Olá.
Hoje,
vamos evitar falar de política, que ninguém aguenta mais. Hoje, vamos falar de
quadrinhos. Vamos falar também dos desfavorecidos da sociedade nacional, que
estão ganhando voz através dos quadrinhos. Vamos falar de novo daquele projeto
que está limpando a barra dos quadrinhos nacionais. Vamos falar de Graphic MSP.
Os politizados podem tentar desviar nossa atenção para outros assuntos
desagradáveis, mas desta vez não vai dar certo. Não se depender deste que vos
escreve.
Demorou,
turma, mas chegou. Vimos uma pergunta que fazíamos há muito tempo respondida,
desde que a série Graphic MSP começou.
Hoje,
vamos falar de PAPA-CAPIM – NOITE BRANCA, o lançamento mais recente do selo.
HÁ QUANTAS ANDA O PROJETO...
PAPA-CAPIM
– NOITE BRANCA é o 11º álbum da série Graphic MSP. Iniciando aquela que podemos
chamar de terceira leva da série especial dos Estúdios Maurício de Sousa, capitaneada
pelo editor Sidney Gusman e encampada pela Panini Comics, onde artistas
consagrados da nova geração das HQ brasileiras reinterpretam, em álbuns de
roteiros maduros e artes impactantes, personagens clássicos de Maurício de
Sousa. Seria dispendioso rememorar todos os álbuns lançados até o momento. Mas
quem está chegando agora de Júpiter tem o direito de saber o que está havendo
no mundo das HQ nacionais... Os álbuns anteriores, então, são os seguintes:
1ª
LEVA:
- Astronauta – Magnetar, de Danilo Beyruth
e Cris Peter – outubro de 2012;
- Turma da Mônica – Laços, de Vítor e Lu
Cafaggi – maio de 2013;
- Chico Bento – Pavor Espaciar, de Gustavo
Duarte – agosto de 2013;
- Piteco – Ingá, de Shiko – novembro de
2013.
2ª
LEVA:
- Bidu – Caminhos, de Eduardo Damasceno e
Luís Felipe Garrocho – agosto de 2014;
- Astronauta – Singularidade, de Danilo
Beyruth e Cris Peter – dezembro de 2014;
- Penadinho – Vida, de Paulo Crumbim e
Cristina Eiko – maio de 2015;
- Turma da Mônica – Lições, de Vítor e Lu
Cafaggi – julho de 2015;
- Turma da Mata – Muralha, de Artur
Fujita, Roger Cruz e Davi Calil – setembro de 2015;
- Louco – Fuga, de Rogério Coelho –
novembro de 2015.
PAPA-CAPIM
– NOITE BRANCA inaugura, portanto, a terceira leva. Mas com algum atraso: o
álbum foi anunciado para março de 2016, e acabou lançado em abril último. Dos
projetos da série Graphic MSP, foi o projeto que andou mais devagar: o teaser
(ilustração de divulgação) foi anunciado em novembro de 2013, para fazer parte
da segunda leva – e foi “empurrado” para a terceira leva, sendo concluído quase
três anos depois.
Já
foram anunciados como próximos projetos: um novo álbum do Bidu por Damasceno e Garrocho; um novo álbum do Astronauta por Beyruth e Peter; e um da Mônica por Bianca Pinheiro. Outros
personagens dos Estúdios Maurício de Sousa ainda não foram anunciados – já
soube de fãs que imploram por álbuns estrelados pela Tina e pelo Horácio, por
exemplo. E, talvez, assim como no caso do álbum do Louco, um novo álbum entrará de “penetra”. Acho que dependerá dos
ventos da economia brasileira nos próximos meses... ou do próprio Maurício de
Sousa, que perdeu um filho recentemente.
Mas
não fica por aí: o universo de Maurício de Sousa está se ramificando para
outras mídias. Turma da Mônica – Laços
está sendo, segundo informações da internet, adaptado para o cinema, numa
versão em live-action (com atores)!
Bem,
não sou assessor oficial da editora Panini ou dos Estúdio Maurício de Sousa –
ambos ignoram a existência deste blogueiro, creio eu – logo, quando faço
resenhas dos álbuns da série Graphic MSP, só sei informar o que li a respeito.
Portanto, os leitores que costumam me fazer perguntas, estejam avisados...
OS INDIGENISTAS
Os
responsáveis pelo álbum, que é considerado o primeiro do gênero terror dentro
da série Graphic MSP (Penadinho – Vida
não pode ser enquadrado no gênero, apesar de aparentar) são Marcela Godoy
(roteiro) e Renato Guedes (arte). Além desses, recebendo créditos não-oficiais,
trabalharam no álbum Diogo Nascimento e Paula Goulart, nas cores-base, e Tainan
Rocha, nas letras. Eis um perfil dos mesmos, a partir de informações que
consegui colher...
Godoy
e Guedes nasceram em São Paulo, SP, e lá residem, para começar.
Marcela
Godoy nasceu em 1973, e já acumula uma década e meia de trabalhos com
quadrinhos, todos como roteirista ou tradutora, além de ter lançado dois
romances.
Seus
primeiros álbuns são de 2004: o álbum de HQ Sete
Segundos de Eternidade, lançado de forma independente e com arte de Thiago
Cruz, e o romance Primeiro Relato da
Queda de um Demônio, publicado pela editora Devir e com ilustrações de
Marcelo Campos.
Campos,
aliás, é o criador do super-herói brasileiro Quebra-Queixo. Entre 2003 e 2005, pela mesma editora Devir, Campos
lançou os álbuns da série Quebra-Queixo –
Technorama, onde seu herói estrela histórias interpretadas por outros
autores, e por ele mesmo. Godoy participou do volume 2, lançado em 2005, com o
roteiro de uma história ilustrada por Júlia Bax.
Em
2007, vem o segundo álbum de HQ com roteiro de Godoy: Schem Ha-Mephorash – Uma Noite em Staronova, publicado de forma
independente, com arte de Sam Hart. Ah: em geral, os projetos de HQs de Godoy
começam anos antes, e só são publicados anos depois.
Em
2008, pela editora Devir – onde Godoy concentra boa parte de seus trabalhos
autorais e de tradução, entre estes os álbuns de Sin City de Frank Miller – a autora lança seu segundo romance, Liah e o Relógio, com ilustrações de
Weberson Santiago.
Em
2009, também pela Devir, Godoy lança mais um álbum de HQ: Fractal, com arte de Eduardo Ferigato. No mesmo ano, ela também
participa da HQ institucional Uma Dupla
que Faz Acontecer, lançado pela editora Campus – ela auxilia o roteirista
José Dornelas, e a arte do álbum é de Fernando Chamis e Winston Petty.
Em
2010, ela participa do álbum infantil Zetz
– Contatos Imediatos, da Devir. Co-produção da Quanta Academia de Artes, o
álbum tem arte de Eduardo Ferrara, e, além de Godoy, teve participação de
vários outros artistas, como Davi Calil, Weberson Santiago e Amilcar Pina.
Em
2011, Godoy escreve o roteiro da adaptação de Romeu e Julieta, de William Shakespeare, para a Coleção Shakespeare em Quadrinhos, da
editora Nemo. A arte de Romeu e Julieta é
de Roberta Pares Massenssini.
Em
2012, mais dois álbuns de HQ: pela Devir, A
Dama do Martinelli, com arte de Jefferson Costa, considerado por alguns
críticos um pequeno clássico das HQ ambientadas no período do Regime Militar
Brasileiro (1964 – 1985); e, pela Nemo, a adaptação de Macbeth, de Shakespeare, pela mesma Coleção Shakespeare da Nemo, com arte de Rafael Vasconcellos. Ela
também participa da coletânea Fim do
Mundo em Quadrinhos, da Devir, também em colaboração com a Quanta Academia
de Artes, lançada no mesmo ano.
PAPA-CAPIM
marca o retorno de Godoy aos quadrinhos depois de três anos, portanto. Site
oficial: www.marcelagodoy.com/.
Renato
Guedes, por sua vez, tem uma longa carreira como artista, desenhista e
ilustrador, tanto no Brasil como no exterior. Nascido em 1980, e formado no
curso de Histórias em Quadrinhos na Fábrica de Quadrinhos (atual Quanta
Academia de Artes), sua estreia na indústria profissional das HQ foi em 1998,
ilustrando para editoras religiosas. Posteriormente, começou a trabalhar para a
histórica editora Opera Graphica, como ilustrador e, eventualmente,
quadrinhista. Além de algumas histórias para a revista HQ, parceria da Opera Graphica com a editora Escala, Guedes também
fez capas para as edições especiais de alguns álbuns lançados pela editora,
como: Calafrio – 20 Anos Depois, O Anel
do Nibelungo (de Roy Thomas e Gil Kane), Alien Salvação e Super-Homem
e Monstro do Pântano (de Alan Moore e Rick Veitch), além do Guia Oficial DC Comics – roteiros e
desenhos. Esse período da Opera Graphica rendeu a Guedes o Prêmio HQ Mix de
Melhor Ilustrador Nacional em 2003. Concomitante a esse trabalho, Guedes fez
ilustrações para publicações como: Folha
de S. Paulo, Superinteressante, Sexy, Aventuras na História, Mundo Estranho,
Religiões, Wizard Brasil...
Ainda
em 2003, Guedes começa a trabalhar para as editoras norte-americanas: seu
primeiro trabalho foi na DC Comics, ilustrando a versão em HQ do seriado
televisivo Smalville. Depois, ele
trabalhou para outras editoras, ilustrando adaptações de séries televisivas e
cinematográficas, como a IDW (24 Horas),
e a Avatar Press (Jogos Mortais e Stargate SG1); também prestou serviços
para a Marvel, ilustrando Wolverine e
Vingadores Secretos. A partir de
2006, Guedes passa a trabalhar exclusivamente para a DC Comics, ilustrando as
capas e as páginas internas de séries como Action
Comics, Constantine (Novos 52), Arqueiro Verde & Canário Negro, OMAC,
Supergirl... Em 2008, tornou-se artista regular da revista Superman, sob os roteiros de James
Robinson. Ele também ilustrou livros de RPG e a capa de um CD do roqueiro Rob
Zombie.
Guedes
participara, anteriormente, de uma publicação dos Estúdios Maurício de Sousa:
participou do segundo volume da série comemorativa MSP 50, de 2009, com uma HQ do Astronauta. Em 2014, expôs seu
trabalho na Gibicon, de Curitiba, PR, e na Galeria Ornitorrinco, de São Paulo.
O OBJETO DE ESTUDO
O
personagem Papa-Capim, o indiozinho, foi criado por Maurício de Sousa em 1963,
no suplemento Folhinha do jornal Folha de S. Paulo, berço da maioria dos
personagens do artista. O personagem passou por muitas mudanças no correr do
tempo: de um índio com aparência de adulto, surgido em uma tirinha vertical,
evoluiu para o conhecido curumim sem dedos nos pés.
Papa-Capim
é um dos poucos representantes atuais dos indígenas nos quadrinhos brasileiros
– os nossos índios, na cultura pop brasileira, parecem interessar mais os
romancistas (principalmente os do século XIX) que os quadrinhistas. Sério,
gente: consigo pensar apenas em alguns poucos exemplos de índios nos
quadrinhos, vários desses concentrados nos quadrinhos independentes e,
portanto, atingindo menos público, como o Itabira
de Emir Ribeiro, o Krahomim de
Elmano Silva, o Guaraná de Paulo
Alves, o Umuaraminha de Marcos Vaz, o
Tininim e a Tuiuiú da Turma do Pererê de Ziraldo, o Guari de Pátria Armada, de Klebs Júnior... até
nos quadrinhos existe uma segregação contra os proprietários originais das
terras brasileiras.
Bem.
Papa-Capim, um indiozinho semicivilizado, é o porta-voz de Maurício em assuntos
de ecologia – ele vem de uma tribo que ainda vive em estado selvagem no meio da
floresta, provavelmente a amazônica, e, em boa parte de suas histórias, além de
chamar a atenção para a conservação da natureza, questiona os hábitos dos
“caraíbas”, os homens brancos que eventualmente dão as caras em sua aldeia,
querendo mudar o modo de vida dos índios.
Papa-Capim
foi inspirado nos índios da etnia pataxó, do sul da Bahia, e seu nome vem de um
pássaro, o papa-capim-capuchinho, comum no Brasil e na América do Sul. Aliás,
uma das histórias clássicas do personagem é justamente uma em que ele questiona
a origem de seu nome.
O
Papa-Capim, o indiozinho, segue o modelo dos indiozinhos dos quadrinhos: é um
bom menino e respeitador das tradições de seu povo. Curumim que passa seus dias
em atividades corriqueiras dos índios brasileiros de selva: caçando, pescando, andando
de canoa no rio, ajudando a mãe nas tarefas da aldeia, ouvindo as histórias do
velho pajé, o feiticeiro da aldeia. Sua roupa se resume a uma tanga vermelha em
volta da cintura, cobrindo a virilha e o quadril. Mas, dentro do microcosmo de
sua aldeia no meio do mato, o Papa-Capim vive situações típicas de crianças de
qualquer raça, como namoros infantis, brigas com outros garotos e até
insinuações de bullying – sim, intimidar coleguinhas não é exclusividade dos
meninos brancos. Vez por outra, vivendo situações fantasiosas, como encontros
com lendas brasileiras – sacis, curupiras, boitatás e iaras.
Dentre
os índios que convivem com Papa-Capim, dois se destacam: o inseparável amigo
Cafuné e a quase-namoradinha Jurema.
Cafuné,
surgido nas tiras de jornal em 1966, é o indiozinho narigudo, com alargadores
de orelha e atrapalhado, o alívio cômico das histórias.
Jurema,
a linda indiazinha de tranças enroladas (à moda da Princesa Leia de Star Wars), por sua vez, surgiu nos
gibis, mais precisamente em Chico Bento #
3, da editora Abril, de 1982. Mas, inicialmente, a indiazinha se chamava
Iracema – e ela passou por várias mudanças. E não foi a única pretendente do
coração do curumim: ele paquerou diversas outras garotas, mas foi Jurema quem
roubou-lhes o coração em definitivo.
A
rigor, Papa-Capim nunca ganhou um gibi próprio, ao menos um integralmente seu.
Suas histórias sempre foram publicadas de modo secundário nos gibis de linha
dos Estúdios Maurício de Sousa – ele aparece mais frequentemente nos gibis de Mônica, Cebolinha e Chico Bento. Ele já chegou a dividir um almanaque com a Turma da
Mata. E, bem, isso é tudo.
A
imagem acima foi encontrada na internet, e faz parte da série História em Quadrões, em que os Estúdios
Maurício de Sousa parodiam obras de arte famosas usando seus personagens nas
releituras. No caso, o Papa-Capim “reinterpreta” a ilustração Dança Tarairiu, de Albert Eckout. Foi a
única ilustração que encontrei com todos os personagens citados juntos...
SOMBRAS DA NOITE
Bem.
PAPA-CAPIM – NOITE BRANCA nos é apresentado como um álbum de terror. Mas não chega
a ser tão impressionante, na verdade; ou talvez seja eu, enquanto leitor, que
já esteja mitridatizado com relação ao terror dos quadrinhos, lendo exemplares
dos mestres do passado no gênero – Eugênio Collonese, Rodolfo Zalla, Mozart
Couto... Poucas coisas me impressionam lendo quadrinhos de terror, nacionais e
estrangeiros (The Walking Dead se
inclui no rol das HQ de terror que me impressionaram, mas esta é outra
história).
Ah,
mas Godoy e Guedes entregam-nos um dos melhores álbuns do selo Graphic MSP. Em
termos de roteiro e desenhos. Já volto a essa parte.
Godoy,
para conduzir a aventura onde envolve o curumim e seus amigos, cria uma
mitologia particular a partir de lendas já existentes no folclore indígena. Ao
mesmo tempo, nos passa uma mensagem sobre o destino nefasto que acomete os
nossos indígenas desde o descobrimento do Brasil. Embora estejamos em tempos em
que o revisionismo histórico questione muita coisa a respeito do que sabemos
sobre os índios, eles, infelizmente, ainda se encontram à margem da história,
vendo suas terras e seus campos de caça cada vez mais diminuírem devido às nem
sempre agradáveis pretensões do homem branco colonizador, que, além disso,
enche os indígenas de doenças e de cachaça para enfraquecer sua resistência.
Bem.
Godoy combinou duas lendas para criar a ameaça que se abate sobre a aldeia do
Papa-Capim: os tatus-brancos, uma obscura lenda da época dos bandeirantes, que
fala de criaturas canibais; e o vampiro europeu. Essa combinação resulta nos
monstros chamados Noites Brancas, que dão título ao álbum.
Os
Noites Brancas são criaturas que dizimam aldeias de índios, sugando o sangue de
suas vítimas, e usando seus corpos para criar soldados. Mas o líder das
criaturas é um ser estratégico: ele escolhe um guerreiro de uma aldeia e começa
a “quebrar o seu espírito”, ou seja, inicia uma série de jogos psicológicos que
resultam no enlouquecimento e no enfraquecimento do escolhido. Só depois é que,
através de uma névoa branca, a criatura e seu exército de soldados, formados
por guerreiros deformados, invade a aldeia e captura seus membros, incluindo os
entes queridos do guerreiro escolhido. E, de espírito quebrado (os índios
costumam levar a sério essas questões de espiritualidade e da ligação com a
natureza), o guerreiro vitimado procura ajuda em outras aldeias, levando a
ameaça para povos vizinhos. Isso nos é revelado no decorrer da história.
Bem.
Para o Papa-Capim, a história começa em um momento de distração: ele está
treinando, com o amigo Cafuné, a luta ritual dos curumins para apresentar em
uma cerimônia em sua aldeia – mas sua cabeça anda longe por conta da sua paixão
por Jurema. De repente, os dois encontram um guerreiro em estado catatônico,
balbuciando as palavras “noite branca”.
Papa-Capim
fica desconfiado de haver algo muito errado acontecendo. Mas encontra muitas
resistências por parte dos adultos de sua aldeia – o cacique e o Pajé. O velho
feiticeiro sabe a respeito da Noite Branca, mas prefere esconder a verdade do
curumim, no intuito de protege-lo.
As
coisas começam a se complicar aos poucos. À noite, Papa-Capim tem um sonho estranho:
um pássaro – um papa-capim – lhe traz uma névoa de morte durante o sono. Quando
o índio acorda, encontra um pássaro morto ao lado de sua rede. Mas Papa-Capim
só consegue contar com Cafuné e com Jurema para dividir suas preocupações –
quando o curumim tenta falar com o Pajé, ele o repele. Papa-Capim dá enterro ao
passarinho.
Existe
a insinuação, ao longo do álbum, que Jurema também é apaixonada por Papa-Capim,
e demonstra isso ao modo indígena – levando o curumim para pescar no rio. Mas
Cafuné perde um pouco a função de alívio cômico, se limitando mais a um
interlocutor do personagem principal.
A
ameaça fica mais séria quando o Noite Branca, na noite seguinte, toma o corpo
de Jurema, temporariamente, para ameaçar Papa-Capim – o monstro promete atacar
na noite seguinte. A criatura tenta envenená-lo com sementes tóxicas, para
deixa-lo doente e não conseguir avisar todos a tempo. Mas Papa-Capim consegue,
tardiamente, se recuperar no dia seguinte. E aproveita o momento de
convalescença para avisar Cafuné e Jurema para fugirem. Os dois, após contarem
ao Pajé o que souberam, obedecem ao pedido de Papa-Capim. Mas caem em uma
armadilha de Noite Branca.
O
Pajé, por sua vez, afinal ouve Papa-Capim. Mas, mesmo com a aldeia protegida
por guerreiros, os Noites Brancas aparecem, e capturam os índios da aldeia. Mas
poupam Papa-Capim. Porque Papa-Capim foi o escolhido por Noite Branca para ter
seu espírito quebrado.
O
curumim tenta resistir ao nefasto encanto da criatura, que, até agora, não
sabemos o que é, na verdade. Vemos, mesmo, seus soldados deformados e a névoa,
mas a criatura-líder, em si, é apenas sugestionada. Mas não será difícil ao
leitor supor de que se trata, a partir das pistas deixadas pela roteirista.
Ao
sair no encalço da criatura, Papa-Capim tem uma surpresa desagradável: o Noite
Branca transformou Cafuné em um de seus soldados, para ameaça-lo e enfraquecer
ainda mais seu espírito. É nesse momento que Papa-Capim recebe uma ajuda
sobrenatural.
Papa-Capim
é engolido por uma serpente gigante. Mas a serpente é uma entidade superior dos
índios: a Cobra Grande, representação mitológica do Rio Amazonas (o leitor
também não saberá quem é na verdade Cobra Grande, até o final do álbum). E,
dentro da serpente, Papa-Capim conversa com Honorato, o filho mitológico de
Cobra Grande, que lhe esclarece sobre a natureza de Noite Branca – uma ameaça
que veio com os homens brancos. Um vampiro europeu que praticamente se adaptou
à floresta – morto por um cacique, que, ao invés de cortar-lhe a cabeça, como
um pajé lhe recomendou, comeu ritualisticamente seu coração, e acabou
contaminado – e promove a dizimação dos índios em nome de sua sede de sangue,
pura e simples. Mas Noite Branca tem uma fraqueza: a natureza, tão cara aos
índios. Noite Branca, e seus soldados, vivem afastados da natureza, pois os
elementos dela – animais, rio, plantas – afetam seus poderes. Entretanto, Cobra
Grande não pode interferir para deter as criaturas – são os homens que precisam
fazer isso, por razões espirituais.
Papa-Capim
sai de dentro de Cobra Grande renovado: ganha novos poderes, e sabe o que fazer
agora para salvar seus entes queridos. Um de seus poderes é o de usar a
natureza a seu favor: o controle dos animais. E, usando um exército de animais,
primeiro, com a ajuda dos pássaros, ele salva os índios sobreviventes (entre
estes, Jurema), aprisionados em uma caverna, dos soldados de Noite Branca, e os
leva de volta à aldeia. Depois, em um novo ataque das criaturas, Papa-Capim
investe com um exército formado por onças, macacos, porcos-do-mato e outros
bichos. E, afinal, atrai o exército maligno para uma armadilha, onde Cobra
Grande se encarregará do resto, salvando os espíritos dos índios que ainda
podem ser salvos. Principalmente o de Cafuné, que Noite Branca sabe ser o mais
caro a Papa-Capim.
ASPECTOS TÉCNICOS
Bem.
O álbum já pode ser considerado um dos melhores da coleção. A grande ideia de
Godoy era passar uma mensagem sobre a ameaça dos homens brancos ao modo de vida
dos índios e à natureza em geral – é praticamente isso que os Noites Brancas representam.
Para passar essa mensagem, a autora praticamente promove, com Papa-Capim, a
clássica Jornada do Herói – o personagem sai de sua zona de conforto e termina
a aventura de um modo muito diferente do que começou. Mais ou menos a mesma
estrutura de Turma da Mata – Muralha, porém,
Godoy usa poucos personagens, faz questão de apresenta-los convenientemente, e
faz uma melhor amarração das situações, tenta não se atrapalhar na narrativa. Explica
tudo o que é preciso ser explicado, não perde tempo, e assim, aproveita bem o
espaço do álbum – são 84 páginas, contando capa, sendo 68 para a história. Mas,
para entender alguns trechos mais difíceis, é preciso que o leitor praticamente
pense como um índio, tenha algum discernimento sobre a integração homem-natureza.
Ainda assim, o álbum é bem simples de entender, não exige grandes esforços do
leitor.
Godoy
mostra um bom domínio dos elementos do folclore indígena, e uma boa integração
dos personagens com a natureza. Ela fez uma grande pesquisa para compor a trama
– e mantém, desse modo, o espírito das aventuras dos gibis, embora tenha de
suprimir o humor. Ela aproveita ainda e cita versos do clássico poema
indigenista I-Juca Pirama, de
Gonçalves de Magalhães, bem inseridos no contexto.
O
clima de terror é ainda mais valorizado pelo desenho realista de Renato Guedes,
e pelas cores de Nascimento e Goulart (na base – Guedes finalizou). A página
dos bastidores da produção nega, mas quem há de garantir que Guedes não tenha
construído os desenhos, em linhas bem finas, a partir de referências
fotográficas, visto os ângulos inusitados e o extremo realismo de algumas
cenas? A impressão que fica é que Guedes realmente desenhou as cenas em cima de
fotografias e de montagens.
Algumas
situações podem parecer clichês dentro do gênero, mas atualmente estamos
esgotando nossas possibilidades de criar uma trama original. Não dá para
esperar muita coisa. Mas o importante é que Godoy e Guedes passaram sua
mensagem. Supriram uma carência na indústria brasileira de quadrinhos. Fazia tempo
que não líamos boas histórias de índios, ao menos nos quadrinhos.
CLASSIFICAÇÃO
Como
tenho feito desde recentemente, classifico, de acordo com a minha percepção
pessoal, os álbuns da série Graphic MSP, do melhor para o pior. Claro, é a
opinião deste que vos escreve, não a dos meus 17 leitores, vocês não precisam
concordar. Qual seria a lista de vocês?
1º - Turma da Mônica –
Lições
2º - Papa-Capim –
Noite Branca
3º - Louco – Fuga
4º - Turma da Mônica –
Laços
5º - Bidu – Caminhos
6º - Piteco – Ingá
7º - Penadinho – Vida
8º - Chico Bento –
Pavor Espaciar
9º - Astronauta –
Magnetar
10º - Astronauta –
Singularidade
11º - Turma da Mata –
Muralha.
Sim:
PAPA-CAPIM – NOITE BRANCA conseguiu o segundo lugar na preferência pessoal do
leitor. Superou Louco – Fuga, mas não
Turma da Mônica – Lições. Os álbuns
dos carros-chefes acabam sendo sempre os melhores... Mas veremos como Bianca
Pinheiro interpretará a Mônica em seu vindouro álbum.
Aliás,
o próximo volume nem anunciado foi ainda... qual será? Astronauta, Bidu ou Mônica?
Ou algum “intruso”? Os próximos dias é que vão dizer...
Well.
Como de praxe na coleção: o álbum é completo com: a introdução de Maurício de
Sousa; páginas com os bastidores da produção; breve histórico do Papa-Capim nas
HQ; e biografias dos autores. Quem assina o posfácio da quarta capa é Marcelo
Campos, diretor da Quanta Academia de Artes e ex-parceiro de “aventuras” de
Godoy (e, provavelmente, foi professor de Guedes).
Disponível
em duas versões: em capa cartonada (preço de R$ 22,90) e em capa dura (R$
32,90).
PARA ENCERRAR...
...ilustração
conceitual.
Sempre
que Paulo Miguel dos Anjos lança um novo número do gibi do seu personagem
Benjamin Peppe, fico dias pensando na próxima colaboração ao Projeto Benjamin
Peppe, que visa o licenciamento do personagem.
Já
que falamos em índios, agora me ocorre o seguinte: na turma do Benjamin Peppe,
a maioria dos leitores não sabe, mas inclui dois índios: o casal Hall e Luci.
Eles constam na lista geral de personagens da Turma do Benjamin Peppe, mas nem
o próprio Anjos, nem os colaboradores do Projeto, lembram de usá-los.
Segundo
os documentos oficiais, Hall é um índio “moderninho”, desligado de suas raízes
e que pouco ou não cultiva as tradições de seu povo – talvez isso seja uma das
explicações para o fato de ele não ter cabelo. Já Luci é mais ligada às
tradições indígenas, e é desconfiada quanto ao mundo do homem branco.
Dois
personagens que poderiam render bastante dentro do universo do personagem
surfista-ecologista.
Foi
pensando nisso que resolvi fazer uma ilustração conceitual dos dois
personagens. Pensar que eu já cheguei a criticar esses dois personagens por
causa da aparência, que foge do padrão dos índios brasileiros... Assim, fica
uma dica aos futuros colaboradores do Projeto Benjamin Peppe, que venham a ler
as dicas que deixo neste blog.
E,
no fim, vamos ver o que os próximos dias nos trarão. Se novos álbuns da série
Graphic MSP chegarão ao mercado... e se os brasileiros poderão compra-los.
Até
mais!
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