terça-feira, 29 de setembro de 2009

Livro: DE AMOR E DE SOMBRA

Olá.
Hoje volto a falar de livro. E o momento não poderia ser mais oportuno.
Nesses dias convulsos, a crise em Honduras acabou resultando em uma ditadura de fato. Todos sabemos: um governo que de repente derruba o presidente em exercício, suspende as liberdades individuais e censura a imprensa só pode ser uma ditadura, certo? Pois é o que está havendo em Honduras, segundo o noticiário: uma ditadura!
E isso que a América do Sul mal curou as cicatrizes de suas ditaduras. Embora se insista em varrer a sujeira para baixo do tapete, sempre sobra um pouco de pó grudado nas cerdas da vassoura.
Pois o livro em questão é sobre uma ditadura específica. E a autora é consagradíssima na América Latina: Isabel Allende.
Quer dizer, esse é o primeiro livro de Allende que eu leio. O máximo que até então tive de contato com a obra dessa autora foi a adaptação cinematográfica de A Casa dos Espíritos. Bem, e o primeiro que leio da autora de nacionalidade chilena é este, DE AMOR E DE SOMBRA, publicado pela primeira vez em 1984 (que também ganhou adaptação cinematográfica em 1993, coincidentemente no mesmo ano em que A Casa dos Espíritos também virou filme).
DE AMOR E DE SOMBRA possui a seguinte epígrafe:

"Esta é a história de uma mulher e de um homem que se amaram plenamente, salvando-se assim de uma existência vulgar. Eu a levei na memória conservando-a para que o tempo não a desgastasse e só agora, nas noites silenciosas deste lugar, que finalmente posso contá-la. Eu o farei por eles e por outros que me confiaram suas vidas dizendo: toma, escreve, para que o vento não as apague".

É justamente a intenção de Allende: através da história de amor de Irene Beltrán e Francisco Leal, a autora revira a memória da ditadura chilena - quer dizer, o país onde se passa a trama não é especificado, mas dá pra se apreender que seja o Chile de Pinochet, embora possa ser também qualquer país da América Latina - Argentina, Uruguai, Paraguai, Brasil - que tenha passado por uma ditadura militar nos anos 70. Mas digamos que seja mesmo o Chile, onde a ditadura foi teoricamente bem mais sangrenta, e os casos de desaparecimentos de opositores e presos políticos foram os mais escandalosos. O foco do livro reside justamente aí.
Irene Beltrán é filha de membros da aristocracia, mas falida - o pai fugiu depois de dilapidar a fortuna da família em negócios fracassados, e a mãe, que tem como fonte de subsistência a mansão transformada em asilo de velhos, insiste em se manter alheia à realidade do país, apoiando a ditadura militar. Por sua vez, Francisco é filho de imigrantes espanhóis, o pai é anarquista. Francisco é formado em psicologia, mas o melhor emprego que consegue arranjar durante a ditadura é como fotógrafo de uma revista de amenidades - onde conhece Irene, que lá trabalha também, e que no momento está noiva de um oficial do exército.
No início, Allende conta um pouco do passado dos personagens - Irene, a mãe, Francisco, a família, o cabeleireiro Mário (colega de trabalho de Irene) e da miserável família Ranquileo, que criou a menina Evangelina, jovem que é tida como santa no vilarejo de Los Riscos.
Pois a vida desses personagens começa a cruzar-se no momento em que a tal revista envia Irene e Francisco a trabalho para Los Riscos, fazer uma matéria sobre a tal santa. Na ocasião, durante uma batida de militares à casa dos Ranquileo, Irene e Francisco presenciam Evangelina humilhar um oficial do exército.
Mas a vida de Irene e Francisco começa a tomar um novo rumo no momento em que recebem a notícia do desaparecimento de Evangelina. A partir da procura pela menina, os dois percebem um mundo que então se insistia em ser escondido: a da truculência dos militares, a do desaparecimento de opositores, das manobras para abafar os casos. Uma realidade onde valia tudo para manter uma suposta ordem, com a justificativa de conter o então "grande inimigo vermelho", o comunismo, e abafar a miséria de um país que supostamente ia bem. Até então, Irene e Francisco trabalhavam dentro de um universo de aparências, de futilidades, onde, segundo o governo, tudo estava bem; aí, descobrem que há algo de podre no reino, e quando decidem denunciar essas arbitrariedades, mesmo contando com a ajuda dos amigos, a vida dos dois começa a correr risco no meio da guerra suja. No entanto, ambos acabam descobrindo, também, o amor um pelo outro. E dessa maneira vai se desenvolvendo a história de uma realidade já conhecida, porém contada de uma nova maneira.
DE AMOR E DE SOMBRA é um retrato pungente de uma América Latina que sofreu muito sob as arbitrariedades e sob os interesses de outrem. Uma história que não pode ser esquecida. Ainda mais agora, sob ameaças de ditadura. Talvez não em nosso país, mas ficar alheio a qualquer tentativa de ditadura é um grande erro.
A versão brasileira foi publicada pela Bertrand Brasil. Mas ressalve-se, esta edição, a 13a., possui alguns erros de gramática em algumas passagens...
Para terminar, um cartum sobre ditaduras. Não que eu ache esse um trabalho muito bom, mas tive muita cara dura e coragem para fazê-lo, e não costumo gastar papel, grafite e tinta se eu não tiver um pouco de fé nos meus desenhos...
Até mais!

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