domingo, 5 de fevereiro de 2017

A CAUSA SECRETA HQ ou das criaturas capazes de atrocidades...

Olá.
Hoje, já começo a retomar o ritmo normal de postagens no blog, agora que consegui terminar uns trabalhos com os quais estive envolvido. Esse é o problema de fazer várias coisas ao mesmo tempo...
Hoje, volto a falar da série Literatura Brasileira em Quadrinhos, da editora Escala Educacional. Já faz algum tempo – no primeiro trimestre de 2016, para ser mais exato – que fiz uma série de postagens de alguns dos títulos da série de adaptações de clássicos literários brasileiros. Resenhei os títulos que eu tinha em minha estante. Pues, consegui, em viagem que fiz a Porto Alegre no último mês de janeiro, adquirir mais alguns títulos da coleção. E, a partir de hoje, começo a falar desses novos títulos.
Hoje, começarei com a adaptação do conto A CAUSA SECRETA, de Machado de Assis, por Francisco Vilachã.
O ÁLBUM
Vamos relembrar rapidamente: a série Literatura Brasileira em HQ foi uma iniciativa da editora Escala Educacional, braço didático do grupo editorial Escala. A fim de aproveitar a onda gerada pela iniciativa de inclusão de HQs entre os livros infanto-juvenis distribuídos em escolas, promovida pelo Ministério da Educação, a Escala Educacional se juntou à tendência de outras editoras brasileiras e lançou uma série de adaptações de obras da literatura brasileira em HQ.
A editora começou em 2004, com uma série de adaptações de contos de Lima Barreto e Machado de Assis, elaborados por Jô Fevereiro e Francisco Vilachã; depois, passaram para os romances “maiores”, de autores variados. Além de Fevereiro e Vilachã, nomes como Sebastião Seabra, Ronaldo Antonelli, Bira Dantas e Índigo entraram para auxiliar e realizar suas adaptações. De algumas dessas adaptações, já falei aqui no blog.
A CAUSA SECRETA fez parte da primeira leva de álbuns, lançada em 2004, que, inclusive, chegou a ser distribuída em bancas de revistas. Algumas localidades, entretanto, não receberam o quarto pacote, em que A CAUSA SECRETA vinha junto com Miss Edith e Seu Tio, de Lima Barreto por Jô Fevereiro.
Bem. A CAUSA SECRETA foi adaptada para a linguagem gráfica por Francisco Vilachã, responsável pela maior parte dos álbuns da série. Da leva de álbuns de 2004, ele também ficara responsável por Uns Braços e O Enfermeiro de Machado de Assis, e por Um Músico Extraordinário e A Nova Califórnia de Lima Barreto. Posteriormente, também adapta, de Machado de Assis, O Alienista, e, de Lima Barreto, Triste Fim de Policarpo Quaresma.
Vilachã, responsável pelo roteiro e pelos desenhos, na adaptação de A CAUSA SECRETA contou com a assistência de Fernando A. A. Rodrigues, responsável pela colorização.

O CONTO
Bueno. A CAUSA SECRETA foi publicada pela primeira vez em 1885, no periódico Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro; mais tarde, foi compilado, junto com outros contos, na coletânea Várias Histórias, publicada em 1896 – nessa coletânea também foram incluídos Uns Braços, O Enfermeiro e A Cartomante – todos fizeram parte da coleção LBQ.
A CAUSA SECRETA é considerado um dos contos mais sombrios do “Bruxo do Cosme Velho”, uma análise da capacidade do ser humano em ser cruel e sádico – e ainda conseguir esconder essa faceta sob uma fachada respeitável, o que pode assustar as pessoas quando tal segredo vem à tona.
A CAUSA SECRETA tem três personagens principais: Garcia, Fortunato e Maria Luiza.
A história meio que começa com uma cena de silêncio, os três reunidos na sala, sem se falarem. Só depois Machado de Assis começa a narrar a situação desde o início, para ir relatando como se chegou àquela cena.
Começa anos antes, quando Garcia, então um estudante de medicina, cruza com um homem que lhe chama a atenção, na porta da Santa Casa do Rio de Janeiro. Não seria nada demais; só que o tal homem volta a cruzar o caminho de Garcia várias vezes, mas sem um falar com o outro ainda.
Os dois só se falam quando seus caminhos se cruzam de novo, por conta de um incidente: um homem, que mora na mesma pensão em que Garcia vive, é levado par casa, gravemente ferido. Entre as pessoas que o acudiram, estava o homem, que declara se chamar Fortunato Gomes da Silveira, capitalista, morador do bairro de Catumbi. Fortunato, testemunha do que aconteceu, pede ajuda a Garcia para tratar do homem ferido. O rapaz estranha as atitudes de Fortunato, cujo olhar, contemplando o sofrimento do ferido, lhe causa estranheza.
O ferido se recupera, e vai à casa de Fortunato lhe agradecer; porém, é praticamente tratado mal pelo capitalista, e sai cabisbaixo. Por outro lado, Fortunato acaba se tornando íntimo de Garcia. Os dois passam a conviver. Pouco depois, Garcia se forma médico, e Fortunato se casa com Maria Luiza. Nesse ponto, a convivência entre ambos fica mais frequente – Garcia faz visitas frequentes à casa de Fortunato, muito embora as atitudes deste “singular homem” causem estranheza no jovem médico.
Por insistência de Fortunato, Garcia concorda em se tornar seu sócio em um empreendimento: uma casa de saúde em Catumbi. O capitalista é o mais dedicado no empreendimento, se envolvendo, inclusive, no atendimento dos doentes. Quem mais fica contrariada com tudo isso é Maria Luiza, mulher de natureza frágil, que não consegue entender o motivo de tanta dedicação do marido a tratamentos médicos e até experiências com animais. Essa fragilidade reforça a convivência dela com Garcia.
O jovem médico, um dia, acaba descobrindo a “causa secreta” das ações de Fortunato: ele sente prazer em contemplar o sofrimento alheio. Isso fica evidente quando Garcia acaba presenciando Fortunato torturando, esquartejando e cauterizando as partes cortadas de um rato, que teria roído alguns papéis valiosos do capitalista. O olhar de prazer de Fortunato enquanto mata o animalzinho aos poucos não deixa dúvidas da natureza cruel do capitalista, que, no entanto, sabe dissimular. É aí que se chega à cena inicial da história, os três personagens reunidos na sala, sem se falar.
Segue-se, em seguida, uma série de eventos que culminam em desgraça, com o adoecimento e a morte de Maria Luiza e o sofrimento subsequente do jovem Garcia, que Fortunato aprecia.
A CAUSA SECRETA, tal como outros contos curtos de Machado de Assis, também ganhou adaptações para outras mídias. Para cinema foram dois filmes: em 1994, em filme homônimo dirigido por Sérgio Bianchi; e, em 2008, A CAUSA SECRETA, junto com outro conto de Machado de Assis, Um Esqueleto, serve de base para o filme A Erva do Rato, com direção e atuação de Júlio Bressane.

FORTUNA CRÍTICA DA HQ
Bem. Lida no original em texto, a história consegue causar sua dose de arrepios – falo da cena da tortura do rato, que no original é arrepiante, dada a descrição detalhada.
Porém, na versão de Vilachã, a cena não causa arrepios. Aliás, o álbum, como um todo, não foi feito para causar arrepios, embora Vilachã tenha se esforçado em entregar uma adaptação decente. Ele teve algum trabalho para traduzir em imagens a psicologia de cada personagem, que transparece em olhares, expressões faciais e na própria fisionomia dos personagens. E nem sempre é bem sucedido, no uso de seu traço longilíneo, com seus personagens com “cara de cavalo”, e a utilização constante e até claustrofóbica de closes nos rostos dos personagens e em pequenos detalhes da narrativa. São poucos os momentos em que Vilachã faz uso de planos mais abertos.
Como nos álbuns da primeira leva, Vilachã praticamente fez uma adaptação literal, parágrafo por parágrafo, do texto machadiano. Mas fez uso de um ótimo recurso, no início da história: o “avatar” de Machado de Assis, que apresenta a história. Desta vez, o jovem Machado tem a palavra, e dirige-se ao leitor para começar a narrar os acontecimentos – se em Uns Braços ele só aparece em um quadro, como um easter egg, e em O Enfermeiro já é um personagem condutor da narrativa, em A CAUSA SECRETA ele conversa com o leitor.
A colorização de Fernando Rodrigues passa o tom sombrio da história. Ele investe em uma paleta de cores difusa, em personagens monocromáticos (antecipando a atrocidade que acabou ficando a adaptação de O Cortiço de Aluísio de Azevedo, da mesma coleção). Porém, Vilachã e Rodrigues evidentemente tiveram mais tempo para trabalhar na arte do álbum e deixa-la a melhor possível, sem ficar parecendo que o trabalho foi feito às pressas.
A página final da HQ foi outro ponto que deixou a desejar – fica sobrando um quadro, que acaba preenchido com uma repetição de um detalhe qualquer do meio da história.
A CAUSA SECRETA, no fim, não ficou tão boa quanto O Enfermeiro, que considero o melhor trabalho de Vilachã na série LBQ.
O álbum tem 48 páginas (sem contar capa), completo com biografia de Machado de Assis e caderno de atividades para os alunos do Ensino Fundamental. Como boa parte dos álbuns da coleção.
A CAUSA SECRETA, como vários outros álbuns da coleção, pode ser encontrado no site da Escala Educacional (http://www.escalaeducacional.com.br/livrosLiteratJuvenil.asp?secao=colecao&classe=110&colecao=302).
Recentemente, Vilachã lançou um novo álbum, no formato e-book: a adaptação de Figuras de São Petersburgo e outros contos, do russo Maksim Górki. Saibam mais a respeito em http://www.franciscovilacha.com.br/blog/.
No fim, é o que temos para hoje. Nos próximos dias, teremos mais álbuns da Coleção LBQ.

PARA ENCERRAR...
...postagens sobre mídias ligadas aos séculos XIX e XX, neste blog, são as ideais para publicar páginas de minha HQ folhetinesca, O Açougueiro. Estas aqui, então, são as primeiras páginas de 2017, depois de um período de “paralisia”. Até o momento, a história já conta com 110 páginas. Para 2017, certamente que teremos mais, enquanto novos projetos vão sendo tocados. Desculpem se acharem que a qualidade destas páginas diminuiu com relação às de 2016...
Enquanto uns preferem ficar com a crise, outros estão trabalhando para fazer alguma diferença em 2017. Enquanto puder pagar por papel, lápis, canetas, luz elétrica e internet, vou produzindo meu material para publicação no blog.
Em breve, mais coleção LBQ para vocês.

Até mais!

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