sexta-feira, 28 de outubro de 2016

UNIVERSO NERD ESSENCIAL HERÓIS - Por uma maçã podre no cesto...

Olá.
Hoje, vou falar de livro – mas, desta vez, variando o tema: vou falar de mais uma publicação recente sobre cultura pop. Tenho resenhado, em diversas oportunidades, diversas publicações das editoras menores brasileiras, que focam no público ávido por informações sobre, principalmente os super-heróis do cinema e dos quadrinhos.
Bem, este livro trata de super-heróis, sim, mas tem muito mais atrações que os outros livros que resenhei até o momento.
Eis aqui: UNIVERSO NERD – ESSENCIAL HERÓIS, da editora Geek.

UNIVERSO NERD – ESSENCIAL HERÓIS tem organização do quadrinhista, editor e especialista em cultura pop, Franco de Rosa. Prova de que o homem está vivo e ainda está trabalhando – não tanto quanto nas décadas anteriores, quando trabalhou ao lado de desenhistas importantes como Rodolfo Zalla, Sebastião Seabra e Paulo Paiva, ou quando co-criou as editoras Press, Mythos, Opera Graphica e Kalaco... mas Franco de Rosa continua dando sinais de (muita) vida dentro do mercado editorial brasileiro.
Bem, é Franco de Rosa quem organiza o livro de 256 páginas, sem contar a capa cartonada, com textos seus e de diversos outros colaboradores, lançado em setembro de 2016. Esse livro procura trazer praticamente o essencial sobre a cultura pop em geral – não apenas sobre super-heróis, mas também séries de TV, quadrinhos – incluindo brasileiros – mangás, cinema, desenhos animados antigos e recentes, séries de TV. Tudo sobre o entretenimento que hoje é motivo de discussões acaloradas nas redes sociais, nas rodas de conversas... Visando, claramente, o público que ainda não está totalmente inteirado em diversos assuntos da cultura pop, em tempos em que ser tachado de nerd (por gostar de coisas que a maioria das pessoas “normais”, há décadas atrás, tachavam de sub-cultura ou de coisas para criancinha) virou motivo de orgulho. Hoje, não é mais possível ficar alheio ao mundo dos filmes de “não-arte”, das histórias em quadrinhos, das séries de TV e dos videogames, só para citar algumas dessas coisas. Como as pessoas “normais” conseguiam viver sem essas coisas até meados dos anos 1980? Quem tenta escapar da cultura “nerd”, tem de dar uma olhada nesse livro, que vale os R$ 39,90 que custa.
São 24 capítulos – mas alguns podem decepcionar, mesmo sem intenção. Já explico.
Apesar da editora ser a Geek, que tempos atrás reeditou de forma meio tosca alguns livros lançados anteriormente pela editora Discovery Publicações – da qual a Geek é, ou era, um selo fantasia, não tenho certeza se a editora já se descolou da Discovery – o livro não decepciona. Traz praticamente tudo o que você não sabia sobre diversos temas do mundo pop. Algumas coisas o público já sabia em ler publicações da Discovery, da Criativo, da Pixel, da Agir... Neste blog, já trouxe resenhas de várias destas obras. Mas vou dizendo aos poucos por que UNIVERSO NERD – ESSENCIAL HERÓIS não é igual às outras publicações já resenhadas neste humilde e depreciável blog.
Well. Cada um dos 24 capítulos inicia com duas páginas introdutórias em splash page, com fundo preto, títulos em caracteres garrafais, breve parágrafo introdutório, uma caixinha vermelha com informações adicionais, ilustrações... para só depois ir para a matéria, em páginas brancas, cheias de ilustrações corretamente legendadas.
As matérias, seguindo uma ordem aleatória de temas.
No capítulo I, Homem-Aranha – os Segredos de Suas Versões nas Telas, o autor Paulo Lerosi trata de todas as versões do mais popular super-herói da Marvel Comics na televisão e no cinema – sua primeira série de TV, a versão japonesa, as negociações que se estenderam por décadas, entre a Marvel e diversas produtoras, para que saísse o filme live-action, e as cinesséries de Sam Raimi e Marc Webb. Meio que por alto, também trata dos desenhos animados.
O capítulo II, O Quarto Mundo de Kirby, de Wilson Costa, trata essencialmente do período em que o “rei dos comics”, Jack Kirby, que ajudara Stan Lee a co-criar o Universo Marvel, passou a trabalhar para a DC Comics, nos anos 1970, criando conceitos importantes como o dos Novos Deuses, que influenciaram diretamente o universo do Superman e seus parceiros.
O capítulo III já pode ser considerado a “maçã podre” do livro: Oscar – O Primeiro Super-Herói do Mundo, de Carolina Fonseca, é escrito em tom de censura pela ignorância do povo brasileiro, e de nacionalismo exacerbado, daquele que só serve para dar razão aos trolls de internet, para tratar do personagem, criado pelo escritor Gustavo Barroso e publicado na revista O Tico-Tico, em 1906, que vários brasileiros juramentam que seja o primeiro super-herói dos quadrinhos em todo o mundo. Há provas de que a história de Oscar esteve à frente de seu tempo, mas a autora exagerou um pouco – assim como vários autores que escreveram sobre o personagem. Isso apesar de haver provas de que houveram outros personagens, em várias partes do mundo, com características de serem super-heróis. Bem, não vamos ficar de discussão sobre esses temas agora... fica para outra oportunidade. Felizmente, esta matéria não afetou as demais do livro.
O capítulo IV, Paul Dini – O Reinventor do Classismo nos Super-Heróis, de Paulo Augusto, trata de alguns aspectos da carreira do roteirista de séries de TV e de quadrinhos, que reinventou, praticamente, a maneira de pensar os super-heróis da DC Comics entre as décadas de 1990 e 2000 – tanto nas séries animadas do Batman, ao lado do designer Bruce Timm (aquelas onde pela primeira vez apareceu a Arlequina), quanto nas graphic novels que criou ao lado do icônico artista Alex Ross.
No capítulo V, Samurais – Heróis Lendários do Japão, de Suely Paiva, vários aspectos sobre os lendários guerreiros japoneses nos são apresentados: sua história, sua cultura guerreira guiada pelos ensinamentos do bushido, alguns samurais famosos, e, claro, alguns dos mais célebres samurais dos mangás japoneses e dos quadrinhos brasileiros – a autora fala, rapidamente, dos quadrinhos de Júlio Shimamoto e Cláudio Seto, de temática samurai. Sabiam que o Brasil foi o primeiro país a publicar HQs de samurais produzidas por artistas não-japoneses, fora do Japão?
O capítulo VI, Star Wars – Campeã do Cinema, Literatura, Quadrinhos, Brinquedos, etc..., de Magali Jardim, é um resumo detalhado de tudo o que envolve a famosíssima cinessérie espacial. Filmes, do primeiro ao mais recente, séries de TV, algumas obras do “universo expandido”... Quem não conhece Star Wars e seu universo de sabres de luz e explosões de naves cujos sons ecoam no vácuo do espaço, certamente foi, nos últimos tempos, abduzido por alienígenas.
Também de Suely Paiva é o capítulo VII, Super Sentai – A Legião de Combatentes Fantasiados, sobre as famosas séries japonesas de equipes de heróis de roupas coloridas e capacetes estilosos que combatem monstros. O capítulo também traz uma lista de todas as séries de Super Sentai conhecidas, produzidas no Japão – e quais as que chegaram aqui no ocidente como Power Rangers. Quem já ouviu falar, conhece a “falcatrua”: no ocidente, apenas as cenas das lutas entre os heróis, monstros e robôs gigantes são mantidas do original; o restante é substituído por atores ocidentais. Uma estratégia que dá certo desde 1993.
O capítulo VIII, Osamu Tezuka – O Inventor dos Olhos Grandes do Mangá e Anime, de Patrick Medeiros, trata, de forma resumida mas essencial, da vida e da carreira do Deus do Mangá Japonês, o desenhista que definiu todas as características conhecidas dos mangás – o relato inclui ainda sobre a lendária viagem que Tezuka fez ao Brasil em 1984.
Suely Paiva também assina o capítulo seguinte, o IX, O Tico-Tico e os Primeiros Heróis de Papel, um resumo a respeito da icônica revista publicada entre 1905 e 1962. A nossa primeira revista infantil a trazer quadrinhos. Com louváveis objetivos educacionais, personagens de sucesso... Não dá para se falar nos quadrinhos brasileiros sem falar em O Tico-Tico.
Franco de Rosa começa de fato sua parte de colaborações ao livro assinando o capítulo X, Akira – Ação e Violência Made in Japan, sobre a lendária obra de Katsuhiro Otomo, que chamou a atenção do mundo para os desenhos animados e quadrinhos feitos no Japão. Tanto o mangá, como os bastidores do icônico longa-metragem de animação distópico, assim como a carreira de Otomo, e alguns aspectos do funcionamento da indústria japonesa de mangás, são abordados.
Capítulo XI: Bruce Lee – O Eterno deus das Artes Marciais, de Gabriel Pereyra, sobre a vida e a carreira do grande ídolo das artes marciais no cinema. Sua formação como lutador; seus filmes; sua passagem pela televisão (inclusive atuando como o Kato da série Besouro Verde); sua vida pessoal; sua prole – inclusa a trágica morte de seu filho, Brandon, durante as filmagens do filme O Corvo.
No capítulo XII, Calvin e Haroldo – Graça e Fantasia para Pensar na Vida, de Edison Solano, praticamente tudo a respeito da trajetória da icônica tira infantil de Bill Watterson, que jamais foi igualada. A última grande kids strip norte-americana, e o último grande clássico das tiras – um estilo de HQ em franco declínio, frente aos comic books.
O capítulo XIII trata de acontecimentos recentes: A Reinvenção dos Heróis da Hanna-Barbera, de Ivan Gregório e Franco de Rosa, trata do reboot, em curso, que a DC Comics, na forma de gibis, está promovendo com os icônicos personagens do ainda mais icônico estúdio de animação. Yes, folks: Scooby Doo, Corrida Maluca, Os Flintstones, Johnny Quest e várias outras séries clássicas estão sendo reinterpretadas, nos quadrinhos, em aventuras mais maduras e cheias de ação, flertando até com a distopia.
Capítulo XIV: Kick-Ass – Muito Além da Roupa Collant e dos Superpoderes, de Silvano Caprioli. Tratando da série de Mark Millar e John Romita Jr., hoje cult tanto nos quadrinhos quanto no cinema. Hoje em dia é difícil falar em cultura pop sem fazer uma referência que seja a Kick-Ass, ironicamente cheia de referências à cultura pop.
No capítulo XV, Mangá – História, Origens e Significado, de Adriana Fukue, um resumo bem básico e “assim, por cima” do histórico dos quadrinhos japoneses, desde o século XIX até hoje. Não mais que o básico a respeito do estilo de quadrinhos mais subestimado pelos especialistas em quadrinhos ocidentais.
O capítulo XVI, Matrix – Algo Além da Realidade, de Silvana Morgana, traz um resumo básico e completo da mais cerebral franquia de ficção científica do cinema, trazida à luz pelos irmãos Wachowski – hoje, irmãs, visto que ambos mudaram de sexo recentemente. Do início revolucionário, a carreira dos(as) Wachowski passou por altos e baixos, muitos baixos, até que, em tempos recentes, no comando da série Sense8, encontrou, afinal, a redenção junto aos fãs que exigiram muito deles(as).
Suely Paiva volta a seguir no capítulo XVII, Mirza – A Sedutora Vampira dos Quadrinhos, falando tudo a respeito da famosa vampira sensual criada no Brasil, e de seu criador, o ítalo-brasileiro Eugênio Colonnese.
Capítulo XVIII: Superman e a Narrativa dos Super-Heróis, de Luis Augusto Santana, trata da gênese do primeiro super-herói popular do mundo, o modelo para todos os outros superseres, e da carreira dele e de outros heróis nas tiras de jornal (sim, sabiam que Superman, além dos gibis, estrelou tiras diárias e páginas dominicais de jornal? Sabiam ainda que até hoje há quadrinhos do Homem-Aranha saindo nesse formato diário?).
Também é de Franco de Rosa o capítulo XIX, Os Clássicos e Insuperáveis X-Men, praticamente tudo, resumido, sobre os mutantes da Marvel Comics, nos quadrinhos, no cinema... Mas nada, no entanto, que a gente praticamente não saiba...
Capítulo XX: Titãs – Jovens, Justiceiros e Audaciosos, de José Roberto Castro. Tudo sobre a equipe de ex-ajudantes de super-heróis da DC Comics que conseguira mais do que a autonomia no combate ao crime: se tornaram ícones dos quadrinhos nos anos 1980, 1990 e 2000, quando finalmente chegaram à televisão, como desenho animado. Todas as suas formações e algumas de suas mais famosas aventuras.
Mais um capítulo, o XXI, escrito por Suely Paiva a seguir: Memória e Pré-História dos Jogos Eletrônicos, um resumo rápido sobre as eras dos videogames. Porque não dá para dissociar cultura pop de videogames.
Suely Paiva também assina o capítulo seguinte, o XXII, Zumbi – Os Mortos-Vivos Atacam. Praticamente o básico sobre as incursões dos mortos, ambulantes e comedores de cérebros nos quadrinhos (The Walking Dead e Zumbis Marvel, por exemplo) e na televisão (The Walking Dead e IZombie, por exemplo).
De Franco de Rosa é o capítulo XXIII, Guerra Civil – Os Vingadores em um Universo em Expansão. É um pequeno tratado sobre os Vingadores da Marvel Comics, tendo por foco a última incursão cinematográfica do grupo, que replica o famoso conflito dos comics.
E de Suely Paiva é o capítulo XXIV e último, Caverna do Dragão – O Mais Cultuado Desenho Animado do Mundo, tudo sobre a célebre serie de animação fantástica – aquela dos seis jovens que tentam sair de um mundo mágico, sem sucesso. Praticamente tudo, inclusive sobre o lendário último capítulo que nunca foi produzido – o máximo que o público tem ideia sobre como a série realmente termina é uma HQ não oficial, feita por um brasileiro, que adapta o roteiro.
Os fãs de cultura pop não terão do que reclamar, exceto pelos pequenos deslizes na revisão dos textos. Um material de pesquisa excelente, embora meio limitado. Haverá um segundo volume abordando mais assuntos de cultura pop? Porque, convenhamos: o conteúdo do livro englobou, na melhor das hipóteses, só uns 15% da cultura pop em geral. Vocês podem dizer: “ah, mas há tantos livros no mercado com mais temas”... Mas podemos dizer que UNIVERSO NERD – ESSENCIAL HERÓIS é um livro que não pode ser desprezado. Por que deixar de fora da estante? Tudo bem, o preço de R$ 39,90 não é muito convidativo, mas tanta gente é capaz de pagar 50, 60 paus por álbuns de capa dura com importantes arcos de histórias de super-heróis ou da Disney, ou mangás de luxo, sem reclamar...

Para encerrar, resolvi fazer uma ilustração especial, com referências limitadas, do Oscar de Gustavo Barroso, um verdadeiro fantasma dos quadrinhos nacionais – pelo que vi até agora, onde ele aparece, desperta o lado fundamentalista dos fãs de quadrinhos brasileiros, o lado “regime militar” dos pesquisadores amadores e profissionais dos quadrinhos brasileiros, instigando-os a atacar com ferocidade os quadrinhos estrangeiros. O mais triste é que Gustavo Barroso também foi um nacionalista ferrenho, partidário do integralismo. Se não conseguem entender o que estou dizendo, procurem as referências disponíveis a respeito do Oscar na internet, como textos de blogs... E, se possível, alguém, por favor, se disponha a pesquisar, compilar e disponibilizar as aventuras desse destemido cavaleiro andante publicadas nas páginas d’O Tico-Tico, edições de 1906, ou localizem e republiquem o álbum O Anel das Maravilhas, onde essa história foi pela primeira vez compilada...
Já me dei muito mal ao me deparar com referências ao Oscar, e ao parlamentar com alguns de seus “fãs” e defensores – essas discussões tem mais a ver com outros assuntos que com o Oscar. Um dia me disponho a explicar essas coisas que minaram muito de minha fé de outrora nos quadrinhos brasileiros.
Em breve, retornamos com outros assuntos.

Até mais!

2 comentários:

Quiof disse...

Oscar nem ao menos é uma HQ, é um conto ilustrado, é bem raro de se achar, as edições onde ele aparece foram roubadas da BN, por isso não foram escaneadas para a Hemeroteca.

Anônimo disse...

Eu consegui a edição do Príncipe Oscar de 1924 e estou vendo a melhor forma de republicar. É uma HQ sim, os quadros são em sequência de desenhos, ou seja, Quadros Ao Vivo!
http://quadrosaovivo.blogspot.com.br/2016/11/finalmente-consegui-uma-edicao.html

Oscar também estará em breve em exposição permanente no Museu Histórico Nacional que dedicará um espaço para ele.

Quanto ao que falou o autor da matéria é incoerente: o fato de Gustavo Barroso ser Integralista não influencia em nada o fato dele ter criado o primeiro super-herói do mundo, até porque quando criou Oscar, em 1908, ele não era nem mesmo nacionalista ainda era adolescente e anarquista. E de todos os personagens do mundo Oscar é que possuí primeiro mais características do super-herói, existiram outros, até mesmo no Brasil, mas não com tanta riqueza de elementos que fundamentam um autêntico super-herói, termo criado, aliás por Dostoiévski.

A bronca que a autora da matéria do livro dá nos brasileiros é justa, em qualquer outro país do mundo o feito da criação do primeiro super-herói seria exaltado e comemorado, independente do sentimento de nacionalismo ou patriotismo da pessoa ser alto ou baixo, é inerente aos povos celebrarem suas realizações.