quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA HQ ou: por que não me ufano das HQ de meu país

Olá.
Por esses dias, estive resenhando alguns álbuns da coleção Literatura Brasileira em Quadrinhos, da editora Escala Educacional, versões em HQ de clássicos da literatura brasileira do século XIX e início do século XX. Recentemente, adquiri mais três álbuns – com esta resenha, já são treze álbuns da coleção resenhados; a coleção tem dezenove.
O álbum de hoje tem mais de uma versão para HQ – uma delas eu já havia lido anteriormente. Então, tal como fiz com a adaptação de O Alienista, de Machado de Assis, farei uma comparação entre duas versões disponíveis de TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA, de Lima Barreto. A versão cuja capa vocês veem abaixo é a de Ronaldo Antonelli (roteiro) e Francisco Vilachã (desenhos), da Escala Educacional.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS...
Bão. Embora já tenha falado a respeito de TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA, é bom falar de novo... Para facilitar a vida de meus 17 leitores, desacostumados aos clássicos da literatura, decerto. E também atualizo algumas informações.
TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA é o romance mais famoso, e lembrado, do carioca Lima Barreto (1881 – 1922), homem que acompanhou de perto as mudanças trazidas pela Proclamação da República Brasileira (1889), pela implantação da República Velha (1889 – 1930), e transcreveu para seus romances e crônicas tudo o que conseguiu constatar desse tempo de dureza para o povo brasileiro – e ele sempre viveu do lado que dificilmente se beneficiava da política e da economia daquele tempo contraditório.
POLICARPO QUARESMA começou sendo publicado entre agosto e outubro de 1911, na forma de folhetim, pelo Jornal do Commercio do Rio de Janeiro. Em 1915, o romance ganhou o formato livro, às custas do próprio autor. Cujo reconhecimento como um dos grandes nomes da fase Pré-Modernista da Literatura Brasileira foi tardio.
O Pré-Modernismo, para quem fugiu das aulas de literatura na escola, foi a fase literária que antecedeu a Geração Modernista de 1922. Os autores daquele tempo, quase todos se expressando através da prosa (a exceção foi Augusto dos Anjos e sua poesia), em sua obras, ainda tinham um pé na estética realista-naturalista, mas já antecipavam estéticas e temáticas que seriam muito cultivadas pelos modernistas da primeira geração, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Graça Aranha e Antônio de Alcântara Machado; e tinham por principal preocupação o retrato da sociedade brasileira de seu tempo, incluso a preocupação com os menos favorecidos de seu tempo, como o homem do campo e os moradores dos subúrbios das grandes cidades, afastando-se das classes médias e das elites econômicas e culturais, que eram as preferenciais dos escritores realistas-naturalistas. Além de Lima Barreto, cuja obra expressava o carinho que ele tinha para com os moradores dos bairros pobres do Rio de Janeiro – já que ele próprio sempre foi um – outros grandes expoentes do Pré-Modernismo foram Monteiro Lobato (antes de consagrar-se com o Sítio do Pica-pau Amarelo) e Euclides da Cunha.
Como um todo, a obra de Lima Barreto é marcada pelo pessimismo e pelo inconformismo da sociedade de seu tempo, onde imperavam as intrigas políticas; o domínio das elites, inclusive dos grandes plantadores de café; a ínfima participação política do povo (naquela época, apenas 2% da população da época estava apta a votar e ser votada; os que fossem analfabetos, militares, menores de 21 anos, mulheres e religiosos ficavam de fora, e, ainda por cima, os eleitores podiam ser manipulados pelas elites para votar em candidatos de seu interesse, o chamado “voto de cabresto”); a submissão da mulher ao papel de mãe e esposa, única e simplesmente; a burocracia estatal que não facilitava a vida de quase ninguém; e a pouca vontade dos dirigentes políticos no desenvolvimento do país, por isso, o povo dificilmente tinha suas reivindicações atendidas. As tragédias pessoais de Lima Barreto, que incluem perdas familiares e internações em manicômios, acabaram deixando uma marca em seus textos.
POLICARPO QUARESMA é seu romance mais lido e comentado, mas suas adaptações para outras mídias foram tímidas.
Uma única adaptação para o cinema, realizada em 1998, Policarpo Quaresma – Herói do Brasil, com direção de Paulo Thiago. Não muito fiel ao romance, e ainda por cima acusado de deturpá-lo, mas que mantém, em princípio, o mesmo tom de ironia fina.
Para quadrinhos, são conhecidas quatro adaptações, todas realizadas no século XXI. Aproveitando a onda de adaptações literárias para HQ, visando os programas de Bibliotecas Escolares que passaram a incluir HQs entre os livros distribuídos, apareceram: entre 2007 e 2008, a adaptação de Laílson de Holanda Cavalcanti, pela Companhia Editora Nacional / IBEP, e, em 2008, a de Ronaldo Antonelli e Francisco Vilachã pela Escala Educacional. E, em 2010, mais duas: a de Flávio Braga e Edgar Vasques, pela coleção Grandes Clássicos em Graphic Novel, da editora Desiderata (que assumiu a coleção que antes saía pela editora Agir); e a de Flávio Aguiar e César Lobo, pela coleção Clássicos Brasileiros em HQ, da editora Ática.
Esta postagem toma por base as adaptações de 2008. Já havia resenhado a versão de Laílson, agora a comparo com a de Antonelli e Vilachã.
Segundo a crítica, a melhor versão é a de Braga e Vasques. A de Laílson é das que estão “na média”, mas, consideravelmente, melhor que a adaptação de Antonelli e Vilachã, que foi muito criticada, e com razão. Já volto a essa parte.

O BRASIL PELO QUAL UM HOMEM LUTOU E PERDEU
TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA justifica o título: trata da história de um homem que tinha uma ideia de Brasil, mas que não se encaixava com o que as pessoas de sua convivência pensavam; ao tentar fazer valer sua ideia de Brasil, Policarpo Quaresma só se deu mal. Por isso, a história é triste e de humor um tanto comedido.
Bem. O personagem principal, Policarpo Quaresma, era um major do Exército Brasileiro, da época do governo do presidente Floriano Peixoto (1891 – 1894), o Marechal de Ferro. O Major Quaresma, no início da história trabalhando como escriturário do Exército, e profundo estudioso da situação nacional, é tomado por um ardente sentimento patriótico. Quer fazer de tudo para que seu país se torne grande, e nada fique a dever às outras potências de seu tempo.
O problema é que, no meio em que vivia, imperava a burocracia estatal, o comodismo e o autointeresse por parte das elites e das autoridades; as pessoas a seu redor só pensavam em cargos públicos, nenhum ideal consciente de desenvolvimento do país, nada em favor do povo, nem mesmo interesse sincero na promoção da cultura nacional. Tudo isso, retratado com fina ironia e senso de análise por Lima Barreto, acabava se chocando com os ideais de pátria do Major.
Ao longo do livro, dividido em três partes, o leitor fica a par das tentativas de Policarpo Quaresma para enaltecer as virtudes do Brasil.
Na primeira parte, suas tentativas se concentram na área de cultura. Convencido que o gênero musical da modinha era a mais legítima expressão musical brasileira da época, Policarpo, que faz questão de só “consumir” o que é nacional e repudiar o que considera estrangeiro, toma aulas de violão com Ricardo Coração dos Outros, um violeiro boêmio e que tenta se consagrar com suas modinhas – numa época em que os gêneros musicais aceitáveis pela sociedade eram os europeus, de bailes, e pessoas que tocavam violão eram malvistas, sendo consideradas vagabundas. Por isso, muito gente, incluindo a irmã do Major, Adelaide, não vê com bons olhos o fato de o Major tomar aulas de violão com um boêmio – mas, ao longo do livro, Ricardo consegue funções de músico em festas de gente importante.
Aliás, como um todo, o Major Quaresma é criticado e ridicularizado por causa de seus estudos de cultura brasileira – acham até que, por não possuir diploma universitário, ele não deveria nem ter livros em casa. Mas parte da culpa também é do próprio Quaresma, cujas ideias de promoção da “autêntica cultura nacional” beiram ao absurdo: por exemplo, em vez de cumprimentar os parentes e amigos com apertos de mão, ele chora, porque “assim faziam os índios Tupinambás”. Ele também se escandaliza quando, ao fazer uma pesquisa sobre saberes populares brasileiros, estes estavam sendo esquecidos, e sua perpetuação desestimulada. Ao tentar demonstrar, em uma festa, um folguedo infantil brasileiro, o “tangolomango”, uma espécie de pega-pega, tudo o que consegue é desmaiar de exaustão por causa da pesada indumentária que a brincadeira exigia. Mas sua maior “loucura” foi propor, na Câmara dos Deputados, a substituição da língua portuguesa pelo tupi-guarani, por entender que o português fora “emprestado”, e o tupi-guarani era a legítima língua brasileira – tudo o que consegue é ser alvo de risadas e de sátiras nos jornais. Ele até chega a redigir um texto em tupi para testar seus conhecimentos, que acaba enviando, por engano, no lugar de um despacho para seu superior – e tudo o que consegue é ser suspenso do cargo, e mandado para um hospício.
Enquanto isso, é frequente a presença de diversos personagens secundários. Dentre os mais importantes, além de Ricardo Coração dos outros e de Adelaide, estão o Major Albernaz, compadre de Quaresma, e sua filha Ismênia; e Olga, afilhada do Major.
Essas duas personagens femininas são importantes. Ismênia, prometida em casamento a um moço que está se formando em medicina, é o retrato do drama das mulheres de sua época, cuja educação era voltada apenas ao casamento. Ao constatar que o casamento com o futuro médico nunca vai se realizar, e ouvindo suas amigas e conhecidas falar sempre em casamento, sob todas as circunstâncias possíveis, positivas e negativas, Ismênia vai enlouquecendo progressivamente, sem poder nem expressar seus sentimentos às pessoas próximas, até acabar morrendo, deprimida – e sepultada vestida de noiva.
Olga, contraponto completo à Ismênia, por sua vez, tem ideais feministas conscientes, é também preocupada com a situação nacional, e é muito ligada ao padrinho – seu pai, o descendente de italianos Vicente Coleoni, tem uma dívida moral com o Major, pois este emprestara-lhe dinheiro em um momento difícil. No entanto, Olga acaba se casando com Armando Borges, um homem conformista, cujo ideal está voltado apenas à busca por um excelente cargo público, o que a angustia. Aliás, Olga acaba assistindo, à distância, às desgraças que recaem sobre o padrinho.
Saindo do hospício, melancólico pelo que presenciou lá dentro, e a conselho de Olga, Policarpo resolve mudar seus métodos: resolve comprar um sítio na vila de Curuzu, no interior, e, se mudando para a zona rural, resolve trabalhar a terra e promover a agricultura nacional, crente de que o solo brasileiro é o mais fértil do mundo – assim começa a segunda parte do romance. As coisas, no entanto, não saem do jeito que o Major imaginou. Ele até contrata empregados para ajudar na fazenda, mas insiste em trabalhar ele mesmo na terra, fazendo uso até mesmo de métodos científicos, mesmo sem muito jeito; até consegue fazer vingar diversos tipos de plantação e uma razoável criação de animais, porém as plantações não rendem muito, porque o sítio e os depósitos acabam atacados por formigas; os animais acabam contraindo pestes, e parte da criação acaba se perdendo; e, o que é pior, ele constata que há muito pouco estímulo para a agricultura nacional por parte do governo, mais interessado na monocultura – principalmente do café. O homem do campo é abandonado à própria sorte. Mesmo os grandes fazendeiros da região se interessam mais pela política do que pelo campo (Quaresma se recusa, inclusive, a tomar partido em disputas políticas locais). No final, a experiência agropecuária redunda em fracasso.
As coisas acabam tomando outro rumo quando explode a Revolta da Armada no Rio de Janeiro, um movimento de setores do exército que procuravam derrubar o governo de Floriano Peixoto. Assim começa a terceira parte do livro: Policarpo Quaresma resolve tomar parte do movimento, do lado do presidente. Mas só encontra decepções.
No início, ele resolve levar um documento, com um projeto para o desenvolvimento nacional, para o Presidente ler, porém, o presidente Floriano, retratado como um homem “fraco de alma”, mais interessado em bajulações e em derrubar oposições do que em governar o país em favor do povo, em princípio ignora o documento, e chega até a rasgar a página do frontispício para escrever uma nota a um de seus assessores, e bem na frente do Major. Mais tarde, em conversa particular com Policarpo, o Major não apenas expressa sua desaprovação com o pretensioso projeto de Policarpo, como ainda o chama de visionário. Isso decepciona Quaresma profundamente.
Tomando parte de um regimento, o Major acaba presenciando toda a intransigência presente no Exército. Ricardo Coração dos Outros chega a integrar, como convocado, o regimento de Quaresma. Os superiores chegam a implicar com Quaresma apenas por este ter permitido que Ricardo tocasse violão nas horas vagas. Policarpo chega a tomar parte nos combates e a matar gente, e expressa esse horror em carta à irmã. No final, as tropas de Floriano vencem o conflito. Mas a gota d’água é quando Policarpo resolve reclamar, junto ao presidente, do tratamento dispensado aos prisioneiros – além de sofrerem maus-tratos, acabam impedidos até de mandarem cartas às mães. Porém, o Major acaba preso, como traidor, e condenado a ser fuzilado. Daí, na prisão, Policarpo acaba concluindo: seu ideal de Brasil não passa de ilusão. Sua luta fora inútil; ninguém estava interessado nos rumos do país, como ele esteve.
A pedido de Ricardo, Olga tenta intervir pessoalmente para salvar o padrinho, já que seu marido nem interessado no assunto estava; mas nem falar com o presidente consegue – entre outras coisas, por ela mesma ser uma mulher. No final, só resta a Olga se conformar em deixar o Major morrer heroicamente.
Como visto, Barreto faz todo tipo de crítica possível em POLICARPO QUARESMA: ao ufanismo (sentimento de amor à pátria), que praticamente de pouco serve para o que o Brasil realmente necessita; à burocracia estatal e ao seu consequente comodismo; ao poder constituído que pouco ou nada se interessa pela promoção dos interesses do povo; ao desestímulo à cultura e à agricultura nacionais, em nome do interesse de alguns; ao preconceito contra tudo que diz respeito ao povo, incluindo a cultura popular, bem como ao próprio povo (incluindo até as manifestações indígenas), visto que a época era marcada pelas teorias raciais que praticamente rebaixavam negros, índios e mestiços a posições inferiores na sociedade; ao machismo, à falta de participação feminina nos rumos da sociedade, e à educação que só preparava as mulheres para o casamento. O livro, no fim, como é dito, é triste, de humor comedido, pessimista e até mesmo cruel.
De certo modo, o que mudou, da época do livro para cá, não foi muito. Apesar das conquistas sociais, ainda permanece o predomínio do autointeresse sobre o sentimento patriótico. Os brasileiros continuam pensando mais em si mesmos do que no país como um todo, e no Brasil como um mero pedaço de chão dentro do planeta Terra – porque o ufanismo e o patriotismo, hoje, são entendidos como sentimentos inúteis (afinal, de que adianta amar e defender o Brasil se esse mesmo Brasil retribui esse amor à terra com tão pouco ou quase nada?), visto que foram associados aos governos ditatoriais, como os de Getúlio Vargas (período 1930 – 1945) e o Regime Militar (1964 – 1985); nesses dois casos, o sentimento de engrandecimento do Brasil atendia mais a interesses particulares, por parte desses governos, do que a sentimentos de união em defesa legítima e descompromissada do Brasil. Vocês estão entendendo?
Não é razão para sermos duros com o Brasil, ou com os que atualmente estão decidindo seus rumos. O problema é que é difícil aceitar a ideia de um país tão grande em território e em riquezas ser ainda tão injusto e desigual. Por isso o ufanismo à moda Policarpo Quaresma é entendido como besteira.
Um sentimento que, infelizmente, se estende aos quadrinhos brasileiros – ainda somos marcados pela ideia de que, em matéria de narrativas gráficas, ainda não somos capazes de fazer algo que preste, e que não fique a dever às produções dos Estados Unidos, Europa e Japão. Embora, nos últimos tempos, tal sentimento esteja mudando gradativamente, o brasileiro ainda não desenvolveu, como um todo, uma cultura de valorização do artista nacional. Artistas temos, e fazendo boas obras; o que faltam são leitores sem preconceitos.

POR QUE NÃO ME UFANO DESSES QUADRINHOS...
Bão. Agora, façamos a comparação entre as adaptações de POLICARPO QUARESMA.
De um lado, a adaptação de Antonelli e Vilachã, pela Escala Educacional: são 64 páginas sem contar capa, com cores de Fernando A. A. Rodrigues.
De outro, a adaptação de Laílson Cavalcanti, pela Companhia Editora Nacional; 72 páginas. Capa acima.
Comecemos analisando o álbum de Antonelli e Vilachã. O que se pode dizer a respeito do roteirista é que o já falecido Antonelli deve ter aprendido muito com POLICARPO QUARESMA; digo, sobre o modo correto de se fazer uma adaptação, porque ele evitou, nos álbuns seguintes da coleção LBQ, cometer os mesmos erros cometidos em POLICARPO QUARESMA. Antonelli se saiu melhor ao adaptar O Ateneu de Raul Pompeia, sob os desenhos de Bira Dantas, bem como outras obras para a mesma coleção.
Explico: em POLICARPO QUARESMA, Antonelli optou por uma adaptação semiliteral ao texto de Barreto, só cortando alguns trechos. Por isso, o álbum acabou ficando excessivamente verborrágico; o que mais se vê é personagens conversando, espremidos pelo excesso de texto nos balões e caixas de texto do narrador, e pouca ação, tornando a experiência de leitura enfadonha. Antonelli bem que poderia ter enxugado um pouco o texto – mas, quando tentou, aplicou o princípio errado. A maior parte do álbum é fiel ao romance, mas houve um atrapalho na primeira parte; Antonelli lima e passa por alto os trechos em que Policarpo faz pesquisas sobre as manifestações culturais brasileiras, incluindo a entrevista com uma velha negra que só consegue lembrar de uma música de ninar antiga – essa parte foi limada. Antonelli passa por alto o trecho do “tangolomango”. Pior: ele nem se preocupou em mexer na linguagem do livro original. Por isso, haverá dificuldades em se compreender alguns trechos. O roteirista se preocupou, tão somente, em ressaltar as críticas sociais que Barreto promoveu no romance, incluso a agonia de Ismênia – o que, por si, já é uma virtude.
Para piorar, há o desenho de Vilachã, que evidentemente não estava em um bom momento quando trabalhou nessa adaptação, insistindo em seus personagens com poucas variações de aparência externa, como nos álbuns anteriores. Mas, ao menos, Vilachã se preocupou em variar os planos, com mais sequências panorâmicas, para ressaltar os cenários, e menos closes em rostos ou pequenos detalhes. Mas nem mesmo Fernando Rodrigues, o colorista, estava nos seus melhores dias, insistindo em fazer personagens monocromáticos, só com variações a cada quadro – personagens totalmente pintados de rosa, verde, marrom-claro... Com tudo isso, o POLICARPO QUARESMA de Antonelli e Vilachã mereceu as críticas negativas recebidas à época de seu lançamento. E só de lembrar que a dupla fizera um estrago semelhante em O Cortiço de Aluísio Azevedo... E só de lembrar que, nos anos 1980, a dupla editava a excelente revista Inter Quadrinhos...
Laílson, por sua vez, se saiu melhor. Seu trabalho de adaptação não é tão virtuoso, mas ao menos foi melhor que o de Antonelli e Vilachã. O roteiro da adaptação segue com fidelidade o livro, sem esquecer trechos importantes, e evitando excessos textuais e verborragia; o pernambucano se deteve mais no essencial, se dando ao luxo até de colocar no papel sequências sem palavras. Só a quadrinização, limitada a até oito quadros por página, com breves variações, com sequências de um único plano, diálogos que se estendem por mais de uma página, balonamento que acaba dando um tom artificial à história, cenários que praticamente eclipsam os personagens, pouco movimento (eliminando até os símbolos cinéticos, que poderiam dar mais movimento, dando aos desenhos um efeito de congelamento) e momentos de monotonia, deixa um pouco a desejar.
Outra virtude da adaptação de Laílson foi a caracterização dos personagens de acordo com suas personalidades, em um traço caricato. Por exemplo, Policarpo Quaresma tem eliminados os olhos por trás de seus oclinhos, expressando assim seu alheamento em relação à realidade nacional; Ricardo Coração dos Outros ganha olheiras, para ressaltar seu caráter boêmio; Ismênia possui um rosto magro e olhos grandes e tristes, a fim de expressar sua melancolia; Olga possui fisionomia simpática, se aproximando, fisicamente, das mulheres do cartunista Miguel Paiva, criador da Radical Chic; os militares que aparecem na trama tem expressão dura e de poucos amigos; e Floriano Peixoto ganha um ar avoado e arrogante. Isso, e mais as cores vivas, quase chapadas, garantem mais vida à adaptação de Laílson. Não por acaso, POLICARPO QUARESMA de Laílson ganhou uma indicação ao prêmio HQ Mix de 2009. E, lembremos: o pernambucano, para a mesma coleção da Companhia Editora Nacional, fez adaptações para O Alienista, de Machado de Assis, e Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida.
Conclusão: vitória, parcial, de Laílson de Holanda Cavalcanti. Ao menos, até termos acesso às outras adaptações de POLICARPO QUARESMA.
Porém, o POLICARPO QUARESMA de Antonelli e Vilachã não é de todo desprezível. Ele pode ser encontrado em bibliotecas, ou no site da editora Escala Educacional.
Talvez esteja explicado porque o Brasil não se ufana de seus quadrinhos: temos bons desenhistas, mas ainda temos fama de não termos bons roteiristas – só bons desenhos, todo mundo sabe, não sustentam uma HQ. Ainda precisamos aprender muito para chegarmos a ser uma potência mundial em quadrinhos. Ainda precisamos aprender a ter fé em nós mesmos. Ainda precisamos de educação.
E agora só falta que, por causa deste texto, os radicais defensores ufanistas dos quadrinhos brasileiros que circulam pela internet me ataquem e me acusem de estar atacando uma HQ brasileira, por ser brasileira, sem entenderem que o que fiz aqui foi crítica construtiva. Sou obrigado a falar somente bem das HQ brasileiras, só porque são brasileiras?

PARA ENCERRAR...
...coloco, para os meus 17 leitores, mais algumas páginas de minha HQ folhetinesca, O Açougueiro, que, admito, não é quadrinho para se ufanar do Brasil – não tem nem um bom desenho, nem um roteiro que possibilite sua competitividade no mercado. Tenho minhas dúvidas se o feedback positivo que recebo a respeito desta história publicada em capítulos é mesmo sincero... mas sigo fazendo, esperando chegar a um final.
Bônus: esta pequena HQ saiu na postagem original sobre o POLICARPO QUARESMA de Laílson. Vejam como meu traço e minhas ideias mudaram de 2010 para cá... No que eu estava realmente pensando? Por que me passou pela cabeça que esta tirinha seria uma boa homenagem ao personagem de Lima Barreto?!
Assim que for possível, sairão mais álbuns da série Literatura Brasileira em Quadrinhos neste espaço de internet. Aguardem novidades.

Até mais!

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