segunda-feira, 5 de outubro de 2015

TURMA DA MATA - MURALHA - Chega de bichos fofos!

Olá.
No momento que escrevo, está perto de fazer um mês que um novo álbum da coleção Graphic MSP está nas bancas e livrarias. Sim, a coleção de álbuns, reinterpretações dos clássicos personagens de Maurício de Souza por importantes nomes da nova geração de quadrinhistas brasileiros, que está dando uma nova cara às HQ feitas no Brasil. Para o bem e para o mal, a série Graphic MSP já está servindo de parâmetro à atual produção de HQs.
O mais recente fruto da iniciativa encabeçada por Maurício de Souza e Sidney Gusman é TURMA DA MATA – MURALHA.

Como todos os álbuns da coleção, TURMA DA MATA – MURALHA foi publicado pela editora Panini Comics, atual lar da Turma da Mônica e de todas as criações de Maurício de Souza.
Vamos relembrar: em outubro de 2012, começou com Astronauta – Magnetar, de Danilo Beyruth e Cris Peter; em maio de 2013, foi a vez de Turma da Mônica – Laços, de Vítor e Lu Cafaggi; em agosto do mesmo ano, Chico Bento – Pavor Espaciar, de Gustavo Duarte; e, em outubro de 2013, ainda, fechando o primeiro ciclo, Piteco – Ingá, de Shiko. O segundo ciclo das Graphic MSP ainda não terminou. Começou com Bidu – Caminhos, de Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho, em agosto de 2014; na sequência, Astronauta – Singularidade, continuação de Magnetar, pelos mesmos Beyruth e Peter, em dezembro de 2014; Penadinho – Vida, de Paulo Crumbim e Cristina Eiko, veio em maio de 2015; e o penúltimo a sair, Turma da Mônica – Lições, dos irmãos Cafaggi, veio em julho de 2015. TURMA DA MATA – MURALHA é de setembro de 2015 – ou seja, cerca de dois meses depois. E está programado, para novembro de 2015, o próximo álbum, Louco – Fuga, de Rogério Coelho. Ainda falta definição sobre o também anunciado álbum do Papa-Capim.

OS AUTORES
TURMA DA MATA – MURALHA é de autoria de Artur Fujita, nos roteiros, Roger Cruz nos desenhos, e Davi Calil nas cores. Todos esses autores já tem pelo menos uma década de atuação no mercado de HQ nacional e internacional – e, até onde pude apurar, dois deles participaram da série MSP 50, o embrião da série Graphic MSP.
Os três autores tem mais em comum do que se imagina: eles fazem parte do coletivo de HQ Dead Hamster, pelo qual publicam trabalhos autorais. O coletivo foi formado em 2008, por Fujita, Cruz, Calil, Greg Tocchini (Evandro Gregório), Júlia Bax, Amilcar Pina, Amanda Grazini e Bruna Brito. Mas foi em 2013 que o Dead Hamster começou a render frutos – revistas e álbuns autorais de Fujita, Cruz, Calil, Tocchini e Bax.
Bão, vamos por partes. Começando por Roger Cruz, o veterano do trio.
Rogério da Cruz Kuroda, paulistano nascido em 1971, começou sua carreira nas HQ como letrista para a Editora Abril e trabalhos autorais na editora Vidente. Cruz fez parte da segunda grande leva de brasileiros que começaram a desenhar para as grandes editoras dos Estados Unidos, que iniciou em 1995 e que inclui ainda nomes como Watson Portela e Emir Ribeiro. Seu primeiro trabalho para o exterior foi uma edição não-publicada de Armor, para a Continuity Comics. Cruz, posteriormente, se torna o primeiro brasileiro a desenhar para a Marvel Comics, e o primeiro brasileiro, mais precisamente, a desenhar o título até então mais vendido dessa editora, X-Men. Sua participação mais destacada na Marvel foi na saga A Era do Apocalipse (1995). Ele ainda desenhou HQs do Motoqueiro Fantasma, do Hulk, Geração X e X-Factor, e ainda fez trabalhos para a então editora top de linha Image Comics – Youngblood, Brigada, Angela & Glory.
Pouco depois, Roger Cruz deu um tempo às editoras norte-americanas e, entre outras atividades, foi fundador da empresa Fábrica de Quadrinhos, participou de um álbum coletivo publicado pela Editora Abril, Linha de Ataque: Futebol Arte (1998) e, para essa editora, também fez capas nacionais de gibis da Marvel e da DC, além de ter trabalhado nas capas de gibis da editora Trama/Talismã (Tsunami, Dungeon Crawlers e Victory). Voltou a desenhar com mais frequência para as editoras estrangeiras a partir de 2001 – ele foi responsável pela arte de 10th Muse, da Tidal Wave Studios, com roteiro de Marv Wolfman. Em 2004, Cruz volta a desenhar para a Marvel, desenhando títulos como Amazing Fantasy, X-Men, Homem-Aranha e Marvel Team-Up, além de ter contribuído para a série X-Men First Class.
Em 2008, ele se torna um dos sócios-fundadores – como já citado – do coletivo Dead Hamster.
Em 2010, além de ter participado do álbum MSP + 50, entre outros trabalhos autorais, Cruz publica seu primeiro álbum solo, Xampu Lovely Losers, pela editora Devir, que teve três indicações ao prêmio HQ Mix. Xampu é o primeiro álbum de uma trilogia sobre os anos 1980 – ainda não há previsão de quando os álbuns seguintes chegarão.
Em 2011, veio o álbum de artes eróticas Nudes in Fury; no ano seguinte, Roger Cruz Artbook volume 1; em 2013, Sketchbook Experience, já estabelecido no Dead Hamster; e, em 2014, dois álbuns pelo coletivo: o roteiro de Quaisqualingundum, com arte de Davi Calil – uma coletânea de histórias inspiradas nas canções do sambista paulistano Adoniran Barbosa, vencedora do prêmio HQ Mix de Melhor Publicação Independente – e Instabook, um novo livro de imagens.
Artur Fujita – o seguinte por ordem de atuação – tem pelo menos uma década de mercado como quadrinhista e colorista para as norte-americanas Marvel e DC, além de ilustrações para livros e revistas. Ele ministra aulas na Quanta Academia de Artes desde 2002. E seu nome ainda aparece nos créditos da série de animação Historietas Assombradas para Crianças Malcriadas, um dos desenhos brasileiros que atualmente é sucesso nos canais Brasil e Cartoon Network – ele fez os cenários.
Fujita faz parte da primeira grande leva de HQs lançada pela Dead Hamster em 2013. Naquele ano, foram lançados três gibis do coletivo: o de Artur Fujita foi Ascensão e Queda de Big Mini, biografia fictícia do primeiro ator pornô anão. O lançamento de Big Mini foi acompanhado do de Sequence Shot, de Greg Tocchini, e Surubotron!, de Davi Calil. Em 2015, antes de TURMA DA MATA – MURALHA, Fujita lança seu segundo trabalho pela Dead Hamster, o álbum Escrevendo com o Lado Esquerdo do Fígado.
Davi Calil é o mais novo da turma. Sua estreia nas HQ foi em 2007, na coletânea independente Kush!, lançada na Letônia. Por dois anos, Calil desenvolveu trabalhos para as revistas Mad Brasil e Mundo Estranho – nessa última, ele fazia as HQ do excêntrico personagem Monstranho, uma seção popular da revista. Ele também participou da coletânea MSP + 50.
Em 2013, pela Dead Hamster, Calil publicou Surubotron!, e o livro de artes Artbook Pintura Relâmpago, mesmo nome do curso de pintura que leciona na Quanta Academia de Artes. Seu nome também consta nos créditos da animação Historietas Assombradas, como designer de personagens. E, em 2014, Calil foi responsável pela arte de Quaisqualingundum.
Ah: da primeira leva de HQs da Dead Hamster, ainda inclui-se o álbum Remy, de Júlia Bax.
Como podem ver, as vidas dos autores são interligadas. Ainda mais agora, em TURMA DA MATA – MURALHA.

OS PERSONAGENS
A Turma da Mata, nos dias de hoje, não faz parte dos personagens mais populares de Maurício de Sousa – o elefante Jotalhão e seus amigos aparecem em histórias secundárias dos gibis de linha, mas periodicamente também dividem, com o indiozinho Papa Capim, um almanaque.
O grande destaque das histórias da Turma da Mata, que começaram nas tiras de jornais, é a inserção de teor político em meio ao humor infantil e seu tom de fábula.
O personagem mais velho da Turma da Mata, legalmente, é o elefante Jotalhão, criado por Maurício em 1962. Mas seu uso nas HQ só se deu em 1965, dentro das tiras da Turma da Mata – e, então, o primeiro personagem da Turma da Mata acabou sendo o Raposão – aliás, a tira, inicialmente, levava seu nome. Raposão começou em 1964, no jornal Folha de São Paulo, já com a aparência próxima da atual – paletó quadriculado, gravata borboleta e personalidade esperta e galanteadora. Ainda nesse ano, estreiam os outros dois então maiores personagens da tira, o Coelho Caolho – que, apesar do nome, não é caolho, ele tem os dois olhos atrás de óculos, uma camiseta amarela e as orelhas cruzadas – e o cágado intelectual Tarugo – cuja cabeça, ao contrário do normal, sai de cima de seu casco, que às vezes pode ser convertido em um carrinho, e não dos lados! Raposão, Caolho e Tarugo, em seu primeiro arco de tiras, passado “há muitos e muitos anos, no tempo em que os bichos falavam como gente”, nas “matas do chapadão”, se unem para discutir a necessidade de os animais viverem em outro tipo de moradias, ao invés de tocas.
Apesar de ter sido criado três anos antes, Jotalhão, como já dito, teve seu uso nas HQ apenas em 1965. Ele havia sido criado em 1962 para ser a mascote do Jornal do Brasil (daí o “J” do nome), e, inicialmente, ele era rosa! Mas a parceria não deu certo, e ele só saiu da gaveta em 1965, na Folha de São Paulo, um ano depois da estreia de Raposão. Em 1975, a tira passou a levar o nome do paquiderme – mas foi preciso que o destino jogasse a seu favor. Começou quando Maurício, em uma tira da Turma da Mônica, fez uma piada com o extrato de tomate Elefante, da Cica, existente desde o final da década de 1950. Nela, a Mônica levava um elefante para casa pela tromba, e o Cebolinha chamava sua atenção, dizendo que a mãe dela se referia ao extrato de tomate Elefante. Entusiasmada, a empresa que representava a Cica entrou em contato com Maurício, propondo o uso do Jotalhão como garoto-propaganda do molho de tomate – e, para contrastar melhor com o vermelho da lata, o Jotalhão passou a ser verde. Foi assim que Jotalhão se tornou o garoto-propaganda há mais tempo em atividade no Brasil. Além de estampar há anos as latas do citado extrato de tomate – agora com nova fórmula – ele passou a figurar como principal personagem da Turma da Mata, estrelou outros comerciais, passou a dividir as capas com a Mônica no gibi dela... Nos gibis, Jotalhão é um elefante tímido, de bom coração, inteligente, que costuma se vangloriar de ter uma boa memória – mas às vezes, ela lhe trai.
Em 1965, na tira, estreia a formiguinha Dona Formiga, trabalhadora e com um lenço na cabeça. Só mais tarde o nome do bichinho mudaria para Rita Najura; ela acrescentaria ao visual um vestido; e se apaixona por Jotalhão, e faz de tudo para conquista-lo – apesar de não ser correspondida como deveria. Maurício brinca aqui com a clássica e lendária historinha da paixão entre formigas e elefantes.
Mas os outros personagens da Turma da Mata não perdem seu brilho. O mais proeminente depois do Jotalhão é o Coelho Caolho: posteriormente, ele ganha esposa e filhos. Nos gibis, se estabelece que Caolho tem 118 filhos! Desses, um dos poucos que ganha nome – e importância – é o coelhinho Amadeu. Ah: Jotalhão é padrinho de vários dos filhos de Caolho.
Em 1965, estreia o ouriço puxa-saco Luís Cacheiro – ele aparece pouco antes de seu patrão, o Rei Leonino, o leão de juba preta e imperador da mata. O nome do ouriço (É mesmo um ouriço? Meio difícil, na verdade saber qual a sua espécie), posteriormente, é grafado Luís Caxeiro; e, exercendo o cargo de primeiro-ministro do Rei Leonino, faz de tudo para agradar seu rei, mesmo que para isso suas decisões acabem prejudicando o pessoal da Mata. Aí que reside o viés político da tira.
Outros personagens que às vezes aparecem são os trapaceiro Zé Fuinha e seu comparsa Zé Furão, os guardas macacos e a formiga macho Saúvo, ex-namorado de Rita Najura.
Foi bem difícil achar imagens decentes da Turma da Mata na internet, ainda mais da turma reunida; tive de pegar “emprestada” uma fanart em P&B, mais próxima do traço consagrado, como puderam ver vocês acima.

O ÁLBUM
E agora, chegamos ao que interessa: ao álbum propriamente dito.
Artur Fujita bolou uma trama que mistura aventura, política, steampunk e um pouco de drama, criando uma aventura feudal, bem ao estilo das HQ brasileiras publicadas pela editora Trama/Talismã entre o final da década de 1990 e início dos 2000 – de fato, o mundo de TURMA DA MATA – MURALHA lembra bastante o dos populares jogos de RPG dessa época. Roger Cruz, que trabalhou para essas editoras, dá o toque visual, praticamente transformando os bichos fofos de Maurício em guerreiros carrancudos; e Calil entra com as cores, digitais mas com efeito de aquarela. Curiosidade: foi com uma HQ de Jotalhão que Calil colaborou para a coletânea MSP + 50.
A leitura de TURMA DA MATA – MURALHA me fez lembrar outras HQ e mídias relacionadas, que fazem a mistura de mundo medieval com tecnologia: cito, por exemplo, o Hakan de Mozart Couto, publicado pela Noblet no final dos anos 1980. É mais ou menos isso que é TURMA DA MATA – MURALHA: uma combinação de mundo medieval com a tecnologia a vapor da Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX. Tudo adaptado ao mundo dos personagens de Maurício de Sousa.
Para fluir a trama, os personagens passaram por adaptações, tiveram-lhes atribuídos novos papéis, além dos convencionais, tal como Shiko fez em Piteco – Ingá. Fujita, Cruz e Calil, logo, criaram um novo mundo para a Turma da Mata, onde os bichos são mais humanos, mas não deixam de ser bichos.
Mas TURMA DA MATA – MURALHA, ainda na produção, foi responsável pelo primeiro percalço da coleção: originalmente, o responsável pela arte deveria ser Greg Tocchini, ao invés de Roger Cruz, mas este não conseguiu conciliar a produção do álbum com os compromissos com as editoras estrangeiras; assim, coube a Roger Cruz fazer os desenhos.
Well. A trama.
O mundo da Turma da Mata é dividido em dois: a mata, propriamente dita, onde vive a maior parte da população, e uma grande cidade, em uma montanha, cercada por uma grande muralha, onde reside o rei. Essa cidade foi construída por conta de eventos iniciados antes do início da história, narrados em off nas primeiras páginas: há muitos anos, na mata, foi descoberta uma mina de um raro e valioso metal chamado calerium, cuja propriedade é o de aquecer em contato com a água – só parando quando se desgasta, ou se a fonte de água tiver vaporizado toda. O calerium abriu a era do vapor na mata, onde engenhos mecânicos movidos a vapor, como naus movidas a balões, são comuns. A mata se torna o reino mais rico e poderoso do mundo, mas o rei da mata, Leonino I, resolve, por ganância, deixar a mata e construir a cidade em volta da mina de calerium. Assim, se formou a muralha, cujo acesso se dá exclusivamente pelas naus voadoras.
O reinado ainda é de terror: não tendo trabalhadores suficientes na muralha, Leonino I sequestra e escraviza moradores da mata para trabalhar nas minas de calerium. Uma resistência dos bichos da mata se forma, inicialmente liderada pelo guerreiro Elefante Verde. Mas, em uma última investida à nau de Leonino I, o Elefante Verde, durante a luta, assume um natural estado de fúria que o faz ficar vermelho, e acaba se jogando da nau junto com o rei leão. O motivo dessa investida? Tentar resgatar o filho, Jotalhão, que caíra em uma armadilha.
Duas décadas depois, o filho de Leonino I, Leonino II, governa a muralha, em meio a uma crise – as minas de calerium estão se esgotando. Ele, então, parte para uma viagem ao país vizinho, para esclarecer os líderes de outras nações os reais motivos para o aumento nos preços do metal. Ele deixa o primeiro-ministro Luís Caxeiro no comando do reino, tendo como assessor o sinistro Fuinha. Porém, logo que parte, a nau do rei explode.
Diante da tragédia, Luís Caxeiro assume o trono, mas na verdade é Fuinha quem está controlando o reino por baixo dos panos, fazendo Caxeiro assinar decretos inúteis, tendo como principal capanga o chefe da guarda real, Furão. Todos procuram esclarecer os motivos do atentado contra o rei Leonino, e a desconfiança cai sobre os rebeldes da mata. Mas é claro que o autor do atentado, na verdade, é Fuinha, que, graças aos seus espiões escondidos, está sempre um passo à frente.
Enquanto isso, Jotalhão, retirado das minas para trabalhar na burocracia real, vive uma rotina frustrante – não podendo nem protestar detalhes dos papeis com Fuinha. Apesar da inteligência e de seus conhecimentos até mesmo de horários e das direções do vento, ele foi praticamente amansado, depois que suas presas foram removidas, e é incapaz de se defender e defender os outros – e é alvo constante das provocações dos guardas macacos, que tocam o terror na população da muralha. E, naqueles dias, a população residente na muralha enfrenta escassez de alimentos.
Fuinha se esmera para obter o controle do poder por trás de Luís Caxeiro – seus espiões descobriram que existe outra mina de calerium dentro da mata, e, para controla-la, precisa eliminar a resistência. Logo, o atentado a Leonino é só a primeira parte do plano. Mas estes planos acabam entreouvidos por Rita Najura, que aqui se transforma praticamente em uma ninja e espiã, extremamente corajosa e audaciosa. Entretanto, Fuinha acaba descobrindo a espiã, e envia a guarda, liderada por um tamanduá rastreador, atrás dela.
Rita Najura, para escapar, se esconde em Jotalhão, que naquele momento fazia compras no mercado. Os guardas macacos acham Rita Najura, mas Jotalhão intervém para salvá-la, e os dois acabam fugindo. Fugindo para o setor das catapultas do palácio, Jotalhão e Rita, usando uma das armas – até então usadas para jogar pedras sobre a mata – para escapar para a mata. Por pouco, Jotalhão não se dá mal, ao cair no rio. E uma lembrança de infância lhe vem à mente...
O motivo que levou ao aprisionamento de Jotalhão e à morte de seu pai foi uma travessura de criança: o elefante vai à uma clareira, acompanhado do amigo Coelho Caolho, recuperar um chakram (argola de ferro de lançar) do pai; mas Caolho acaba capturado pela nau. Apesar de Jotalhão ter usado o chakram para salvar a vida do amigo, acaba aprisionado – e o pai acaba indo ao seu resgate.
Volta ao presente. Jotalhão é salvo pelo trio de heróis que formam a resistência da mata: Raposão, o líder e “cabeça” do movimento, com sua roupa quadriculada; Caolho, que aqui literalmente não tem mais um dos olhos; e Tarugo, cuja principal arma é uma armadura robótica movida a vapor – ele faz jus ao papel de gênio do grupo. Até então, só eles tinham conhecimento na nova mina de calerium. No encontro, o trio ainda dá uma pequena surra nas tropas de Furão, que estão na mata atrás da espiã e do traidor. E, logo, Jotalhão já integra a resistência, e é posto a par dos planos dos rebeldes.
E estes tem um trunfo: o rei Leonino, resgatado com vida dos destroços da nau, está sendo mantido prisioneiro, aos cuidados dos 118 filhos de Caolho. Que, aliás, não está contente com o retorno de Jotalhão: ele não perdeu apenas o olho por causa da travessura do elefante, mas também foi considerado culpado pela morte do líder Elefante Verde, e essa perda de confiança o deixa amargurado.
Leonino foge do cativeiro no dia seguinte, mas retorna durante uma travessura: Jotalhão surpreende os coelhinhos – irritantemente fofos como as multidões de goblins e/ou kobolds que costumam dar as caras em partidas de RPG estilo Dungeons & Dragons – brincando com a armadura de Tarugo. Jotalhão entra na brincadeira, mas um dos coelhos sofre um acidente e só não se dá mal porque Leonino, que durante o cativeiro se afeiçoou aos cuidadores, o salva.
Leonino resolve se juntar à resistência, visto que agora desconfia de seu ministro, Luís Caxeiro, como autor do atentado à sua vida. Após nova incursão ao palácio, Rita Najura descobre que Fuinha vai processar um novo ataque à mata no dia seguinte. E Raposão tem um novo plano: reconduzir o rei ao trono. Mas a concordância entre todos é difícil, com trocas de acusações de todos os lados – aí, a muralha do título ganha sentido além do literal: cada um tem seus motivos para suas ações, todas justas, mas para vencer precisam derrubar as barreiras ideológicas, o que não é fácil, já que cada um também possui um trauma causado pelo outro. E precisam entender: a mata depende da muralha, assim como a muralha depende da mata para sobreviver.
A princípio, Jotalhão, que só sabe pensar e não agir, e por isso considerado um covarde por Caolho, resolve tirar o corpo fora, mas, após uma conversa com Rita Najura – que já demonstra uma atração pelo “bonitão” paquiderme – Jotalhão resolve colaborar em um ousado plano para invadir a cidade e reconduzir Leonino – já disposto a um acordo – ao poder.
Mas, apesar da primeira fase do plano ser um sucesso – a invasão do palácio – a segunda não é muito bem sucedida: Fuinha, graças aos seus espiões, está preparado para o contra-ataque, com sua própria armadura a vapor. Agora, os bichos precisam se unir para impedir que Fuinha destrua a mata, e assim se desenrola a batalha no palácio. Mas o sucesso da investida depende de Jotalhão: que ele acabe, por um certo motivo, assumindo o estado de fúria de sua espécie, consiga deter Fuinha e sua armadura, e ainda que Jotalhão resolva parar, ele mesmo, as naus que estão destruindo a floresta. E disso depende, ainda, que Caolho deixe seus ressentimentos de lado, e que Leonino esteja realmente ao lado dos heróis... Só assim todas as muralhas irão cair.

CRÍTICAS
A trama do álbum é bem interessante. Mas nem tudo são flores.
Por conta da limitação de espaço – para a história, são 68 páginas, como em todos os álbuns – parece que o roteiro foi um pouco prejudicado. Aliás, pouco não: muito prejudicado. Várias subtramas da trama não foram desenvolvidas a contento, exigindo um pouco do leitor. E vários personagens não tiveram espaço suficiente para se desenvolver. Que o diga o Raposão, de quem o leitor acabará esquecendo para que ele serve na história, de tão apagado; ou Tarugo, que renderia, junto com sua armadura, muito mais do que ofereceu. Luís Caxeiro também desaparece à sombra do maligno Fuinha. E Leonino também não tem resolvida sua personalidade, de menino deslumbrado que foi obrigado a amadurecer muito cedo por conta da morte do pai.
O álbum acaba sendo centrado, mesmo, em Jotalhão, que atravessa a clássica jornada do herói, que sai de sua zona de conforto para, no final, resolver o conflito condutor da trama. Caolho também tem seu espaço maior, com sua amargura. Rita Najura também é melhor resolvida, mais como guerreira que como formiga apaixonada pelo elefante; o vilão Fuinha rouba as cenas em que aparece, assim como os coelhinhos, muito numerosos e que, constantemente, não perdem oportunidade de garantir seu espaço. Com limitações de tempo e espaço, os personagens da trama acabam, então, tendo que “se virar nos 30” para aproveitar o espaço que lhes foi dado.
A trama também parece bastante básica, algo que a gente já deve ter visto antes em algum lugar, dando uma sensação de “mais do mesmo” ao leitor mais instruído. Fora algumas surpresas, o leitor acabará, antes mesmo do fim do álbum, saber como ele terminará. Já sabe, de antemão, que Fuinha é o grande vilão da história, e etc.
Outra coisa que prejudica o andamento do álbum são as elipses entre cenas: em vários momentos, os detalhes passam mais depressa que a capacidade do leitor em apreendê-los. É preciso que ele apure os olhos e não deixe escapar nada, o que aumenta o tempo de leitura do álbum.
Se tivesse mais páginas, certamente o álbum ficaria melhor. Mas tendo apenas cerca de 68 páginas para desenvolver uma boa trama, onde todos os detalhes possam ser aproveitados ao máximo (pior que nem o tal calerium é mostrado; ele é apenas citado nos diálogos). Em HQs, todo mundo sabe que só imagens, ou só textos, não bastam para sustentar as tramas: ambos precisam estar integrados. Citar o detalhe não basta: a HQ fica mais rica se o detalhe é mostrado.
Logo, o melhor da HQ acaba sendo a arte de Cruz e Calil. E, se olharem com atenção, conseguirão localizar, nas cenas de multidão, os espiões de Fuinha, dando sentido a essa subtrama.
Mas calma: o que o roteiro perde, também ganha: Fujita procurou manter o viés político presente nos gibis. Os personagens procuram, ao máximo, manter as características as quais os leitores tradicionais estão acostumados a ver nos gibis. E há muitas referências à trajetória editorial da Turma da Mata, como os 118 filhos de Caolho, as presas quebradas de Jotalhão, a fase “rosa” do elefante e ainda a citação ao molho de tomate o qual faz propaganda. Atentem também para as páginas de guarda (as páginas desenhadas entre o começo e o fim da história): elas revelam detalhes do início e do fim da trama.
Ainda assim, infelizmente, TURMA DA MATA – MURALHA não conseguiu figurar entre os melhores álbuns da série Graphic MSP. Na verdade, conseguiu ficar abaixo do mais fraco da coleção! Eis, então, o ranking pessoal do Estúdio Rafelipe dos álbuns lançados até agora (os quais o leitor pode não concordar – e aviso que o ranking é baseado apenas em colocações pessoais):
1º - Turma da Mônica – Lições;
2º - Turma da Mônica – Laços;
3º - Bidu – Caminhos;
4º - Piteco – Ingá;
5º - Chico Bento - Pavor Espaciar;
6º - Penadinho - Vida;
7º - Astronauta – Magnetar;
8º - Astronauta – Singularidade;
9º - Turma da Mata – Muralha.
No balanço das horas, o ranking pode mudar... só depende do próximo lançamento da coleção.
TURMA DA MATA – MURALHA ainda é completo com: a indispensável introdução de Maurício de Sousa; as indispensáveis páginas de bastidores, com o processo de elaboração da arte e do roteiro do álbum; o histórico da Turma da Mata; biografias dos autores; e posfácio do ator, dublador e diretor de dublagem Guilherme Briggs (que também possui vivência nas HQ).
A versão com capa cartonada custa R$ 21,90; e a com capa dura, R$ 31,90. Apesar de tudo, é a série Graphic MSP limpando a barra das HQ nacionais. Depois de ler este álbum, segure a lombriguice de procurar as outras obras publicadas dos autores responsáveis!

ENCERRANDO...
Para encerrar esse longo texto, uma pequena HQ minha. Bolei, já que falamos de elefantes, uma pequena HQ onde aparecem elefantes famosos das culturas pop e alternativa. Para tanto, botei como personagem principal o Compadre Branco, um coadjuvante desaparecido do Teixeirão, meu personagem gaudério. Em breve, o Branco reaparecerá nas tiras do meu gauchão. Mais ou menos assim que terminar o arco atual em andamento no blog dele (http://naestanciadoteixeirao.blogspot.com.br/).
Na ordem, aparecem os seguintes personagens: o Jotalhão, de Maurício de Sousa; o minúsculo elefante que apareceu em um curta-metragem animado dos Looney Tunes, dirigido por Chuck Jones em 1953 (o curta se chama Punch Trunk); o Dumbo, de Walt Disney; Babar, o elefante-rei criado pelo escritor francês Jean de Brunhoff em 1931 (só depois que veio a clássica série de animação exibida na TV Cultura, sabiam?); Bóris, o elefante-mascote da série Toscomics, de Samanta Floor (estamos sentindo sua falta!); e a Elefoa Cor-de-Rosa, de Chiquinha (volta a desenhá-la, Fabiana Bento!).
Peço perdão desde já se infringi algum direito autoral. Mas em tempos de wi-fi e banda larga, é tão comum a homenagem pop descompromissada...
No aguardo do álbum do Louco, e de notícias sobre o álbum do Papa-Capim! Mais: haverá uma terceira leva depois destes álbuns?
Ah: será que em breve Roger Cruz também lança o segundo álbum de Xampu?

Até mais!

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