sexta-feira, 6 de maio de 2016

PAPA-CAPIM - NOITE BRANCA - estava faltando índio nessas HQB!

Olá.
Hoje, vamos evitar falar de política, que ninguém aguenta mais. Hoje, vamos falar de quadrinhos. Vamos falar também dos desfavorecidos da sociedade nacional, que estão ganhando voz através dos quadrinhos. Vamos falar de novo daquele projeto que está limpando a barra dos quadrinhos nacionais. Vamos falar de Graphic MSP. Os politizados podem tentar desviar nossa atenção para outros assuntos desagradáveis, mas desta vez não vai dar certo. Não se depender deste que vos escreve.
Demorou, turma, mas chegou. Vimos uma pergunta que fazíamos há muito tempo respondida, desde que a série Graphic MSP começou.
Hoje, vamos falar de PAPA-CAPIM – NOITE BRANCA, o lançamento mais recente do selo.

HÁ QUANTAS ANDA O PROJETO...
PAPA-CAPIM – NOITE BRANCA é o 11º álbum da série Graphic MSP. Iniciando aquela que podemos chamar de terceira leva da série especial dos Estúdios Maurício de Sousa, capitaneada pelo editor Sidney Gusman e encampada pela Panini Comics, onde artistas consagrados da nova geração das HQ brasileiras reinterpretam, em álbuns de roteiros maduros e artes impactantes, personagens clássicos de Maurício de Sousa. Seria dispendioso rememorar todos os álbuns lançados até o momento. Mas quem está chegando agora de Júpiter tem o direito de saber o que está havendo no mundo das HQ nacionais... Os álbuns anteriores, então, são os seguintes:
1ª LEVA:
- Astronauta – Magnetar, de Danilo Beyruth e Cris Peter – outubro de 2012;
- Turma da Mônica – Laços, de Vítor e Lu Cafaggi – maio de 2013;
- Chico Bento – Pavor Espaciar, de Gustavo Duarte – agosto de 2013;
- Piteco – Ingá, de Shiko – novembro de 2013.
2ª LEVA:
- Bidu – Caminhos, de Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho – agosto de 2014;
- Astronauta – Singularidade, de Danilo Beyruth e Cris Peter – dezembro de 2014;
- Penadinho – Vida, de Paulo Crumbim e Cristina Eiko – maio de 2015;
- Turma da Mônica – Lições, de Vítor e Lu Cafaggi – julho de 2015;
- Turma da Mata – Muralha, de Artur Fujita, Roger Cruz e Davi Calil – setembro de 2015;
- Louco – Fuga, de Rogério Coelho – novembro de 2015.
PAPA-CAPIM – NOITE BRANCA inaugura, portanto, a terceira leva. Mas com algum atraso: o álbum foi anunciado para março de 2016, e acabou lançado em abril último. Dos projetos da série Graphic MSP, foi o projeto que andou mais devagar: o teaser (ilustração de divulgação) foi anunciado em novembro de 2013, para fazer parte da segunda leva – e foi “empurrado” para a terceira leva, sendo concluído quase três anos depois.
Já foram anunciados como próximos projetos: um novo álbum do Bidu por Damasceno e Garrocho; um novo álbum do Astronauta por Beyruth e Peter; e um da Mônica por Bianca Pinheiro. Outros personagens dos Estúdios Maurício de Sousa ainda não foram anunciados – já soube de fãs que imploram por álbuns estrelados pela Tina e pelo Horácio, por exemplo. E, talvez, assim como no caso do álbum do Louco, um novo álbum entrará de “penetra”. Acho que dependerá dos ventos da economia brasileira nos próximos meses... ou do próprio Maurício de Sousa, que perdeu um filho recentemente.
Mas não fica por aí: o universo de Maurício de Sousa está se ramificando para outras mídias. Turma da Mônica – Laços está sendo, segundo informações da internet, adaptado para o cinema, numa versão em live-action (com atores)!
Bem, não sou assessor oficial da editora Panini ou dos Estúdio Maurício de Sousa – ambos ignoram a existência deste blogueiro, creio eu – logo, quando faço resenhas dos álbuns da série Graphic MSP, só sei informar o que li a respeito. Portanto, os leitores que costumam me fazer perguntas, estejam avisados...

OS INDIGENISTAS
Os responsáveis pelo álbum, que é considerado o primeiro do gênero terror dentro da série Graphic MSP (Penadinho – Vida não pode ser enquadrado no gênero, apesar de aparentar) são Marcela Godoy (roteiro) e Renato Guedes (arte). Além desses, recebendo créditos não-oficiais, trabalharam no álbum Diogo Nascimento e Paula Goulart, nas cores-base, e Tainan Rocha, nas letras. Eis um perfil dos mesmos, a partir de informações que consegui colher...
Godoy e Guedes nasceram em São Paulo, SP, e lá residem, para começar.
Marcela Godoy nasceu em 1973, e já acumula uma década e meia de trabalhos com quadrinhos, todos como roteirista ou tradutora, além de ter lançado dois romances.
Seus primeiros álbuns são de 2004: o álbum de HQ Sete Segundos de Eternidade, lançado de forma independente e com arte de Thiago Cruz, e o romance Primeiro Relato da Queda de um Demônio, publicado pela editora Devir e com ilustrações de Marcelo Campos.
Campos, aliás, é o criador do super-herói brasileiro Quebra-Queixo. Entre 2003 e 2005, pela mesma editora Devir, Campos lançou os álbuns da série Quebra-Queixo – Technorama, onde seu herói estrela histórias interpretadas por outros autores, e por ele mesmo. Godoy participou do volume 2, lançado em 2005, com o roteiro de uma história ilustrada por Júlia Bax.
Em 2007, vem o segundo álbum de HQ com roteiro de Godoy: Schem Ha-Mephorash – Uma Noite em Staronova, publicado de forma independente, com arte de Sam Hart. Ah: em geral, os projetos de HQs de Godoy começam anos antes, e só são publicados anos depois.
Em 2008, pela editora Devir – onde Godoy concentra boa parte de seus trabalhos autorais e de tradução, entre estes os álbuns de Sin City de Frank Miller – a autora lança seu segundo romance, Liah e o Relógio, com ilustrações de Weberson Santiago.
Em 2009, também pela Devir, Godoy lança mais um álbum de HQ: Fractal, com arte de Eduardo Ferigato. No mesmo ano, ela também participa da HQ institucional Uma Dupla que Faz Acontecer, lançado pela editora Campus – ela auxilia o roteirista José Dornelas, e a arte do álbum é de Fernando Chamis e Winston Petty.
Em 2010, ela participa do álbum infantil Zetz – Contatos Imediatos, da Devir. Co-produção da Quanta Academia de Artes, o álbum tem arte de Eduardo Ferrara, e, além de Godoy, teve participação de vários outros artistas, como Davi Calil, Weberson Santiago e Amilcar Pina.
Em 2011, Godoy escreve o roteiro da adaptação de Romeu e Julieta, de William Shakespeare, para a Coleção Shakespeare em Quadrinhos, da editora Nemo. A arte de Romeu e Julieta é de Roberta Pares Massenssini.
Em 2012, mais dois álbuns de HQ: pela Devir, A Dama do Martinelli, com arte de Jefferson Costa, considerado por alguns críticos um pequeno clássico das HQ ambientadas no período do Regime Militar Brasileiro (1964 – 1985); e, pela Nemo, a adaptação de Macbeth, de Shakespeare, pela mesma Coleção Shakespeare da Nemo, com arte de Rafael Vasconcellos. Ela também participa da coletânea Fim do Mundo em Quadrinhos, da Devir, também em colaboração com a Quanta Academia de Artes, lançada no mesmo ano.
PAPA-CAPIM marca o retorno de Godoy aos quadrinhos depois de três anos, portanto. Site oficial: www.marcelagodoy.com/.
Renato Guedes, por sua vez, tem uma longa carreira como artista, desenhista e ilustrador, tanto no Brasil como no exterior. Nascido em 1980, e formado no curso de Histórias em Quadrinhos na Fábrica de Quadrinhos (atual Quanta Academia de Artes), sua estreia na indústria profissional das HQ foi em 1998, ilustrando para editoras religiosas. Posteriormente, começou a trabalhar para a histórica editora Opera Graphica, como ilustrador e, eventualmente, quadrinhista. Além de algumas histórias para a revista HQ, parceria da Opera Graphica com a editora Escala, Guedes também fez capas para as edições especiais de alguns álbuns lançados pela editora, como: Calafrio – 20 Anos Depois, O Anel do Nibelungo (de Roy Thomas e Gil Kane), Alien Salvação e Super-Homem e Monstro do Pântano (de Alan Moore e Rick Veitch), além do Guia Oficial DC Comics – roteiros e desenhos. Esse período da Opera Graphica rendeu a Guedes o Prêmio HQ Mix de Melhor Ilustrador Nacional em 2003. Concomitante a esse trabalho, Guedes fez ilustrações para publicações como: Folha de S. Paulo, Superinteressante, Sexy, Aventuras na História, Mundo Estranho, Religiões, Wizard Brasil...
Ainda em 2003, Guedes começa a trabalhar para as editoras norte-americanas: seu primeiro trabalho foi na DC Comics, ilustrando a versão em HQ do seriado televisivo Smalville. Depois, ele trabalhou para outras editoras, ilustrando adaptações de séries televisivas e cinematográficas, como a IDW (24 Horas), e a Avatar Press (Jogos Mortais e Stargate SG1); também prestou serviços para a Marvel, ilustrando Wolverine e Vingadores Secretos. A partir de 2006, Guedes passa a trabalhar exclusivamente para a DC Comics, ilustrando as capas e as páginas internas de séries como Action Comics, Constantine (Novos 52), Arqueiro Verde & Canário Negro, OMAC, Supergirl... Em 2008, tornou-se artista regular da revista Superman, sob os roteiros de James Robinson. Ele também ilustrou livros de RPG e a capa de um CD do roqueiro Rob Zombie.
Guedes participara, anteriormente, de uma publicação dos Estúdios Maurício de Sousa: participou do segundo volume da série comemorativa MSP 50, de 2009, com uma HQ do Astronauta. Em 2014, expôs seu trabalho na Gibicon, de Curitiba, PR, e na Galeria Ornitorrinco, de São Paulo.

O OBJETO DE ESTUDO
O personagem Papa-Capim, o indiozinho, foi criado por Maurício de Sousa em 1963, no suplemento Folhinha do jornal Folha de S. Paulo, berço da maioria dos personagens do artista. O personagem passou por muitas mudanças no correr do tempo: de um índio com aparência de adulto, surgido em uma tirinha vertical, evoluiu para o conhecido curumim sem dedos nos pés.
Papa-Capim é um dos poucos representantes atuais dos indígenas nos quadrinhos brasileiros – os nossos índios, na cultura pop brasileira, parecem interessar mais os romancistas (principalmente os do século XIX) que os quadrinhistas. Sério, gente: consigo pensar apenas em alguns poucos exemplos de índios nos quadrinhos, vários desses concentrados nos quadrinhos independentes e, portanto, atingindo menos público, como o Itabira de Emir Ribeiro, o Krahomim de Elmano Silva, o Guaraná de Paulo Alves, o Umuaraminha de Marcos Vaz, o Tininim e a Tuiuiú da Turma do Pererê de Ziraldo, o Guari de Pátria Armada, de Klebs Júnior... até nos quadrinhos existe uma segregação contra os proprietários originais das terras brasileiras.
Bem. Papa-Capim, um indiozinho semicivilizado, é o porta-voz de Maurício em assuntos de ecologia – ele vem de uma tribo que ainda vive em estado selvagem no meio da floresta, provavelmente a amazônica, e, em boa parte de suas histórias, além de chamar a atenção para a conservação da natureza, questiona os hábitos dos “caraíbas”, os homens brancos que eventualmente dão as caras em sua aldeia, querendo mudar o modo de vida dos índios.
Papa-Capim foi inspirado nos índios da etnia pataxó, do sul da Bahia, e seu nome vem de um pássaro, o papa-capim-capuchinho, comum no Brasil e na América do Sul. Aliás, uma das histórias clássicas do personagem é justamente uma em que ele questiona a origem de seu nome.
O Papa-Capim, o indiozinho, segue o modelo dos indiozinhos dos quadrinhos: é um bom menino e respeitador das tradições de seu povo. Curumim que passa seus dias em atividades corriqueiras dos índios brasileiros de selva: caçando, pescando, andando de canoa no rio, ajudando a mãe nas tarefas da aldeia, ouvindo as histórias do velho pajé, o feiticeiro da aldeia. Sua roupa se resume a uma tanga vermelha em volta da cintura, cobrindo a virilha e o quadril. Mas, dentro do microcosmo de sua aldeia no meio do mato, o Papa-Capim vive situações típicas de crianças de qualquer raça, como namoros infantis, brigas com outros garotos e até insinuações de bullying – sim, intimidar coleguinhas não é exclusividade dos meninos brancos. Vez por outra, vivendo situações fantasiosas, como encontros com lendas brasileiras – sacis, curupiras, boitatás e iaras.
Dentre os índios que convivem com Papa-Capim, dois se destacam: o inseparável amigo Cafuné e a quase-namoradinha Jurema.
Cafuné, surgido nas tiras de jornal em 1966, é o indiozinho narigudo, com alargadores de orelha e atrapalhado, o alívio cômico das histórias.
Jurema, a linda indiazinha de tranças enroladas (à moda da Princesa Leia de Star Wars), por sua vez, surgiu nos gibis, mais precisamente em Chico Bento # 3, da editora Abril, de 1982. Mas, inicialmente, a indiazinha se chamava Iracema – e ela passou por várias mudanças. E não foi a única pretendente do coração do curumim: ele paquerou diversas outras garotas, mas foi Jurema quem roubou-lhes o coração em definitivo.
A rigor, Papa-Capim nunca ganhou um gibi próprio, ao menos um integralmente seu. Suas histórias sempre foram publicadas de modo secundário nos gibis de linha dos Estúdios Maurício de Sousa – ele aparece mais frequentemente nos gibis de Mônica, Cebolinha e Chico Bento. Ele já chegou a dividir um almanaque com a Turma da Mata. E, bem, isso é tudo.
A imagem acima foi encontrada na internet, e faz parte da série História em Quadrões, em que os Estúdios Maurício de Sousa parodiam obras de arte famosas usando seus personagens nas releituras. No caso, o Papa-Capim “reinterpreta” a ilustração Dança Tarairiu, de Albert Eckout. Foi a única ilustração que encontrei com todos os personagens citados juntos...

SOMBRAS DA NOITE
Bem. PAPA-CAPIM – NOITE BRANCA nos é apresentado como um álbum de terror. Mas não chega a ser tão impressionante, na verdade; ou talvez seja eu, enquanto leitor, que já esteja mitridatizado com relação ao terror dos quadrinhos, lendo exemplares dos mestres do passado no gênero – Eugênio Collonese, Rodolfo Zalla, Mozart Couto... Poucas coisas me impressionam lendo quadrinhos de terror, nacionais e estrangeiros (The Walking Dead se inclui no rol das HQ de terror que me impressionaram, mas esta é outra história).
Ah, mas Godoy e Guedes entregam-nos um dos melhores álbuns do selo Graphic MSP. Em termos de roteiro e desenhos. Já volto a essa parte.
Godoy, para conduzir a aventura onde envolve o curumim e seus amigos, cria uma mitologia particular a partir de lendas já existentes no folclore indígena. Ao mesmo tempo, nos passa uma mensagem sobre o destino nefasto que acomete os nossos indígenas desde o descobrimento do Brasil. Embora estejamos em tempos em que o revisionismo histórico questione muita coisa a respeito do que sabemos sobre os índios, eles, infelizmente, ainda se encontram à margem da história, vendo suas terras e seus campos de caça cada vez mais diminuírem devido às nem sempre agradáveis pretensões do homem branco colonizador, que, além disso, enche os indígenas de doenças e de cachaça para enfraquecer sua resistência.
Bem. Godoy combinou duas lendas para criar a ameaça que se abate sobre a aldeia do Papa-Capim: os tatus-brancos, uma obscura lenda da época dos bandeirantes, que fala de criaturas canibais; e o vampiro europeu. Essa combinação resulta nos monstros chamados Noites Brancas, que dão título ao álbum.
Os Noites Brancas são criaturas que dizimam aldeias de índios, sugando o sangue de suas vítimas, e usando seus corpos para criar soldados. Mas o líder das criaturas é um ser estratégico: ele escolhe um guerreiro de uma aldeia e começa a “quebrar o seu espírito”, ou seja, inicia uma série de jogos psicológicos que resultam no enlouquecimento e no enfraquecimento do escolhido. Só depois é que, através de uma névoa branca, a criatura e seu exército de soldados, formados por guerreiros deformados, invade a aldeia e captura seus membros, incluindo os entes queridos do guerreiro escolhido. E, de espírito quebrado (os índios costumam levar a sério essas questões de espiritualidade e da ligação com a natureza), o guerreiro vitimado procura ajuda em outras aldeias, levando a ameaça para povos vizinhos. Isso nos é revelado no decorrer da história.
Bem. Para o Papa-Capim, a história começa em um momento de distração: ele está treinando, com o amigo Cafuné, a luta ritual dos curumins para apresentar em uma cerimônia em sua aldeia – mas sua cabeça anda longe por conta da sua paixão por Jurema. De repente, os dois encontram um guerreiro em estado catatônico, balbuciando as palavras “noite branca”.
Papa-Capim fica desconfiado de haver algo muito errado acontecendo. Mas encontra muitas resistências por parte dos adultos de sua aldeia – o cacique e o Pajé. O velho feiticeiro sabe a respeito da Noite Branca, mas prefere esconder a verdade do curumim, no intuito de protege-lo.
As coisas começam a se complicar aos poucos. À noite, Papa-Capim tem um sonho estranho: um pássaro – um papa-capim – lhe traz uma névoa de morte durante o sono. Quando o índio acorda, encontra um pássaro morto ao lado de sua rede. Mas Papa-Capim só consegue contar com Cafuné e com Jurema para dividir suas preocupações – quando o curumim tenta falar com o Pajé, ele o repele. Papa-Capim dá enterro ao passarinho.
Existe a insinuação, ao longo do álbum, que Jurema também é apaixonada por Papa-Capim, e demonstra isso ao modo indígena – levando o curumim para pescar no rio. Mas Cafuné perde um pouco a função de alívio cômico, se limitando mais a um interlocutor do personagem principal.
A ameaça fica mais séria quando o Noite Branca, na noite seguinte, toma o corpo de Jurema, temporariamente, para ameaçar Papa-Capim – o monstro promete atacar na noite seguinte. A criatura tenta envenená-lo com sementes tóxicas, para deixa-lo doente e não conseguir avisar todos a tempo. Mas Papa-Capim consegue, tardiamente, se recuperar no dia seguinte. E aproveita o momento de convalescença para avisar Cafuné e Jurema para fugirem. Os dois, após contarem ao Pajé o que souberam, obedecem ao pedido de Papa-Capim. Mas caem em uma armadilha de Noite Branca.
O Pajé, por sua vez, afinal ouve Papa-Capim. Mas, mesmo com a aldeia protegida por guerreiros, os Noites Brancas aparecem, e capturam os índios da aldeia. Mas poupam Papa-Capim. Porque Papa-Capim foi o escolhido por Noite Branca para ter seu espírito quebrado.
O curumim tenta resistir ao nefasto encanto da criatura, que, até agora, não sabemos o que é, na verdade. Vemos, mesmo, seus soldados deformados e a névoa, mas a criatura-líder, em si, é apenas sugestionada. Mas não será difícil ao leitor supor de que se trata, a partir das pistas deixadas pela roteirista.
Ao sair no encalço da criatura, Papa-Capim tem uma surpresa desagradável: o Noite Branca transformou Cafuné em um de seus soldados, para ameaça-lo e enfraquecer ainda mais seu espírito. É nesse momento que Papa-Capim recebe uma ajuda sobrenatural.
Papa-Capim é engolido por uma serpente gigante. Mas a serpente é uma entidade superior dos índios: a Cobra Grande, representação mitológica do Rio Amazonas (o leitor também não saberá quem é na verdade Cobra Grande, até o final do álbum). E, dentro da serpente, Papa-Capim conversa com Honorato, o filho mitológico de Cobra Grande, que lhe esclarece sobre a natureza de Noite Branca – uma ameaça que veio com os homens brancos. Um vampiro europeu que praticamente se adaptou à floresta – morto por um cacique, que, ao invés de cortar-lhe a cabeça, como um pajé lhe recomendou, comeu ritualisticamente seu coração, e acabou contaminado – e promove a dizimação dos índios em nome de sua sede de sangue, pura e simples. Mas Noite Branca tem uma fraqueza: a natureza, tão cara aos índios. Noite Branca, e seus soldados, vivem afastados da natureza, pois os elementos dela – animais, rio, plantas – afetam seus poderes. Entretanto, Cobra Grande não pode interferir para deter as criaturas – são os homens que precisam fazer isso, por razões espirituais.
Papa-Capim sai de dentro de Cobra Grande renovado: ganha novos poderes, e sabe o que fazer agora para salvar seus entes queridos. Um de seus poderes é o de usar a natureza a seu favor: o controle dos animais. E, usando um exército de animais, primeiro, com a ajuda dos pássaros, ele salva os índios sobreviventes (entre estes, Jurema), aprisionados em uma caverna, dos soldados de Noite Branca, e os leva de volta à aldeia. Depois, em um novo ataque das criaturas, Papa-Capim investe com um exército formado por onças, macacos, porcos-do-mato e outros bichos. E, afinal, atrai o exército maligno para uma armadilha, onde Cobra Grande se encarregará do resto, salvando os espíritos dos índios que ainda podem ser salvos. Principalmente o de Cafuné, que Noite Branca sabe ser o mais caro a Papa-Capim.

ASPECTOS TÉCNICOS
Bem. O álbum já pode ser considerado um dos melhores da coleção. A grande ideia de Godoy era passar uma mensagem sobre a ameaça dos homens brancos ao modo de vida dos índios e à natureza em geral – é praticamente isso que os Noites Brancas representam. Para passar essa mensagem, a autora praticamente promove, com Papa-Capim, a clássica Jornada do Herói – o personagem sai de sua zona de conforto e termina a aventura de um modo muito diferente do que começou. Mais ou menos a mesma estrutura de Turma da Mata – Muralha, porém, Godoy usa poucos personagens, faz questão de apresenta-los convenientemente, e faz uma melhor amarração das situações, tenta não se atrapalhar na narrativa. Explica tudo o que é preciso ser explicado, não perde tempo, e assim, aproveita bem o espaço do álbum – são 84 páginas, contando capa, sendo 68 para a história. Mas, para entender alguns trechos mais difíceis, é preciso que o leitor praticamente pense como um índio, tenha algum discernimento sobre a integração homem-natureza. Ainda assim, o álbum é bem simples de entender, não exige grandes esforços do leitor.
Godoy mostra um bom domínio dos elementos do folclore indígena, e uma boa integração dos personagens com a natureza. Ela fez uma grande pesquisa para compor a trama – e mantém, desse modo, o espírito das aventuras dos gibis, embora tenha de suprimir o humor. Ela aproveita ainda e cita versos do clássico poema indigenista I-Juca Pirama, de Gonçalves de Magalhães, bem inseridos no contexto.
O clima de terror é ainda mais valorizado pelo desenho realista de Renato Guedes, e pelas cores de Nascimento e Goulart (na base – Guedes finalizou). A página dos bastidores da produção nega, mas quem há de garantir que Guedes não tenha construído os desenhos, em linhas bem finas, a partir de referências fotográficas, visto os ângulos inusitados e o extremo realismo de algumas cenas? A impressão que fica é que Guedes realmente desenhou as cenas em cima de fotografias e de montagens.
Algumas situações podem parecer clichês dentro do gênero, mas atualmente estamos esgotando nossas possibilidades de criar uma trama original. Não dá para esperar muita coisa. Mas o importante é que Godoy e Guedes passaram sua mensagem. Supriram uma carência na indústria brasileira de quadrinhos. Fazia tempo que não líamos boas histórias de índios, ao menos nos quadrinhos.

CLASSIFICAÇÃO
Como tenho feito desde recentemente, classifico, de acordo com a minha percepção pessoal, os álbuns da série Graphic MSP, do melhor para o pior. Claro, é a opinião deste que vos escreve, não a dos meus 17 leitores, vocês não precisam concordar. Qual seria a lista de vocês?
1º - Turma da Mônica – Lições
2º - Papa-Capim – Noite Branca
3º - Louco – Fuga
4º - Turma da Mônica – Laços
5º - Bidu – Caminhos
6º - Piteco – Ingá
7º - Penadinho – Vida
8º - Chico Bento – Pavor Espaciar
9º - Astronauta – Magnetar
10º - Astronauta – Singularidade
11º - Turma da Mata – Muralha.
Sim: PAPA-CAPIM – NOITE BRANCA conseguiu o segundo lugar na preferência pessoal do leitor. Superou Louco – Fuga, mas não Turma da Mônica – Lições. Os álbuns dos carros-chefes acabam sendo sempre os melhores... Mas veremos como Bianca Pinheiro interpretará a Mônica em seu vindouro álbum.
Aliás, o próximo volume nem anunciado foi ainda... qual será? Astronauta, Bidu ou Mônica? Ou algum “intruso”? Os próximos dias é que vão dizer...

Well. Como de praxe na coleção: o álbum é completo com: a introdução de Maurício de Sousa; páginas com os bastidores da produção; breve histórico do Papa-Capim nas HQ; e biografias dos autores. Quem assina o posfácio da quarta capa é Marcelo Campos, diretor da Quanta Academia de Artes e ex-parceiro de “aventuras” de Godoy (e, provavelmente, foi professor de Guedes).
Disponível em duas versões: em capa cartonada (preço de R$ 22,90) e em capa dura (R$ 32,90).

PARA ENCERRAR...
...ilustração conceitual.
Sempre que Paulo Miguel dos Anjos lança um novo número do gibi do seu personagem Benjamin Peppe, fico dias pensando na próxima colaboração ao Projeto Benjamin Peppe, que visa o licenciamento do personagem.
Já que falamos em índios, agora me ocorre o seguinte: na turma do Benjamin Peppe, a maioria dos leitores não sabe, mas inclui dois índios: o casal Hall e Luci. Eles constam na lista geral de personagens da Turma do Benjamin Peppe, mas nem o próprio Anjos, nem os colaboradores do Projeto, lembram de usá-los.
Segundo os documentos oficiais, Hall é um índio “moderninho”, desligado de suas raízes e que pouco ou não cultiva as tradições de seu povo – talvez isso seja uma das explicações para o fato de ele não ter cabelo. Já Luci é mais ligada às tradições indígenas, e é desconfiada quanto ao mundo do homem branco.
Dois personagens que poderiam render bastante dentro do universo do personagem surfista-ecologista.
Foi pensando nisso que resolvi fazer uma ilustração conceitual dos dois personagens. Pensar que eu já cheguei a criticar esses dois personagens por causa da aparência, que foge do padrão dos índios brasileiros... Assim, fica uma dica aos futuros colaboradores do Projeto Benjamin Peppe, que venham a ler as dicas que deixo neste blog.
Saibam mais sobre o Projeto Benjamin Peppe em http://benjaminpeppe.webnode.pt.
E, no fim, vamos ver o que os próximos dias nos trarão. Se novos álbuns da série Graphic MSP chegarão ao mercado... e se os brasileiros poderão compra-los.

Até mais!

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