Da minha última viagem a Santa Maria, trouxe um pacote de novidades em termos de livros e quadrinhos, que eu vou resenhando aos poucos aqui. E, hoje, vou trazer a vocês quadrinhos, é claro.
Já faz algum tempo que este livro foi lançado, mas só agora consegui adquiri-lo. Estou falando do XIRÚ LAUTÉRIO E OS DINOSSAUROS.
Quem conhece o autor deste trabalho, o santa-mariense Jorge Ubiratã da Silva Lopes, o Byrata, conhece o Xirú Lautério, seu principal personagem, que, mais que um simples gauchão bagual e encrenqueiro, é a síntese do homem campeiro, xucro, gaúcho à moda da Revolução Farroupilha.
Bão. Até agora, Xirú Lautério já tem cinco publicações com histórias suas: a primeira saiu em 1978, um gibi com aventuras mais antigas e desenho mais elaborado (até há pouco, o Henrique Madeira, do blog do Cruzaltino, publicou scans das páginas desse gibi no referido site); anos depois, após algumas histórias e tiras avulsas publicadas em revistas, Byrata começou, em 2003, a publicar, nas páginas da revista Quadrante X, do Núcleo de Quadrinhistas de Santa Maria – Quadrinhos S. A. (a partir do número 1), a série Xirú Lautério e os Dinossauros, que se estendeu até o número 8; os oito capítulos foram, posteriormente, reunidos em um álbum, lançado em 2007, e apregoado como o primeiro de dois; enquanto o segundo álbum da série não saía, nesse meio-tempo, Byrata lançou, em 2009, a terceira publicação com o personagem, Xirú Lautério e os Centauros, em comemoração ao 30º aniversário do Esquadrão Aéreo 3º/10º GAV, ou Esquadrão Centauro de Santa Maria (já resenhado aqui), e que lhes valeu uma indicação ao Prêmio Ângelo Agostini no ano seguinte; os que esperavam a continuação de Xirú Lautério e os Dinossauros teve de esperar até 2011, quando finalmente foi lançado o segundo álbum, e com ampla divulgação da imprensa (o quadrinhista paulista Bira Dantas chegou a colocar o Xirú dentro das tiras de sua série Tatu-Man, junto com outros personagens dos quadrinhos gaúchos – entre eles, o Cruzaltino); e agora, em maio de 2012, no evento Santa Maria Cheia de Graça, Byrata lançou a quinta publicação com o personagem, Xirú Lautério contra a Morte.
Mas hoje falarei dos dois álbuns da série Xirú Lautério e os Dinossauros.
Bom, como eu disse, o primeiro foi lançado em 2007, reunindo os dois primeiros episódios publicados na revista Quadrante X; e o segundo só seria lançado em 2011. A série, inicialmente, pelo seu caráter de folhetim, não foi produzida de uma só vez – Byrata ia produzindo os episódios, em formato de tiras horizontais (visando a possível publicação em jornal), conforme iam sendo produzidas as revistas; porém, com a interrupção abrupta da série na Quadrante X, a segunda parte foi produzida, depois de um hiato de trabalho por parte do autor, quase que “de uma só vez”. Ao menos, a realidade dos quadrinhos brasileiros não prejudicou o projeto: até recentemente, muitas séries de gibis brasileiros, muitas vezes, ficavam incompletas por causa da realidade do mercado – muita gente que acompanhava séries de gibis ficava sem ler a continuação de algumas séries, e sem saber o fim da história.
Bom. Os dois álbuns foram lançados de forma independente. O primeiro hoje está esgotado, enquanto que o segundo ainda está disponível até o momento em que escrevo.
Xirú Lautério e os Dinossauros junta três grandes preocupações do autor: a necessidade de discutir os efeitos da degradação da natureza (através de um retrato da arenização, fenômeno que está transformando as terras do oeste do RS, mais precisamente a região de Alegrete, em deserto de areia, agravado pela erosão e pelo manejo inadequado do solo); o retrato da vida campeira e das tradições do estado do Rio Grande do Sul; e trazer informações sobre os dinossauros e animais pré-históricos que viviam na região de Santa Maria (a cidade integra a Paleorrota, o grupo de cidades do RS onde se encontraram restos de animais pré-históricos e que, por isso, atraem turistas). Byrata coordenou, até por volta de 2006 (se não me engano) o Espaço Dinotchê, em Santa Maria, um museu informativo sobre o passado pré-histórico no RS, assim, ele entende bem do assunto. Sem falar que foi aqui no Estado do RS que se encontrou um fóssil do mais antigo dinossauro do mundo, o Staurikosaurus Pricei. O próprio Byrata já chegou, inclusive, a criar um personagem inspirado nesse réptil, o Dinotchê.
Bão. As aventuras do Xirú Lautério envolvem, nessa série, viagens no tempo, arenização, dinossauros e os costumes campeiros, tudo na melhor tradição dos quadrinhos gauchescos, com muita ação e humor.
A história começa quando o herói, vindo da cidade de Tupanciretã em direção ao Alegrete, está cruzando os desertos desta região em seu cavalo, meio sem entender nada sobre o porquê de haver areia em seu caminho. De repente, um bando de estranhos animais cruza na sua frente. Mesmo sem saber que bicho é aquele – que lembrava um boi – o Xiru laceia, captura, carneia e churrasqueia um dos bichos. Em seguida, o Xiru continua cruzando o deserto, levando um pouco da carne do bicho no lombo do cavalo,e chega a um oásis, uma porção de mato e um arroio no meio daquele deserto – e de onde sai uma estranha antena. Naquele lugar, enquanto procura pasto e água para o cavalo, o Xirú é atacado por outros animais esquisitos, desta vez com aparência de lagartos. Depois de escapar desses bichos, ele vê que eles desaparecem misteriosamente na sua frente.
A chave para o Xirú – e o leitor – entender o que está acontecendo aparece de repente: um cientista alemão chamado Ausküstein, que está acampado no oásis e fazendo pesquisas naquela região. No primeiro contato entre o Xirú e o cientista, o gauchão estranha tanto a linguagem técnica – falada em um português cheio de sotaque anglo-saxão – empregada pelo alemão, que se choca com o linguajar bagual do Xirú, quanto o fato de ele estar se alimentando de comida de astronauta – alimentos desidratados e convertidos em pílulas. Até aqui, tanto a cabeça do Xirú quanto a do leitor está meio embaralhada com o que está havendo. Na segunda conversa entre o Xirú e Ausküstein, o alemão acaba experimentando a cachaça que o Xirú trazia consigo – a “água que o passarinho não bebe” ou, segundo o cientista, a “água de passarinha” – e passa a agir de modo estranho. Primeiro, empurra o Xirú para uma volta em um um aeroplano motorizado, com o qual os dois sobrevoam o deserto; em seguida, chegando ao local onde o Xirú deixou os restos do animal que abatera, recolhe os ossos encarniçados e transporta a ossada no avião. Entretanto, por causa dos corvos atraídos pelo cheiro da carniça (e um deles pegou na hélice), o avião acaba caindo, felizmente sem vítimas. O Xirú, quase enlouquecido, chega a se desentender com o alemão, mas por pouco tempo.
Só depois que Ausküstein monta a ossada do bicho é que ele começa a esclarecer os mistérios do lugar: o bicho que o Xirú carneara era um dicinodonte, uma criatura pré-histórica vinda do período triássico. Os lagartos que atacaram o Xirú no Oásis eram os tais Staurikosaurus; e esses animais foram trazidos por Ausküstein através de uma aparelhagem inventada por ele, que permite trazer criaturas do passado para o presente. Uma máquina do tempo, em suma.
É nesse ponto que entra o terceiro personagem principal da aventura, o estancieiro João Pedro Almeida, proprietário do local onde o Alemão está acampado. Ao tomar conhecimento das experiências de Ausküstein, ele imediatamente tem uma idéia: trazer mais daqueles animais para o presente, abatê-los e comercializá-los. Por aí, já percebemos que João é um personagem movido pelo interesse econômico, apesar de ser muito bem-humorado e gostar do papo do Xirú, e que não vai medir esforços para alcançar os lucros desse plano. É claro que Ausküstein não concorda com isso, afinal, vai contra sua própria ética. Mas é obrigado por João a colaborar com o plano. Igual sorte tem o Xirú, obrigado a colaborar com João por conta da desigualdade numérica entre ele e seus homens.
A partir daí, a narrativa da série passa a se centrar nos planos de João para tocar o negócio inédito, e também na vida campeira – afinal, o tal plano de camperear dicinodontes nada mais é que uma lida campeira comum, algo que os gaúchos do campo, sempre pilchados de bota e bombacha, entendem muito bem. Com direito a mateada ao pé do fogo de chão, churrasqueada e sesta. Tem até visita à um bolicho (bar local) e duelo de armas de fogo, elemento muito comum nas aventuras do Xirú e seu inseparável chimitão (revólver marca Smith & Wesson) - um companheiro tão fiel quanto o seu tordilho (cavalo) reclamão.
O projeto continua: João manda construir uma enorme mangueira (cercado) de madeira resistente e, em volta, manda instalar as antenas captoras com as quais os animais do passado são atraídos ao presente. O projeto é bem-sucedido, apesar de o aparelho de transferência emitir um clarão poderoso.
Bem, é até aqui que vai os capítulos publicados na Quadrante X e o primeiro volume – com 44 páginas sem contar capa, capa colorida em cuchê e miolo P&B, tamanho 20,5 x 27. É no segundo volume (104 páginas, sem contar capa, capa colorida cartonada, tamanho 30 x 21, miolo P&B), que ganhou uma projeção nacional de grandes proporções, que as coisas começam realmente a acontecer, com os desdobramentos do projeto.
O segundo volume ainda se concentra bastante no retrato da vida campeira do Rio Grande do Sul. Já perde um pouco o foco na conscientização ecológica e um pouco menos no conteúdo informativo sobre os dinossauros. Mas o desfecho conveniente para a saga está a caminho.
No início do segundo volume, entram em cena novos personagens, a começar pelo trio formado pelo velho Manduca, o esquentado Jerônimo e o tranqüilo Juca, vindos da cidade de Júlio de Castilhos, e os três também vieram atravessando o deserto. Logo no início, Jerônimo, enlouquecido devido ao forte calor, tenta armar confusão com o pessoal da estância, e se dá mal: na briga, leva um soco do capataz da estância e fica com o olho roxo. Mas os três, pouco depois, são contratados por João. A princípio, Jerônimo parece o mais irritado, não apenas pela humilhação sofrida na chegada, mas também pelo fato de que, para o trabalho, precisa adquirir óculos escuros. Só no final é que é revelado o segredo obscuro que cerca o velho Manduca e seus companheiros.
Outro personagem que entra é Tonico, o filho de João, um garoto muito esperto, espevitado e que partilha com o pai o senso mercantilista.
Enquanto isso, o projeto de João prossegue. Inicialmente, o estancieiro está contente por conta do sucesso e do volume dos negócios; mas, pouco depois, o projeto passa por alguns percalços. Primeiro, quando o aparelho, acidentalmente, acaba trazendo uma família de dicinodontes com seu filhote, que eles insistem em proteger; Ausküstein visa contrariar João e decide levar o filhote de volta para o passado (e, para dar mais segurança ao plano, ele monta um poderoso aparelho de choque para tanger os animais), mas uma falha na programação faz o bando todo retornar, o que deixa João indignado. Segundo percalço: o aparelho traz animais diferentes – rincossauros, conterrâneos dos dicinodontes. E, pouco depois, o terceiro percalço: em vez de dicinodontes, o aparelho atrai um gigantesco tecodonte, um dinossauro similar ao estauricossauro, que destrói a mangueira e faz um grande estrago até ser contido.
Quem se dá melhor no episódio do tecodonte é o Xirú, que aproveitou o couro do dicinodonte para fazer um laço, que se mostra extremamente resistente.
É claro que Ausküstein é o que se mostra o mais indignado com toda essa história. Não apenas porque sua pesquisa está sendo usada em prol de interesses econômicos, mas também por se sentir prisioneiro naquele lugar. Está, no seu sotaque, de "saca cheia". Apesar de tudo, ele ainda tem tempo para organizar uma exposição com as ossadas dos animais. E se viciar em “água de passarinha”.
O ponto alto do volume é um show – literalmente: após uma conversa com Manduca e seus parceiros, Xirú concebe uma idéia para ajudar na fuga de Ausküstein do local: usar a aparelhagem de transferência para trazer para o presente artistas gaúchos já falecidos e promover um show. A princípio, João, a quem a idéia é dirigida, acha uma loucura e se nega a levá-la adiante; entretanto, após uma batida policial na estância, que examinam inclusive a aparelhagem, João decide encampar a idéia – visando, naturalmente, os lucros.
E o show é promovido, mas para não despertar suspeitas, é apregoado que os artistas apresentados são côveres – imitadores de artistas – quando na verdade são artistas verdadeiros trazidos do passado para o futuro. E, desse modo, Byrata traz para nós, em seu traço, retratos de alguns artistas celebres da música gaúcha: Jayme Caetano Braun, Cenair Maicá, Noel Guarany, José Mendes, Ivory Gomes de Melo, o Cerejinha, Teixeirinha, Gildo de Freitas e Pedro Raymundo (este último é catarinense, mas fez carreira no RS). A distração provocada pela apresentação é aproveitada pelo Xirú e por Ausküstein para "deitar o cabelo" (fugir) da estância... Não sem luta antes!
E, desse modo, transcorre a aventura, não só do Xirú Lautério, mas do próprio Byrata. Consta, inclusive, que a última tira desenhada (em 13 de setembro de 2011) foi comemorada com churrasco. Mas o trabalho está aí. Byrata continua seguindo em frente. É um dos maiores luminares do quadrinho gaúcho. E ele não dá sinais de que vai parar. O novo álbum do Xirú Lautério está aí. E o segundo álbum de Xirú Lautério e os Dinossauros teve exemplares exportados até para o exterior!!! Sem falar que este álbum é cheio de anúncios dos colaboradores do projeto, tiras extras de amigos cartunistas do cartunista e textos introdutórios dos conterrâneos Elias Ramires Monteiro – cartunista – e Humberto Gabbi Zanatta – escritor.
Ainda é possível adquirir seu exemplar do volume 2 da coleção – o número 1 já está esgotado. Não seria mau uma reimpressão do volume 1, até para quem não a leu antes.
Mas, de todo modo, saibam como adquirir o seu exemplar escrevendo pro homem: byrata@hotmail.com. Acessem também o blog dele (http://byrata.blogspot.com/) e conheçam seus futuros projetos.
É isso aí. Viva o quadrinho nacional!
Para encerrar, um desenho bem simplório: a exemplo do que fiz na postagem sobre Xirú Lautério e os Centauros, retratei um encontro entre o meu personagem, Teixeirão, e um peão (que pode ser o próprio Lautério) montado em um dinossauro. Não tenho muita habilidade para desenhar dinossauros em detalhes, e pra dizer a verdade não gostei muito do resultado da pintura a lápis, ainda mais com o marrom em cima do verde. E vocês, gostaram? Buá!
Em tempo: agora, eu sou o novo redator do blog do Quadrinhos S. A.! Esporadicamente, estarei colocando no blog da entidade desenhos e matérias. Só para avisar: a minha série de postagens sobre as edições da Quadrante X vai ser republicada no blog do Quadrinhos S. A.. Confiram em http://quadrinhossa.blogspot.com/. Porém, desta vez, para aliviar um pouco a carga de serviço, vai ser uma edição por vez que estarei postando, sempre a cada vez que estiver postando em meus blogs, o Estúdio Rafelipe, o blog dos Bitifrendis e o Blog da Letícia. Ah: e, vez por outra, também no blog Educar é Viver.
É isso aí.
Até mais!
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