Olá.
Hoje,
vou falar de filme. E hoje vou, para espairecer desta realidade tão absurda
quanto a ficção, vou recomendar a vocês uma divertida comédia.
Antes,
vou apresentar a vocês o diretor, um cara pouco lembrado nos dias de hoje, mas
que se tornou uma grande influência das comédias...
MEL
BROOKS
Sim.
Mel Brooks, ator, diretor, roteirista, comediante e uma das maiores referências
do gênero sátira – seus filmes mais conhecidos fazem sátira a muitos filmes e
gêneros cinematográficos “sérios”, na tradição das sátiras do grupo inglês
Monty Phyton.
Hoje,
o gênero sátira parece estar vivendo uma fase histérica, principalmente depois
da cinessérie Todo Mundo em Pânico –
a sátira a grandes sucessos do cinema contemporâneo, na recriação das cenas
mais famosas de um jeito cômico, tem recorrido a piadas mais grosseiras e de
fundo sexual. Bem diferente das sátiras feitas por Mel Brooks – ao menos, do
filme do qual vou falar hoje.
Nascido
Melvin Kaminsky, em 1926, o cineasta estadunidense ainda está na ativa. Seus
filmes mais conhecidos, todos do gênero sátira, dependem do gênero satirizado:
tem faroeste (Banzé no Oeste, 1974),
filmes mudos (Silent Movie – A Última
Loucura de Mel Brooks, 1976), histórias bíblicas (History of the World – Part 1, 1981), ficção científica (Spaceballs – S.O.S. Tem um Louco Solto no
Espaço, 1987), épicos (A louca
História de Robin Hood, 1993) e terror (O
Jovem Frankenstein, 1974, e Drácula –
Morto, mas Feliz, 1995). Sem contar também as participações especiais que
ele fez em filmes, como Muppets, o Filme
(1979) e Os Batutinhas (1994), além
de ter emprestado a voz para personagens dos filmes de animação O Príncipe do Egito e Robôs. Pelo seu trabalho, Brooks também
foi bastante premiado – ele recebeu o Oscar de Melhor Roteiro Original por um
de seus primeiros filmes, The Producers
(Primavera para Hitler), de 1968. Esse filme ganhou um remake em 2005.
Brooks foi um dos poucos artistas a ter conseguido receber, em toda a sua
carreira, os prêmios Oscar, Grammy (de música), Emmy (de televisão) e Tony (de
teatro). Ele também é lembrado como o co-criador da série Get Smart (Agente 86), exibida entre 1965 e 1970.
Mel
Brooks também é pai do escritor Max Brooks (nascido Maximilian Brooks em 1972),
conhecido como grande especialista em zumbis, autor dos livros O Manual de Sobrevivência Zumbi e Guerra Mundial Z, recentemente adaptado
para o cinema (isso interessou vocês agora, né, safados?).
O
FILME ESCOLHIDO...
Pois,
para falar de Mel Brooks, o filme escolhido acabou sendo SPACEBALLS – S.O.S. TEM
UM LOUCO SOLTO NO ESPAÇO, que podemos considerar a sátira definitiva das
ficções científicas espaciais, ou space operas. A matéria-prima do filme,
evidente que foi o grande sucesso das décadas de 70 e 80, a cinessérie Star Wars – Guerra nas Estrelas, de George
Lucas.
SPACEBALLS
foi produzido em 1987, pelo estúdio MGM, com Mel Brooks no triplo papel de
produtor, diretor e ator (mas não principal). O roteiro foi escrito por Brooks,
Thomas Meehan e Ronny Graham. A trilha sonora é de John Morris.
O
filme se sobressai bastante pela sátira, pelos efeitos especiais convincentes,
apesar de o filme ter um orçamento mais modesto que Star Wars e pelo roteiro cheio de piadas, metalinguagem e críticas
subliminares ao excessivo merchandising de Star
Wars ou de qualquer outro blockbuster. Além de Star Wars, o filme contém cenas que satirizam outros sucessos das
space operas, como Jornada nas Estrelas,
Alien e Planeta dos Macacos. E,
antes da existência da cinessérie de Michael Bay (embora as HQ e desenhos
animados já existissem na época), a Transformers!
A
trama de Brooks, apesar de apoiada em Star
Wars, desenvolve um roteiro próprio, que parece mais uma fábula infantil
espacial que um roteiro de intrigas intergalácticas complexas.
Bem,
para entender SPACEBALLS, imaginemos o seguinte: um Star Wars diferente, com personagens e motivações bem diferentes do
que o público viu. Sem Luke Skywalker, sem Obi-Wan Kenobi e sem o robozinho
R2-D2. Assim: imaginemos que o vilão Darth Vader seja baixinho e que, debaixo
da máscara, esconde um cara de óculos e com mais jeito de nerd atrapalhado que
de vilão; que o imperador Palpatine seja um engravatado com jeito de burocrata
incompetente, e que os uniformes dos stromtroopers sejam mais simples, com
capacetes redondos; que a princesa Leia, ao invés de uma guerreira exilada e
determinada, seja uma princesa mimada e arrogante; que o robô C3PO seja
transformado em “mulher”; que o mercenário Han Solo seja um caubói espacial
desleixado, que seu parceiro Chewbacca seja um atrapalhado meio-homem,
meio-cachorro, e que a nave Millenium Falcon seja um ônibus-trailer com asas;
que o nojento Jabba the Hutt seja ainda mais nojento, só que todo feito de
pizza; que o sábio Yoda tivesse objetivos muito diferentes que a manutenção da
paz da galáxia; e, finalmente, que o Império Galático tivesse um objetivo bem
mais ridículo e algo prosaico que a conquista da galáxia. Deu pra imaginar?
Então, vamos prosseguir.
A
sátira já começa na introdução, copiando o famoso letreiro com o texto inicial
explicativo inclinado que “some” no espaço. E, a seguir, com um longo
plano-sequência de uma enorme nave espacial avançando pelo espaço – a nave dos
vilões do filme.
Antes
de prosseguirmos: a realidade de SPACEBALLS combina o futurismo de Star Wars
com características do bom e velho modo de vida americano, sem preocupação
constante em “modernizar” cenários como um gabinete de um presidente ou um
restaurante de beira de estrada localizado em uma plataforma espacial. Nada de
figurinos futuristas e chocantes: os heróis usam roupas muito mais próximas da
que nós, terráqueos comuns, usamos.
O
vilão principal do filme é o desengonçado Dark Helmet (Rick Moranis, o eterno
cientista Wayne Szalinski de Querida,
Encolhi as Crianças, Querida, Estiquei o Bebê e Querida, Encolhi a Gente, e que também interpretou o Barney Rubble
na primeira adaptação cinematográfica de Os
Flintstones), baixinho, nervoso e com uma armadura de segunda mão, com o
capacete bem maior que a própria cabeça. Ele responde pelo planeta Spaceballs, um
império de homenzinhos cruéis e bastante estúpidos. Para compensar o
desperdício da atmosfera de seu próprio planeta, os spaceballs, governados pelo
trapalhão e pouco competente Presidente Skroob (Mel Brooks), planejam roubar a
atmosfera do pacífico planeta Druidia, que vive um meio-termo entre a Idade
Média e a Era Espacial. Dark Helmet é assessorado, na nave Spaceball-1, pelo
histriônico Coronel Sandurz (George Wyner). Sandurz, assim como os outros
integrantes da nave, fazem Dark Helmet parecer o mais inteligente de todos os
spaceballs – e, quem passar o líder para trás, corre o risco de levar uma
rajada de energia nas partes baixas.
Ocorre
que a atmosfera de Druidia está protegida por um escudo protetor que os
spaceballs não podem quebrar – para entrar e sair do planeta, há uma porta na
estratosfera, acessível por código. Para forçar o rei do planeta, o simpático
Rei Roland (Dick Van Patten), uma espécie de Luís XIV espacial, a fornecer o
código para abrir a porta, os spaceballs planejam raptar a filha do rei, a bela
princesa Vespa (Daphne Zuniga).
Vespa,
naquele momento, está para se casar com o sonolento príncipe Valium (Jim J.
Bullock). Mas, no momento em que ia subir ao altar, Vespa simplesmente pega sua
criada, a impertinente e reluzente robô-mulher dourada Dot Matrix (Lorene
Yarnell, com voz de Joan Rivers), passa pelo altar, pega a nave espacial e sai
do planeta, disposta a ser livre e se livrar desse casamento arranjado. Mas, no
momento seguinte, a nave da princesa é pega pelo raio trator da Spaceball-1.
Enquanto
isso, as ações de Dark Helmet são observadas, no planeta Spaceball, pelo
Presidente Skroob e pela sua assessora direta, a Comandante Zircon (Leslie
Bews). Numa das cenas, Skroob vai até a sala do controle usando teletransporte
– e, devido a um erro de programação, a cabeça do presidente acaba virada para
trás!
O
rei Roland, então, decide pedir ajuda ao herói de aluguel Lone Starr (Bill
Pullman). O desleixado herói espacial, que dirige a nave Winnebago – o tal
ônibus-trailer com asas, que ele nem se preocupa em limpar, com lixo pra todo
lado – tem como parceiro o atrapalhado Barf (John Candy), um ser meio homem e
meio cachorro, gordo e que vive batendo a cauda no que estiver em sua volta. Os
dois, há poucos instantes, receberam uma ameaça do mafioso espacial Pizza the
Hutt (voz de Don de Luise), um ser feito de queijo derretido e outros
ingredientes de pizza (perceberam o trocadilho com a famosa multinacional Pizza
Hut?), para pagarem uma dívida exorbitante. Ao receberem o pedido de ajuda do
Rei Roland, Lone Starr e Barf veem nesse resgate uma chance de poderem pagar a
dívida.
Primeiro,
Starr e Barf, para não serem detectados pela Spaceball-1, neutralizam o
radar... jogando um pote de geleia na antena (e o operador do radar, o ator
Michael Winslow, empresta a Brooks o seu talento para o beatbox, que ele usou
bastante na cinessérie Loucademia de
Polícia). Depois, conseguem tirar Vespa e Dot Matrix – e toda sua bagagem –
sem problemas da nave delas, simplesmente usando uma escadinha entre as naves,
em pleno vácuo do espaço!! Pouco depois de recolherem a nave vazia, os
spaceballs iniciam a perseguição à nave de Lone Starr, um “velho conhecido” de
Dark Helmet.
Aí
que vem a melhor cena do filme: quando os heróis usam a velocidade da luz para
escapar em alta velocidade, a Spaceball-1 decide persegui-los usando a insana
“velocidade burlesca”, superior à da luz. E Dark Helmet, que se recusou a usar
cinto de segurança, acaba indo para trás com o empuxo da nave, e depois bate a
cabeça nos controles quando a nave é freada bruscamente! A Spaceball-1 acaba
ultrapassando, e muito, a Winnebago.
Infelizmente,
a nave de Lone Starr fica sem combustível e acaba caindo em um planeta
desértico. Até aquele momento, Starr e Vespa não haviam se visto pessoalmente.
O aventureiro e a princesa passam boa parte do filme gritando um com o outro –
principalmente porque Vespa é muito mimada e mandona, e insiste em levar sua
pesada bagagem no deserto – mas ambos acabam se apaixonando. Talvez o maior
empecilho para o romance dos dois, além da perseguição dos spaceballs, seja o
“alarme de virgindade” de Dot Matrix, que até nos movimentos imita a excessiva
“fleuma” de C3PO. Ah: Lone Starr, que é órfão, possui um medalhão cheio de
símbolos que ninguém consegue decifrar, e que pode dizer algo sobre sua origem.
E, para deleite dos marmanjos, à medida que o filme avança, o vestido de Vespa
fica cada vez mais “estrategicamente” rasgado.
O
modo como Dark Helmet e equipe localizam os heróis é a grande piada
metalinguística do filme: devido a uma “revolução no mercado de home vídeo”, é
possível obter o filme em fita cassete antes mesmo do filme em si terminar! E é
com uma cópia de SPACEBALLS, o filme, que mal chegou na metade, que os
spaceballs conseguem localizar os heróis!
Starr,
Barf, Vespa e Matrix penam no deserto, mas são ajudados por duendes que imitam
os Jawas, com capuz e tudo. Eles conduzem o grupo à morada do sábio espacial
Yogurt (também interpretado por Brooks), dono do poder do Schwartz, um
equivalente da Força – e ensina Lone Starr a usar esse poder. E é Yogurt que
apresenta o merchandising do filme. A partir da metade do filme, a marca
SPACEBALLS aparece em tudo quanto é produto que aparece na fita – e antes de
esta terminar: livros de colorir, lança-chamas, lancheiras, bonequinhos,
lençóis de cama, papel higiênico, creme de barbear... Enfim, Brooks acabou
prevendo uma tendência atual da cultura pop: a de que os produtos de
merchandising de muitos filmes – bonecos, roupas de cama, alimentos, etc. – são
vendidos antes mesmo da estreia dos blockbusters nos cinemas! É a segunda maior
piada metalinguística da produção.
Após
literalmente passar o “pente fino” no planeta, Dark Helmet consegue localizar o
templo do Yogurt, e consegue capturar Vespa e Matrix. Lone Starr, que recebe de
presente do sábio um biscoito da sorte e um anel, vai atrás da princesa. Mas
tarde demais: os spaceballs, ameaçando fazer uma plástica no nariz da princesa,
obtém o código da abertura da porta de Druidia com o rei Roland. E partem para
sugar a atmosfera do planeta.
Numa
cômica sequência de ação – onde até mesmo Vespa, de metralhadora na mão, emula
o Rambo de Sylvester Stallone – Lone
Starr salva a princesa e a robô. E precisam impedir os spaceballs de sugarem a
atmosfera de Druidia.
Aí é
que vem a sátira a Transformers: para
sugar a atmosfera de Druidia, a nave Spaceball-1 se transforma em... uma
empregada doméstica gigante! E, com seu aspirador de pó gigante, começa a sugar
a atmosfera do planeta, mas Starr, usando o Schwartz, consegue reverter o
processo. E está prestes a começar a grande batalha final entre Lone Starr e
Dark Helmet diante do botão de autodestruição da nave, com lâminas de energia e
tudo...
Pode
crer que, até o happy end hollywoodiano do final (alguém duvida que Lone Starr
e Vespa ficarão juntos no fim?), muita confusão é o que vai ter. E as piadas
metalinguísticas não param: em uma cena, ao desligar um monitor de comunicação,
o Coronel Sandurz, acidentalmente, desliga também a imagem do filme; na cena do
resgate no planeta Spaceball, os soldados parecem ter capturado os heróis e,
quando vão ver, acabaram capturando os dublês dos atores! E, durante a batalha
entre Lone Starr e Dark Helmet, o vilão acaba acertando sua lâmina de energia
em um dos membros da produção do filme!
Embora
os efeitos especiais sejam convincentes e bem-feitos, algumas cenas são toscas,
devido às limitações da equipe de FX – em 1987, a computação gráfica ainda não
havia sido popularizada. É o caso da cena do restaurante, onde um alien sai da
barriga de um dos clientes para fazer depois um número musical em cima do
balcão. O alien, em animatronic, tem muitas limitações de movimento, o que
comprometeu sua “performance”. A equipe dos FX preferiu concentrar seus
esforços no voo das naves espaciais do filme e em tornar os movimentos das
orelhas de Barf convincentes.
SPACEBALLS,
como dissemos, é a sátira definitiva das space operas. Mesmo depois de tantos
anos, o filme ainda é engraçado e pode ser compreendido pelas novas gerações.
Por que então Mel Brooks não é tão lembrado quanto antes?
Durante
anos, cogitou-se uma continuação para o filme, ainda não confirmada, e
insinuada pelos atores. Só o problema é que John Candy faleceu em 1994, não
podendo, portanto, reprisar sua atuação como Barf. Em compensação, SPACEBALLS
ganhou, em 2008, uma série em animação, pelo canal Super Channel, do Canadá! A
animação, com 13 episódios, infelizmente ainda é inédita no Brasil – e com as
vozes de Brooks, Moranis e Zuniga no elenco de dublagem.
Em
compensação, SPACEBALLS, o filme, pode ser facilmente encontrado em DVD. O
mercado de Home Vídeo e as reprises na TV ainda são o principal modo de sobrevivência
do acervo dos estúdios MGM, que declararam falência no final da década de 2000.
E a dublagem brasileira é excelente. Só com ressalvas de terem traduzido o nome
de Barf para “Baba”, e Schwartz como “A Salsicha”. Estranho?
Para
encerrar, o já tradicional desenho meu. Já faz algum tempo, meu ex-colega do
Curso de História da UFSM, Alexandre Maccari, pediu-me algumas ilustrações para
o projeto Uma História a Cada Filme,
de comentários de grandes produções do cinema à luz da história e da filosofia.
Não tive mais informações sobre o andamento dos projetos referentes aos Ciclos
de Cinema. Mas eis aqui, hoje, uma das ilustrações inéditas para o projeto:
Alex, de Laranja Mecânica,
encontrando Darth Vader, de Star Wars.
Olhando assim, este Darth Vader está mais para Dark Helmet... Admito que este
não foi meu melhor desenho para o projeto.
Em
breve, mais filmes para vocês.
Até
mais!
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