Hoje, embora o feriado seja religioso, vou falar de um quadrinho profano.
Quando leio alguma opinião sobre quadrinhos brasileiros, acabo constatando: o brasileiro ainda não sabe valorizar nosso material. É o que Nelson Rodrigues chamou de "síndrome de vira-lata", a tendência de achar que tudo o que vem de fora é melhor que o material local.
Quando leio alguma opinião sobre quadrinhos brasileiros, acabo constatando: o brasileiro ainda não sabe valorizar nosso material. É o que Nelson Rodrigues chamou de "síndrome de vira-lata", a tendência de achar que tudo o que vem de fora é melhor que o material local.
Esse sentimento ainda está arraigado no nosso povo. Nos consideramos inferiores que os estrangeiros, e, enquanto continuarmos nessa síndrome de vira-lata, enquanto não olharmos para dentro e vermos a qualidade de nosso material, aí sim, seremos sempre inferiores. E parece ainda que o brasileiro QUER ser inferior.
Um exemplo? Muitos brasileiros insistem em crer que a primeira vampira sensual dos quadrinhos não seja a brasileira Mirza, de Eugênio Colonese, mas a americana Vampirella, de Forrest Ackerman. As datas não mentem: Mirza foi criada em 1967, enquanto que Vampirella apareceu em 1969. Talvez esse sentimento de inferioridade se deva ao fato de que, ao contrário de Vampirella, Mirza não tenha, em sua época, tido divulgação em escala global. As aventuras de Mirza se restringiram - e ainda se restringem - às publicações dentro do Brasil. Talvez por isso muitos ainda pensem que a Mirza foi copiada da Vampirella. Não. Mirza foi criada antes de Vampirella, e lembrem-se: em 1969 ainda não existia internet, logo o tráfego de informações era mais lento que hoje. Logo, nem o Brasil estava em grandes condições de saber quem era Vampirella, nem os americanos tinham condições de saberem quem era Mirza.
Bem, chega de lamúrias. A HQ de hoje foi lançada recentemente, e traz mais um crossover entre heróis - ou, no caso, heroínas - brazucas. Trata-se de VELTA & MIRZA, lançada pela editora Júpiter 2, do insistente José Salles - mais uma parceria do editor com o teimoso Emir Ribeiro.
O crossover entre VELTA & MIRZA havia sido anunciado ainda em 2009, quando foi lançado o segundo crossover entre a lourona e o herói Raio Negro, também lançado pela Júpiter 2. Bem, ao que parece, foi José Salles que mais uma vez resolveu encampar mais um projeto de Ribeiro lançado agora em abril de 2011, no sentido tanto de divulgar a sua heroína Velta quanto à de prestar uma homenagem ao criador de Mirza, Eugênio Colonnese, falecido em 2008.
A presente edição também marca uma nova forma de publicação dos gibis da Júpiter 2: VELTA & MIRZA tem 68 páginas - saindo das normais 32 das publicações anteriores - , capa dupla (vejam a frente e o verso adiante) cartonada e plastificada, lombada quadrada. Um álbum de luxo.
Já o recheio da edição... bem... é melhor explicar com calma.
O crossover, ao que parece, havia sido autorizado por Colonnese antes de sua morte, porém demorou até que saísse da prancheta. VELTA & MIRZA compõe-se de duas histórias - a primeira e principal, O Exército de Vampiros, dividida em duas partes, e uma historinha curta, Fugitivos.
A história, escrita, desenhada e arte-finalizada por Emir Ribeiro (com esboços iniciais de William Cabral), começa quando Velta está prestes a capturar uma quadrilha de bandidos. No entanto, após a captura, quando Velta já está chamando a polícia, Velta desmaterializa-se no ar, e reaparece em uma sala. Ela havia sido trazida por um grupo de feiticeiros, a pedido da vampira Mirza, para auxiliá-la na luta contra um vilão.
O vilão é o Conde Desmôdo, um nobre que havia induzido um vampiro a mordê-lo, para que ele próprio se tornasse vampiro (o vampiro que mordeu o conde foi morto, a seguir, pelos empregados do nobre). Desejoso de dominar o mundo, Desmôdo criou um verdadeiro exército de vampiros, entre pessoas que ele mesmo mordeu e pessoas mordidas por esses vampiros, em progressão geométrica. Mas seu empecilho para a concretização de seu plano é Mirza.
Foi por sugestão do assistente da vampira, o antiquário concunda Brooks (encarregado de dar sumiço aos corpos das vítimas de Mirza e que também é leitor assíduo de quadrinhos), que Velta foi trazida para a dimensão de Mirza - no universo de Mirza, Velta é uma personagem de quadrinhos, e vice-versa. Mais tarde, descobrimos que os motivos que levaram Brooks a escolher Velta vão além do seu poder: também vão por motivos... digamos... estéticos. Véio safado!
A primeira incursão de Velta, Mirza e Brooks é numa cidade que, naquele momento, está sendo atacada pela horda de vampiros. E a lourona se sai bem, graças ao seu poder de atirar raios por qualquer parte de seu corpão, que fritam os vampiros. Mas o tempo para enfrentar Desmôdo é curto: segundo os feiticeiros, que se sacrificaram para trazer Velta àquela dimensão, a loura de dois metros só pode permanecer ali por dois dias.
No entanto, Velta já está desconfiada de Mirza. E as duas acabam se estranhando no momento que Mirza, após a recuperação da luta, revela a Velta ser uma vampira. Velta chega a atacar a vampira, porém Mirza dá garantias de que está do "lado do bem" - a vampira, graças à sua capacidade de sobreviver à luz solar, se quisesse dominar o mundo, "já o teria feito", garante ela. Assim, Mirza só quer conter a ameaça de Desmôdo.
Em um determinado momento, Mirza, Velta e Brooks, ao retornarem à mansão da vampira, são atacados por asseclas hipnotzados de Desmôdo, e dados como mortos - entretanto, as suas mortes foram forjadas para que Desmôdo não desconfiasse.
Tendo tal vantagem em mãos, as duas invadem o castelo de Desmôdo - no entanto, o poder de Velta está enfraquecendo. De modo que cabe a Mirza e Brooks terminar o ataque ao vampiro-chefe e seus asseclas.
A segunda história da edição, Fugitivos, também escrita e desenhada por Ribeiro, trata apenas de ser uma aventura curta de Mirza, que está sendo lida por Velta - como constatação de que, no mundo da lourona, a vampira é uma personagem de quadrinhos. Aviso: essa historinha é altamente erótica. Nela, Mirza seduz dois bandidos para, depois, sugar-lhes o sangue - e Brooks se encarrega de dissolver os corpos na cal virgem e no ácido sulfúrico.
Aliás, erotismo também é o que move a edição: afinal, Velta está em trajes bastante sumários, e Mirza em um vestido com fendas e decote generoso. E são inevitáveis as cenas onde visualizamos as pernas e os seios de Mirza, e a bunda da Velta.
Bem. O roteiro da historinha, apesar de interessante, é meio fraco: algumas cenas que poderiam causar impacto, como a que Mirza revela a Velta ser vampira, carecem dele; algumas cenas também seriam melhores se fossem melhor construídas, e muitos fatos carecem de explicação - entre elas, como Velta, Mirza e Brooks sobreviveram ao ataque dos empregados de Desmôdo. No entanto, Ribeiro soube respeitar a mitologia dos vampiros - inclusive a forma de matá-los.
Na parte da arte, Ribeiro também comete deslizes. A quadrinização ainda segue o estilo "econômico" do autor, de tentar resumir as tramas em poucas páginas e poucos quadrinhos. O trabalho do preto-e-branco e das sombras ainda é pouco convincente (Ribeiro já fez bem melhor, antes de desenhar para editoras dos EUA!), e o autor ainda insiste em desenhar a Velta com erros de anatomia!!! E, ainda por cima, partilha esses mesmos erros com a Mirza!!! É meio difícil, para quem já conhece a Mirza, encarar a vampira com as coxas muito grossas, em contraposição à delicadeza do traço de Colonnese. Mas Ribeiro, é compreensível, faz o melhor que pode. Só tem de conviver com as pesadas críticas sobre seu trabalho. Mesmo assim, a ideia foi legal, levar duas personagens da "velha guarda" das HQ brasileiras para as novas gerações. É isso justamente o que sustenta essa aventura, e garante que ela não tenha sido um fracasso total. Afinal, apesar de tudo, a Velta continua gostosa - e a Mirza também.
Completam a edição textos de Marconi Lapada sobre Eugenio Colonnese e sobre Mirza; uma página com os esboços de William Cabral, e mais comentários de Emir Ribeiro sobre como conseguiu a autorização de Colonnese para produzir o crossover. E mais ilustrações do próprio Ribeiro.
Esta revista, felizmente, foi publicada na íntegra - a intenção inicial, segundo consta, era publicá-la em duas partes. Mas eis aí. Para quem quiser conferir, há dois caminhos: pedir com o José Salles, através do endereço smeditora@yahoo.com.br, ou com o Emir Ribeiro, pelos endereços: emir_ribeirojp@yahoo.com.br ou emir.ribeiro@gmail.com.
Conheçam as outras publicações de Ribeiro em http://www.emirribeiro.com.br/. E os da Júpiter 2 em http://jupiter2hq.blogspot.com/.
Para encerrar, uma ilustração especial: Velta, Mirza e o "véio safado" Brooks.
Eu também já desenhei melhor a Velta, né? Buá!
Até mais!
Até mais!
Um comentário:
Velta - Sistemas de Informação
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