Olá.
Hoje,
faço algo o qual não gostaria, não sou acostumado, mas tenho de fazer porque
esse assunto está me incomodando há dias. Tenho de fazer pelo menos um
comentário sobre o atual processo eleitoral, em uma das eleições mais imprevisíveis
de todos os tempos no Brasil Republicano.
Mas,
antes, eu vou fazer um pequeno desvio de assunto: vou falar de arte. Porque
sinto que isso tem, sim, a ver com o assunto em questão.
Olhem o quadro acima. Ele foi pintado em 1495, pelo pintor italiano Sandro Botticelli, e se chama A Calúnia de Apeles. Trata-se de uma alegoria sobre a calúnia, o falso testemunho, o mau julgamento.
O
quadro faz alusão a um episódio histórico: um pintor grego, Apeles, fora
julgado e condenado injustamente por um crime que não cometeu. Ele é a figura
despida, deitada, implorando piedade, tendo os cabelos puxados pela figura
feminina de túnica azul e branca: esta representa a Calúnia. Ela é coroada de flores por duas donzelas que representam
a Falsidade, dando à calúnia um ar
gentil, e induzir o juiz da cena a enganos. O juiz, no trono, é o lendário rei
mitológico Midas, aquele que transformava em ouro tudo o que tocava; em outro
episódio, Midas, por ter julgado injustamente uma disputa entre deuses, ganhou
orelhas de asno. E é assim que ele aparece, de orelhas de asno. E, nos seus
ouvidos, as donzelas, representando a Suspeita
e a Insídia, gritam insinuações
pérfidas, desviando o juiz da verdade. Á frente da Calúnia e da Falsidade, está
o Rancor, o homem de aspecto sinistro,
portando uma pira. Atrás de todos, está a sinistra figura, o Remorso, que nunca deixará de seguir os
caluniadores. Todas as figuras estão vestidas, para encobrir a verdade. Mas,
atrás do Remorso, está uma figura despida: a Verdade, que nada tem a esconder.
Bem.
O que o quadro pintado em 1495 tem a ver com o processo eleitoral de 2014? De
certa maneira, o eleitor brasileiro, nesse momento, está no lugar do Rei Midas,
e as damas da Suspeita de da Perfídia vem gritar insinuações a seus ouvidos
sobre os candidatos em questão. Bem, foi o que tentei dizer no desenho abaixo:
Pois
é isso que estamos vendo, nesses dias todos, da propaganda eleitoral dos atuais
concorrentes à Presidência da República, Dilma Rousseff e Aécio Neves. Ataques
pessoais. Um atacando o outro. Chegando ao ponto de fazer uso da vida pessoal
do outro para desacreditar o adversário diante dos eleitores. E o pior: os
próprios eleitores estão ajudando a amplificar isso. Apoiadores de um e de
outro lançando farpas, tentando influenciar quem ainda não se decidiu.
Você
vai acessar as redes sociais: seus amigos, até então inofensivos, compartilham
mensagens que elogiam as qualidades de um, e ofendem o outro. Todos com
argumentos que não é possível contra-argumentar – todos parecem balizados com
informações e números reais, verdadeiros. Ou, pelo menos, que parecem ser
reais, sabendo que os eleitores em potencial, por falta de tempo, preguiça ou
rancor, não vão procurar números verdadeiros. Porque, nesse momento, nenhum
número é confiável. Pesquisas, dados do IBGE, notícias de jornal... nada mais é
confiável por esses dias. Não depois que várias pesquisas importantes foram
publicadas com erros que posteriormente foram corrigidos. Lembram, por exemplo,
de toda a confusão gerada pela campanha #NãoMereçoSerEstuprada? Então.
O
Facebook, principalmente o Facebook, se transformou em uma máquina de estragar
o dia das pessoas. Toda essa avalanche de mensagens políticas, mensagens de
ódio, e todo mundo confundindo discurso de ódio com liberdade de expressão. Eu,
pelo menos, já não consigo acessar o meu Facebook sem deparar com mensagens de
meus bons amigos, colegas de faculdade inclusive, hoje distantes, apoiando
Dilma Rousseff e destratando Aécio Neves. Podemos dizer até aí: Aécio Neves é o
Apeles do quadro do Botticelli. Afinal, chegaram ao ponto de usar a sua vida
pessoal como carga: Aécio é um playboy, filhinho de papai, que já havia se
livrado de uma acusação por uma apreensão de drogas dentro de seu avião
particular, se recusou a fazer teste do bafômetro numa blitz, construiu um aeroporto
em terras particulares, um dos dois únicos que construiu quando era governador
de Minas Gerais, conseguiu seu primeiro emprego público por indicação de um
parente – e ainda acredita em meritocracia! – e começou mal sua campanha,
dizendo que seu avô, Tancredo Neves, acabou com a Ditadura Militar... quanto a
esta última parte, tem razão: não foi Tancredo Neves quem acabou com a Ditadura
1964 – 1985: ele só ajudou, de certa forma. Já o aeroporto, a imprensa
confirmou, foi construído em terras que pertenciam à família dele, mas deram a
entender que se tratava de um aeroporto particular...
Quando
não atacam o Aécio, por si só, atacam o partido dele, o PSDB. Vejam bem: o PSDB
já governou o Brasil, por oito anos, através de Fernando Henrique Cardoso. E
todos recordam: FHC foi o principal mentor do Plano Real, que estabilizou a
economia, mas teve o governo marcado pelo racionamento de energia elétrica – o
“apagão” – pelas escandalosas privatizações de empresas públicas (apesar de hoje
elas estarem mais modernas e competitivas no mercado internacional) e pela
submissão ao Fundo Monetário Internacional, que fez com que a dívida externa
fosse, por muito tempo, nosso principal pesadelo, entrave de nosso
desenvolvimento.
Já o
PSDB está concentrado em atacar o governo, o que ele fez de ruim e o que não
fez, como toda oposição que se preze.
Bem.
O governo do PT trouxe notáveis avanços sociais, expressivos números
econômicos, nos libertou da dívida externa, possibilitou um acesso maior das
classes pobres a bens que antes eram privilégio da classe média e da rica,
tirou gente da miséria... enquanto o Brasil era administrado pelo Lula. Quando
Dilma assumiu, os avanços sociais continuaram, é certo. Mas...
Como
explicar as numerosas notícias sobre problemas na saúde pública? Como explicar
o endividamento progressivo dos brasileiros, a crescente impossibilidade dos
consumidores honrarem suas dívidas, após os programas de incentivo ao consumo,
tipo, a redução do IPI dos automóveis? Como explicar as deficiências
constantemente noticiadas no transporte público? Como explicar as obras
paradas? Alguém mais teve alguma notícia positiva, por exemplo, da transposição
do Rio São Francisco? Como explicar os muitos casos de corrupção que estão
pipocando? Como explicar tudo que levou aos protestos de junho de 2013? Como
explicar os despojos da questionável Copa de 2014? Como explicar os escândalos
envolvendo a nossa empresa-modelo, a Petrobrás, que estão tirando-lhes o véu de
confiabilidade? Como explicar a compra da refinaria de Pasadena e as denúncias
de corrupção dos diretores da empresa sem parecer confessar?
O
Brasileiro, ultimamente, anda ficando muito rancoroso, preconceituoso,
homofóbico, religiosamente fundamentalista, desconfiado. É só verificar na
internet. Qualquer que seja a orientação política do cidadão em questão, eu ou
você, ele ou ela, qualquer uma das características acima, ou duas, ou todas
elas, vai acabar vindo à tona, de qualquer forma. Que o digam as eleições deste
ano para deputado: foi decepcionante, quando sabemos que vários dos baluartes
da política condenável foram reeleitos para a Câmara dos Deputados: Tiririca, o
símbolo da palhaçada na política; Jair Bolsonaro, a ameaça viva do retorno da
Ditadura Militar; Celso Russomano, o polêmico...
Aah,
mas e quanto aos presidentes, os candidatos em potencial? Ambos estão vendendo
a seguinte ideia: se Aécio Neves for eleito, o Brasil está condenado. Se Dilma
for reeleita, o Brasil também está condenado. Conclusão parcial: o Brasil está
condenado. Os protestos de junho de 2013 não serviram para nada.
Por
quê? Se Aécio for eleito, o Brasil está condenado ao retrocesso das conquistas
sociais, ao arrocho salarial, às políticas econômicas draconianas que vão
devolver as pessoas que o PT tirou da pobreza à pobreza, da política do “muito
para poucos e do pouco para muitos”... afinal, segundo entendo dos meus amigos,
o PSDB só se importa com a economia, não está nem aí para o povo, “tem mais é
que devolver pra senzala a tigrada que o PT tirou da linha de pobreza”...
Se
Dilma for reeleita, o Brasil está condenado à recessão econômica, ao desemprego
acidental, ao endividamento, às altas taxas de juros, à inadimplência, ao
eterno “bolsa-esmola” que não ajuda em nada para tirar as pessoas da pobreza
(uma amiga minha falou que o Bolsa Família precisa acabar, ele na verdade
prejudicou o país – foi minha amiga que disse, não eu), à falência em
definitivo da Petrobrás... Desde que o povo tenha o que deseja, ou seja,
trabalho, saúde, educação, transporte e alimentação, o PT não se importa em
quebrar o país. Não se importa com a desvalorização do dinheiro desde que isso
não acabe com postos de emprego. Não se importa com os escândalos de corrupção
cometidos por gente de seu partido, os corruptos são os dos outros partidos.
Não se importa com o descrédito no exterior, etc, etc...
Nunca
o Brasil se encontrou tão dividido. Nunca as paixões políticas do Brasil foram
tão fortes. De qualquer forma, repito, estamos condenados. O que mais lamento
nesse momento é a excessiva politização da sociedade, que acaba revelando o
pior das pessoas. Já não dá mais para conversar com as pessoas: elas, mesmo que
você não queira, vão colocar o governo no meio, vão dar um jeito de botar a
culpa de suas desgraças no governo. Ou desejarão o retorno da Ditadura Militar,
ou desejarão a implantação do comunismo. E, historicamente, os mais bem
informados sabem, nenhum dos dois sistemas deu certo. Economicamente,
socialmente, politicamente... A liberdade de expressão, os direitos dos
homossexuais e as artes que se danem, desde que tenhamos garantidas a saúde, a
educação, a segurança e o trabalho.
Tudo
culpa do Facebook. Principalmente do Facebook. E da falta de atenção das
pessoas que não leem textos até o fim. Ou que não leem. E sei que nenhum leitor
vai ler este texto, mesmo este texto, até o fim.
Bem,
se me perguntarem em quem vou votar, vou dizer, na cara e na coragem: meu voto
vai para Aécio Neves. Não porque confio totalmente nele, mas porque sou contra
reeleições. Não vou, pelo menos eu não vou, dar mais quatro anos ao PT. Além
disso, minha família foi vítima das medidas de incentivo ao consumo do governo:
estamos à beira da falência, por conta da inadimplência. Cada mês está sendo um
sacrifício, contas e contas para pagar, e nossos ganhos não estão acompanhando
esse aumento.
Agora,
sim, vou perder leitores. Vou ser xingado. Vão dar um jeito de deturpar minhas
palavras. Vão me dizer: “Rafael, seu idiota, seu alienado, que acredita na Veja! Nunca mais fale comigo, seu
traidor, nunca esperava isso de você!” Vou ser vítima dos discursos de ódio.
Porque falar mal da Veja, que é uma
revista informativa confiável (se não fosse, ela já teria sido encerrada há
anos), já é discurso de ódio, que o público confunde com liberdade de
expressão. Se a Veja, a IstoÉ ou a Época não são revistas confiáveis, então quais são? Antes de
falarem mal da Veja, apontem uma leitura mais confiável. Se eu acreditar que é
mesmo confiável, acreditarei no que dizem. Mas, quanto a me convencerem a
trocar o Aécio pela Dilma, nada feito: meu voto será em Aécio e vocês não vão
me demover! Se o cartunista Allan Sieber, no blog dele, declarou voto na Dilma,
com toda a raiva que lhe é característica, por que não posso declarar no meu o
voto no Aécio?
Até
porque a própria propaganda do PT está derrapando: como assim, “governo novo,
ideias novas”? Como podem dizer se o governo é novo, se está concorrendo à
reeleição?! Além disso, analisando as propostas de Dilma para seu hipotético segundo
governo, eu pergunto: por que, nesses quatro anos, ela não fez essas coisas
antes?! Só foram se tocar disso quando o povo protestou?
Beneficiado
pelo PT até fui. Foi sob o governo do PT que consegui fazer faculdade, consegui
emprego no serviço público – mas garanto que por meritocracia, por concurso
público. Fiz a faculdade antes mesmo de lançarem o ProUni, a casa onde moro não
foi comprada através do Minha Casa, Minha Vida, coisa que aliás nem existia na
época. Então, não podem me acusar de hipócrita. O Rio Grande do Sul, até o
momento, é governado pelo PT, mas, através de conversas com amigos, sei que o
governo do PT enganou a todos, principalmente o magistério. Houve promessas não
cumpridas, como o piso do magistério, que não foi pago integralmente. Só foram
feitos uns tapa-buracos.
Faço
parte do setor da sociedade que mais sofre descaso do governo, seja qual for: o
magistério. Ninguém leva mais os professores a sério. Estamos sendo vistos como
indesejáveis. Depois de tudo o que fizemos pela sociedade?!
A
insatisfação é grande. Apesar do currículo do PSDB, não creio que Aécio possa
ser pior que FHC. Aécio não é FHC, Aécio é Aécio. Seu currículo é diferente. É
injusto julgar Aécio pelo seu partido. Doze anos não foram suficientes para
mudar as convicções de um partido? O PSDB de hoje não pode ser o mesmo do
governo FHC. Não podem mesmo reverter os avanços sociais. Eles também sabem: os
brasileiros podem protestar. Eles podem sair às ruas protestar se algo der
errado. Ou não são capazes mais de fazê-lo, hein, leitores?
Se
declaro minha opção por Aécio, estou certo: vou perder leitores. Perder amigos.
Ninguém mais, pelo que vejo, admite que alguém esteja acomodado, alienado,
feliz com a vida que leva. Quem está assim, já pode se preparar para perder
convites para festas, para passar as noites de sábado sozinhos em casa. Vão me
chamar de alienado, de bitolado, de estragado, de burro, que ainda se diz
Professor de História. Vamos, podem dizer. Mas que diferença faz, por outro
lado? Pode ser que nem mude nada, pois, como não sou bom em comentarismo
político, as palavras que ponho aqui não vão mudar em nada a vida de ninguém. Vocês
podem dizer, é tudo desculpa para preencher espaço neste blog pecador, é só
desculpa para publicar mais uns desenhos meus. Em parte, admito. Continuarei
insignificante, como sempre fui. Mas tinha de desabafar.
Se
houver reforma política, e deve haver reforma política, um dos pontos a ser
considerados é o fim da reeleição para presidente, governador, senador,
deputados, prefeitos e vereadores. Começo não reelegendo quem está concorrendo
à reeleição. PT não: vai ser PSDB, e vocês não vão mais me convencer do
contrário. E lembrem-se: foram vocês que possibilitaram que o PSDB concorresse
com o PT. Podia ter sido pior, a Dilma poderia estar concorrendo com a Marina
Silva, por exemplo, não é mesmo?
Mais:
se vocês tem celulares no bolso, agradeçam ao PSDB, que possibilitou a
privatização da telefonia e a melhoria dos serviços telefônicos! Pode não ser o
melhor dos argumentos, mas foi o que me ocorreu.
Estas
orelhas de asno estão certas de que o Apeles é o Aécio. A Verdade virá à tona.
Nua, como deve ser.
Apenas
não aguento mais o meu Facebook cheio de mensagens de ódio sobre política. É
isso, vou lançar uma campanha: “Eu Quero Acessar Meu Facebook Sem que Isso
Estrague Meu Dia”! Só esses discursos de ódio, essa politização toda da
população, que está transformando o pessoal em gente rancorosa, choramingas e
que só reclama, só reclama, só reclama, já estraga o meu dia, me deixa triste,
tira-me a confiança que tinha em meus amigos que conheci pessoalmente, ou achei
que conheci, antes de aceita-los nas redes sociais. Tanto quanto as pessoas que
não estão nem aí para o sofrimento alheio, ao descaso do magistério, às
mulheres, aos homossexuais, à natureza, à vida em geral... Não sei quem é pior,
simplesmente não sei. Mas as primeiras estão na internet, e as segundas estão
na vida real. Ainda assim, não sei quem é pior.
O mais que posso dizer, para concluir este artigo que me fará perder leitores, é: boas eleições a todos, neste domingo, dia 26.
Até
mais.
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