Olá.
Por
esses dias, estive resenhando alguns álbuns da coleção Literatura Brasileira em
Quadrinhos, da editora Escala Educacional, versões em HQ de clássicos da
literatura brasileira do século XIX e início do século XX. Recentemente,
adquiri mais três álbuns – com esta resenha, já são treze álbuns da coleção
resenhados; a coleção tem dezenove.
O
álbum de hoje tem mais de uma versão para HQ – uma delas eu já havia lido
anteriormente. Então, tal como fiz com a adaptação de O Alienista, de Machado de Assis, farei uma comparação entre duas
versões disponíveis de TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA, de Lima Barreto. A
versão cuja capa vocês veem abaixo é a de Ronaldo Antonelli (roteiro) e
Francisco Vilachã (desenhos), da Escala Educacional.
Bão.
Embora já tenha falado a respeito de TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA, é bom
falar de novo... Para facilitar a vida de meus 17 leitores, desacostumados aos
clássicos da literatura, decerto. E também atualizo algumas informações.
TRISTE
FIM DE POLICARPO QUARESMA é o romance mais famoso, e lembrado, do carioca Lima
Barreto (1881 – 1922), homem que acompanhou de perto as mudanças trazidas pela
Proclamação da República Brasileira (1889), pela implantação da República Velha
(1889 – 1930), e transcreveu para seus romances e crônicas tudo o que conseguiu
constatar desse tempo de dureza para o povo brasileiro – e ele sempre viveu do
lado que dificilmente se beneficiava da política e da economia daquele tempo
contraditório.
POLICARPO
QUARESMA começou sendo publicado entre agosto e outubro de 1911, na forma de
folhetim, pelo Jornal do Commercio do
Rio de Janeiro. Em 1915, o romance ganhou o formato livro, às custas do próprio
autor. Cujo reconhecimento como um dos grandes nomes da fase Pré-Modernista da
Literatura Brasileira foi tardio.
O
Pré-Modernismo, para quem fugiu das aulas de literatura na escola, foi a fase
literária que antecedeu a Geração Modernista de 1922. Os autores daquele tempo,
quase todos se expressando através da prosa (a exceção foi Augusto dos Anjos e
sua poesia), em sua obras, ainda tinham um pé na estética realista-naturalista,
mas já antecipavam estéticas e temáticas que seriam muito cultivadas pelos
modernistas da primeira geração, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade,
Graça Aranha e Antônio de Alcântara Machado; e tinham por principal preocupação
o retrato da sociedade brasileira de seu tempo, incluso a preocupação com os
menos favorecidos de seu tempo, como o homem do campo e os moradores dos
subúrbios das grandes cidades, afastando-se das classes médias e das elites
econômicas e culturais, que eram as preferenciais dos escritores
realistas-naturalistas. Além de Lima Barreto, cuja obra expressava o carinho
que ele tinha para com os moradores dos bairros pobres do Rio de Janeiro – já
que ele próprio sempre foi um – outros grandes expoentes do Pré-Modernismo
foram Monteiro Lobato (antes de consagrar-se com o Sítio do Pica-pau Amarelo) e Euclides da Cunha.
Como
um todo, a obra de Lima Barreto é marcada pelo pessimismo e pelo inconformismo
da sociedade de seu tempo, onde imperavam as intrigas políticas; o domínio das
elites, inclusive dos grandes plantadores de café; a ínfima participação
política do povo (naquela época, apenas 2% da população da época estava apta a
votar e ser votada; os que fossem analfabetos, militares, menores de 21 anos,
mulheres e religiosos ficavam de fora, e, ainda por cima, os eleitores podiam
ser manipulados pelas elites para votar em candidatos de seu interesse, o
chamado “voto de cabresto”); a submissão da mulher ao papel de mãe e esposa,
única e simplesmente; a burocracia estatal que não facilitava a vida de quase
ninguém; e a pouca vontade dos dirigentes políticos no desenvolvimento do país,
por isso, o povo dificilmente tinha suas reivindicações atendidas. As tragédias
pessoais de Lima Barreto, que incluem perdas familiares e internações em
manicômios, acabaram deixando uma marca em seus textos.
POLICARPO
QUARESMA é seu romance mais lido e comentado, mas suas adaptações para outras
mídias foram tímidas.
Uma
única adaptação para o cinema, realizada em 1998, Policarpo Quaresma – Herói do Brasil, com direção de Paulo Thiago.
Não muito fiel ao romance, e ainda por cima acusado de deturpá-lo, mas que
mantém, em princípio, o mesmo tom de ironia fina.
Para
quadrinhos, são conhecidas quatro adaptações, todas realizadas no século XXI.
Aproveitando a onda de adaptações literárias para HQ, visando os programas de
Bibliotecas Escolares que passaram a incluir HQs entre os livros distribuídos,
apareceram: entre 2007 e 2008, a adaptação de Laílson de Holanda Cavalcanti,
pela Companhia Editora Nacional / IBEP, e, em 2008, a de Ronaldo Antonelli e
Francisco Vilachã pela Escala Educacional. E, em 2010, mais duas: a de Flávio
Braga e Edgar Vasques, pela coleção Grandes Clássicos em Graphic Novel, da
editora Desiderata (que assumiu a coleção que antes saía pela editora Agir); e
a de Flávio Aguiar e César Lobo, pela coleção Clássicos Brasileiros em HQ, da
editora Ática.
Esta
postagem toma por base as adaptações de 2008. Já havia resenhado a versão de
Laílson, agora a comparo com a de Antonelli e Vilachã.
Segundo
a crítica, a melhor versão é a de Braga e Vasques. A de Laílson é das que estão
“na média”, mas, consideravelmente, melhor que a adaptação de Antonelli e
Vilachã, que foi muito criticada, e com razão. Já volto a essa parte.
O BRASIL PELO QUAL UM HOMEM LUTOU E
PERDEU
TRISTE
FIM DE POLICARPO QUARESMA justifica o título: trata da história de um homem que
tinha uma ideia de Brasil, mas que não se encaixava com o que as pessoas de sua
convivência pensavam; ao tentar fazer valer sua ideia de Brasil, Policarpo
Quaresma só se deu mal. Por isso, a história é triste e de humor um tanto
comedido.
Bem.
O personagem principal, Policarpo Quaresma, era um major do Exército
Brasileiro, da época do governo do presidente Floriano Peixoto (1891 – 1894), o
Marechal de Ferro. O Major Quaresma, no início da história trabalhando como
escriturário do Exército, e profundo estudioso da situação nacional, é tomado
por um ardente sentimento patriótico. Quer fazer de tudo para que seu país se
torne grande, e nada fique a dever às outras potências de seu tempo.
O
problema é que, no meio em que vivia, imperava a burocracia estatal, o
comodismo e o autointeresse por parte das elites e das autoridades; as pessoas
a seu redor só pensavam em cargos públicos, nenhum ideal consciente de
desenvolvimento do país, nada em favor do povo, nem mesmo interesse sincero na
promoção da cultura nacional. Tudo isso, retratado com fina ironia e senso de
análise por Lima Barreto, acabava se chocando com os ideais de pátria do Major.
Ao
longo do livro, dividido em três partes, o leitor fica a par das tentativas de
Policarpo Quaresma para enaltecer as virtudes do Brasil.
Na
primeira parte, suas tentativas se concentram na área de cultura. Convencido
que o gênero musical da modinha era a mais legítima expressão musical
brasileira da época, Policarpo, que faz questão de só “consumir” o que é
nacional e repudiar o que considera estrangeiro, toma aulas de violão com
Ricardo Coração dos Outros, um violeiro boêmio e que tenta se consagrar com
suas modinhas – numa época em que os gêneros musicais aceitáveis pela sociedade
eram os europeus, de bailes, e pessoas que tocavam violão eram malvistas, sendo
consideradas vagabundas. Por isso, muito gente, incluindo a irmã do Major,
Adelaide, não vê com bons olhos o fato de o Major tomar aulas de violão com um
boêmio – mas, ao longo do livro, Ricardo consegue funções de músico em festas
de gente importante.
Aliás,
como um todo, o Major Quaresma é criticado e ridicularizado por causa de seus
estudos de cultura brasileira – acham até que, por não possuir diploma
universitário, ele não deveria nem ter livros em casa. Mas parte da culpa
também é do próprio Quaresma, cujas ideias de promoção da “autêntica cultura
nacional” beiram ao absurdo: por exemplo, em vez de cumprimentar os parentes e
amigos com apertos de mão, ele chora, porque “assim faziam os índios
Tupinambás”. Ele também se escandaliza quando, ao fazer uma pesquisa sobre
saberes populares brasileiros, estes estavam sendo esquecidos, e sua
perpetuação desestimulada. Ao tentar demonstrar, em uma festa, um folguedo
infantil brasileiro, o “tangolomango”, uma espécie de pega-pega, tudo o que
consegue é desmaiar de exaustão por causa da pesada indumentária que a
brincadeira exigia. Mas sua maior “loucura” foi propor, na Câmara dos
Deputados, a substituição da língua portuguesa pelo tupi-guarani, por entender
que o português fora “emprestado”, e o tupi-guarani era a legítima língua
brasileira – tudo o que consegue é ser alvo de risadas e de sátiras nos jornais.
Ele até chega a redigir um texto em tupi para testar seus conhecimentos, que
acaba enviando, por engano, no lugar de um despacho para seu superior – e tudo
o que consegue é ser suspenso do cargo, e mandado para um hospício.
Enquanto
isso, é frequente a presença de diversos personagens secundários. Dentre os
mais importantes, além de Ricardo Coração dos outros e de Adelaide, estão o
Major Albernaz, compadre de Quaresma, e sua filha Ismênia; e Olga, afilhada do
Major.
Essas
duas personagens femininas são importantes. Ismênia, prometida em casamento a
um moço que está se formando em medicina, é o retrato do drama das mulheres de
sua época, cuja educação era voltada apenas ao casamento. Ao constatar que o
casamento com o futuro médico nunca vai se realizar, e ouvindo suas amigas e
conhecidas falar sempre em casamento, sob todas as circunstâncias possíveis,
positivas e negativas, Ismênia vai enlouquecendo progressivamente, sem poder
nem expressar seus sentimentos às pessoas próximas, até acabar morrendo,
deprimida – e sepultada vestida de noiva.
Olga,
contraponto completo à Ismênia, por sua vez, tem ideais feministas conscientes,
é também preocupada com a situação nacional, e é muito ligada ao padrinho – seu
pai, o descendente de italianos Vicente Coleoni, tem uma dívida moral com o
Major, pois este emprestara-lhe dinheiro em um momento difícil. No entanto,
Olga acaba se casando com Armando Borges, um homem conformista, cujo ideal está
voltado apenas à busca por um excelente cargo público, o que a angustia. Aliás,
Olga acaba assistindo, à distância, às desgraças que recaem sobre o padrinho.
Saindo
do hospício, melancólico pelo que presenciou lá dentro, e a conselho de Olga,
Policarpo resolve mudar seus métodos: resolve comprar um sítio na vila de
Curuzu, no interior, e, se mudando para a zona rural, resolve trabalhar a terra
e promover a agricultura nacional, crente de que o solo brasileiro é o mais
fértil do mundo – assim começa a segunda parte do romance. As coisas, no
entanto, não saem do jeito que o Major imaginou. Ele até contrata empregados
para ajudar na fazenda, mas insiste em trabalhar ele mesmo na terra, fazendo
uso até mesmo de métodos científicos, mesmo sem muito jeito; até consegue fazer
vingar diversos tipos de plantação e uma razoável criação de animais, porém as
plantações não rendem muito, porque o sítio e os depósitos acabam atacados por
formigas; os animais acabam contraindo pestes, e parte da criação acaba se
perdendo; e, o que é pior, ele constata que há muito pouco estímulo para a
agricultura nacional por parte do governo, mais interessado na monocultura –
principalmente do café. O homem do campo é abandonado à própria sorte. Mesmo os
grandes fazendeiros da região se interessam mais pela política do que pelo
campo (Quaresma se recusa, inclusive, a tomar partido em disputas políticas
locais). No final, a experiência agropecuária redunda em fracasso.
As
coisas acabam tomando outro rumo quando explode a Revolta da Armada no Rio de
Janeiro, um movimento de setores do exército que procuravam derrubar o governo
de Floriano Peixoto. Assim começa a terceira parte do livro: Policarpo Quaresma
resolve tomar parte do movimento, do lado do presidente. Mas só encontra
decepções.
No
início, ele resolve levar um documento, com um projeto para o desenvolvimento
nacional, para o Presidente ler, porém, o presidente Floriano, retratado como um
homem “fraco de alma”, mais interessado em bajulações e em derrubar oposições
do que em governar o país em favor do povo, em princípio ignora o documento, e
chega até a rasgar a página do frontispício para escrever uma nota a um de seus
assessores, e bem na frente do Major. Mais tarde, em conversa particular com
Policarpo, o Major não apenas expressa sua desaprovação com o pretensioso
projeto de Policarpo, como ainda o chama de visionário. Isso decepciona
Quaresma profundamente.
Tomando
parte de um regimento, o Major acaba presenciando toda a intransigência
presente no Exército. Ricardo Coração dos Outros chega a integrar, como
convocado, o regimento de Quaresma. Os superiores chegam a implicar com
Quaresma apenas por este ter permitido que Ricardo tocasse violão nas horas
vagas. Policarpo chega a tomar parte nos combates e a matar gente, e expressa
esse horror em carta à irmã. No final, as tropas de Floriano vencem o conflito.
Mas a gota d’água é quando Policarpo resolve reclamar, junto ao presidente, do
tratamento dispensado aos prisioneiros – além de sofrerem maus-tratos, acabam
impedidos até de mandarem cartas às mães. Porém, o Major acaba preso, como
traidor, e condenado a ser fuzilado. Daí, na prisão, Policarpo acaba
concluindo: seu ideal de Brasil não passa de ilusão. Sua luta fora inútil;
ninguém estava interessado nos rumos do país, como ele esteve.
A
pedido de Ricardo, Olga tenta intervir pessoalmente para salvar o padrinho, já
que seu marido nem interessado no assunto estava; mas nem falar com o
presidente consegue – entre outras coisas, por ela mesma ser uma mulher. No
final, só resta a Olga se conformar em deixar o Major morrer heroicamente.
Como
visto, Barreto faz todo tipo de crítica possível em POLICARPO QUARESMA: ao
ufanismo (sentimento de amor à pátria), que praticamente de pouco serve para o
que o Brasil realmente necessita; à burocracia estatal e ao seu consequente
comodismo; ao poder constituído que pouco ou nada se interessa pela promoção
dos interesses do povo; ao desestímulo à cultura e à agricultura nacionais, em
nome do interesse de alguns; ao preconceito contra tudo que diz respeito ao
povo, incluindo a cultura popular, bem como ao próprio povo (incluindo até as
manifestações indígenas), visto que a época era marcada pelas teorias raciais
que praticamente rebaixavam negros, índios e mestiços a posições inferiores na
sociedade; ao machismo, à falta de participação feminina nos rumos da
sociedade, e à educação que só preparava as mulheres para o casamento. O livro,
no fim, como é dito, é triste, de humor comedido, pessimista e até mesmo cruel.
De
certo modo, o que mudou, da época do livro para cá, não foi muito. Apesar das
conquistas sociais, ainda permanece o predomínio do autointeresse sobre o
sentimento patriótico. Os brasileiros continuam pensando mais em si mesmos do
que no país como um todo, e no Brasil como um mero pedaço de chão dentro do
planeta Terra – porque o ufanismo e o patriotismo, hoje, são entendidos como
sentimentos inúteis (afinal, de que adianta amar e defender o Brasil se esse
mesmo Brasil retribui esse amor à terra com tão pouco ou quase nada?), visto
que foram associados aos governos ditatoriais, como os de Getúlio Vargas
(período 1930 – 1945) e o Regime Militar (1964 – 1985); nesses dois casos, o
sentimento de engrandecimento do Brasil atendia mais a interesses particulares,
por parte desses governos, do que a sentimentos de união em defesa legítima e
descompromissada do Brasil. Vocês estão entendendo?
Não
é razão para sermos duros com o Brasil, ou com os que atualmente estão
decidindo seus rumos. O problema é que é difícil aceitar a ideia de um país tão
grande em território e em riquezas ser ainda tão injusto e desigual. Por isso o
ufanismo à moda Policarpo Quaresma é entendido como besteira.
Um
sentimento que, infelizmente, se estende aos quadrinhos brasileiros – ainda
somos marcados pela ideia de que, em matéria de narrativas gráficas, ainda não
somos capazes de fazer algo que preste, e que não fique a dever às produções
dos Estados Unidos, Europa e Japão. Embora, nos últimos tempos, tal sentimento
esteja mudando gradativamente, o brasileiro ainda não desenvolveu, como um
todo, uma cultura de valorização do artista nacional. Artistas temos, e fazendo
boas obras; o que faltam são leitores sem preconceitos.
POR QUE NÃO ME UFANO DESSES
QUADRINHOS...
Bão.
Agora, façamos a comparação entre as adaptações de POLICARPO QUARESMA.
De
um lado, a adaptação de Antonelli e Vilachã, pela Escala Educacional: são 64
páginas sem contar capa, com cores de Fernando A. A. Rodrigues.
De
outro, a adaptação de Laílson Cavalcanti, pela Companhia Editora Nacional; 72
páginas. Capa acima.
Comecemos
analisando o álbum de Antonelli e Vilachã. O que se pode dizer a respeito do
roteirista é que o já falecido Antonelli deve ter aprendido muito com POLICARPO
QUARESMA; digo, sobre o modo correto de se fazer uma adaptação, porque ele
evitou, nos álbuns seguintes da coleção LBQ, cometer os mesmos erros cometidos
em POLICARPO QUARESMA. Antonelli se saiu melhor ao adaptar O Ateneu de Raul Pompeia, sob os desenhos de Bira Dantas, bem como
outras obras para a mesma coleção.
Explico:
em POLICARPO QUARESMA, Antonelli optou por uma adaptação semiliteral ao texto
de Barreto, só cortando alguns trechos. Por isso, o álbum acabou ficando
excessivamente verborrágico; o que mais se vê é personagens conversando, espremidos
pelo excesso de texto nos balões e caixas de texto do narrador, e pouca ação,
tornando a experiência de leitura enfadonha. Antonelli bem que poderia ter enxugado
um pouco o texto – mas, quando tentou, aplicou o princípio errado. A maior
parte do álbum é fiel ao romance, mas houve um atrapalho na primeira parte;
Antonelli lima e passa por alto os trechos em que Policarpo faz pesquisas sobre
as manifestações culturais brasileiras, incluindo a entrevista com uma velha
negra que só consegue lembrar de uma música de ninar antiga – essa parte foi
limada. Antonelli passa por alto o trecho do “tangolomango”. Pior: ele nem se
preocupou em mexer na linguagem do livro original. Por isso, haverá
dificuldades em se compreender alguns trechos. O roteirista se preocupou, tão
somente, em ressaltar as críticas sociais que Barreto promoveu no romance,
incluso a agonia de Ismênia – o que, por si, já é uma virtude.
Para
piorar, há o desenho de Vilachã, que evidentemente não estava em um bom momento
quando trabalhou nessa adaptação, insistindo em seus personagens com poucas
variações de aparência externa, como nos álbuns anteriores. Mas, ao menos,
Vilachã se preocupou em variar os planos, com mais sequências panorâmicas, para
ressaltar os cenários, e menos closes em rostos ou pequenos detalhes. Mas nem
mesmo Fernando Rodrigues, o colorista, estava nos seus melhores dias,
insistindo em fazer personagens monocromáticos, só com variações a cada quadro
– personagens totalmente pintados de rosa, verde, marrom-claro... Com tudo
isso, o POLICARPO QUARESMA de Antonelli e Vilachã mereceu as críticas negativas
recebidas à época de seu lançamento. E só de lembrar que a dupla fizera um
estrago semelhante em O Cortiço de
Aluísio Azevedo... E só de lembrar que, nos anos 1980, a dupla editava a
excelente revista Inter Quadrinhos...
Laílson,
por sua vez, se saiu melhor. Seu trabalho de adaptação não é tão virtuoso, mas
ao menos foi melhor que o de Antonelli e Vilachã. O roteiro da adaptação segue
com fidelidade o livro, sem esquecer trechos importantes, e evitando excessos
textuais e verborragia; o pernambucano se deteve mais no essencial, se dando ao
luxo até de colocar no papel sequências sem palavras. Só a quadrinização,
limitada a até oito quadros por página, com breves variações, com sequências de
um único plano, diálogos que se estendem por mais de uma página, balonamento
que acaba dando um tom artificial à história, cenários que praticamente
eclipsam os personagens, pouco movimento (eliminando até os símbolos cinéticos,
que poderiam dar mais movimento, dando aos desenhos um efeito de congelamento)
e momentos de monotonia, deixa um pouco a desejar.
Outra
virtude da adaptação de Laílson foi a caracterização dos personagens de acordo
com suas personalidades, em um traço caricato. Por exemplo, Policarpo Quaresma
tem eliminados os olhos por trás de seus oclinhos, expressando assim seu
alheamento em relação à realidade nacional; Ricardo Coração dos Outros ganha
olheiras, para ressaltar seu caráter boêmio; Ismênia possui um rosto magro e olhos
grandes e tristes, a fim de expressar sua melancolia; Olga possui fisionomia
simpática, se aproximando, fisicamente, das mulheres do cartunista Miguel Paiva,
criador da Radical Chic; os militares
que aparecem na trama tem expressão dura e de poucos amigos; e Floriano Peixoto
ganha um ar avoado e arrogante. Isso, e mais as cores vivas, quase chapadas,
garantem mais vida à adaptação de Laílson. Não por acaso, POLICARPO QUARESMA de
Laílson ganhou uma indicação ao prêmio HQ Mix de 2009. E, lembremos: o
pernambucano, para a mesma coleção da Companhia Editora Nacional, fez
adaptações para O Alienista, de
Machado de Assis, e Memórias de um
Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida.
Conclusão:
vitória, parcial, de Laílson de Holanda Cavalcanti. Ao menos, até termos acesso
às outras adaptações de POLICARPO QUARESMA.
Porém,
o POLICARPO QUARESMA de Antonelli e Vilachã não é de todo desprezível. Ele pode
ser encontrado em bibliotecas, ou no site da editora Escala Educacional.
Talvez
esteja explicado porque o Brasil não se ufana de seus quadrinhos: temos bons
desenhistas, mas ainda temos fama de não termos bons roteiristas – só bons
desenhos, todo mundo sabe, não sustentam uma HQ. Ainda precisamos aprender
muito para chegarmos a ser uma potência mundial em quadrinhos. Ainda precisamos
aprender a ter fé em nós mesmos. Ainda precisamos de educação.
E
agora só falta que, por causa deste texto, os radicais defensores ufanistas dos
quadrinhos brasileiros que circulam pela internet me ataquem e me acusem de estar atacando uma
HQ brasileira, por ser brasileira, sem entenderem que o que fiz aqui foi
crítica construtiva. Sou obrigado a falar somente bem das HQ brasileiras, só porque são brasileiras?
PARA ENCERRAR...
...coloco,
para os meus 17 leitores, mais algumas páginas de minha HQ folhetinesca, O Açougueiro, que, admito, não é
quadrinho para se ufanar do Brasil – não tem nem um bom desenho, nem um roteiro
que possibilite sua competitividade no mercado. Tenho minhas dúvidas se o
feedback positivo que recebo a respeito desta história publicada em capítulos é
mesmo sincero... mas sigo fazendo, esperando chegar a um final.
Bônus:
esta pequena HQ saiu na postagem original sobre o POLICARPO QUARESMA de
Laílson. Vejam como meu traço e minhas ideias mudaram de 2010 para cá... No que eu estava realmente pensando? Por que me passou pela cabeça que esta tirinha seria uma boa homenagem ao personagem de Lima Barreto?!
Assim
que for possível, sairão mais álbuns da série Literatura Brasileira em Quadrinhos
neste espaço de internet. Aguardem novidades.
Até
mais!
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