Olá.
Já
faz algum tempo que não resenho livros... mais de quinze dias, creio eu. Talvez
por conta dos últimos acontecimentos – Olimpíadas, Impeachment, sentimentos de
revolta por parte de meus contatos – e tudo isso me enche de mau humor e de
letargia. Vocês, leitores, não ficaram indignados com minha última postagem
sobre política, ficaram? Posso começar o assunto de hoje? Isso é um sim? Ah.
Então,
hoje vamos espantar a letargia, falando de livro. De romance. De romance de
fundo histórico ambientado no Rio Grande do Sul. Vamos trazer de novo aos
holofotes o escritor Luiz Antonio de Assis Brasil, um especialista no gênero.
Vamos
hoje falar de CONCERTO CAMPESTRE.
O LIVRO
CONCERTO
CAMPESTRE, hoje o livro mais lembrado de Assis Brasil – muito por conta da
adaptação do mesmo para cinema – foi publicado pela primeira vez em 1997, pela
editora L&PM, atual editora das obras do escritor. A capa acima é da
primeira edição, com ilustração do cartunista Caulos – e com essa ilustração
permanece nas edições posteriores.
O
romance, ao contrário dos dois outros que resenhei aqui no blog – Cães da Província e Videiras de Cristal – não se serve de fatos reais para a construção
ficcional, ou melhor, só um pouco. CONCERTO CAMPESTRE se utiliza de um contexto
histórico conhecido pela historiografia e de uma história lendária para a
condução do enredo, além de carregar um pouco da experiência de vida do autor –
o motor do enredo é a música clássica, e Luiz Antonio de Assis Brasil já havia
sido músico, tendo tocado na Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA) como
violoncelista, nos anos 1970, antes de abraçar a literatura.
Outro
motor do enredo ele relata em uma nota no posfácio da obra:
“A história da moça
abandonada no boqueirão me foi contada por uma amiga, a escritora Hilda Simões
Lopes, e aconteceu no século passado [século XIX], nos campos de sua família.
É, portanto, uma ‘história real’, o que lhe dá certa nota picante; mas aqui,
como em todas as realidades, a
fantasia ocupa o lugar do trivial e do desconhecido – e isso é apenas uma
homenagem à Literatura. (L.A. de A.B.)” (in: Concerto Campestre – L&PM, 1997, p. 175).
CONCERTO
CAMPESTRE ganhou ainda mais notoriedade após a adaptação para cinema, dirigida
por Henrique de Freitas Lima em 2004. Deste falamos depois.
A
narrativa de CONCERTO CAMPESTRE é conduzida fazendo uso do insólito, do
inesperado, do suspense e do bucolismo (forma de poesia que valoriza a vida
pastoril), conduzido suavemente como uma valsa ecoando na solidão do pampa, num
enredo que envolve preconceitos, paixões, violência e termina num final
surpreendente. Além disso, é um livro que se lê em uma só sentada: a primeira
edição tem 176 páginas, sem contar capa, e só sete capítulos. Só o que pode assustar
o leitor são os parágrafos contínuos, intermináveis, e quase sem travessões para
indicar os diálogos. Fora isso, o livro de narrativa não-linear, com idas e
vindas constantes de um ponto do tempo a outro, ritmo de uma ópera e revelações
surpreendentes ao fim de cada capítulo, é agradável.
O ENREDO DA ÓPERA
A
história de CONCERTO CAMPESTRE se passa na segunda metade do século XIX, no
interior do Rio Grande do Sul, na vila de São Vicente, à beira do Rio Santa
Maria. Ali, está a estância charqueadora (fazenda de criação de gado e produção
de carne-seca para comércio) pertencente ao conservador e autoritário Major
Antônio Eleutério Fontes, homem de passado rude que atuara na Guerra dos
Farrapos. Ali, ele vive com a família, composta pela esposa, a ainda mais
conservadora D. Brígida, três filhos homens, dois netos e uma filha temporã,
Clara Vitória.
Apesar
do conservadorismo e dos códigos morais hoje tacanhos, que ele procura
preservar a todo custo, o Major Eleutério cultiva uma excentricidade, que
podemos tomar como um sinal de modernidade, naquele local ermo e praticamente
longe de outros sinais de civilização: uma orquestra particular, a Lira Santa
Cecília.
Começou
quando o Major encontrou dois índios missioneiros e andarilhos tocando seus
instrumentos, e, após uma desconfiança inicial, praticamente gostou do que viu
e ouviu, contratando os dois índios para trabalhar na estância, e, claro, tocar
de vez em quando para ele. Naquela época, música, de acordo com a moral dos
estancieiros, era coisa malvista, coisa de gente de má vida – bêbados e
prostitutas – e aceitável apenas dentro das igrejas, por isso D. Brígida,
principalmente, símbolo da mentalidade arcaica que se contrapõe ao sinal de
modernidade do Major, desaprova a atitude inicial do marido, e o que vem
depois...
A
notícia de que o Major estava admitindo músicos em sua estância se espalha, e
logo outros músicos procuram trabalho na estância. A coisa, no entanto, foge um
pouco do controle, pois a maioria desses músicos era de andarilhos e vagabundos
– e os índios foram embora, ou pela natureza nômade ou por causa do preconceito
dos outros músicos – e então, por sugestão do Vigário da Paróquia de São
Vicente – um padre dividido entre o conservadorismo e a modernidade, já que,
apesar de se opor às relações amorosas “modernas”, costuma consultar um
termômetro para avaliar o tempo – o Major resolve organizar os músicos em uma
orquestra.
Para
colocar ordem nos músicos da fazenda, o Vigário recomenda ao Major o musico
conhecido apenas como Maestro. O mulato, nascido em Minas Gerais, teve uma vida
de verdadeiras aventuras, entre empregos como músico em igrejas e no exército,
e convivendo com gente “de má fama”, sempre acompanhado de seu bandolim, que
ele dedilha nas horas de folga. O Maestro, pago para se dedicar exclusivamente
à orquestra, e que ganhou inclusive seu próprio quarto, coloca ordem na casa:
organiza os músicos em uma orquestra respeitável, com instrumentos de cordas e
metais (que o próprio Major importa), inclusive trazendo músicos de Porto
Alegre. Entre eles, o rabequista veterano conhecido como Rossini, por conta de
seu gosto por ópera, talentoso e erudito, e que se torna o grande amigo e
confidente do Maestro.
Mas
o Maestro não é necessariamente um modelo de bom comportamento: apesar das
recomendações do vigário e do Major, em uma noite, o mulato seduz uma
cozinheira da estância. O Maestro, após ser denunciado, leva uma reprimenda do
Major, que, por via das dúvidas, despede a cozinheira.
A
Lira Santa Cecília logo se organiza, tocando melodias suaves e agradáveis em
festas, velórios ou apenas para o deleite do Major, chamando a atenção
inclusive dos amigos dele. Um deles faz questão que a Lira toque em seu
velório, como um último desejo. Entre um ensaio e outro, o Maestro acaba
chamando a atenção da adolescente Clara Vitória, então na flor da virgindade e
da pureza, e em idade de casar – tanto que, por imposição da mãe, passa boa
parte do tempo confeccionando seu enxoval, embora seu real desejo seja o de
aprender a ler e escrever.
A
moça se apaixona pelo Maestro, mas inicialmente o músico a rechaça; mas, pouco
a pouco, o Maestro começa a corresponder à afeição da garota. E ambos começam a
viver uma relação amorosa proibida e secreta. O Maestro chega a dedicar a Clara
Vitória uma composição. E a garota, entre um encontro furtivo e outro no quarto
do Maestro, acaba engravidando do mulato.
A
gravidez ficou escondida o quanto foi possível. Enquanto isso, D. Brígida, que
acha a organização da orquestra uma perda de tempo e preocupada com a posição
social da família, tenta arranjar o casamento de Clara Vitória com Silvestre
Pimentel, sobrinho e herdeiro do Barão de Três Rios, dono de uma estância
vizinha. Vive arranjando encontros entre os dois, sem desconfiar que a filha
ama outro, claro. Enquanto isso, Silvestre Pimentel vai adiando a data do
casamento – nesse meio tempo, seu tio falece.
Mas
não demora para que D. Brígida descubra a gravidez da filha. O primeiro a saber
do assunto, mediante confissão, foi o Vigário. Felizmente, quando a gravidez de
Clara Vitória vem à tona, a família imagina que o responsável foi Silvestre
Pimentel, já que, em uma ocasião, os dois haviam saído sozinhos ao pomar, mas
sob os olhares de uma criada. Mas, infelizmente, os inocentes acabam pagando o
pato: o Major tenta matar Silvestre Pimentel, mas fracassa. Já quanto a Clara
Vitória, leva bofetadas da mãe e o pai acaba a renegando, condenando-a a viver
em uma casa abandonada dentro do mato. Essa casa era tida como mal-assombrada,
e no local então só entravam alguns escravos para colher cachos de uvas de uma
parreira próxima. O acesso à floresta é cortado e vigiado. Em outro acesso de
loucura, o Major despede a Lira Santa Cecília, e o Maestro, Rossini e os outros
músicos vão para Porto Alegre.
Com
o passar do tempo, todos passam por uma degradação moral. O Major vai perdendo
a razão, e sua estância, agora administrada pelos filhos mais velhos, passa a
ser evitada por todos, inclusive pelo Vigário, depois do que o Major fez a
Clara Vitória; a filha, por sua vez, começa a se acostumar com a solidão do
lugar ermo, cujo contato com o mundo passa a ser através do capataz da fazenda,
que lhe traz comida dia sim dia não, e da parteira – Clara Vitória tem sua
filha ali na tapera, e a menina é levada para ser amamentada por uma ama da
estância; e o Maestro, por sua vez, vai padecendo de saudades de sua amada, e
leva uma vida indisciplinada em seu novo emprego. Está decidido a voltar para a
estância e resgatar Clara Vitória.
Afinal,
depois de algum tempo, ele consegue realizar seu intento: levando a Lira Santa
Cecília, o Maestro retorna, e é recebido com alegria pelo Major, que solicita
uma apresentação. Porém, como nenhum dos amigos do Major quer comparecer ao
concerto, o homem obriga a criadagem a assistir a apresentação. E os
acontecimentos que se seguem são os mais insólitos, envolvendo uma morte e uma
inesperada chuva de sangue, conduzindo ao final de uma ópera... com final
trágico porém allegro.
Luiz
Antonio de Assis Brasil conduz uma ópera sul-riograndense, com influência das
poesias bucólicas do poeta romano Virgílio e traduzindo em palavras os
sentimentos de quem está preso ao campo em todos os sentidos: desde o espaço
geográfico até as convicções morais. Conflito entre modernidade e
conservadorismo, até mesmo na forma de amar. A narrativa, apesar da linguagem
erudita, prende o leitor até o fim, depois que ele se acostuma com a forma do
texto.
CONCERTO
CAMPESTRE pode ser encontrado com facilidade nas bibliotecas e em algumas
livrarias. Disponível também nos formatos pocket e e-book.
PARA ENCERRAR...
...vamos
com minha HQ folhetinesca, O Açougueiro, a
qual faz tempo que eu não trabalhava. Até a produção desta HQ o mau humor e a
letargia afetaram. Não: foram os segundos que afetaram o primeiro – estou
lutando para superar a letargia e o mau humor para dar o devido prosseguimento
à história. Quanto ao que vamos fazer com ela, se vai ser publicada em livro
físico ou não, bem, isso vemos mais tarde. Perdoem se nestas páginas eu não
tive o devido capricho...
Na
próxima postagem: CONCERTO CAMPESTRE, o filme.
Até
mais!
Nenhum comentário:
Postar um comentário