Olá.
Hoje,
encerrando o ciclo iniciado há alguns dias, trago a vocês a resenha do terceiro
e último filme estrelado pelo cantor gaúcho José Mendes (1939 – 1974), então no
auge do sucesso em vida.
Embora
este terceiro filme não tenha alcançado o sucesso de seus antecessores, Pára, Pedro! (1969) e Não Aperta, Aparício! (1970), não pode
ser desprezado, já que é um projeto ambicioso por parte de seus produtores.
Hoje,
então, vamos tratar de A MORTE NÃO MARCA TEMPO.
ASPECTOS TÉCNICOS
A
MORTE NÃO MARCA TEMPO marca uma transição na carreira cinematográfica de José
Mendes. Os dois filmes anteriores haviam sido comédias agradáveis e de fácil
compreensão para o público, mas parecem trazer uma gradação: Pára, Pedro! era comédia estilo
Mazaroppi do início ao fim; Não Aperta,
Aparício!, por sua vez, começa como comédia e evolui para um bangue-bangue.
A
MORTE NÃO MARCA TEMPO, por sua vez, é um drama, com algumas raras cenas cômicas
– e seus envolvidos se esmeraram para arrancar uma interpretação dramática
digna do cantor, sem se importar que ele era uma celebridade, um nome
conhecido, em uma história que tinha por objetivo a universalidade. Porém, a
comparação com os dois filmes anteriores foi inevitável, o que derrubou a sua
bilheteria em comparação a eles.
Bão:
A MORTE NÃO MARCA TEMPO, para continuar, é de outra produtora. Sai a
Leopoldis-Som, entra a Czamanski Tarasiuk Produtora Cinematográfica Ltda.,
capitaneada pelo colaborador frequente do cantor, Ivo Czamanski. Também
financiada pelo Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), a fita
foi rodada em poucos dias, a partir de 20 de agosto de 1972, e estreou em 30 de
abril de 1973. A dublagem (sim, outro filme que teve as falas dubladas por
causa das limitações técnicas da sonoplastia de sua época) ficou por conta dos
estúdios da Herbert Richers, do Rio de Janeiro.
A
MORTE NÃO MARCA TEMPO tem roteiro e direção de Pereira Dias, diretor dos filmes
anteriores, e que, desta vez, também assume a função de ator. Ele também é
co-produtor do filme, ao lado de Zé Mendes. A câmera, mais uma vez, ficou a
cargo de Ivo Czamanski. Alfred Hülsberg, responsável pela trilha sonora dos
dois filmes anteriores, também é responsável pelas músicas deste filme. No
repertório, desta vez, só duas músicas de Zé Mendes, a tristonha Balada da Solidão, composição própria ao
lado de Pereira Dias (e faixa do disco póstumo do cantor, Adeus, Pampa Querido, lançado em 1974) e o cover do clássico romântico gauchesco Última Lembrança, de Luiz Menezes (do disco Pára, Pedro!, de 1967). Há ainda uma terceira canção, Saudação à Querência, mas na voz de
outros cantores – o grupo Os Milongueiros.
No
elenco do filme, mais nenhum nome conhecido, além dos de Mendes e Dias: Darcy
Fagundes, Clarice Nogueira, Carlos Castilhos, Alice Aveiro, Alex Garcia, Mano
Bastos, Telmo Oliveira, Sérgio Larca, Esther Schiaffino.
O
cenário do filme, desta vez, é a cidade de Taquara, RS, mas a história,
ambicionando um caráter mais universal, poderia se passar em qualquer parte do
mundo, segundo os produtores; o “faroeste psicológico” criado por Pereira Dias,
no entanto, não perde as características regionais, com seus personagens
pilchados (vestidos à moda regional gaúcha), o cenário simples... as marcas da
modernidade presentes na fita ficam por conta do merchandising discreto (não
sabemos se as marcas, como a da Pepsi, que aparecem nas placas e nos cartazes,
ao longo do cenário, tinham mesmo essa função ou só estavam na cidade no
momento em que a fita foi rodada) e do figurino da mocinha.
Por
conta das críticas recebidas pelos filmes anteriores, Pereira Dias resolveu
colocar mais ambição “intelectual” neste filme, tentando arrancar de José
Mendes o máximo em interpretação dramática. Bem, tecnicamente, A MORTE NÃO
MARCA TEMPO foi feito sob medida para agradar a crítica que, com relação à
produção cinematográfica brasileira da época, estava dando preferência ao
cinema mais “engajado” da turma do Cinema Novo, porém sem abrir mão de oferecer
ao público uma história simples, de fácil compreensão, com características de
história policial, drama psicológico e algum sangue.
Ivo
Czamanski deixou registrado os motivos pelos quais o filme não fez muito
sucesso:
“’A Morte Não Marca Tempo’ não fez sucesso por alguns
motivos. Primeiro, ele foi comparado ao ‘Pára, Pedro!’ que bateu todos os
recordes de bilheteria em vários estados do Brasil. E também tentou-se fazer um
filme de alcance nacional, porém faltou marketing. E, principalmente, no norte
do país, no Amazonas, as casas de cinemas tiveram suas lotações esgotadas e os
borderôs não registraram tal movimento, problema que foi vivido pela equipe de
produção. (...) Não conseguimos tudo o que esperávamos, mas tentamos, fizemos
um filme de sentido universal, sem abandonar as características regionais.” (In: COSTA, Ajadil. Pára, Pedro! – José Mendes, Vida e Obra.
Porto Alegre: Alcance, 2002; MB Artes Gráficas, 2013 [Edição Publicitária], p.
124)
A TRAMA
Bueno.
A ação de A MORTE NÃO MARCA TEMPO se passa em um único dia, do amanhecer ao crepúsculo
de um domingo. Na esfuziante sequência de abertura, ao som da Balada da Solidão, um cavaleiro
desloca-se pelo campo. Uma boa entrada que depois se desenvolve para o
suspense.
Em
uma vila do interior gaúcho, um acontecimento triste tem sido o assunto entre
os jogadores de bocha e outros moradores: o assassinato de Antônio (Alex Lopes
Garcia), jovem recém-chegado da capital e filho do principal estancieiro da
região. Todas as opiniões convergem para Julião (Pereira Dias), famoso bandido
que nos últimos vinte anos, vive refugiado naquelas redondezas.
O
Padre João (Darcy Ribeiro) é um dos principais personagens do filme: apesar de
muito sério e defensor da moral, ele não se furta de tomar, de vez em quando,
alguns copos de cachaça – por conta disso, ele protagoniza a única cena cômica
do filme, quando repreende seu coroinha, Tonico (Sérgio Larrea) , por estar em
uma mesa ao ar livre, bebendo e jogando cartas; mas o padre “vira” um copo de
cachaça e depois se junta ao carteado.
De
repente, chega alguém com a notícia: Julião está se aproximando da vila. E a
debandada é geral: todos correm se esconder. Apenas o Padre fica na praça, e
resolve confrontar o bandido, que chega calmamente a cavalo. Julião, apesar da
fama e da aparência de vilania, com a espingarda sempre ao alcance da mão, não
é um vilão: é apenas um homem com crises na consciência por conta de erros
cometidos no passado.
Julião
e o Padre começam a discutir – o pároco chega a convidar o bandido para
almoçar. E, da conversa, acaba surgindo uma prova de que Julião está sendo, na
verdade, injustamente acusado: o bandoleiro mostra ao Padre o cinto do rapaz
morto, encontrado por acaso, e inclusive, com dinheiro em uma das bolsas. Prova
de que o assassino do rapaz não o matou para roubar.
De
repente, um destacamento do exército aparece, com o intuito de prender Julião;
o Padre resolve refugiar o bandoleiro na Igreja, e tenta convencer o Coronel do
destacamento (Telmo Oliveira); este dá ao Padre até o pôr-do-sol para descobrir
a verdade.
Nisso,
se aproxima da vila, também, um peão, José (José Mendes) – o mesmo da cena de
abertura. José possui ligação com a vítima: era irmão de criação de Antônio. É
filho de uma criada do Coronel, Maria (Alice Aveiro), mas cresceu junto com
Antônio, na mesma casa, porém com menos privilégios.
José
chega na Igreja para rezar; nisso, o Padre o interpela, e mostra-lhes o cinto
do morto. Os dois chegam a brigar.
Aí,
José entra na Igreja e encontra Julião. E, da conversa dos dois, vem à tona
fatos inesperados e revelações: o verdadeiro assassino, as motivações (ligadas
a fatos do passado), o envolvimento de uma moça no caso, a bela Rosa (Clarice
Nogueira), e o real relacionamento entre Julião, Maria e José. Tudo converge
para um final imprevisto e inesquecível, onde um inocente se sacrifica para
proteger o outro, por motivos... familiares. A tentação é grande, mas não posso
contar o que acontece: é melhor que vocês vejam. No momento em que escrevo, o
filme está disponível no YouTube, assim como os dois anteriores de José Mendes. Em DVD, não sei dizer agora.
A
estrutura do filme é quebrada por algumas cenas de flashback, mostrando o
passado de alguns dos personagens (e a única oportunidade de vermos Alex Garcia
atuando). Não falta ainda uma cena de baile, com uma demonstração de dança
típica, e um concerto de Zé Mendes e Os Milongueiros.
Talvez
o público estranhe em ver o cantor em um papel dramático, com elementos de
novela. Mas a dramaticidade dos personagens e situações procura ser a mais
natural possível, assim como a dublagem. A trilha sonora casa bem com as
situações, como nas hesitações de Julião, continuamente em dúvidas por seus
atos. Os espectadores estranharão, no entanto, algumas cenas de morte pouco
naturais, e os diálogos extensos e cheios de hesitações. Mas as imagens são
primorosas, as tomadas e os ângulos criam um tom de melancolia. O roteiro exige
alguma atenção, mas o público conseguirá entender a trama.
Assim,
o filme acaba merecendo as palavras de Ajadil Costa, que afirma:
“(...) Quem Não assistiu, certamente não viu um filme
onde...
Há um tempo para amar, há um tempo para rir.
Há um tempo para sofrer. Mas... ‘A Morte Não Marca Tempo’.
Um filme terno, humano e real como a própria vida!
Quando ele tenta se reencontrar com deus e com os homens,
acaba encurralado pelo seu próprio destino!”
(Op.
Cit., Idem)
E
aqui ficamos, e afirmamos: jovem, não torçais o nariz para os filmes
brasileiros, procure conhecer e ver que há, sim, um mundo interessante na nossa
filmografia. Não fique só nos blockbusters, já estamos entupidos de explosões e
computação gráfica.
PARA ENCERRAR...
Não
tendo outra coisa para colocar, que tal um desenho feito em uma hora de espera?
Uma hora de folga?
Lembro
ainda: este Teixeirão, feito em caneta esferográfica no verso de um folheto de
propaganda, foi desenhado em 20 de setembro último, Dia do Gaúcho, enquanto
esperava por minha mãe, que fora ao hospital visitar um parente.
Um
exercício de desenho sem esboço. Apropriado para o referido dia.
Esta
postagem é dedicada ao meu tio Leomar Pessoa de Souza, falecido em 20 de
setembro último (no momento em que escrevo, portanto, é o sétimo dia), vitimado
por uma vida desregrada. O álcool e as drogas cobraram um preço de mais um da
minha família.
Só
quem vivencia o drama do alcoolismo é capaz de se opor, sem hipocrisias, à
bebedeira tão decantada pelos artistas de vida boêmia e por alguns sertanejos
universitários. Só de ver gente de minhas relações se deteriorando por causa da
esbórnia, tenho motivos para não beber líquidos etílicos. Sério.
Na
próxima postagem, hei de falar de coisas mais alegre. Hei, sim.
Até
mais.
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