Olá.
Hoje,
não estou para brincadeiras.
Vou
falar de quadrinhos, como sempre. Mas, desta vez, vou pegar pesado, um pouco.
Porque este não é um quadrinho para crianças.
Apesar
de ser um quadrinho polêmico, violento e torpe, foi o símbolo de uma geração.
Uma geração desiludida, distópica, não disposta a brincadeiras.
Bem.
Hoje, então, o assunto vai ser RANXEROX, o robô mais malvado dos quadrinhos
mundiais.
RANXEROX
nasceu em 1977, com outro nome, outra aparência e outras motivações. Foi criado
na Itália, terra de Tex e dos quadrinhos Bonelli. E seu criador se chama
Stefano Tamburini. Mas a aparência que o consagrou foi proporcionada por Tanino
– ou Gaetano Liberatore.
Bão.
Sem sombra de dúvida, Stefano Tamburini foi um daqueles caras que aprontaram
bastante na vida cultural de seu país, e causaram muito impacto. Nascido em
Roma, em 1955, Tamburini, desde muito jovem, foi roteirista, desenhista,
editor, designer gráfico (na era pré-computador pessoal) e jornalista. E a
época em que viveu foi uma das mais conturbadas. Na década de 70, a Europa
vivia uma onda revolucionária liderada pela juventude, que demonstrava muita
vontade de mudar a situação que estava diante de seus olhos – o mundo sob o
comando de uma sociedade conservadora, hipócrita e consumista, cristalizada
após o fim da 2ª Guerra Mundial, guerras nos quatro cantos do planeta, com a
iminente ameaça de uma hecatombe nuclear, e o capitalismo se valendo dos meios
mais escusos para conter o avanço do comunismo russo – ainda que isso implique
aumentar o abismo entre ricos e pobres, deixar os ricos mais ricos, e os pobres
mais pobres. A onda revolucionária se iniciou na França, em 1968, e se alastrou
pelo mundo, provocando mudanças no comportamento, nas discussões políticas e
sociais e, é claro, na arte. O jovem da época que não quisesse se adaptar às
regras da sociedade tinha três caminhos para seguir: a luta armada, junto aos
partidos que seguiam como ideologia o marxismo; afundar-se nas drogas –
inclusive a heroína; ou fazer arte: música, ilustração... O movimento hippie já
havia decaído na ocasião.
Enquanto
na Inglaterra florescia o movimento punk (importado dos Estados Unidos), cuja
maior expressão estava na música e no comportamento – o punk rock começou a
“atropelar” a onda do rock progressivo, representada por Led Zeppelin e Pink
Floyd, e substituir as experimentações musicais pela atitude e pela crueza – a
Itália, em 1977, estava tomada pelos protestos estudantis: várias cidades, como
Bolonha e Turim, assistiram passeatas quase diárias de gente que protestava. A
repressão ao movimento, desencadeado por uma polêmica proposta de reforma
educacional, foi violenta, mas teve lá seus resultados. O que era apenas para
protestar contra ditames mais rígidos por parte do Ministério da Educação se
transformou numa luta contra qualquer forma de autoridade, por mais necessária
que seja. Apesar de os estudantes terem sido derrotados pelo Estado e pela
“traição” do Partido Comunista Italiano (PCI), que se manifestou contra o
movimento no afã de parecer “inofensivo” à burguesia, uma intensa discussão foi
aberta, levando a um relaxamento – o projeto de reforma educacional foi
engavetado.
A
música, a literatura e os quadrinhos foram as formas encontradas por alguns
jovens italianos para protestar contra a repressão do Estado. A arma mais
poderosa com o que eles puderam contar foi a galhofa: fazer o público rir da
autoridade, rir do estado de coisas, enfim, nada poderia ser mais subversivo
que o riso da cara do capitalismo, do Estado, do nacionalismo extremado, do
status quo. Que o diga a produção artística marginal no Brasil dos anos 60 e
70.
Havia
formas de se rir do Estado na Itália dos anos 70: rádios piratas que tocavam
punk rock em um país fundamentalmente católico; colando cartazes nas paredes,
tal como na França de 1968; fazendo falsas capas dos principais jornais do país
(os chamados falsi) com notícias malucas que pareciam verdadeiras; e o
aparecimento de revistas de galhofa para galhofeiros, onde se publicavam
quadrinhos underground, textos críticos e humorísticos, e por aí vai. Tudo
criticando o capitalismo, a sociedade conservadora e insensível aos problemas
sociais, etc., etc., etc.
Bem.
Voltando a Tamburini. Ele, que teria sido ativo participante do movimento
estudantil, foi o idealizador de uma dessas revistas de galhofa, a Cannibale,
que apareceu em 1977 na cidade de Bolonha. E juntou em torno de si um grupo de
artistas que também faria história na Itália daquele período: Gaetano
Liberatore, Andrea Pazienza, Massimo Mattioli, Filippo Scozzari. E foi na
Cannibale, uma espécie de Chiclete Com Banana surgida antes mesmo da própria
revista brasileira Chiclete com Banana, e que durou até meados de 1980, que
apareceu pela primeira vez a figura de Rank Xerox – foi assim que Ranxerox foi
batizado quando apareceu. As primeiras aventuras do “herói” foram escritas e
desenhadas por Tamburini, com uma pequena ajuda de seus amigos. Para a
Cannibale, Tamburini produziu três aventuras, e o “herói” já começara a
angariar fãs.
Entretanto,
a Cannibale acabou, mas o grupo resolveu fundar uma nova revista, maior e
melhor: a Frigidaire, em 1980. Tão corrosiva quanto a Cannibale, a Frigidaire
publicava textos e quadrinhos sobre os mais variados assuntos, de uma forma
caótica, como uma geladeira psicodélica (“Frigidaire” significa “geladeira” em
italiano). Ali, Tamburini também começou a escrever crítica de música, sob o
pseudônimo de Red Vinyle – e ainda criou um “ídolo” musical, Mongoholy Nazi, a
partir de uma fita cassete de uma banda gravada ao contrário. E lá, a saga de
Ranxerox continuou, mas maior e melhor.
Uma
história interessante diz respeito ao porque o personagem ter mudado de nome.
Quando nasceu, se chamava Rank Xerox (às vezes, Ranx Xerox); mas havia uma
empresa de mesmo nome, a fabricante das famosas máquinas de cópias. Esta
empresa ameaçou processar Tamburini por ver o nome da empresa usada num
quadrinho tão violento e torpe; apesar de Tamburini ter posto o próprio
personagem para dar uma “simpática” resposta à empresa, por via das dúvidas, o
nome do personagem foi mudado para Ranxerox. E foi assim que ele ganhou o
mundo.
Ajudou
ainda o fato de agora o personagem ter passado a ser desenhado por Tanino,
artista nascido em Quadri, em 1953, e que começara sua carreira desenhando
tiras para a Cannibale. Tanino foi colega de escola de artes do também cultuado
Andrea Pazienza, que o apresentou a Tamburini. Fazendo uso de técnicas de
pintura quase realista, Tanino fez Ranxerox chocar ainda mais – e ganhar fãs no
mundo inteiro, inclusive no Japão e no Brasil. Aqui, Ranxerox fez história,
quando foi publicado na revista Animal, da editora VHD Diffusion, a partir de
1988, colocando essa revista, uma coletânea do melhor do quadrinho underground
mundial, na lista de publicações referenciais brasileiras.
Infelizmente,
Tamburini foi um desses artistas cultuados que morreu por conta do estúpido
vício em drogas. Morreu por overdose de heroína, em 1986 – mesmo destino de seu
amigo Pazienza. Mas Tanino sobreviveu, e segue na ativa, atualmente residindo
na França. Seu trabalho influenciou muitos artistas, entre eles o hoje
desaparecido desenhista Luís Gustavo, lembrado pelas histórias noir que
publicou na Chiclete com Banana. Se Luís Gustavo tivesse migrado para a Europa,
deixaria o próprio Tanino impressionado, tamanha identidade no traço.
O
PERSONAGEM
RANXEROX
acabou antecipando a violência ultra-realista dos quadrinhos e do cinema nos
anos 80, antes de esta explodir nos anos 90. Não é um quadrinho para crianças
nem para adultos sensíveis, pois, de certa forma, faz uma apologia à violência
sangrenta, ao sexo irresponsável, às drogas e ao punk rock – eu, particularmente,
fico só com esse último. RANXEROX é fruto do movimento punk, sem tirar nem pôr.
Bão.
Antes de tudo, é preciso que vocês saibam: RANXEROX é um robô. Um andróide parrudo,
desmiolado, violento, viciado em cola, e que namora uma menina de 12 anos, Lubna,
tão mutcholoca quanto ele, e facilmente reconhecível pelo rabo-de-cavalo no
cabelo.
A
inspiração para o personagem, segundo contou Tamburini, veio de uma cena que
ele presenciou na saída da faculdade: um grupo de jovens, durante a onda de
protestos em Bolonha, destruíam uma máquina copiadora. Tamburini imaginou então
uma outra forma de remontar a máquina, e imaginou um andróide montado com as
peças da copiadora. É isso: RANXEROX é um andróide feito com partes de uma
máquina copiadora – daí o nome inicial.
Na
primeira história, o personagem nos é apresentado apenas como um “coatto” –
gíria italiana que designa aquele tipo bronco, violento, mistura de punk,
greaser, skinhead e malandro. Um homem com nariz de porco, que apronta poucas e
boas: põe um Ramones no jukebox, decepa os dedos de um cara com quem discute em
um bar, rouba os anéis do mesmo, soca a cara de um garotinho que lhe mostra a
língua (e depois chuta a cara da mãe dele) no metrô, mata um receptador de
armas de quem adquiriu um revólver, e tem um momento de sexo com Lubna – cuja
figura foi concebida por Pazienza. Até aqui, ele parece mais um verdadeiro
monstro que um ser humano. Só depois que toma uma pancada de um motoqueiro na
cabeça, ficamos sabendo que Ranxerox é um robô, quando ele vai até a casa de
seu criador, um “studelinquente” (um estudante universitário contestador – o
termo foi criado por Filippo Scozzari, artista e colega de Tamburini) para ser
consertado. Entretanto, o criador do robô é assassinado pela polícia, delatado
por uma velhinha, espiã do PCI – e Rank Xerox mata os policiais e a velhinha,
mas fica descontrolado por conta do conserto inacabado.
Na
segunda aventura, depois de aprontar mais algumas, chapado de cascolar (suponho
que seja cola escolar comum), Rank Xerox é atropelado por um caminhão e
destruído. Lubna junta o que restou – e, na terceira aventura, Ranxerox é
consertado, e ganha a aparência definitiva, com os óculos de soldador cobrindo
seus olhos – nas duas primeiras aventuras, Rank Xerox usa óculos escuros.
Rank
Xerox ganharia ainda uma aventura especial curta, publicada e outra importante
revista underground italiana, a Il Male (famosa por seus falsi), antes de
Tanino assumir a arte. A partir daí, a violência caricatural e as bizarras
figuras de desenho animado em preto e branco de Tamburini são substituídas pela
violência realista, mais próxima do real, e colorida. A isso se acrescente um
“bom” humor, sarcástico, ácido, uma violência tão caricatural que chega a ser
engraçada. Os personagens ganhariam, aí, a sua aparência e personalidade
definitivas – notadamente, Ranxerox e Lubna, e outros personagens estreiam,
como Martina, Carmencita, Anya, Timothy e muitos outros.
O
Rank Xerox da Cannibale estava mais sintonizado com a época dos protestos
estudantis – é um ser feliz e adaptado aos tempos violentos de então. O
Ranxerox da Frigidaire já é uma espécie de Pinóquio mal-compreendido. Apesar do
sarcasmo e da violência, e de um pouco de crítica social, o que move o novo
Ranxerox é basicamente o amor. Seu amor mal-correspondido por Lubna. As
histórias do Ranxerox da Frigidaire são basicamente a saga de um robô querendo
amar e ser amado por uma única pessoa, o que dá um tom até de melancolia.
Ambos
circulam por uma Roma violenta e suja, numa espécie de futuro retrô, uma era
pré-celular ou Windows. O futuro no passado (nos anos 80) imaginado por
Tamburini e Liberatore é bem do jeitinho que os autores de sci-fi mais
fatalistas adoram: a cidade dividida em níveis de acordo com o poder aquisitivo
dos moradores (Ranxerox e Lubna circulam mais pelo 30º nível, o lar da
marginalidade), sujeira, paredes descascadas, partes de máquinas jogadas por
aí, ferrugem, degradação, o meio-ambiente quase todo detonado, poluição,
pessoas mal-encaradas, respirando fumaça, ainda mais degradação moral. Gente
sem rumo na vida, vivendo uma vida depressiva e consumista, não raro afundados
nas drogas – e com gente ainda faturando com isso. Insatisfação por todo lado.
E por aí vai. No decorrer da série, eles também dão uma “esticada” por Nova
York, que não está melhor que Roma.
Bão.
Basicamente, Ranxerox é um robô violento, desmiolado, desbocado, um verdadeiro
gorila mecanizado. Só duas coisas contêm sua fúria: quando ele é desligado, ou
quando Lubna retribui sua afeição. O robô é capaz de tudo pela menina – até
mesmo se autodestruir. Não se sabe o porquê da paixão de Ranx por Lubna, ainda
mais levando em conta seu cérebro eletrônico. Na verdade, Tamburini mal teve
tempo de se preocupar em contar como Ranxerox conheceu Lubna – os passados do
coatto e da menina só são possíveis de ser contados através de pistas deixadas
nas histórias. Mas não se pode dizer que Ranxerox é uma completa besta: apesar
de ser um andróide, ele tem sentimentos, reage bem ao sexo e, quando consome
cascolar, sente o “barato”. Também grava informações como um vídeo-cassete
(lembram?), tem um rádio embutido, sintonizando seu punk-rock, e seu visual
pode ser mudado – basta retirar a tampa de sua cabeça e substituí-la por outra
com um penteado diferente. Ou por um chapéu qualquer. Ao longo da série,
Ranxerox adota vários looks diferentes. Mas a falta da tampa no cérebro também
é sua fraqueza, pois dali ele pode ser desligado, controlado ou reprogramado. Outra
fraqueza do robô é a abertura nas costas, na qual deve ser inserida a sua
bateria: Ranxerox desliga automaticamente quando a tampa nas costas é aberta. E,
por vezes, finge que a violência à sua volta não é com ele: não raro, vemos
violência explodindo – agressões no trem, nos bares, nas ruas... e Ranxerox
tranquilão, como se nada estivesse acontecendo, só pensando em Lubna. Ele só se
envolve quando é envolvido, às vezes ele mesmo provoca as agressões. Principalmente
se uma pecinha em seu cérebro, o “potenciômetro de agressividade”, estiver
desregulado: ai de quem estiver no caminho. Ele, apesar de ser o que é, chega a
ser carismático como um Wolverine. Ah: e sua marca registrada é o grunhido,
“snort!”, que ele solta de vez em quando. Como o grunhido de um porco.
Que
pena que o mesmo não se pode dizer de Lubna. Tanino se especializou em desenhar
mulheres do tipo Lolita, tão novas que nem seios tem. E Lubna é a musa da
série, apesar de ser uma personagem detestável. Apesar de ter 12 anos, é
viciada em heroína, ninfomaníaca, usa roupinhas “sexy”. Mas também é egoísta,
megera, vive gritando com o herói e geralmente só declara seu amor por Ranxerox
quando lhe convém – por extensão, uma grandessíssima ingrata. E olha que por
ela Ranxerox é capaz de tudo, e não raro os adversários do herói usam a menina
como objeto de barganha – tipo, atuar como um bailarino na Broadway, dirigir um
taxi em Nova York, ouvir xingamentos, detonar quem tente ao menos beijá-la,
gravar seu programa preferido na TV e até arrancar o próprio coração mecânico
do peito. E, em muitos momentos, quando se acredita que Lubna esteja em perigo,
na verdade ela está na boa, se divertindo com seus captores. Bem, não se pode culpar Lubna de ser
o que é: ela também é fruto de sua época, sabem. Uma época em que os jovens,
vendo seus pais e os outros adultos se transformarem em monstros egoístas,
consumistas e insensíveis, só podiam contar com eles mesmos para se protegerem.
Outros
personagens que cruzam o caminho de Ranxerox e Lubna são as amigas Anya, uma
aspirante a modelo com uma mecha rosa no cabelo, Martina, uma garota de cabelos
verdes que tem uma quedinha por Ranx, e Carmencita, uma menininha de
(acreditem!) 2 anos de idade, desbocada, violenta e líder de um bando de
criancinhas rebeldes. Sem falar ainda em Raniero, um pintor e telepata que
chega a usar Ranxerox para cometer um atentado contra a vida de um crítico de
arte; Mr. Volare, um empresário artístico, com o rosto oculto por uma máscara
de couro, que obriga Ranx a atuar como um bailarino a La Fred Astaire; Timothy,
um amigo que Ranxerox faz em Nova York, um jovem fotógrafo que sente tesão em
imagens de corpos dilacerados em acidente de carro; o insano Enogabalo, um
milionário e mecenas artístico que se veste como um imperador romano
(curiosidade: o personagem foi criado com a junção de Heliogábalo, um dos mais
pervertidos imperadores romanos, e Brian Eno, músico e antigo ídolo de
Tamburini, com o qual este se decepcionou); Romeo, um traficante, e seu irmão,
Giorgio, um monstro deformado de duas cabeças, fã de rock das antigas e que
persegue com uma motosserra quem fala mal de Elvis; e muitos outros.
Não
é pouco o que Ranxerox passa para satisfazer Lubna. Mas, fora os que ameaçam
Lubna, Ranxerox também “arregaça o piiih” de punks, ricaços depravados, gangues
juvenis, gays e até um cão de guarda e um babuíno.
Chama
a atenção ainda a arte de Tanino. Nas histórias da Frigidaire, ele e Tamburini
adotam um estilo de quadrinização econômico, procurando resumir os
acontecimentos em poucos quadros, com os ângulos cinematográficos a La Will
Eisner. As técnicas de pintura de Liberatore são semi-realistas, com um bom
domínio de anatomia. E torna chocantes as cenas de violência e sexo explícito,
graças à forma como Tanino retrata corpos dilacerados, cenas de mutilação,
olhos roxos, cabeças explodindo, cenas de nudez e até cópula. E, às vezes, nas
cenas de multidão, os autores fazem um jogo de “procure e ache” com o leitor:
Tanino não coloca Ranxerox centralizado nas cenas de multidão, o “esconde” na
periferia das cenas, dando ao leitor um passatempo, encontrar Ranxerox no meio
da multidão.
E
atrai ao leitor, mais ainda, as referências musicais que Tamburini insere nas
histórias. Aqui e ali, dá pra se encontrar menções a letras de músicas de
Ramones, Joy Division, Devo e outras bandas do movimento punk rock. Se fosse
adaptado ao cinema, não haveria dúvidas de qual seria a trilha sonora – mas
também teria de ser um filme proibido para menores de 21 anos, pelo conteúdo
repleto de sexo (com pedofilia), drogas e ultraviolência.
É
quadrinho adulto na melhor tradição “sexo, violência e palavrões”. E que
influenciou, inclusive, cineastas, como Oliver Stone e Quentin Tarantino, cujos
filmes apresentam também grandes doses de violência.
O
ÁLBUM DA CONRAD
Bem.
Como já dito, RANXEROX foi publicado pela primeira vez no Brasil na revista
Animal, em 1988, da editora VHD Diffusion. Os dois primeiros arcos desenhados
por Liberatore foram publicados ao longo de várias edições – e foi o próprio
Ranxerox quem estampou, em close, a primeira capa.
Desde
o fim da Animal, os brasileiros nunca mais conseguiram ver Ranxerox com os
próprios olhos. O personagem ficou fora do mercado editorial brasileiro até
2010, quando a editora Conrad resolveu lançar um álbum, em tamanho grande (32 x
24 em média), reunindo todas as histórias publicadas de Ranxerox, e incluindo
histórias inéditas.
Uma
coisa que eu esqueci de falar: quando Tamburini morreu, em 1986, ele deixara um
arco de histórias de Ranxerox incompleto – justamente a história mais
melancólica e apocalíptica da série. Essa história só foi concluída em 1998,
quando Tanino uniu-se ao cineasta e roteirista Alain Chabat.
Bem.
O álbum também reúne algumas das ilustrações do personagem feitas por Tanino. E
são oito histórias: as três primeiras, Rank Xerox, Ranx Xerox! e Ranx: Lu
Raptada!, são as três histórias em preto-e-branco, desenhadas por Tamburini
& amigos, publicadas na Cannibale e onde o mundinho do personagem é mais
sórdido e mais caricatural; a quarta, Ranx – The Modern Dance, desenhada por
Tamburini, é a história especial do personagem publicada na Il Male; e todas as
outras foram publicadas na Frigidaire: Ranx em Nova York, Feliz Aniversário,
Lubna, Be bop a Lubna e Amém. Estas últimas foram publicadas em capítulos, mas
no álbum não fica nítido onde começa um capítulo e onde termina outro.
As
três primeiras histórias, as da Cannibale, já foram descritas acima – exceto a
terceira, Lu Raptada, onde, após ser consertado, Ranx precisa procurar por
Lubna, raptada por um maníaco sexual.
The
Modern Dance é uma aventura rápida e curta, duas páginas, e meio difícil de
entender, mas basicamente mostra Ranxerox chapado de cascolar e atacado por
inimigos antes de voltar para os braços de Lubna, que o recebe com frieza.
Ranx
em Nova York é a primeira aventura totalmente desenhada por Liberatore. Nela, Ranx, após
salvar Lubna das mãos de uma gangue, vai com um amigo à casa do artista
telepata Raniero, que, depois de desligar o andróide, rapta Lubna e o obriga a
cometer um atentado contra o crítico de arte. O plano não dá certo, e Ranx,
descontrolado, acaba com Raniero, e a seguir é consertado por Martina, que
depois disso tem uma “noite de amor” com ele (uma das cenas mais antológicas do
álbum). Em seguida, seguindo a pista deixada por Raniero, Ranx parte para
Lampedusa, onde, após encontrar uns amigos, vai para a mansão de Mr. Volare,
onde encontra Lubna, e é coagido a atuar como bailarino na Broadway, em Nova
York.
Em
Feliz Aniversário, Lubna, o casal Ranx e Lubna está na pior depois que a
apresentação na Broadway vai por água abaixo por causa do ciúme do andróide.
Trabalhando como taxista, e após ser espinafrado por Lubna, Ranx, na companhia
do malucão Timothy, sai pelas ruas procurando o que dar de presente de aniversário
à menina, que mostra ser uma péssima babá – e, nas andanças, que inclui à ida a
uma boate com uma ricaça insatisfeita, acaba parando na residência de
Enogabalo, onde, para ganhar 20 mil dólares, precisa reconstituir a cena da
corrida de bigas do filme Ben-Hur com uma gangue – e usando o próprio taxi, com
Timothy no porta-malas, como biga.
Ranx
e Lubna já estão de volta a Roma em Be Bop a Lubna, que pode ser considerada
uma aventura solo da menina. Na aventura, enquanto Ranx fica em casa gravando
um filme no cérebro para Lubna assistir depois, a menina, na companhia das
amigas Martina, Anya e Carmencita, vai à casa de Romeo comprar heroína e elas
acabam sendo perseguidas pelo monstruoso Giorgio.
E,
finalmente, em Amém, a história inacabada, Ranxerox, decrépito e desprezado por
todos, é abandonado por Lubna, e, enlouquecido, após assistir à última mensagem
deixada pela menina, entregue por Carmencita, o robô sai como louco atrás dela.
O mundo está mergulhado numa epidemia de uma estranha doença, e é nesse
contexto que entra o estranho e maquiavélico pai de Lubna, um milionário da
indústria farmacêutica. Nessa história, totalmente melancólica, apocalíptica e
depressiva, Ranxerox se autodestrói ao declarar pela última vez seu amor à
Lubna; consertado pelo pai de Lubna, é usado como veículo de transporte para
uma cura da estranha praga, que vitimou o presidente dos Estados Unidos, e age
como um padre, ganhando até um seguidor, o negro Ciro; no entanto, há um grupo
que quer impedir Ranx de chegar aos Estados Unidos. Enquanto isso, Lubna, cada
vez mais chapada, é envenenada, junto com Martina, e Anya é assassinada por
Romeo; mas a menina, com ajuda de Carmencita, sobrevive a um atentado
terrorista. A trama ainda envolve profetas do fim do mundo, confissões escabrosas
e pequenas revelações sobre a origem de Lubna. Não seria muito apropriado
terminar uma série com um argumento desses, mas no espírito do punk rock, um
final feliz não seria o preferencial de Tamburini / Tanino / Chabat. Até a
colorização faz as outras aventuras parecerem mais iluminadas e otimistas. E
não fica claro, aliás, até que parte da aventura foi escrita por Tamburini e desde onde Chabat assumiu.
De
toda forma, as novas gerações agora tem à sua disposição toda a saga desregrada
de Ranxerox. Impresso em papel de alta qualidade, com uma impressão que faz
lembrar as velhas revistas onde era publicado – a capa, aliás, remete à
primeira edição da Animal. Com uma introdução de Rogério de Campos, o editor
original da Animal, que conta a história por trás do personagem e também é o
responsável pela tradução dos textos; capa dura, edição luxuosa. 192 páginas. Preço: R$ 49,90 (e não reclamem!) Porém, fica a sensação de que está faltando alguma coisa... Mais por causa que
os capítulos Lu Raptada! e The Modern Dance terminam com “continua” – mas é
provável que Tamburini sequer pôde escrever as continuações dessas histórias.
Mas
deixe, deixe.
Para
encerrar, ilustrações minhas, releituras minhas de Ranxerox! Uma vocês viram
acima, Ranx e Lubna nos becos. E, abaixo, Ranx e suas garotas – Lubna, Martina,
Carmencita e Anya. Tá bem, não chego aos pés de Tanino, reconhecidamente. E
certamente não ia combinar nada o Ranxerox com meu traço “fofo”. Mas dane-se
tudo (assim, só pra não usar o termo mais chulo). O próprio Tamburini daria uma
resposta similar.
Snort!
Até
mais!
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