Olá.
Hoje, volto a falar de assuntos sérios.
Todo o mundo acompanhou a repercussão do atentado de extremistas islâmicos ao Charlie Hebdo, de Paris, França. Mais uma vez o mundo demonstrou a necessidade da defesa da liberdade de expressão. Foi bom ver uma grande quantidade de pessoas saindo em defesa da liberdade de expressão... na medida em que também aparecia gente defendendo os limites da expressão.
Bem, hoje não vou falar sobre o Charlie Hebdo, sobre a ala extremista do islamismo, ou assuntos relacionados. Meu foco é outro. Olhem a ilustração abaixo...
Sim. É sobre a questão dos cartunistas assassinados. Infelizmente constata-se que a profissão de "fazedor de bonecos" ainda é subestimada em todo o mundo. E que cartunista só tem chance de ganhar a primeira página das manchetes da "grande mídia" quando são... assassinados. Não estou pensando apenas nas vítimas do atentado ao Charlie Hebdo, Wolinski, Charb, Cabu, Tignous e Honoré; estou pensando também no assassinato do cartunista Glauco Villas-Boas, em 2010. Só quando algo de ruim aconteceu a esses "fazedores de bonecos" é que o interesse por esses nomes foi além do círculo restrito de interessados por arte gráfica. Quando eles estavam vivos, eles eram valorizados, tinham aparições frequentes na grande mídia, se davam ao luxo de sair do "gueto" reservado à classe?
Quando falam de cartunistas nos jornais e revistas, as notícias são, na maior parte das vezes, muito discretas, coisa de meia a um quarto de página. A profissão de cartunista nunca pode ser mais importante que a do jornalista. Afinal, os jornalistas fazem o grosso do trabalho de divulgação dos acontecimentos, está construindo a narrativa da história, enquanto o cartunista só fica rabiscando, rabiscando...
Penso também nas pessoas que, por vezes, me veem desenhando. Não são raras as vezes que ouço comentários sobre a minha "capacidade de desenhar", o meu "talento para fazer quadrinhos"... e constatar que ninguém mais é capaz de juntar texto e desenho, fazer caricaturas, cartuns, charges, quadrinhos... tão absorvidas que estas pessoas estão com seus ofícios. Não estou querendo superestimar o talento de quem sabe desenhar. Só estou dando uma ideia de como a classe dos "fazedores de bonecos" é subestimada. E isso que o texto vem de um desses "fazedores de bonecos" que não publica charges ou cartuns em jornais e revistas de grande circulação, e que está limitado apenas à internet.
Ouço falar de tanta gente que apresenta talento para o desenho, mas que abandona porque não existe oportunidades para desenvolver essa arte.
Ainda que o desenho de humor possa induzir ao riso e à reflexão, são poucos os exemplos em que desenhos de humor causaram comoção em todo o mundo, como as charges do Profeta Maomé publicadas em 2005 na Dinamarca. Fora isso, a arte do cartunismo ainda é coisa restrita a um círculo de interessados. Depois de um tempo, todo mundo esquece. E, repetindo: cartunista só ganha atenção da grande mídia quando é assassinado.
Vocês podem ignorar essas reflexões a respeito. Vocês podem esquecer do texto assim que o tiverem lido no dia seguinte. Vocês não vão ver o rosto do homem que fez o desenho. Vocês podem achar que é tudo autopromoção, que este seu criado deveria estar tentando um emprego de verdade ao invés de ficar publicando desenhos na internet (aviso que sou, além de cartunista, professor de escola pública). Mas tinha de fazer uma reflexãozinha a respeito da profissão. Posso estar, sem querer, desanimando os que estão pensando em se arriscar na carreira de "fazedor de bonecos", mas é a realidade.
Eu só queria pedir às pessoas que se arriscam no desenho: não desistam! Encontrem um tempo livre para se dedicar ao desenho, desenvolvam sua capacidade de contar histórias através de desenhos! E não se intimidem diante dos inimigos, dos fundamentalistas: pensem que estamos prestando um favor ao mundo, não deixando que acabemos caindo na distopia. Ainda temos capacidade de arrancar sorrisos do público através do traçado do lápis, ainda que desagrademos uma minoria que, felizmente, não representa a opinião geral da sociedade. Não esperem a morte para conseguirem a manchete do jornal!
É só isso...
Até mais.
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