Olá.
Hoje,
volto a falar de livro. Hoje, volto a falar de História do Brasil. Hoje, volto
a falar do “tempo do Rei”, ou melhor, da época da estada da Família Real ao
Brasil (1808 – 1821). Hoje, volto a falar de Carlota Joaquina, a princesa /
rainha que odiava nossa terra.
Mas,
hoje, escolhi um romance. Uma narrativa construída a partir de fatos reais, de
um autor que outrora tinha sua importância, mas, hoje, é bem pouco lembrado.
Hoje,
então, falamos de CARLOTA JOAQUINA – A RAINHA DEVASSA, de João Felício dos
Santos.
O CRONISTA
CARLOTA
JOAQUINA – A RAINHA DEVASSA foi publicado, originalmente, em 1968. E seu autor,
o carioca João Felício dos Santos (1911 – 1989), é um especialista em História
Brasileira, embora tenha preferido externa-la na forma de ficção – ou melhor,
de romances históricos apoiados em ampla pesquisa. Além de escritor e
pesquisador (sobrinho do renomado historiador Joaquim Felício dos Santos),
também foi jornalista, publicitário, roteirista de cinema e compositor.
Para
caracterizar direito o homem, faço uso das palavras do jornalista Euclides
Amaral, que publicou o seguinte perfil biográfico de João Felício dos Santos no
site Baixada Fácil (www.baixadafacil.com.br):
O polivalente João Felício dos Santos
João Felício dos Santos nasceu
na cidade de Mendes, no Rio de Janeiro, em 14 de março de 1911.
Filho do engenheiro e jornalista João Felício dos Santos e de Amanda Felício dos Santos, sobrinha do maestro Leopoldo Miguez.
Polivalente, atuou como topógrafo, jornalista, publicitário, carnavalesco, autor de livros infantis, romancista-historiador, poeta, letrista e ator.
Seu primeiro livro, “Palmeira Real” (poesias), foi publicado em 1934, quando tinha apenas 23 anos de idade. Logo depois viria a dar início aos seus romance-históricos, tendo em vista sua profissão de topógrafo do Ministério de Viações e Obras do governo que o levou aos confins do Nordeste. Como um Euclides da Cunha contemporâneo, ele ficaria do lado não-oficial da história, perfilando em seus romances personalidades como Ganga-Zumba, Anita Garibaldi, Xica da Silva, João Abade (de Guerra dos Canudos), Carlota Joaquina e Domingos Calabar (em Major Calabar), personas muitas das vezes “não grata” à história oficial e por isso execrados dos livros didáticos.
Autor de uma obra, principalmente centrada no romance-histórico, publicou em vida os seguintes livros: "Palmeira Real" (poesias/1934); "O pântano também reflete estrelas" (romance/1949); "João Bola" (infantil/1956); "João Abade" (romance/1958); "Major Calabar" (romance/1960); "Ganga Zumba” (romance/1962 - com ilustrações de Carybé); "Cristo de lama" (romance/1964); "A Menina e o Navio" (infantil/1964); "Canto Geral das Minas de Goytacazes" (poesias/1965); "Zag, Zeg, Zig no espaço" (infantil/1967); "Carlota Joaquina, a Rainha Devassa" (romance/1968); "Ataíde, azul e vermelho" (romance/1969); "Do Ipiranga à Transamazônica" (infantil/1972); "O Doquinha" (infantil/1973); "A Marca e o Logotipo Brasileiros" (livro técnico/1974); "Nico Piá" (infantil/1975); "Xica da Silva" (romance/1976); "Os Trilhos" (romance/1976); "A Guerrilheira - O Romance da vida de Anita Garibaldi" (romance/1979); "Benedita Torreão da Sangria Desatada" (1983) e "Margueira Amarga", romance, em 1985, com ilustrações de Poty.
Em jornalismo trabalhou como Editor Chefe nas publicações Revista Mundo Católico (1955 a 1957); Revista Brasil constrói (1960), Revista Kosmopolita e colaborou com artigos e críticas para o jornais Correio da Manhã, O Globo e Gazeta do Rio.
Escreveu os argumentos de "Cristo de Lama", de Wilson Silva (1966) e de "Parceiros da Noite", de José Medeiros, em 1980. Como ator trabalhou em dois filmes de Cacá Diegues: “Ganga Zumba”, do ano de 1963, baseado em seu romance homônimo e "Xica da Silva”, do ano de 1974, no qual fez o papel de um reverendo. Este talvez seja o único filme de época que gerou um romance. Geralmente um filme de época é baseado em um romance, mas neste caso se deu o contrário, seu romance histórico "Xica da Silva" foi inspirando pelo filme. Por fim, escreveu o roteiro e fez a pesquisa para a fita “Quilombo”, de Cacá Diegues, lançada em 1984 e que teve Gilberto Gil como o autor da trilha sonora, destacando-se ainda o percussionista Reppolho como o principal músico nas gravações da trilha.
Como carnavalesco foi autor de várias sinopses de enredo para blocos carnavalesco e uma escola de samba do Rio de Janeiro, entre eles, “O negro na história do Brasil” – Bloco Carnavalesco Canários de Laranjeiras, em 1970; ”A Virgem Intocável” – Bloco Carnavalesco Canários das Laranjeiras, do ano de 1975; ”A Cidade Verde” – Bloco Carnavalesco Canários das Laranjeiras, em 1978 e ainda o enredo “Adolã, Cidade Mistério”, criado em parceria com José Félix Garcez Neto para a Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense no ano de 1985.
Como letrista de música popular compôs o choro “Pranto”, em pareceria com Gadé, logo depois gravado por Rosita Gonzáles; o samba-exaltação “O índio”, com o mesmo parceiro, o músico, um tanto sumido, Gadé, e ainda a toada “Dandara”, esta última em parceria com o desconhecido músico Manoel Brigadeiro.
A vida João Felício dos Santos daria um romance, isto com certeza!
Interessado na verdadeira história do Brasil fez diversas viagens pelos mais distantes rincões de país, às vezes, a serviço do governo e na maioria delas, por conta própria. Sobreviveu a três naufrágios, um duelo, uma queda em poço de elevador e à morte do filho, jovem oficial da FAB que desapareceu com avião e em numa tempestade na Serra do Mar. Acusado de subversão e enquadrado no AI-5, também foi perseguido pelos catedráticos da “História Oficial” por seus romances que davam preferência ao discurso dos excluídos.
Faleceu em 13 de junho de 1989 na cidade do Rio de Janeiro, mas sobreviveu a essa parca-memória nacional através de seus livros. Seus leitores e amigos torcem para que sejam publicados seus trabalhos inéditos, entre os quais “A Força Vermelha” (1987) e o romance “Rotas de Além-Mar” (1988), além de um livro de poesias e roteiros para cinema.
Filho do engenheiro e jornalista João Felício dos Santos e de Amanda Felício dos Santos, sobrinha do maestro Leopoldo Miguez.
Polivalente, atuou como topógrafo, jornalista, publicitário, carnavalesco, autor de livros infantis, romancista-historiador, poeta, letrista e ator.
Seu primeiro livro, “Palmeira Real” (poesias), foi publicado em 1934, quando tinha apenas 23 anos de idade. Logo depois viria a dar início aos seus romance-históricos, tendo em vista sua profissão de topógrafo do Ministério de Viações e Obras do governo que o levou aos confins do Nordeste. Como um Euclides da Cunha contemporâneo, ele ficaria do lado não-oficial da história, perfilando em seus romances personalidades como Ganga-Zumba, Anita Garibaldi, Xica da Silva, João Abade (de Guerra dos Canudos), Carlota Joaquina e Domingos Calabar (em Major Calabar), personas muitas das vezes “não grata” à história oficial e por isso execrados dos livros didáticos.
Autor de uma obra, principalmente centrada no romance-histórico, publicou em vida os seguintes livros: "Palmeira Real" (poesias/1934); "O pântano também reflete estrelas" (romance/1949); "João Bola" (infantil/1956); "João Abade" (romance/1958); "Major Calabar" (romance/1960); "Ganga Zumba” (romance/1962 - com ilustrações de Carybé); "Cristo de lama" (romance/1964); "A Menina e o Navio" (infantil/1964); "Canto Geral das Minas de Goytacazes" (poesias/1965); "Zag, Zeg, Zig no espaço" (infantil/1967); "Carlota Joaquina, a Rainha Devassa" (romance/1968); "Ataíde, azul e vermelho" (romance/1969); "Do Ipiranga à Transamazônica" (infantil/1972); "O Doquinha" (infantil/1973); "A Marca e o Logotipo Brasileiros" (livro técnico/1974); "Nico Piá" (infantil/1975); "Xica da Silva" (romance/1976); "Os Trilhos" (romance/1976); "A Guerrilheira - O Romance da vida de Anita Garibaldi" (romance/1979); "Benedita Torreão da Sangria Desatada" (1983) e "Margueira Amarga", romance, em 1985, com ilustrações de Poty.
Em jornalismo trabalhou como Editor Chefe nas publicações Revista Mundo Católico (1955 a 1957); Revista Brasil constrói (1960), Revista Kosmopolita e colaborou com artigos e críticas para o jornais Correio da Manhã, O Globo e Gazeta do Rio.
Escreveu os argumentos de "Cristo de Lama", de Wilson Silva (1966) e de "Parceiros da Noite", de José Medeiros, em 1980. Como ator trabalhou em dois filmes de Cacá Diegues: “Ganga Zumba”, do ano de 1963, baseado em seu romance homônimo e "Xica da Silva”, do ano de 1974, no qual fez o papel de um reverendo. Este talvez seja o único filme de época que gerou um romance. Geralmente um filme de época é baseado em um romance, mas neste caso se deu o contrário, seu romance histórico "Xica da Silva" foi inspirando pelo filme. Por fim, escreveu o roteiro e fez a pesquisa para a fita “Quilombo”, de Cacá Diegues, lançada em 1984 e que teve Gilberto Gil como o autor da trilha sonora, destacando-se ainda o percussionista Reppolho como o principal músico nas gravações da trilha.
Como carnavalesco foi autor de várias sinopses de enredo para blocos carnavalesco e uma escola de samba do Rio de Janeiro, entre eles, “O negro na história do Brasil” – Bloco Carnavalesco Canários de Laranjeiras, em 1970; ”A Virgem Intocável” – Bloco Carnavalesco Canários das Laranjeiras, do ano de 1975; ”A Cidade Verde” – Bloco Carnavalesco Canários das Laranjeiras, em 1978 e ainda o enredo “Adolã, Cidade Mistério”, criado em parceria com José Félix Garcez Neto para a Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense no ano de 1985.
Como letrista de música popular compôs o choro “Pranto”, em pareceria com Gadé, logo depois gravado por Rosita Gonzáles; o samba-exaltação “O índio”, com o mesmo parceiro, o músico, um tanto sumido, Gadé, e ainda a toada “Dandara”, esta última em parceria com o desconhecido músico Manoel Brigadeiro.
A vida João Felício dos Santos daria um romance, isto com certeza!
Interessado na verdadeira história do Brasil fez diversas viagens pelos mais distantes rincões de país, às vezes, a serviço do governo e na maioria delas, por conta própria. Sobreviveu a três naufrágios, um duelo, uma queda em poço de elevador e à morte do filho, jovem oficial da FAB que desapareceu com avião e em numa tempestade na Serra do Mar. Acusado de subversão e enquadrado no AI-5, também foi perseguido pelos catedráticos da “História Oficial” por seus romances que davam preferência ao discurso dos excluídos.
Faleceu em 13 de junho de 1989 na cidade do Rio de Janeiro, mas sobreviveu a essa parca-memória nacional através de seus livros. Seus leitores e amigos torcem para que sejam publicados seus trabalhos inéditos, entre os quais “A Força Vermelha” (1987) e o romance “Rotas de Além-Mar” (1988), além de um livro de poesias e roteiros para cinema.
Como
deu para ver, João Felício dos Santos não foi pouca coisa na história da
Literatura Brasileira – mas são poucas as referências a seus livros nos cursos
colegiais de literatura. Ele foi homenageado em 29 de março de 2011 com uma
exposição de celebração ao centenário de seu nascimento, na Associação
Brasileira de Imprensa.
O
escritor também tem seu site oficial! Vejam mais a respeito dele em www.joaofeliciodossantos.com.br.
O OBJETO DE ESTUDOS
Embora
tenha dado preferência, em seus romances, a contar a história de determinadas
épocas a partir da vida de personagens que basicamente fizeram parte do setor
“marginal” da sociedade brasileira, em CARLOTA JOAQUINA – A RAINHA DEVASSA,
João Felício dos Santos resolveu focar um de seus romances mais populares em
uma figura que dificilmente poderíamos chamar de marginalizada. Pior: que
poderíamos, isso sim, chamar de vilã. Mas, a partir da caracterização dessa
figura, ele desce até os setores “marginais” – a partir de uma parte, ele
caracteriza o todo, no caso, o povo da época em que a figura viveu.
Diversas
vezes, neste blog, fiz referências acerca de Carlota Joaquina de Bourbon, a
esposa do Rei D. João VI de Portugal. Espanhola, irmã do então rei Fernando
VII, casada com o então Príncipe D. João sob procuração, e que na noite de
núpcias arrancou um pedaço da orelha do marido – mas, depois, teve nove filhos,
mas sabe-se lá quantos eram de fato com D. João. Quando as tropas do imperador
francês Napoleão Bonaparte invadiram Portugal, quando este país se recusou a
aderir ao Bloqueio Continental contra a Inglaterra, a Família Real portuguesa –
Carlota Joaquina incluída, claro – vieram ao Brasil, então maior colônia do
Império português. Isso foi em 1808.
Enquanto
D. João se preocupava com a modernização da colônia, com a elevação da mesma a
Reino, e com os processos que acabariam, sem querer, resultando na
Independência do Brasil – levada a cabo por seu filho D. Pedro – Carlota
Joaquina estava preocupada com outras coisas. Ela odiava o nosso país, e tinha
por maior pretensão se tornar rainha das colônias espanholas na América.
Diversas vezes conspirou contra o próprio marido para alcançar tais propósitos.
Mas sempre acabou frustrada. Só conseguiu um pouco de paz interior depois que
foi embora de volta para Portugal, em 1821 – e, na saída, bateu os sapatos na
amurada do navio para tirar a poeira do Brasil dos pés.
Mas
não que ela não tenha aproveitado alguma coisa do nosso país. Carlota Joaquina
ficou famosa por uma suposta coleção de amantes que teria aqui arranjado.
Aliás, no Brasil, ela, por muito tempo, carregou a alcunha de feia, promíscua e
ninfomaníaca – como se já não bastasse os títulos de pérfida e conspiradora. Em
suma, mulher da pá virada. Hoje, os historiadores contestam essa fama. Feia
sim, conspiradora, talvez, mas ninfomaníaca, nem tanto.
Bueno.
Já falei, uma vez, do filme da cineasta Carla Camurati onde ela é retratada – e
que a classe “pensante” do Brasil odeia. Já falei do célebre livro do jornalista Laurentino Gomes, onde D. Carlota aparece como personagem. Já falei
do tardio livro-denúncia escrito por seu ex-secretário, José Presas, onde são
revelados alguns podres da ex-patroa. Agora, para completar o rosário, falo do
romance de João Felício dos Santos. Talvez apareçam mais pedras nesse rosário,
com o tempo, mas o tempo é que vai dizer.
A CRÔNICA
CARLOTA
JOAQUINA – A RAINHA DEVASSA, vamos relembrar, foi escrito em 1968 (a capa acima
é da edição de 2006, editada pela José Olympio Editora). E, na época em que foi
escrito, época do Regime Militar Brasileiro, havia um embate, nos bastidores,
entre historiadores “de esquerda” e Governo: este, em defesa de uma história
oficial, de heróis e feitos a serem celebrados, conforme o gosto dos militares;
e aqueles, em defesa de uma história das classes menos favorecidas, que
contestava a ação dos “heróis” decantados pelo Governo – heróis seriam os que
lutaram ao lado do povo, pelas causas do povo, não pelas de um país que foi
construído para ser usufruído por uns poucos. Entendem?
E,
levando em conta a época, ainda prevalecia, na História, a versão de Carlota
Joaquina como “rainha devassa”. Pois ela é retratada assim no romance: cheia de
flutuações de humor. Hiperativa, com tendência ao masoquismo, cheia de manias, boca-suja,
com furores uterinos, logo fazendo coleção de amantes, criando conspirações
para tomar o poder da América, se portando de maneira dengosa e até carinhosa
mais quando lhes convém, e em boa parte do tempo, hedonista e com gosto para apelidar
e maltratar todo mundo, até os criados de confiança. E sempre nutrindo um
desprezo pelo Brasil, um país “de negros e de macacos”, na sua opinião. Um
retrato, logo, caricato.
Well.
O romance estrutura-se em três partes; 165 capítulos, alguns bem curtinhos, de
poucas palavras, outros mais longos, de até sete páginas; distribuídos em 434
páginas. A narrativa concentra-se no recorte de tempo entre 1808 e 1821, quando
da permanência da Família Real no Brasil – começando por retratá-la nos navios
que trouxeram-na à colônia (primeira parte, sem título), depois em sua breve
estadia em Salvador, Bahia (segunda parte, Bahia:
“A Casca-Grossa”), indo pouco depois para a estadia, pelos próximos treze
anos, no Rio de Janeiro (terceira parte, Rio:
“Era no tempo do Rei...”), até o retorno para Portugal.
E um
dos maiores problemas do romance é o uso de linguagem excessivamente rebuscada,
como convinha a um intelectual brasileiro de então. O romance é repleto de
palavras e termos que hoje não se usam mais, e não dispõe sequer de um
glossário para o leitor menos instruído – prepare um dicionário Aurélio para
ter ao lado, se resolver se aventurar. Grande parte do romance é feito de
descrições, algumas delas difíceis de entender por causa dos termos difíceis. Mas
João Felício se preocupou em descrever em minúcias a época: as condições da
viagem ao Brasil, feita às pressas e em condições precárias nos navios; um
panorama das cidades de Salvador, onde a Família Real aportou antes, e do Rio
de Janeiro, a sede do governo; os hábitos da corte portuguesa que acompanhou a
Família Real, corrupta, parasita e que, muitas vezes, nutria um desprezo pelas
classes populares e seus costumes “bárbaros”, como o consumo de mandioca; a
situação na qual ficou o povo diante dos P.R.s (o popular “ponha-se na rua”)
nas portas das melhores casas; os festejos, populares e/ou em honra ao Rei; os
enterros; as condições de vida dos negros, livres ou escravos... enfim. Talvez
sejamos nós, a atual geração, que não estejamos tão bem educados assim – as
reformas na educação nos anos 1990 e 2000 realmente não nos fizeram muito bem.
O
tom que João Felício dos Santos adota para o romance é o de comédia farsesca,
grotesca, com algumas piadas desgastadas pelo tempo – e, na realidade, a
história reconstituída revela mesmo que a época foi uma verdadeira comédia
grotesca, com pitadinhas de drama. Teria Carla Camurati realmente se inspirado
no romance para compor o tom de seu filme Carlota
Joaquina – Princesa do Brasil?
Quanto
a D. João, o imperador, ele também tem uma imagem meio caricata nesse romance. Gordo,
comilão, bonachão, descuidado com a higiene pessoal (tanto que passa boa parte
do tempo incomodado por conta de um inseto em sua perna), sempre pontuando suas
frases com “hein? Hein?”. Mas não tão palerma quanto aparece no filme. Ele
gostou do Brasil – tanto que, no fim do romance, reluta muito em sair daqui
para resolver seus problemas em Portugal – e demonstra gostar muito de Carlota
Joaquina. Mas está sempre pronto para pregar peças e frustrar os planos da
mulher, que o despreza.
Praticamente
todos os personagens que os livros de História citam sobre o período aparecem.
Além de D. João e de Carlota Joaquina, aparecem, entre outros, entre breves ou
mais amplas aparições: a rainha-mãe, D. Maria, em seus surtos de loucura que a
levariam à morte, desde a viagem; o secretário catalão-argentino José Presas
(sim, aquele do livro-denúncia), fazendo também as vezes de amante; o pândego
Francisco Gomes, o Chalaça, melhor amigo do príncipe D. Pedro e sempre disposto
a fazer denúncias em troca de benesses, ora para D. Carlota, ora para D. João; o
próprio D. Pedro, futuro D. Pedro I do Brasil; o cronista acidental Joaquim dos
Santos Marrocos, o primeiro bibliotecário do Brasil; o jornalista Hipólito da
Costa, que imprime seu jornal crítico do governo em Londres; e alguns dos
assessores do Príncipe Regente, como o barbeiro e confidente Lobato e o nobre Dom
Rodrigo Coutinho, o conde de Linhares, pau-pra-toda-obra do governo.
Outros
personagens, possivelmente inventados, também têm seus momentos de ação no
romance, como as damas de companhia de Carlota Joaquina – destaque para a muito
cortejada Manuela Pessegueiro – e o escravo Filisbino, que trabalhava no sítio
de Botafogo onde D. Carlota instalou-se, e que se torna um objeto de desejo
consumado por parte da Princesa. Ah: o sítio pertencia a João Fernandes, um
descendente da “escrava-rainha” do Tijuco, Xica da Silva (dessa aí, falamos
numa outra oportunidade, dada a profundidade dessa personagem).
São
vários os episódios reais que João Felício romanceia a respeito de D. Carlota.
Entre eles: a encrenca que ela acaba arranjando com um embaixador dos Estados
Unidos porque este se recusou a saudá-la na rua; os planos frustrados para
fomentar uma revolução na Argentina, a fim de fundar seu reino – entre eles,
penhorar as próprias joias para financiar os “revolucionários”, ou viajar ela
mesma para a região do Prata (ambos os planos acabam frustrados por D. João e
seus assessores: as joias enviadas para a Argentina acabam substituídas por
imitações; e D. Carlota, ao invés de ir para o porto pegar o navio para a
Argentina, acaba levada para o Convento da Ajuda, onde acaba enclausurada por
alguns dias); o envolvimento dela no crime contra Gertrudes Pedra, esposa de
seu suposto amante Fernando Carneiro Leão, o diretor do Banco do Brasil. Tal
crime não seria apurado; D. João decide punir a “criminosa” à sua maneira.
João
Felício também não esquece os episódios históricos mais conhecidos. A Abertura
dos Portos às Nações Amigas, a Missão Artística Francesa, o falecimento da
Rainha D. Maria, as reformas no Rio de Janeiro, entre elas a fundação do Jardim
Botânico...
Bem,
é uma história que praticamente todo mundo que não fugiu da escola já conhece.
O diferencial está mesmo na forma como a história é narrada, afastada da
história “técnica” dos livros convencionais – só descritivismo, e em linguagem
rebuscada e afastada do dia-a-dia brasileiro. CARLOTA JOAQUINA – A RAINHA
DEVASSA tem humor e didatismo aliados à História. OK, também em linguagem
rebuscada e afastada do dia-a-dia brasileiro. Mas garante um entretenimento por
algumas horas.
O
crítico Hermilo Borba Filho escreve o texto de orelha.
Não
é difícil encontrar o volume nas bibliotecas – basta um pouco de boa vontade
para visitar a biblioteca de sua cidade, e um pouco mais para sair das redes
sociais alienantes e enfiar um pouco de cultura em sua cabeça. Apenas isso.
PARA ENCERRAR...
...um
trechinho mais de minha HQ folhetinesca e diferente, O Açougueiro.
Com
estas três páginas, a HQ chega a 50 páginas – e ainda não terminou. A
publicação de cada trecho tem uma periodicidade por hora imprevisível – e só o
futuro dirá acerca de uma versão impressa dessas páginas, que, até o momento,
nem eu sei dizer onde vai dar. Deixem sua opinião, se estão apreciando ou não
este formato diferenciado de HQ.
Em
breve, mais trechos de O Açougueiro para
vocês.
Até
mais!
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