terça-feira, 27 de setembro de 2016

Filme: A MORTE NÃO MARCA TEMPO

Olá.
Hoje, encerrando o ciclo iniciado há alguns dias, trago a vocês a resenha do terceiro e último filme estrelado pelo cantor gaúcho José Mendes (1939 – 1974), então no auge do sucesso em vida.
Embora este terceiro filme não tenha alcançado o sucesso de seus antecessores, Pára, Pedro! (1969) e Não Aperta, Aparício! (1970), não pode ser desprezado, já que é um projeto ambicioso por parte de seus produtores.
Hoje, então, vamos tratar de A MORTE NÃO MARCA TEMPO.

ASPECTOS TÉCNICOS
A MORTE NÃO MARCA TEMPO marca uma transição na carreira cinematográfica de José Mendes. Os dois filmes anteriores haviam sido comédias agradáveis e de fácil compreensão para o público, mas parecem trazer uma gradação: Pára, Pedro! era comédia estilo Mazaroppi do início ao fim; Não Aperta, Aparício!, por sua vez, começa como comédia e evolui para um bangue-bangue.
A MORTE NÃO MARCA TEMPO, por sua vez, é um drama, com algumas raras cenas cômicas – e seus envolvidos se esmeraram para arrancar uma interpretação dramática digna do cantor, sem se importar que ele era uma celebridade, um nome conhecido, em uma história que tinha por objetivo a universalidade. Porém, a comparação com os dois filmes anteriores foi inevitável, o que derrubou a sua bilheteria em comparação a eles.
Bão: A MORTE NÃO MARCA TEMPO, para continuar, é de outra produtora. Sai a Leopoldis-Som, entra a Czamanski Tarasiuk Produtora Cinematográfica Ltda., capitaneada pelo colaborador frequente do cantor, Ivo Czamanski. Também financiada pelo Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), a fita foi rodada em poucos dias, a partir de 20 de agosto de 1972, e estreou em 30 de abril de 1973. A dublagem (sim, outro filme que teve as falas dubladas por causa das limitações técnicas da sonoplastia de sua época) ficou por conta dos estúdios da Herbert Richers, do Rio de Janeiro.
A MORTE NÃO MARCA TEMPO tem roteiro e direção de Pereira Dias, diretor dos filmes anteriores, e que, desta vez, também assume a função de ator. Ele também é co-produtor do filme, ao lado de Zé Mendes. A câmera, mais uma vez, ficou a cargo de Ivo Czamanski. Alfred Hülsberg, responsável pela trilha sonora dos dois filmes anteriores, também é responsável pelas músicas deste filme. No repertório, desta vez, só duas músicas de Zé Mendes, a tristonha Balada da Solidão, composição própria ao lado de Pereira Dias (e faixa do disco póstumo do cantor, Adeus, Pampa Querido, lançado em 1974) e o cover do clássico romântico gauchesco Última Lembrança, de Luiz Menezes (do disco Pára, Pedro!, de 1967). Há ainda uma terceira canção, Saudação à Querência, mas na voz de outros cantores – o grupo Os Milongueiros.
No elenco do filme, mais nenhum nome conhecido, além dos de Mendes e Dias: Darcy Fagundes, Clarice Nogueira, Carlos Castilhos, Alice Aveiro, Alex Garcia, Mano Bastos, Telmo Oliveira, Sérgio Larca, Esther Schiaffino.
O cenário do filme, desta vez, é a cidade de Taquara, RS, mas a história, ambicionando um caráter mais universal, poderia se passar em qualquer parte do mundo, segundo os produtores; o “faroeste psicológico” criado por Pereira Dias, no entanto, não perde as características regionais, com seus personagens pilchados (vestidos à moda regional gaúcha), o cenário simples... as marcas da modernidade presentes na fita ficam por conta do merchandising discreto (não sabemos se as marcas, como a da Pepsi, que aparecem nas placas e nos cartazes, ao longo do cenário, tinham mesmo essa função ou só estavam na cidade no momento em que a fita foi rodada) e do figurino da mocinha.
Por conta das críticas recebidas pelos filmes anteriores, Pereira Dias resolveu colocar mais ambição “intelectual” neste filme, tentando arrancar de José Mendes o máximo em interpretação dramática. Bem, tecnicamente, A MORTE NÃO MARCA TEMPO foi feito sob medida para agradar a crítica que, com relação à produção cinematográfica brasileira da época, estava dando preferência ao cinema mais “engajado” da turma do Cinema Novo, porém sem abrir mão de oferecer ao público uma história simples, de fácil compreensão, com características de história policial, drama psicológico e algum sangue.
Ivo Czamanski deixou registrado os motivos pelos quais o filme não fez muito sucesso:
“’A Morte Não Marca Tempo’ não fez sucesso por alguns motivos. Primeiro, ele foi comparado ao ‘Pára, Pedro!’ que bateu todos os recordes de bilheteria em vários estados do Brasil. E também tentou-se fazer um filme de alcance nacional, porém faltou marketing. E, principalmente, no norte do país, no Amazonas, as casas de cinemas tiveram suas lotações esgotadas e os borderôs não registraram tal movimento, problema que foi vivido pela equipe de produção. (...) Não conseguimos tudo o que esperávamos, mas tentamos, fizemos um filme de sentido universal, sem abandonar as características regionais.” (In: COSTA, Ajadil. Pára, Pedro! – José Mendes, Vida e Obra. Porto Alegre: Alcance, 2002; MB Artes Gráficas, 2013 [Edição Publicitária], p. 124)

A TRAMA
Bueno. A ação de A MORTE NÃO MARCA TEMPO se passa em um único dia, do amanhecer ao crepúsculo de um domingo. Na esfuziante sequência de abertura, ao som da Balada da Solidão, um cavaleiro desloca-se pelo campo. Uma boa entrada que depois se desenvolve para o suspense.
Em uma vila do interior gaúcho, um acontecimento triste tem sido o assunto entre os jogadores de bocha e outros moradores: o assassinato de Antônio (Alex Lopes Garcia), jovem recém-chegado da capital e filho do principal estancieiro da região. Todas as opiniões convergem para Julião (Pereira Dias), famoso bandido que nos últimos vinte anos, vive refugiado naquelas redondezas.
O Padre João (Darcy Ribeiro) é um dos principais personagens do filme: apesar de muito sério e defensor da moral, ele não se furta de tomar, de vez em quando, alguns copos de cachaça – por conta disso, ele protagoniza a única cena cômica do filme, quando repreende seu coroinha, Tonico (Sérgio Larrea) , por estar em uma mesa ao ar livre, bebendo e jogando cartas; mas o padre “vira” um copo de cachaça e depois se junta ao carteado.
De repente, chega alguém com a notícia: Julião está se aproximando da vila. E a debandada é geral: todos correm se esconder. Apenas o Padre fica na praça, e resolve confrontar o bandido, que chega calmamente a cavalo. Julião, apesar da fama e da aparência de vilania, com a espingarda sempre ao alcance da mão, não é um vilão: é apenas um homem com crises na consciência por conta de erros cometidos no passado.
Julião e o Padre começam a discutir – o pároco chega a convidar o bandido para almoçar. E, da conversa, acaba surgindo uma prova de que Julião está sendo, na verdade, injustamente acusado: o bandoleiro mostra ao Padre o cinto do rapaz morto, encontrado por acaso, e inclusive, com dinheiro em uma das bolsas. Prova de que o assassino do rapaz não o matou para roubar.
De repente, um destacamento do exército aparece, com o intuito de prender Julião; o Padre resolve refugiar o bandoleiro na Igreja, e tenta convencer o Coronel do destacamento (Telmo Oliveira); este dá ao Padre até o pôr-do-sol para descobrir a verdade.
Nisso, se aproxima da vila, também, um peão, José (José Mendes) – o mesmo da cena de abertura. José possui ligação com a vítima: era irmão de criação de Antônio. É filho de uma criada do Coronel, Maria (Alice Aveiro), mas cresceu junto com Antônio, na mesma casa, porém com menos privilégios.
José chega na Igreja para rezar; nisso, o Padre o interpela, e mostra-lhes o cinto do morto. Os dois chegam a brigar.
Aí, José entra na Igreja e encontra Julião. E, da conversa dos dois, vem à tona fatos inesperados e revelações: o verdadeiro assassino, as motivações (ligadas a fatos do passado), o envolvimento de uma moça no caso, a bela Rosa (Clarice Nogueira), e o real relacionamento entre Julião, Maria e José. Tudo converge para um final imprevisto e inesquecível, onde um inocente se sacrifica para proteger o outro, por motivos... familiares. A tentação é grande, mas não posso contar o que acontece: é melhor que vocês vejam. No momento em que escrevo, o filme está disponível no YouTube, assim como os dois anteriores de José Mendes. Em DVD, não sei dizer agora.
A estrutura do filme é quebrada por algumas cenas de flashback, mostrando o passado de alguns dos personagens (e a única oportunidade de vermos Alex Garcia atuando). Não falta ainda uma cena de baile, com uma demonstração de dança típica, e um concerto de Zé Mendes e Os Milongueiros.
Talvez o público estranhe em ver o cantor em um papel dramático, com elementos de novela. Mas a dramaticidade dos personagens e situações procura ser a mais natural possível, assim como a dublagem. A trilha sonora casa bem com as situações, como nas hesitações de Julião, continuamente em dúvidas por seus atos. Os espectadores estranharão, no entanto, algumas cenas de morte pouco naturais, e os diálogos extensos e cheios de hesitações. Mas as imagens são primorosas, as tomadas e os ângulos criam um tom de melancolia. O roteiro exige alguma atenção, mas o público conseguirá entender a trama.
Assim, o filme acaba merecendo as palavras de Ajadil Costa, que afirma:
“(...) Quem Não assistiu, certamente não viu um filme onde...
Há um tempo para amar, há um tempo para rir.
Há um tempo para sofrer. Mas... ‘A Morte Não Marca Tempo’.
Um filme terno, humano e real como a própria vida!
Quando ele tenta se reencontrar com deus e com os homens, acaba encurralado pelo seu próprio destino!” (Op. Cit., Idem)
E aqui ficamos, e afirmamos: jovem, não torçais o nariz para os filmes brasileiros, procure conhecer e ver que há, sim, um mundo interessante na nossa filmografia. Não fique só nos blockbusters, já estamos entupidos de explosões e computação gráfica.

PARA ENCERRAR...
Não tendo outra coisa para colocar, que tal um desenho feito em uma hora de espera? Uma hora de folga?
Lembro ainda: este Teixeirão, feito em caneta esferográfica no verso de um folheto de propaganda, foi desenhado em 20 de setembro último, Dia do Gaúcho, enquanto esperava por minha mãe, que fora ao hospital visitar um parente.
Um exercício de desenho sem esboço. Apropriado para o referido dia.

Esta postagem é dedicada ao meu tio Leomar Pessoa de Souza, falecido em 20 de setembro último (no momento em que escrevo, portanto, é o sétimo dia), vitimado por uma vida desregrada. O álcool e as drogas cobraram um preço de mais um da minha família.
Só quem vivencia o drama do alcoolismo é capaz de se opor, sem hipocrisias, à bebedeira tão decantada pelos artistas de vida boêmia e por alguns sertanejos universitários. Só de ver gente de minhas relações se deteriorando por causa da esbórnia, tenho motivos para não beber líquidos etílicos. Sério.
Na próxima postagem, hei de falar de coisas mais alegre. Hei, sim.

Até mais.

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