Neste dia 31 de outubro - momento em que vocês provavelmente estarão lendo este blog - , se comemora o Dia das Bruxas nos EUA. Ou, como eles chamam, o Halloween. Essa festividade já foi importada para o Brasil, porém ainda não ganhou força total, apesar da intensa propaganda. Em contrapartida, alguns setores da sociedade brasileira estão usando o argumento do Dia das Bruxas para promover o folclore nacional: dia 31 de outubro foi escolhido como o Dia do Saci, em homenagem à criatura mais representativa do folclore nacional. Essa data também não ganhou força. Mas cada país agora ganhou seu modo de comemorar o Dia das Bruxas: os EUA com vampiros, lobisomens e frankensteins batendo de porta em porta dizendo: “doce ou travessura” ou “travessuras ou gostosuras” (trick or treat); o Brasil com sacis, mulas sem cabeça, curupiras, vampiros, lobisomens... e as festinhas temáticas.
Deixando de lado a discussão sobre qual halloween seria mais válido para nós, hoje vou falar de quadrinhos. O clima mórbido do Dia das Bruxas é perfeito também para falar um pouco de um dos maiores representantes do terror brasileiro: Josefel Zanatas.
Nunca ouviu falar? E de seu intérprete, José Mojica Marins, já? Saibam desde já: Josefel Zanatas é o verdadeiro nome de Zé do Caixão.
O CRIADOR
Siiim: estou falando de Zé do Caixão, o agente funerário macabro que fez a fama do cineasta brasileiro José Mojica Marins. Zé do Caixão nasceu no cinema, mas fez fama também na televisão e nos quadrinhos.
Bem. Vamos começar falando do criador, José Mojica Marins, tão ligado ao personagem que ele próprio se confunde com ele. Na verdade, ele é mais conhecido por Zé do Caixão do que como José Mojica Marins.
Nascido em São Paulo, em 13 de março de 1936, José Mojica Marins é filho de artistas circenses de origem espanhola, e desde cedo interessado por cinema e gibis. Desde os 12 anos, quando ganhou uma câmera de filmagem V8, ele nunca mais parou de fazer filmes. Começou com curtas-metragens experimentais, e quando começou a se profissionalizar, dirigiu filmes dos mais diversos gêneros: aventura, romance, faroeste, eróticos, pornochanchadas e, claro, filmes de terror. Alguns de seus projetos ficaram inacabados.
Foi em 1956 que ele montou, no bairro do Brás, em São Paulo, SP, a sua primeira escola de atores, e desde cedo ele começou a usar, em seus alunos, seus exóticos métodos de formação – ele submetia seus alunos a situações de perigo, como deixá-los diante de insetos peçonhentos para medir sua coragem. Corria, inclusive, a lenda urbana de que, para passar em seu curso, as alunas de José Mojica tinham de comer baratas! Isso, entretanto, nunca foi provado. Muitos dos alunos de José Mojica Marins atuaram em seus filmes – aliás, ele só dispunha, muitas vezes, deles para integrar o elenco de seus filmes, muitos deles estrelados por ele mesmo.
Seu primeiro filme concluído foi o faroeste A Sina do Aventureiro, de 1958. Porém, foi em 1963 que Mojica Marins criaria Zé do Caixão – e sua estréia foi nesse mesmo ano, com o filme À Meia-Noite Levarei Sua Alma. E nem precisa dizer que o intérprete do Zé do Caixão é o próprio José Mojica. Desde então, o personagem se tornou presença assídua em várias produções do diretor, como personagem ou “apresentador” dos enredos. À Meia-Noite Levarei Sua Alma teve continuação em 1966, com Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver. O terceiro filme da trilogia de Zé do Caixão é o mais recente lançado pelo diretor, A Encarnação do Demônio, de 2008. Dentre os vários filmes de José Mojica Marins, destacam-se: O Estranho Mundo de Zé do Caixão (1967), Trilogia do Terror (1968), O Despertar da Besta (1969), Finis Hominis (1971), A Estranha Hospedaria dos Prazeres e Delírios de um Anormal (ambos de 1977).
No meio tempo entre as produções com Zé do Caixão, José Mojica Marins dirigiu curtas-metragens e pornochanchadas. Nem é preciso dizer que o diretor teve problemas com a censura da época da Ditadura Militar (1964-1985) por causa do sadismo presente em suas produções. Mas hoje, José Mojica é reconhecido como um dos precursores do cinema marginal brasileiro. Seus filmes chegaram a ser exibidos no exterior, e hoje são cult. Ah: muitos dos títulos já foram, felizmente, remasterizados e relançados em DVD.
José Mojica Marins também acumula muitas aparições em programas de TV, chamando a atenção pelo figurino de Zé do Caixão, pela voz arrastada e pelos trejeitos mórbidos. Em 1996, Zé do Caixão apresentava o Cine Trash, a sessão vespertina de filmes de terror da TV Bandeirantes. Já chegou inclusive a promover um concurso para escolher um sucessor como seu personagem. Porém, muitas de suas aparições recentes foram em programas humorísticas, e o Zé do Caixão, por questões financeiras, teve uso cômico. Atualmente, José Mojica mantém um programa de entrevistas, O Estranho Mundo de Zé do Caixão, no Canal Brasil.
A CRIATURA
Zé do Caixão chama a atenção, à primeira vista, pelo figurino: as roupas pretas e elegantes, com capa, a cartola, a barba e as unhas compridíssimas e deformadas. José Mojica Marins conta que criou o personagem baseado em um pesadelo que teve, com uma figura macabra que se aproximava de seu túmulo. Apesar das influências de figuras como o Drácula do cinema, Zé do Caixão foi criado sem se basear em nenhum personagem clássico de terror. O cineasta, não achando alguém ideal para interpretar o personagem, resolveu ele mesmo interpretá-lo. O curioso é que os filmes de Zé do Caixão eram dublados – por causa das limitações técnicas dos filmes brasileiros na parte da sonorização, os filmes precisavam ser dublados em estúdio, já que era difícil captar as falas dos atores e os sons do set de gravação. Mas a voz de Zé do Caixão, geralmente, era feita por outros atores. Poucas eram as vezes que José Mojica dublava ele próprio. Nos EUA, Zé do Caixão ficou conhecido como Coffin Joe.
Com o tempo, José Mojica foi construindo a “biografia” de Zé do Caixão.
Segundo a história criada por José Mojica, o verdadeiro nome de Zé do Caixão é Josefel Zanatas. Nascido em Vila Velha, no início do século XX, é filho dos donos de uma rede de funerárias, assim ele teve, desde cedo, contato com a morbidez presente na morte.
Ele era um homem bom e sensível, de inteligência notável – por conta a profissão dos pais, Josefel não tinha amigos, assim, ele tinha a leitura e o estudo por passatempos – até que uma tragédia pessoal fez ele praticamente pirar. Ele estava comprometido com uma linda moça chamada Sara, porém, o casamento planejado não saiu como esperado, pois Josefel foi convocado para lutar, com o Exército Brasileiro, na Segunda Guerra Mundial. Devido aos hiatos no envio de notícias, Sara, que então estava cuidando da funerária, acreditou que Josefel morreu no front, e aceitou o pedido de casamento do prefeito da cidade. Quando Josefel voltou, não encontrou ninguém na estação de trens, nem na sua casa. Informado por um bêbado que estava havendo uma festa na praça pelo retorno dos pracinhas da FEB, Josefel surpreende Sara no colo do prefeito; e, amargurado, mata os dois a tiros antes que ela pudesse se explicar.
A partir daí, Josefel pirou. Adotou um visual mórbido, deixou as unhas crescerem e perdeu as crenças no céu e no inferno. Tornou-se um homem amoral e niilista, que acredita ser superior a todos os outros, e alimenta desde já a sua principal obsessão: encontrar uma mulher que partilhe de suas idéias, uma mulher “perfeita”, e ter com ela um filho “superior” – Josefel acredita que as crianças são os únicos seres puros e sem maldade que existem.
Para alcançar esse objetivo, Josefel Zanatas, agora chamado Zé do Caixão, é capaz de tudo – até mesmo matar quem tente impedi-lo. Não por acaso, seu principal instrumento de tortura é expor suas vítimas a insetos peçonhentos. Um demônio em pessoa.
Apesar de já ter envelhecido, a famosa barba ter ficado branca, José Mojica continua ligado a seu personagem. E Zé do Caixão ganhou tanta fama que um modelo de automóvel Wolkswagen, o VW 1600, fabricado de 1968 a 1971, foi chamado de Zé do Caixão, pelo seu formato quadrado.
Se Zé do Caixão alcançou seu objetivo, não tenho como saber, pois ainda não assisti aos filmes dele. Tenho a informação, entretanto, que Zé do Caixão teve uma filha vampira. Ou pelo menos é a história que nos conta Liz Marins, filha de José Mojica, que criou uma personagem chamada Liz Vamp. Essa vampira “vegetariana”, que evita sugar sangue humano, nasceu de um romance que Zé do Caixão teve com uma vampira renegada de origem inglesa que ele conheceu na Espanha. Vinda ao Brasil, Liz Vamp se tornou cantora.
Para saber mais sobre o estranho mundo de Zé do Caixão, dá pra acessar o site próprio do personagem: www2.uol.com.br/zedocaixao.
ZÉ DO CAIXÂO NOS QUADRINHOS
Eu disse, no início da postagem, que ia falar de quadrinhos. A carreira de Zé do Caixão no cinema foi esmiuçada aqui apenas para situar vocês do que vou falar agora. De um dos quadrinhos de Zé do Caixão.
Como muitas personalidades brasileiras, Zé do Caixão também ganhou os quadrinhos. O Brasil, como se sabe, tem um dos maiores e melhores mercados de HQ de terror do mundo, beneficiado, nos anos 50 e 60, pelo macarthismo nos EUA, que perseguiu as editoras que publicavam histórias de terror. Como já não dava para importar o material estrangeiro, Diversos artistas nacionais foram chamados para suprir a demanda das muitas editoras que publicavam esse gênero por aqui. E os quadrinhos de terror brasileiros fizeram história, apesar de o público não reconhecer totalmente o nosso esforço e a censura pegar no pé dos artistas. E tivemos diversos artistas que se celebrizaram nas narrativas mórbidas, como Eugênio Colonnese, Rodolfo Zalla, Elmano Silva, Rubens Francisco Lucchetti, Nico Rosso e muitos mais... Só para citar os nomes mais lembrados.
Zé do Caixão não escaparia do mercado de quadrinhos. Ele ganhou diversas revistas em quadrinhos ao longo do tempo.
Foi em 1969, pela editora Prelúdio, que começaria a célebre fase das HQ de Zé do Caixão produzida por R. F. Lucchetti (roteiros) e o ítalo-brasileiro Nico Rosso (desenhos). Outro artista que trabalhou com Zé do Caixão foi o argentino Rodolfo Zalla, mas sempre sob o roteiro de Lucchetti, o maior expoente das HQ de terror que podemos lembrar. Algumas das histórias de Lucchetti e Rosso seriam relançadas em 1987.
Em 1995, é lançada a adaptação para HQ do filme À Meia Noite Levarei Sua Alma, com algum estardalhaço. O responsável pela adaptação é Laudo Ferreira Júnior, criador da personagem erótica Tianinha e da série Yeshuah.
Em 1999, é lançado o gibi infantil A Estranha Turma de Zé do Caixão. É um Zé do Caixão mais light.
E, em 2008, antecedendo o filme Encarnação do Demônio, é lançada a graphic novel Prontuário 666 - Os Anos de Cárcere de Zé do Caixão, de Adriana Brinstein e do gaúcho Samuel Casal, bastante elogiada pela crítica (e pelo próprio José Mojica), que conta o que aconteceu entre o final do filme Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, quando Zé do Caixão é internado em um hospício, até o filme de 2008.
A ESTRANHA TURMA DE ZÉ DO CAIXÂO
Bão. O quadrinho de Zé do Caixão do qual vou falar vai ser A ESTRANHA TURMA DE ZÉ DO CAIXÃO, o gibi infantil. Foi esse gibi que acabei encontrando, por acaso, na minha última viagem a Porto Alegre, junto com vários outros gibis. Quase não comprei, mas comprei.
A ESTRANHA TURMA DE ZÉ DO CAIXÃO foi uma tentativa de se fazer um Zé do Caixão voltado ao público infantil, no melhor estilo terrir (terror-comédia leve). Este gibi foi uma das primeiras publicações da hoje extinta editora Brainstore, capitaneada por Eloyr Pacheco, que havia começado sua linha de HQs publicando a revista do personagem Senninha, a partir do número 98 (o personagem, baseado no saudoso piloto Ayrton Senna, era publicado até 1998 pela editora Abril).
A ESTRANHA TURMA DE ZÉ DO CAIXÃO foi publicada em outubro de 1999, e no mesmo ano faturou o prêmio HQ MIX de melhor graphic novel. A iniciativa, infelizmente, só ficou neste número único, mas tinha tudo para agradar.
A história desta HQ, A Maldição de Jack, tem roteiro de Kaled, desenhos de Alê Araújo, arte final de Cleber Salles e cores de Anderson Almeida, a partir da concepção gráfica de Alexandre Montandon (criador também do mascote da editora Brainstore, o vaga-lume Lumi) e Alexandre Dias. Só o destino de um dos artistas eu consegui encontrar: o de Anderson Almeida, que, com o roteirista Nathan Cornes, produziu a série Zeladores, que ganhou álbum pela editora Devir.
O mais surpreendente do gibi é tanto o roteiro, bem-construído, bem conduzido e cheio de ironia e surpresas, quanto a arte, dinâmica, cheia de ação e movimento, como se tivesse sido feita para um desenho animado. Nem parece feito para crianças.
Bom. Em A ESTRANHA TURMA..., Zé do Caixão foi metamorfoseado em um menino. Com o visual característico – roupa preta, cartola, medalha no pescoço, mas sem a barba nem as unhas compridas – o Zé do Caixão deste gibi é muito mais o cineasta que o agente funerário. Um garoto excêntrico, com gosto pelas mídias de terror, e um diretor irascível. É o Zé do Caixão retratado em sua forma mais humana. Neste gibi, ele vive uma aventura especial celebrando o Halloween (por isso eu disse que o momento era apropriado para falar deste gibi), ao lado dos amigos, o medroso Vanelsinho e a excêntrica Fran, seus parceiros de teatro, e da mascote, a tarântula Tarantela.
A história começa quando Zé do Caixão, na escola onde estuda, está tentando orientar uma atriz mirim relutante em uma montagem mórbida de Chapeuzinho Vermelho. Aqui, vemos Zé do Caixão, mesmo criança, usando seus exóticos métodos de formar atores, através da exposição dos mesmos a insetos para arrancar gritos de pavor.
Entretanto, seus métodos desagradam a diretoria da escola, e Zé é suspenso do grupo de teatro. Vanelsinho e Fran também se demitem, e a menina convida os amigos para jantar na casa da avó dela, uma senhora excêntrica e muito simpática, que Vanelsinho acredita ser uma bruxa. Através de uma amiga do colégio, Natasha (que não tem papel ativo dentro da história), os amigos acabam sabendo que se aproximava o Halloween.
Depois de um jantar atrapalhado, a avó de Fran começa a contar a Zé e seus amigos a mais tradicional história do Halloween, a data onde, segundo ela, o mundo dos espíritos fica mais próximo ao dos homens: a história de Jack, um homem irlandês que não foi aceito no céu por causa de seus pecados, nem no inferno, porque costumava pregar peças no diabo, porque este queria desde já levá-lo para o inferno. Como castigo, Jack foi condenado a vagar pela terra por toda a eternidade, levando uma vela acesa dentro de uma abóbora (daí a tradição de se esculpir rostos assustadores em abóboras nessa data).
Impressionados com essa história, Zé e Vanelsinho decidem adaptar a história de Jack para um filme. Por isso, eles ganham da avó de Fran uma velha câmera. E, ao pedir emprestado a Fran dinheiro para o ônibus na hora de ir embora, Zé recebe, por engano, uma moeda que será importante para a trama. Uma moeda que será a salvação para os perigos que Zé e Vanelsinho vão se meter mais adiante...
Passando por um cemitério, naquela hora da noite, Zé decide ensaiar o seu filme, e acaba, sem querer, evocando Jack, que está longe de ser o peregrino simpático que ele conheceu pela história. Por causa disso, Zé e Vanelsinho correm o risco de serem jogados diretamente no inferno... e somente o engano de Fran pode salvá-los.
Certamente, uma obra que tinha tudo para agradar. Pena que não teve continuidade. O clima mórbido se adapta bem aos leitores jovens, e há momentos de pura ação, gritos e desenhos assustadores de tão dinâmicos. Mas o roteiro foi feito mais para rir que para assustar, afinal é para crianças. O maior defeito desta HQ foi o não-aproveitamento satisfatório dos personagens Natasha e Tarantela, que ficaram em segundíssimo plano na trama.
Hoje, este gibi é quase uma raridade. Só em sebos ele pode ser encontrado.
Nos últimos tempo, tenho tido sorte em encontrar gibis antigos. É o resgate da História das HQ brasileiras. E eu, aqui, no meu trabalho de trazer até vocês as informações que outros sites não podem passar. É o princípio básico deste blog: se você não pode encontrar uma fonte confiável sobre um determinado assunto, crie uma!
É isso aí.
Para encerrar, dois desenhos meus. No primeiro, visto acima, a minha interpretação da figura de Zé do Caixão. Quem achou convincente, levante a unha.
E o segundo é outro desenho refeito. Em 2007, o Núcleo de Quadrinhistas de Santa Maria, RS – Quadrinhos S. A., realizou uma exposição temática pelo Dia do Saci. Em homenagem ao grande herói do folclore nacional. Eis aqui uma versão de um dos desenhos que fiz para esta exposição – por sinal, um dos meus favoritos. Pena não ter ficado com os originais da exposição.
Clique aqui para ver o outro desenho que refiz a partir do original desta exposição.
Bão. Feliz Dia das Bruxas para vocês. E se cuidem entre a meia-noite desta quarta e a meia-noite desta quinta: Zé do Caixão pode aparecer para levar as almas de vocês.
Mas não garanto nada.
Até mais!
Um comentário:
Eu gostava de seu excelente artigo! (Peço desculpas Eu não falo Português)
Eu fiz o canal do youtube "Cinema Coffin Joe / Zé do Caixão"
(Https://www.youtube.com/user/DeleriosoAnormal)
Felicidades para você
Mike
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