Olá.
Hoje,
vou falar de um lançamento recente dos quadrinhos brasileiros. Resultado de uma
iniciativa bastante louvável.
No
início de 2014, a editora Japan-Brazil Connection, ou JBC, uma das maiores
publicadoras de mangás japoneses do Brasil, uma das pioneiras nos mangás de
leitura invertida (ao lado da Editora Conrad), pioneira na publicação, dentro
do Brasil, dos mangás em formato tankoubon
(volume inteiro), gradativamente substituindo o formato meio-tanko (metade
do volume japonês normal, com intuito de diminuir o preço) que até então
imperava no mercado, e uma das editoras mais confiáveis do mercado, já que ela
só interrompe a distribuição de seus mangás quando as séries são interrompidas
no Japão... enfim, a JBC, capitaneada pelo editor Cassius Medauar, promoveu,
entre o final de 2013 e o início de 2014, o primeiro concurso Brazil Manga
Awards, um grande concurso nacional de revelação de talentos. Foram 185
trabalhos enviados de todo o Brasil, avaliados por um corpo de juízes e, desses
185 trabalhos em mangá, 24 foram selecionadas para uma etapa final. E, dessas
24, cinco foram as grandes finalistas – e ganharam publicação em uma coletânea,
lançada em outubro de 2014, publicada pela JBC pelo selo Ink Comics. Eis, então,
HENSHIN! MANGÁ VOLUME 1.
O selo Ink Comics é uma novidade da JBC: por esse selo, a editora publica material em mangá produzido no Brasil. E não é a primeira vez que a JBC publica quadrinhos brasileiros: uma de suas primeiras séries foi a versão impressa da célebre webcomic Combo Rangers, de Fábio Yabu, em 2000. Em 2013, Yabu retomou o universo dos seus super-heróis em um álbum, financiado por crowdfunding e lançado pela JBC, Combo Rangers – Somos Heróis. E um segundo volume já está programado para sair. Em 2008, a JBC lança outro álbum produzido no Brasil, O Catador de Batatas e o Filho da Costureira, de Ricado Giassetti e Bruno D’Angelo, em comemoração ao centenário da imigração japonesa ao Brasil. E... bem, foi só em 2013 que a JBC voltou a publicar material produzido no Brasil, já que os mangás japoneses representam o grosso de seu faturamento.
E
nem é a primeira vez, aliás, que é realizado um concurso de talentos do mangá
brasileiro: no ano 2000, a editora Escala, através da revista Mangá – Desenhe e Publique, que durou
onze números, promoveu um concurso de talentos similar ao sistema usado pelas
revistas japonesas para encontrar novos autores. No total, foram dois concursos
nacionais, mas nenhum autor de relevância, infelizmente. As revistas Mangá – Desenhe e Publique, que
publicavam, além das histórias selecionadas, matérias sobre o universo dos
animes japoneses e aulas de como desenhar mangá, podem ser encontradas nos sebos e gibiterias que negociem revistas
antigas.
Bem.
HENSHIN! MANGÁ traz o resultado do concurso nacional Brazil Manga Awards 2014.
Todas as cinco histórias trazem introdução dos autores e análise dos juízes: o
editor Cassius Medauar, o ex-chefe de tradução da JBC, Arnaldo Oka, e o autor
de Combo Rangers, Fábio Yabu. Todos
esses dão sua análise das histórias – sendo que Oka é o responsável pelas
análises mais técnicas. O posfácio do volume é da Professora e Doutora Sônia
Bibe Luyten, autora do célebre livro Mangá
– O Poder dos Quadrinhos Japoneses e maior especialista em mangá no Brasil.
Todas
as histórias vencedoras investem em tramas de aventura e drama, passadas em
mundos fantásticos, com situações fantásticas e insólitas, nenhuma delas calcada
na realidade. E são todas na forma one-shot,
episódio único, fechado – conveniente a uma coletânea de histórias. Só uma
delas foi toda feita por uma só pessoa: as outras foram feitas em parceria com
um roteirista e um desenhista.
As
cinco histórias, publicadas em ordem decrescente de classificação:
Em 5º lugar, Quack, de Kaji
Pato (Carlos Antunes Siqueira Júnior). Em um estilo de narrativa e desenho que
remete ao estilo de Akira Toriyama, autor de Dragon Ball, a história conta as
aventuras de uma inseparável dupla de aventureiros, o ingênuo piloto de avião
humano Baltazar e o sacana pato falante Colombo. Enquanto a dupla procura
combustível para o seu avião, que caiu no meio de uma floresta, ambos vivem uma
aventura em que tudo acontece: cruzam com uma tribo indígena, descem
corredeiras, topam com um antigo ídolo e são perseguidos por um monstro feito
de cocô. Enquanto isso, Colombo só fica sacaneando o desorientado Baltazar, e
consequentemente a dupla não para de discutir – apesar de manterem laços de
amizade e a união pela aventura. Uma história engraçada como os mangás um dia
foram.
Em 4º lugar, Crishno, o
Escolhido, de Francis Ortolan e Lielson Zeni. Na trama, um garoto, após ser
perseguido por criaturas híbridas de animal e vegetal – a vingança da natureza
por anos de poluição provocada pelo homem – acaba acolhido por um óvni, onde
sábios siderais revelam que ele é o escolhido para liderar a resistência humana
ao ataque das criaturas. O garoto, apesar de não ter toda a relevância de um
líder, consegue conclamar a população de uma vila no combate aos monstros,
conduzindo tal batalha a um final mezzo trágico, mezzo cômico (desculpem os
termos em italiano). O passarinho irônico que acompanha o herói contribui
substancialmente para o humor da trama. Só a arte que deixa um pouco a desejar.
Em 3º lugar, [Re]fabula,
de Nameru Hitsuji (a dupla Ivys Danilo e Breno Fonseca). A trama é inspirada no
horóscopo chinês: conta a lenda que, na disputa, promovida por Deus, entre os
animais pelos lugares a serem ocupados no panteão, o rato e o gato eram os
últimos a chegar, porém o gato foi traído pelo rato, e perdeu seu lugar. Por
isso, ambos são inimigos até hoje. Uma nova disputa entre os animais – agora,
lutando sob forma humana – começou, e o gato, vingativo e cheio de ódio, tem a
chance de se vingar de um rato, calculista e que não hesita em trapacear para
vencer. Uma disputa onde os lutadores usam inclusive poderes especiais, como
invocar ratos e gatos que podem se transformar em ratoeiras, e contar com o
auxílio de um tubarão (!). Cheio de ação.
Em 2º lugar, Entre Monstros
e Deuses, de Pedro Leonelli e Dharilya Sales Rodrigues. Numa trama onírica
que inevitavelmente remete ao Sandman de Neil Gaiman, com uma arte fortemente
estilizada, porém impecável, e no contexto da discussão sobre a busca da
imortalidade e sobre conflitos de crenças religiosas e imposições culturais, um
jovem pintor é contratado para restaurar um antigo templo pagão transformado em
igreja. O pintor desenvolve uma relação de amor e ódio com uma noviça, acolhida
pela igreja, adepta da antiga religião perseguida. Uma noite, ele acaba tendo
um sonho: uma antiga deusa exige que o pintor faça um retrato dela, sob pena de
ser amaldiçoado se a mesma se desagradar do trabalho. A afeição com a jovem
noviça conduzirá a um final trágico e shakespeariano. A história abre espaço
para reflexão sobre os temas tratados – mas poderia ser melhor desenvolvida se
tivesse mais páginas.
E, em 1º lugar, Starmind, de
Toppera – TPR (Daniel Ferreira) e Ryot (Ricardo Tokumoto). Na trama, que remete
aos antigos seriados tokusatsu japoneses, e com um humor tão nonsense quanto em
Quack, um garoto, após ser
repreendido por sua mãe por suas notas baixas na escola, pede a uma estrela
cadente para se tornar inteligente. A estrela faz mais que atender seu pedido:
o transforma em uma espécie de super-herói, cujo poder é deixar as pessoas
inteligentes com seus punhos. Um dia, ele acaba entrando em confronto com um
mendigo que se orgulha de ser ignorante – e ambos se enfrentam em uma batalha mortal
entre ignorância e inteligência! O grande diferencial da história é a arte
cheia de movimento e fortemente estilizada.
Dos
autores vencedores do BMA 2014, o único mais ou menos conhecido do público é
Ryot, que mantém o site de tiras Ryotiras (http://ryotiras.com).
Claro
que essa coletânea tem seu lado polêmico: cada leitor pode concordar ou não com
a colocação das histórias vencedoras. Eu, inclusive, que estou escrevendo isso:
se fosse eu um dos juízes, teria feito assim: dado o primeiro lugar para Quack, mantido Entre Deuses e Monstros e [Re]fabula
no segundo e no terceiro lugares respectivamente, deixado Starmind em quarto e Crishno em quinto. Os juízes designados
pela JBC deram, ao que parece, mais atenção à arte das histórias que ao roteiro
– e, em termos de roteiro, Quack é
insuperável, uma história praticamente completa. O roteiro de Starmind perde um pouco em sentido. Entre Deuses e Monstros poderia ter
desenvolvido melhor a relação entre o pintor e a noviça – como eu disse, se a
história tivesse mais páginas. [Re]fabula
é uma boa história de ação, mas o final é um pouco difícil de entender. E,
como dito anteriormente, o grande defeito de Crishno é a arte que deixa a desejar – a impressão é que o
personagem principal é mal-desenhado. E o humor do final pareceu meio forçado.
É
minha opinião. A de vocês fica por conta de vocês que podem encontrar HENSHIN
MANGÁ nas bancas e lojas, a R$ 11,50. 176 páginas, sem contar capa, com novos
talentos do mangá nacional. Ah: no final do volume, ainda há prévias dos
futuros lançamentos do selo Ink Comics: do segundo álbum dos Combo Rangers e da coletânea de tiras Robô Esmaga, de Alexandre Lourenço.
Aguardemos.
Ah:
o novo concurso Brazil Mangá Awards já está aberto! Quem quiser concorrer,
saibam mais no site www.henshin.com.br/.
Para
encerrar, um desenho meu. Faz tempo que eu não fazia ilustrações por prazer.
Como estamos falando de mangás, fiz uma ilustração sem maiores pretensões,
remetendo ao universo dos mangás de ação. Só deixei a imaginação rolar. Não vou
concorrer ao Brazil Manga Awards, nem tenho como nesse momento. Prefiro
continuar cultivando meu estilo.
Por
hora, é isso.
Até
mais!
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