Olá.
Como
última postagem de 2013 aqui no blog, hoje escolhi resenhar um lançamento
recente nas bancas – muitos frequentadores de bancas de revista ainda não devem
ter reparado nas seções de revistas informativas (pelo menos, era a sensação
que tive até bater os olhos neste livro). Ele pode ser confundido com uma das
várias publicações disponíveis que ensinam a desenhar. Mas não é uma publicação
que ensina a desenhar. É um livro informativo.
Bão.
Lançado agora, em dezembro de 2013, está disponível este livro informativo que
já nasce indispensável aos fãs de cultura pop japonesa: 400 IMAGENS – MANGÁ DO
COMEÇO AO FIM, de Sérgio Peixoto.
O livro foi lançado numa parceria entre as editoras Criativo e Discovery Publicações. E, conforme o título entrega, trata-se de um livro ilustrado, colorido, de 96 páginas (sem contar capa), reunindo uma série de artigos sobre o mundo dos mangás japoneses – incluindo coisas que a gente não sabia sobre o mundo dos BESM (“Big Eyes, Small Mouth”, “Olhos Enormes, Bocas Pequenas”), ou como preferirem, os famosos personagens de olhos grandes que tantos apreciam dos desenhos animados, quadrinhos, ilustrações... made in Japan, lógico.
Não
há de se negar que o mercado dos mangás é um dos mais rentáveis do mundo. O
estilo japonês de desenhar dominou o mundo entre os anos 90 do século XX e 2000
do século XXI, com força. O próprio Peixoto afirma que há tantos desenhistas no
Japão quanto jogadores de futebol no Brasil – são mercados equivalentes. Porém,
vocês também já devem ter reparado que, nos últimos tempos, os mangás japoneses
que atualmente atulham as seções de quadrinhos das bancas junto com os comics
estadunidenses e os fumetti italianos, estão perdendo qualidade, não são mais o
que já eram.
Sérgio
Peixoto, experiente redator e editor de revistas informativas sobre cultura pop
japonesa (entre elas, revistas históricas como a Japan Fury, a Animax e a Anime
EX, que faziam sucesso nas bancas entre os anos 90 e 2000), confirma essas
suspeitas de que o mangá já não é mais o que já foi. O livro reúne sete
matérias, em ordem não-cronológica, sobre o mundo dos mangás no Japão e no
Brasil, publicadas em diversas revistas brasileiras.
As
matérias assumem um tom contundente, ou apresentando ao leitor coisas que a
gente não sabia sobre o mundo dos mangás, ou confirmando o que a gente já
desconfiava. No entanto, o livro tem muitas informações que parecem contraditórias
com outras seções do mesmo livro, ou informações consagradas, e muita repetição
de informações – como os artigos foram republicados no original, provindos de
revistas diferentes, é natural que Peixoto use mais de uma vez a mesma
informação em um texto, depois em outro, de forma mais detalhada... mas esses
textos, para não criar confusão, poderiam ter passado por uma editada, só para
não ficar excessivamente repetitivo, como alguém que precise dar uma mesma
explicação várias vezes, mesmo a pessoa já ter entendido o recado.
Quanto
às ilustrações, elas são bem espalhadas, escolhidas, incluem fotos sobre a
realidade japonesa, amostras de capas de mangás e ilustrações de séries
célebres, mas poucas são as que tem legendas explicativas vitais para o entendimento
do tópico.
Bão.
Peixoto parte do básico para quem ainda não é totalmente fluente do universo
dos personagens de olhos enormes. Após a introdução, contando de onde nasceu a
paixão do autor pelo universo dos mangás e animes, no primeiro artigo, Mangá
Para Quem Não Conhece, ele começa dando algumas informações básicas sobre o
mercado japonês e suas origens, e um pequeno apanhado da história do mangá
japonês, desde o século XIX até o XXI. Ou talvez, a origem das HQ japonesas vá
bem mais para trás, por volta do século VIII d.C., quando as principais
narrativas figuradas, mais parecidas com livros ilustrados, eram as dos
pergaminhos ilustrados (emakimono). Só no século XIX é que apareceria
Katsushita Hokusai, ilustrador e considerado o primeiro cujos trabalhos foram
chamados de mangá – junção de termos japoneses que, na tradução literal, fica
algo como “imagens irrisórias, engraçadas".
No
segundo artigo, Os Olhos Grandes do Mangá, Peixoto dá uma explicação sobre o
porquê do uso do recurso dos olhos imensos nas figuras mangá. Vocês sabiam que
o inventor dos olhos grandes do mangá não foi, como muitos pensam, o “Deus
Mangá” Osamu Tezuka, mas um ilustrador de revistas femininas chamado Jun-Ichi
Nakahara, que atuou entre os anos 30 e 50 do século XX? Sim, foi Nakahara quem
depois exerceu influência sobre Tezuka, que por sua vez influenciou todos os
quadrinhistas (mangakás) posteriores. E esclarece: nem todo desenhista que
desenha figuras de olhos grandes está desenhando mangá, um termo exclusivo para
as HQ japonesas – mas será que já podemos chamar a produção ocidental
influenciada pelo estilo japonês de mangá?
No
artigo seguinte, Nem Tudo é Olho Grande, Peixoto enumera alguns exemplos,
ligados aos mangás adultos (gekigá) que fogem do estereótipo dos olhos grandes
em seus trabalhos. Como exemplos, ele cita os trabalhos de Matsumoto Jiro,
Motofumi Kobayashi e Yukinobu Hoshino, artistas pouco conhecidos aqui no
Brasil.
O
artigo seguinte é O Mangá no Brasil, onde são contadas as iniciativas de
artistas brasileiros de produzir arte “estilo mangá”, e principalmente se
popularizarem entre os negligentes leitores brasileiros, partindo desde quando
o público leitor de mangás era restrito à comunidade nipo-brasileira, até o
surgimento da Editora Edrel, nos anos 60, que publicou muitas HQ no estilo; as
iniciativas efêmeras da Grafipar, nos anos 70, de ressuscitar o estilo;
iniciativas isoladas nos anos 80, até a explosão do sucesso do anime Cavaleiros
do Zodíaco, em 1994; as primeiras revistas informativas, como a Herói (1994); a
chegada com força total dos mangás japoneses em leitura invertida no Brasil; e
chega até as primeiras décadas do século XXI, onde, apesar do sucesso comercial
de Holy Avenger, de Marcelo Cassaro e Erica Awano, o mercado do “mangá
brasileiro” praticamente morreu após muitas tentativas feitas por pequenas e
persistentes editoras.
E,
finalmente, numa matéria em três partes, O Fim do Mangá, Peixoto enumera os
motivos por que os mangás japoneses já não são mais os mesmos. No primeiro
artigo, ele reconta a história do mangá japonês para explicar como o mercado
japonês chegou aos grandes patamares observados no início do século XXI. Vocês
sabiam que os gibis japoneses – as famosas “listas telefônicas” semanais de 350
páginas que os japoneses leem e depois jogam fora – raramente dão lucro às
editoras? O lucro delas vem da venda dos tankoubons (livros), onde as melhores
séries publicadas nas revistas são compiladas. Sabiam ainda que a célebre
revista Shounen Jump, a mais vendida do Japão, que atualmente vende cerca de
2,8 milhões de exemplares semanais, chegou a vender 6,5 milhões de exemplares
(um recorde) em 1996?! Mas por que as vendas caíram “tanto” assim?
Peixoto
começa a responder essa pergunta no segundo artigo da série. Ele faz um
comparativo entre o mercado de mangás e as estratégias japonesas durante a
Segunda Guerra Mundial (1935 – 1945). No chamado Mal da Vitória, o exército
japonês resolveu, após as primeiras vitórias na Guerra no Pacífico, continuar a
expansão ao invés de dar uma pausa para consolidar as conquistas – estratégia
motivada por ganância e excesso de autoconfiança de seus líderes que, em pouco
tempo, levou ao desgaste e à derrota do império japonês na Guerra. Algo assim
aconteceu com o mercado mangás nos anos 90: com o sucesso crescente, inclusive
com as adaptações para anime de muitos títulos, os editores japoneses começaram
a expandir o mercado, em várias publicações semanais (sem falar no
reconhecimento mundial obtido a partir do fim da década de 1980), e,
consequentemente, a qualidade dos mangás começou a cair – e o interesse do
público, idem, traduzindo-se em baixas vendas.
É
algo que já vínhamos constatando, e que Peixoto confirma na terceira parte da
série. Os mangás, atualmente, estão investindo mais em arte de alto impacto que
em boas histórias, e isso pode ser constatado no aumento do fanservice, ou do
uso indiscriminado de figuras de garotas sensuais nos mangás e animes –
mostrando as calcinhas ou com pouca roupa, ou mesmo nuas. Ainda que o público,
em tese, gostasse mais assim, a queda da qualidade dos roteiros se fez notar.
Peixoto ainda enumera outros motivos para a queda do interesse do público pelos
mangás: a internet, os videogames e as light novels (livros de contos
ilustrados), onde atualmente estão se concentrando as histórias mais
interessantes. Ao fim da leitura, estamos convencidos que o mercado de mangás
não é mais o que já foi, mesmo. Eu também já sinto falta do tempo em que os
japoneses tinham excelentes histórias para vender, e não só o conjunto “mulher
pelada e pancadaria”. Pode até ser mais atraente assim, mas depois da leitura
dá uma sensação de vazio, de que falta alguma coisa, de que poderia ter sido
muito melhor.
Encerrando
o livro, um artigo de Eduardo Miranda, ex-chefe da Divisão de Cinema da extinta
TV Manchete (e, portanto, o principal responsável pela exibição de animes e
tokusatsus no saudoso canal – e que quase foi linchado por fãs quando resolveu
suspender a exibição do saudoso anime Sailor Moon), falando sobre o autor. Mas
faltou ao livro, ainda, bibliografia e informações sobre de que revistas os
artigos saíram. Como saber se as informações apresentadas são confiáveis?
Talvez, só comparando as informações com a internet. Mas, tendo a marca
Discovery (um dos maiores conglomerados de informação do mundo), já mostra ser
confiável.
O
livro custa R$ 24,90. E já nasce indispensável aos fãs do estilo. Para o
próximo ano, já sabe o que levar das bancas.
Para
encerrar o ano, duas ilustrações minhas.
A
primeira é um voto de Feliz Ano Novo direcionado aos professores e
profissionais de educação. De um professor para professores. Com os desejos de
que o próximo ano seja melhor para o setor que o anterior. A ilustração também
pode ser vista em http://orientarpedagogos.blogspot.com.br/
(Blog Educar é Viver, onde eu também colaboro esporadicamente).
E a
segunda é a minha tradicional ilustração de ano novo. Este ano, encarreguei
meus personagens praianos, os Bitifrendis (http://bitifrendisblog.blogspot.com.br/),
da mensagem. Quis produzir um bom efeito para os fogos de artifício no papel...
será que consegui? Digam vocês.
De
todo modo... um Feliz Ano Novo a todos! Obrigado pelo prestígio dado neste ano!
E aguardem novidades para os primeiros dias deste ano!
Um comentário:
EXECELENTE matéria sobre meu livro, Rafael! A melhor que recebi até o momento. Bem escrita, sem ufanismos ou puxações de saco - uma análise imparcial de ponta a ponta. Eu estava sentindo falta e torcia para alguém fazer, pois apesar de editar/escrever revistas há mais de 20 anos, este é de fato meu primeiro livro. Tenho outros planejados para serem feitos ainda este ano. Os erros que você aponta estão devidamente anotados, e serão levados em conta para minhas próximas publicações.
Apenas esclarecendo o item que você comentou sobre repetição de informações, algumas delas foram propositais. Fiz isso porque, em minha experiencia lidando com fãs de anime/mangá brasileiro em revistas e eventos, na média eles são muito desatentos quando se trata de gravar informação. Por isso, alguma repetição se faz necessária como o caso de eu ter citado Jun-ichi Nakahara como o criador dos olhos grandes em três matérias diferentes. Posso dizer com quase 100% de certeza que NINGUÉM no Brasil sequer citou-0 em uma minima matéria que seja, sabia? Meu livro é o primeiro a dizer com todas as letras que ele é "o criador dos olhos grandes do mangá". Ainda terei que fazer uma matéria caprichada dedicada somente a ele, pois concordo quando você diz que as informações ficaram espalhadas.
Muito obrigado por sua análise imparcial, e espero que nos conheçamos pessoalmente algum dia.
Abraços!
Se desejar me add no face: https://www.facebook.com/sergius.peixotosilva
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