sábado, 2 de fevereiro de 2013

OS 25 MAIORES MOMENTOS DOS QUADRINHOS BRASILEIROS - parte 3

Olá.
Hoje, no dia em que ocorre mais uma entrega do Prêmio Ângelo Agostini, continuamos nossa série especial sobre os 25 maiores momentos da História dos Quadrinhos Nacionais, elegidos por mim.
Vale lembrar que a elaboração desta cronologia se baseia em opiniões pessoais, embasadas em ampla pesquisa. Os leitores não tem obrigação de concordar com os fatos aqui expostos. Qualquer opinião a respeito, escrevam um e-mail ou comentário, daí podemos debater.
Bem. Aqui vão os fatos 11, 12, 13, 14 e 15. Lembrando que os 25 fatos elegidos seguem a ordem cronológica.


11 – A aparição da editora Continental / Outubro / Taika (1959)

O mercado de quadrinhos brasileiro, entre os anos 50 e 60, estava sustentado na feroz concorrência entre as editoras de Adolfo Aizen (EBAL), Roberto Marinho (RGE), Victor Civita (Abril) e Assis Chateaubriand (O Cruzeiro). A orientação da maior parte dessas editoras era investir primordialmente em publicações com material estrangeiro, uma vez que sua publicação era mais barata que o investimento necessário para se produzir quadrinhos dentro do país – afinal, o material estrangeiro já vinha pronto, cabendo aos syndicates apenas distribuir o material; o custo extra para as editoras brasileiras era apenas o de traduzir e adaptar os textos das tiras, páginas dominicais e quadrinhos. Mas havia editoras, dentro de nosso país, que tinham preocupação em publicar exclusivamente HQs produzidas por brasileiros, a fim de divulgar os nossos artistas. Uma das primeiras editoras brasileiras a publicar exclusivamente material brasileiro foi a Editora Continental, fundada no bairro da Mooca, em São Paulo, por Jayme Cortez, José Sidekerskis, Victor Chiode, Eli Otávio de Lacerda, Cláudio de Souza, Arthur de Oliveira e Miguel Penteado. Pouco depois, no início dos anos 60, após a saída de Jayme Cortez, a editora muda seu nome para Outubro, e, mais tarde, sob a direção de Eli Lacerda e Manoel César Cassoli, para Taika, funcionando até 1978, em novo endereço, no bairro da Liberdade, de São Paulo. Eram constantes os desentendimentos entre os co-editores, que prejudicavam as atividades da editora. Sem falar que a mudança de nome de Outubro para Taika foi motivada por um processo movido pela Editora Abril, que alegava ter registrado todos os meses do ano em cartório – a solução foi dar à editora o nome inspirado no da filha de Lacerda. Por volta de 1964, Miguel Penteado sai da Continental/Outubro e funda sua própria editora, a Gráfica Editora Penteado (GEP), casa publicadora de boa parte da obra do mestre Gedeone Malagola. A Editora Continental/Outubro/Taika manteve, além de um bom acervo de gibis de terror, gibis de heróis e infantis. Dentre os gibis publicados por essa editora, podemos citar os do Vigilante Rodoviário (lançado em 1961, a partir do célebre programa de TV estrelado por Carlos Miranda), do Bidu de Maurício de Souza, do Escorpião (as duas versões: a primeira, de 1965, de Wilson Fernandes, a cópia do Fantasma; e a segunda, de 1967, a versão reformulada por Francisco de Assis e Rodolfo Zalla – o herói teve de ser reformulado para evitar um processo judicial com a RGE, representante da King Features Syndicate no Brasil), do Targo de Helena Fonseca e Francisco de Assis (o Tarzan brasileiro) e o gibi Seleções do Terror, onde surgiu a vampira Naiara, a filha de Drácula, de Helena Fonseca e Juarez Odilon (mais tarde, por Nico Rosso), concorrente da primeira vampira sensual do Brasil (e do mundo), a Mirza de Eugênio Collonese (criada em 1967).

12 – A aparição do gibi do “Pererê” de Ziraldo (1960)
O mineiro Ziraldo Alves Pinto (1932 -) possui, até hoje, uma sólida carreira como cartunista, quadrinhista, escritor de livros infantis e artista multimídia. Já publicou desenhos e livros para crianças e adultos. Difícil determinar qual dos personagens que ele criou é o mais marcante – Pererê, Supermãe, Menino Maluquinho, Mineirinho o comequieto, Jeremias, O Bom. Mas dá pra se dizer que o primeiro grande marco de sua carreira como quadrinhista – portanto, a escolha para este trabalho – foi quando, em 1960, apareceu, pela editora O Cruzeiro, o gibi do personagem Pererê. Através de um rico elenco de personagens tipicamente brasileiros – Pererê, o saci, o índio Tininim, a onça Galileu, o macaco Alan, o coelho Geraldinho, o jabuti Moacir, o tatu Pedro Vieira e muitos outros que compõem o microcosmo da Mata do Fundão – Ziraldo criou uma série que, mais que um gibi infantil, é uma profunda reflexão sobre o Brasil da era populista. Mas, infelizmente, o nível excessivo de “intelectualização” das tramas do Pererê, combinada à inocência e o regionalismo das tramas, bem como o olhar atento da censura federal, foi responsável pelo pouco sucesso que o gibi obteve. O gibi do personagem voltaria a ser editado nos anos 90, pela editora Abril – que também editou o gibi do Menino Maluquinho. Depois do Pererê, que inclusive ganhou duas séries de TV com atores, viriam os outros personagens já citados: o Jeremias, o Bom (1965), a Supermãe (1969), o Mineirinho (1977) e o seu carro-chefe, o Menino Maluquinho, saído do livro infantil lançado em 1980 para os gibis, em 1989. E a carreira de Ziraldo ainda inclui os muitos livros infantis, a colaboração no Pasquim, a criação da revista Bundas...

13 – A aparição da “Mônica” de Maurício de Souza (1963)
A carreira de quadrinhista do ex-repórter policial Maurício de Souza (1935 -) começou com o cachorrinho Bidu, criado em 1959 para o jornal Folha da Manhã (atual Folha de São Paulo). Mais tarde, ele criaria mais personagens: o menino-cientista Franjinha e o menino trocaletras Cebolinha seriam os mais proeminentes, até que, em 1963, ao perceber que suas tiras de quadrinhos não tinham meninas no elenco, após ser chamado de “misógino” por um leitor, ele resolveu criar uma, à imagem de sua filha. Desse modo, apareceu a Mônica, a menina mais forte do mundo. E essa menina, mais os personagens anteriormente criados, seriam os responsáveis pelo maior sucesso editorial dos quadrinhos nacionais – ampliado quando a Mônica ganhou um gibi próprio, em 1970, pela editora Abril. Apareceriam mais personagens para enriquecer o universo da menina, como Cascão, Magali (também inspirada numa outra filha de Maurício), Chico Bento, Jotalhão e a Turma da Mata, Papa-Capim, Piteco, Horácio (único personagem desenhado até hoje pelo próprio Maurício), Astronauta, Penadinho, Pelezinho, Ronaldinho Gaúcho (esses dois inspirados nos dois célebres jogadores de futebol – o primeiro apareceu em 1976, e o segundo em 2006), Tina e Rolo e muitos outros. Graças ao grande sucesso nos quadrinhos, aos rendimentos com o merchandising (inclusive com os desenhos animados) e ao uso dos personagens em campanhas educativas, o elenco de personagens de Maurício de Souza garantiu ao autor ser o único artista brasileiro a viver exclusivamente de quadrinhos e ter conseguido atravessar, intacto, às crises econômicas dos anos 80 e 90, com todo o vigor – o sucesso perdura até hoje, e ainda mais quando, em 2006, os personagens viraram adolescentes, tornando a Turma da Mônica Jovem, desenhado em estilo mangá, o gibi mais vendido da América Latina, superando as cifras de vendas dos gibis de super-heróis – só as quatro primeiras edições desse novo gibi venderam 1,5 milhão de exemplares.

14 – A aparição do fanzine “Ficção” (1965)
Os fanzines (do inglês, significa “revista de fã”) são revistas artesanais, de poucos exemplares, publicados, no geral, à custa dos próprios autores. Muitos personagens brasileiros são divulgados assim, de forma marginal e independente, sem condições de chegarem às bancas; porém, muitos quadrinhistas brasileiros célebres também começaram sua carreira publicando trabalhos em fanzines: Marcatti, Lourenço Mutarelli, Fábio Moon e Gabriel Bá, Denise Akemi, Danilo Beyruth... A saga dos fanzines brasileiros começou em 1965, quando Edson Rontani (1933 – 1977), notável pesquisador e dono de um grande acervo de gibis, lançou aquele que é considerado o primeiro fanzine brasileiro, Ficção, um apanhado, impresso a mimeógrafo, da produção de quadrinhos daquele tempo – ainda não um gibi. Os primeiros fanzines publicados no Brasil seguiam uma orientação similar à Ficção, e com o tempo evoluem para gibis artesanais, impressos primeiro em mimeógrafo a álcool, a seguir em máquinas copiadoras (xerox). Depois de Ficção, os fanzines mais proeminentes seriam o Historieta, de Oscar Kern (1935 – 2008), surgido em 1972 (que revelou artistas como Aílton Elias, Mozart Couto e Renato Canini); o Balão, também de 1972, nascido na USP, por Laerte Coutinho e Luís Gê (que revelaria os gêmeos Paulo e Chico Caruso, Arnaldo Angeli Filho, Xalberto, Kiko e R. Borges) e o paraibano 10 Abafo, de Emir Ribeiro (1959 -), de 1973 (onde, junto às tiras cômicas de Laerçon, surgiria a heroína Welta, depois Velta, de Ribeiro, a “musa dos quadrinhos nacionais”). O escatológico Francisco de Assis Marcatti Jr. (1962 -) também foi um bom exemplo, publicando seus primeiros trabalhos em fanzines impressos em gráfica própria. Os fanzines passariam por uma crise nos anos 80, agravada pelas dificuldades econômicas da década, voltando com tudo nos anos 90. O crescimento da produção fanzineira revelou uma nova tendência: ao invés de simplesmente ler, o jovem brasileiro quer produzir quadrinhos, em igualdade de condições com os quadrinhos estrangeiros. Alguns fanzines chegaram a se transformar em revistas por editoras conceituadas, como é o caso de Tsunami, editado por Denise Akemi; outros ganharam coletâneas em forma de livro, como o 10 Pãezinhos, dos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá (1976 -). Mas o maior fanzineiro já registrado é o potiguar Francinildo Sena (1968 -), criador do herói Crânio (1988), que já editou mais de 100 números de seus fanzines, como o Crânio e o Heróis Brazucas. No início do século XXI, começaram a aparecer fanzines impressos em gráficas, de melhor qualidade, parecendo revistas de linha, mas, basicamente, o artista brasileiro ainda necessita lançar seu trabalho de forma independente, em fanzines, para divulga-lo e, quem sabe, obter espaço no mercado editorial nacional e/ou internacional.

15 – A aparição da editora Edrel (1966)
Em 1966, aparece a editora Edrel, que, assim como a Continental / Outubro, apostava em material produzido no Brasil. Mas com uma diferença marcante: os artistas eram basicamente influenciados pelo estilo mangá, então pouco conhecido no Brasil. O público leitor de mangás japoneses, nos anos 60, estava restrito aos descendentes de japoneses, e a Edrel, editora fundada por Minami Keizi (1945 – 2009), em parceria com Salvador Bentivegna (1922 – 1987) e Jinki Yamamoto, e localizada na rua Tamandaré, 150, bairro da Liberdade, São Paulo, promovia este estilo no Brasil, que por muito tempo chegou a ser marginalizado (os fãs de mangá chegavam a ser chamados de “bando de malucos que gostam daqueles desenhos de olhos grandes”), mas fazia sucesso graças às séries e aos desenhos animados importados do Japão que passavam na televisão. O mais ativo artista da Edrel foi Cláudio Seto (Chuji Seto Takeguma, 1944 – 2008), reconhecido como um dos primeiros desenhistas em estilo mangá do Brasil – ele foi discípulo do artista japonês Sampei Shirato, criador de A Lenda de Kamui. O primeiro gibi da Edrel foi o Álbum Encantado, uma coletânea de contos infantis escritas por Keizi e ilustradas por Fabiano Dias, lançadas em 1966 pela editora Bentivegna (pois a Edrel não havia sido registrada). Depois, vieram as revistas O Ídolo Juvenil, os gibis produzidos por Seto, como os infantis Ninja, e Flavo, o épico Samurai e o erótico Maria Erótica, e os gibis dos heróis Pabeyma, de Nelson Cunha e Paulo Fukue, e Fikom, de Fernando Ikoma. A editora, apesar dos expressivos números de vendas (500 mil exemplares por mês em seus primeiros tempos), fechou em 1975, por conta da censura federal que implicava com os gibis de terror e policiais da Editora. A editora, por causa disso, e por causa das limitações da época, não conseguiu realizar o seu plano de trazer ao Brasil mangás japoneses traduzidos, antes mesmo que os Estados Unidos o fizessem; mesmo assim, a editora Edrel abriu caminho para a aparição dos “mangás brasileiros”, cuja produção seria expressiva entre o final dos anos 90 e o início dos anos 2000, entre gibis independentes e os que conseguiram chegar às bancas. Além de Seto, o desenhista brasileiro mais identificado com o estilo mangá, entre os anos de 60 a 90, foi Júlio Shimamoto (1939 -), que desenvolveu seu estilo baseado nos mangás adultos, ou gekigá, em gibis de terror, histórias de samurais e publicações de temática brasileira (Shimamoto foi o primeiro artista a produzir e publicar uma história de samurais fora do Japão: O Fantasma do Rincão Maldito, na revista Histórias Macabras no. 19, da editora Outubro).

Na próxima postagem da série, os fatos 16, 17, 18, 19 e 20.
Como ilustrações minhas, deixei apenas imagens já publicadas da Welta e do Escorpião. As outras imagens são da internet.
É isso aí, por enquanto.
Até mais!

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