toa que os vampiros são muito mais populares que os lobisomens, caras.

DRÁCULA HQ
Das muitas versões em quadrinhos que Drácula ganhou, esta é uma das mais fiéis ao romance de Stoker.
Escrita e desenhada por Colonnese, esta versão foi publicada pela primeira vez no final dos anos 60, pela editora Taika, editada por Francisco de Assis. Em 2010, esta versão foi relançada pela editora Escala, desta vez colorida - cores de Miguel Marques e Geraldo Filho - e com novas legendas.
Esta adaptação, apesar de simplezinha, segue ao máximo a linha do romance. Aliás, a narrativa em HQ é entrecortada com cartas e trechos do diário dos personagens. Bem, se DRÁCULA tecnicamente é um livro de terror, a versão de Colonnese perde um pouco em impacto.
As cenas mais assustadoras não são explícitas, e algumas falas dos personagens são desnecessárias. A ligação de Drácula com Vlad, o Empalador, é praticamente descartada aqui. E a arte de Colonnese falha em alguns pontos. Por exemplo, as expressões faciais dos personagens não são totalmente adequadas a cada cena - muitas vezes, eles parecem bonecos de cera! Porém, é perfeitamente apreciável - ele capricha inclusive no desenho das mulheres. Lucy Westenra e Mina Murray (posteriormente, Mina Harker) têm os lábios grossos e o rosto redondo característico das mulheres de Colonnese. E o que dizer dos decotes generosos?!
Outra coisa: a arte de Colonnese costuma funcionar melhor em preto-e-branco - técnica a qual ele tinha o pleno domínio. Essa colorização, apesar de dar alguma eficiência à arte, permitindo a visualização de detalhes que não seriam visíveis do P&B, falha em alguns momentos. As cores são quase todas chapadas e fortes - felizmente, o P&B tem muitas sombras, as ideais para uma HQ do gênero.
O Drácula de Colonnese foi inspirado na figura do ator Marlon Brando. Mas o curioso é que Brando nunca interpretou o Rei dos Vampiros no cinema.
Tirando as falhas, DRÁCULA é uma ótima homenagem ao mestre Colonnese. E foi uma boa escolha, já que o gênero terror era uma especialidade do cavalheiro italiano.
Completando a edição, uma extensa matéria sobre Drácula: o personagem nos livros, no cinema e nos quadrinhos. Uma biografia de Colonnese e Stoker. E claro, referências aos vampiros nos quadrinhos - Mirza e Vampirella não podiam ficar de fora. E é o mais interessante da obra: um capítulo da história das HQ nacionais para quem quiser conhecer - e digo mais: DEVE conhecer.

Para encerrar, dois desenhos de heroínas nacionais. Acima, vocês viram minha versão para Mirza. E aqui, vocês vêem outra vampira brasileira célebre: Naiara, criação de Helena Fonseca e Juarez Odilon, de 1967, mas que se consagrou no traço de outro medalhão das HQ de terror nacionais: Nico Rosso.
Naiara também fazia o tipo "vampira gostosona", assim como Mirza e Vampirella - porém, com mais delicadeza.

Cuidado com os Vampiros depois que ler esta matéria...
Até mais!

Um comentário:

Guilherme Hollweg disse...

Curti.
Belo retrospecto de toda a vida desse grande artista que é Colonesse, não sabia de quase nada que você ontou no blog... hehehe
Bela postagem Rafael!!!